Quando o amor não acontece
Escrita por Suh Souza | Revisada por Mariana
Amores de infância são intensos e doces clichês, é sempre uma garota e um garoto. A garota é apaixonada pelo garoto desde sempre, o garoto não sabe que gosta da garota, talvez ele arrume uma namorada, talvez a garota odeie a namorada, talvez isso faça o garoto ver que gosta da garota... talvez você seja a namorada.
Encarei o garoto a minha frente, que me olhava como se tivesse vendo um fantasma. A vida havia me ensinado que em momentos como esse o primeiro a falar perdia, por isso apenas me ajeitei melhor na poltrona cruzando as pernas e vendo Nicholas engolir seco. Ele ainda me encarava chocado pelas minhas últimas palavras, e eu tentava manter minha postura firme e minha expressão impassível.
- Molly, isso é no mínimo ridículo – ele disse por fim, se aproximando devagar, e se ajoelhando a minha frente, apoiou as mãos em minhas pernas, me fazendo sorrir levemente.
- Eu gosto de você, Molly, a Beth é, e sempre vai ser, apenas minha melhor amiga – A voz rouca e firme, a boca a centímetros da minha, sua respiração quente batendo em meu rosto e me fazendo ter pequenos arrepios intensificados pelas caricias leves que ele fazia em minhas coxas descobertas: todo o conjunto me fazia querer fechar os olhos e me entregar mais uma vez para o garoto a minha frente. Continuei encarando seus olhos azuis, ciente de que aquele momento iria me assombrar pelos meses seguintes:
- Baby, você sabe como eu gosto de estar certa – falei finalmente, deslizando as mãos pelos seus cabelos e acariciando sua nuca com as unhas. Senti sua pele se arrepiar e dei uma risada leve. Ele segurou uma das minhas mãos, beijando delicadamente, me fazendo lembrar de quando nos conhecemos. Pousei a outra em seu ombro, diferente de mim que estava gelada, sua pele era quente e firme. Eu amava o contanto entre nossos corpos e sem perceber fomos nos aproximando mais e mais, ele ainda ajoelhado se encaixou no meio das minhas pernas e soltando minhas mãos me enlaçou pela cintura, pousando a cabeça em meu ombro e deixando pequenos beijos em meu pescoço. O abracei e ele vendo isso como um sinal positivo, subiu as caricias e logo estávamos envolvidos em um beijo quente e intenso, seus braços agora me apertavam firmemente contra si e ele estava praticamente todo inclinado sobre mim, me sufocando de uma maneira deliciosa:
- Nick... - ela chama de repente e nos separamos em um pulo. Por um décimo de segundo me sinto tão culpada quanto uma amante, até me dar conta de que esse sentimento era tão ridículo quanto aquela situação. – Desculpe, não quis interromper...
Ela fala, mas ao invés de ir embora, se acomoda no sofá grande em frente a poltrona. Me levanto devagar, ajeitando meu vestido que havia subido um bocado, Nicholas me encara chocado, como se esperasse que eu saísse correndo, mas tudo o que eu faço é puxa-lo para sentar–se na poltrona, sentando-me em seguida em seu colo.
Embora uma conversa leve tenha sido iniciada pelo meu garoto, a tensão na sala é visível, ainda mais porque Beth insiste em iniciar qualquer sentença com o nome do Nicholas, deixando claro para nos dois que não está nem um pouco interessada em me envolver na conversa. Com o tempo, até mesmo Nick se constrange, e o bate papo entre os dois vira um monologo de Beth, que insiste em falar de pessoas e lugares que eu não conheço em mais uma tentativa infantil de me fazer ir embora. E a verdade é que embora uma das mãos do garoto permanecesse firme em minha cintura e a outra entrelaçada em minhas mãos, cada vez que ela o chamava eu sentia a verdade sendo revelada através das reações de seu corpo: aquela amizade era muito mais do que eu sabia.
Quando os pais de Nicholas chegaram, aquela foi a deixa para que Beth finalmente se retirasse sobre o olhar desaprovador da senhora Montgomery que não era sua maior fã. Não fiquei muito mais tempo depois de sua saída, Nicholas insistiu em me levar em casa, e embora tivéssemos trocado alguns beijos e uma promessa de nos ver no dia seguinte, embora depois do banho quente e do boa noite dos meus pais ele tivesse me ligado, e embora meu coração tivesse palpitado ao sentir seu cheiro em minha cama (resultado de uma invasão noturna), eu sabia que tudo estava caminhando para o fim do meu romance de férias.
Meus pais se despediram de mim pela manhã, estavam voltando para a cidade mais cedo por conta de problemas na empresa. Eu quase cedi e voltei com eles, mas a voz em minha cabeça me dizia que aquele não era o meu jeito de fazer as coisas. Após convencer minha mãe que ficaria bem, e prometer ao meu pai que não daria festas, me despedi dos dois que entraram no taxi e foram embora sem olhar pra trás. Era precisamente por isso que eu deveria ficar: pra conseguir ir embora sem olhar pra trás.
A primeira vez que meus pais me trouxeram na casa do lago da família eu devia ter por volta de seis ou sete anos, não me recordo bem. Eu não havia ficado nada contente em passar a maior parte das minhas férias longe de minhas amigas e como forma de protesto passei a primeira semana inteira em meu quarto, sobre os protestos dos meus pais.
Foi na segunda semana que a melhor amiga de infância da minha mãe trouxe seu filho e ele finalmente me convenceu a sair do quarto e a brincar com ele e sua melhor amiga Beth. Eu lembro que não nos demos bem logo de cara, Beth fazia questão de escolher as brincadeiras mais violentas possíveis e nunca perdia uma oportunidade de presentear com um empurrão mais forte do que o necessário. Nicholas sempre ficava no meio, e embora não tomasse partido era sempre ele quem me ajudava a levantar.
Quando o verão terminou, para o alivio de Beth eu e meu pais nos preparamos para voltar para a cidade e eu tinha pouca esperança de que Nicholas e eu continuássemos amigos. Mas surpreendentemente, ele me escreveu em uma caligrafia desleixada e infantil uma semana depois das minhas aulas terem começados e passamos então a trocar correspondências e mais tarde telefonemas. No meu aniversário de dez anos seus pais vieram à cidade e nos encontramos novamente, sem Beth pra me empurrar a companhia dele ficou muito mais divertida e na tarde antes dele ir embora trocamos o que foi o meu primeiro beijo, e o dele também.
Ele me ligou uma semana depois dizendo que após contar a Beth o que havia acontecido entre nós, ela havia ficado estranha: Eu não fiquei surpresa é claro. Aos doze anos as diferenças entre Beth e eu se tornaram gritantes. Ela era a típica garota do interior, só tinha amizades masculinas e para se camuflar se vestia como elas, ela e Nicholas continuavam melhor amigos e a garota parecia estar sempre envolvendo-o em problemas.
Eu, por outro lado, fazia justiça a fama de filha única e mimada. Tinha uma porção de amigas, estava na equipe de animadoras júnior e tinha trazido pra casa meu primeiro namorado: o que provavelmente causou a decisão dos meus pais de tirar uma folga no trabalho e vir para o lago.
Foi o primeiro verão em que Beth bateu o pé e se recusou a me aceitar em seu grupo e posso dizer que fiquei tão surpresa quanto ela quando Nicholas ficou do meu lado. Depois daquele verão. Eu tornei a ver o Nicholas apenas há um ano, no meu aniversário de quinze anos.
Seus pais haviam vindo para a cidade, já que minha mãe havia feito questão de realizar uma festa de debutante tradicional. Nicholas havia se desenvolvido muito desde do nosso último encontro. Eu sabia que ele tinha entrado para o time do futebol e uma vez ouvi sua mãe gritar através do telefone, como suas calças estavam ficando cada vez mais curtas, o que eu não sabia era que meu amigo do interior havia se transformado de um menino franzino em um adolescente alto e forte, másculo o suficiente para fazer meus hormônios adolescentes ferverem. Depois da minha festa seus pais permaneceram mais três dias conosco e na véspera da partida deles os adultos saíram para um programa maduro e nos deixaram sozinhos em casa, e eu não sei se foi ele ou eu quem tomou a iniciativa, mas naquela noite tivemos a nossa primeira vez e sobre isso vou dizer apenas que aconteceu da melhor forma que podia ter acontecido.
Isso nos aproximou mais, e embora nem um dos dois tenha feito promessas de amor eterno, a atração física entre nós se tornou nítida até em nossas conversar pelo telefone. E quando meus pais anunciaram que passaríamos o verão na casa do lago eu quase pulei de alegria.
Depois de um tempo discutindo com a companhia área pelo telefone, consegui remarcar minha passagem para dali a dois dias. Meus pais já haviam trancado a casa toda e assim que eu fosse embora, senhor e senhora Hustell, nossos caseiros, viriam cobrir tudo com lençóis, até que decidíssemos passar a próxima temporada na casa do lago.
Depois de alguns instantes de indecisão decidi que a bebida mais apropriada para aquele momento seria um bom vinho: um intenso e doce clichê de qualquer adega. Subi para o meu quarto e depois de preparar um bom banho de espuma perdi algumas horas na banheira na companhia da taça sempre cheia e do coração que aos poucos ia se esvaziando.
Pra ser sincera, e eu sempre procurava ser sincera ao menos comigo mesma eu sabia que não estava nem remotamente perto de me apaixonar pelo garoto. Já havia me apaixonado e tido meu coração partido vezes o suficiente para identificar os sintomas. Na verdade era tudo uma questão de orgulho.
Eu estava disposta a sair daquele triangulo amoroso e deixar que os dois melhores amigos de infância ficassem juntos: desde que não fosse passada para trás no processo. Eu sabia que embora Nicholas insistisse em dizer que me amava, eu não passava de uma fuga para ele, era orgulho da parte dele que o matinha ao meu lado: aquele pedacinho primitivo que odiamos nos homens que faz com que eles deem muito valor ao visual de uma mulher.
De frente para o espelho, após o meu banho eu conseguia entender o homem das cavernas dentro da cabeça do Nicholas. Eu podia ser considerada no mínimo vaidosa, adorava me cuidar, mantinha meus cabelos longos e sempre estava com cabelo e unhas muito bem feitos. No quesito maquiagem seguia a escola de minha mãe que dizia que menos era mais e quanto a roupas eu era atraída pelo estilo elegante e feminino.
Você poderia me considerar clássica, ou patricinha se quiser me ofender, mas em todo caso eu me esforçava pra ser o tipo de garota agradável não só como pessoa, mas como mulher: o contrário de Beth.
Sempre que eu colocava meus olhos na garota ela estava com roupas largas e desleixadas, suas unhas estavam sempre com esmalte preto descascado, o cabelo loiro parecia não ver uma hidratação há séculos estava sempre de qualquer jeito: por mais amor que Nicholas tivesse eu entendia a relutância dele em admitir o amor pela melhor amiga.
Depois de me vestir, peguei meu celular e disquei o número do garoto que me levou a beber duas garrafas de vinho ignorando as outras notificações na minha tela:
- Hey baby, estava me perguntando o que teria acontecido com você - a voz rouca e sensual fez a minha cabeça rodar com mais facilidade que o vinho. – Você está em casa?
- Você está sozinho? – falei encarando o espelho visivelmente surpresa por ter soado mais maliciosa do que eu gostaria.
- Bem... meus pais foram visitar alguns parentes, só devem voltar amanhã à tarde. – isso era tudo o que eu queria ouvir, depois de trocar umas poucas palavras, desliguei e chamei um Uber pelo aplicativo.
Tentar normalizar minha respiração parecia uma tarefa extremamente difícil, ainda sobre os efeitos do intenso orgasmo, meu coração acelerado tentava bombear oxigênio suficiente para suprir as minha células, mas não era o suficiente para o que eu exigia do meu corpo no momento.
Nicholas parecia muito contente consigo mesmo, me aninhava ao seu lado, passando as mãos pelas minhas costas nuas em um carinho gostoso. Aos poucos minha respiração foi se normalizando e eu me aconcheguei mais aspirando seu cheiro masculino, e aproveitado o contato de nossos corpos nus, a verdade era que aquele deveria ser apenas uma transa de despedida, mas eu estava desnorteada e esperando ter um pouco mais.
No radio, tocava baixinho uma balada eletrônica que verbalizava em alto e bom som o que se passava na minha cabeça, eu não conhecia a banda mas, Bond, blond ou Broods como for, parecia saber exatamente o que eu estava passando.
Nosso momento de aconchego pós sexo foi interrompido quando a porta da frente se abriu abruptamente e uma loira descontrolada passou feito um furacão por ela:
- Nicholas, você não vai acreditar... – frase morreu lentamente a medida que seus olhos absorviam o fato de nos dois estarmos pelados no sofá da sala, as roupas espalhadas por todos os lados, marcas em nossas peles e cabelos desarrumados, tudo contanto uma história que ela não queria saber. Sem dizer uma palavra a loira se virou e marchou porta a fora e eu sorri em resposta, ao meu lado o garoto se virou inquieto e o choque em seu rosto foi o suficiente pra me fazer levantar e capturar minhas roupas espalhadas pela sala, vestindo-as rapidamente:
- Molly, não se preocupe, Beth não vai – calei o garoto com um beijo rápido, aproveitando pra recuperar minha calcinha que estava no braço do sofá:
- Querido, você sabe que esta é a nossa última vez – ele me encarou perplexo enquanto eu terminava de me ajeitar, ajeitando como pude meus cabelos - Depois de beber e pensar, decidi que não quero realmente lutar por essa relação.
Me senti exatamente bem ao constatar que acreditava fielmente em cada palavra que eu havia dito. Caminhei calmamente até a porta, ignorando o garoto que vinha atrás de mim, se atrapalhando com as calças. Abri a porta estava quase descendo as escadas da varanda quando uma figura encolhida na lateral dos degraus me chamou atenção: Beth. Ignorei a garota, mas a mesma não fez o mesmo e passou a gritar a plenos pulmões sobre a vadia fácil da cidade que eu era, eu só queria brigar aquilo foi o estopim.
Jogando minha bolsa na grama me virei rapidamente e pegando a garota de surpresa, acertei um tapa em seu rosto com a mão o mais aberta que eu consegui:
- Você não tem o direito de falar absolutamente nada de mim, Beth, não é nem uma mulher direito, parece mais um menino. – eu provavelmente devia ter acertado um ponto sensível, pois a garota em choque pelo meu tapa se recuperou se jogando em cima de mim e derrubando nos duas na grama.
Em outras circunstancias, Beth teria vantagem com toda a certeza, mas eu vinha desejando essa briga desde os sete anos, e não ia deixar ela vencer de jeito nenhum. Rolamos pela grama e eu me esforcei para socar, puxar, arranhar e até morder a maior parte dela que eu conseguia alcançar, não me lembro direito do que aconteceu a seguir, só de estar dentro da casa sentada no sofá, com Nicholas no volante perguntando se eu estava bem, e fora alguns pontos doloridos eu estava mais do que bem: me sentia realizada.
- Nick... - ela chama de repente e minha melhor reação é rir ao ver a loira: a marca do meu tapa ainda está perfeitamente visível em seu rosto, descabelada, arranhada e com vários hematomas em formação por todo o corpo. Nicholas suspira e murmurando um pedido de desculpas a arrasta pelo braço até a cozinha, e mesmo sem me esforçar consigo ouvir a loira choramingar enquanto o garoto murmura uma serie de repreensões. Pego meu celular e depois de tomar algumas providencias, saio pela porta da frente de cabeça erguida e coração aberto. Já estou no meio do caminho quando ouço Nicholas me chamando, me viro e não passa despercebido que seu cabelo está mais desarrumado do que quando ele entrou na cozinha e sua camisa está levemente fora do lugar:
- Diga-me a verdade, Nicholas, é mais do que eu sabia não é? – ele não me responde, mas nem é preciso.
Continuo meu caminho até a rua onde um Uber me esperava, entro no carro e descanso a cabeça no acento enquanto o motorista se afasta daquele horrível clichê romântico que ainda me chamava: mas eu não olhei para trás nenhuma vez.