Projeto de Arquitetura

Escrito por Bárbara Lustosa | Revisado por Pepper

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5 de Março de 2024

  Minhas mãos estavam suando. Meu coração batia tão rápido em meu peito que tinha a sensação que ia parar de uma hora para outra. Eu andava de um lado para o outro dentro de uma saleta nos fundos da livraria. Do lado de fora vários convidados estavam chegando. A imprensa estava lá também. Eles me aguardavam.
  Hoje era o dia. Hoje era o meu dia. Eu o meu primeiro livro finalmente estava publicado. O meu xodó da adolescência estava por todos os cantos. Na sala onde eu esperava tinha um amontoado de exemplares para ser autografado. Por mim!
  – ? – a mulher que cuidava da organização aparece pela porta. Ela usava um terninho básico e levava na mão um rádio para poder se comunicar com todos os empregados. – Você vai poder sair dentro de dez minutos. Quer água com açúcar? Parece um pouco nervosa.
  – Não, está tudo bem, obrigada. – abro um sorriso.
  Eu estava nervosa, mas quem não estaria? Eu estava tentando algo novo. Eu estava com anos e tinha acabado de largar a minha carreira de arquiteta que estava deslanchando para tentar algo totalmente novo. Finalmente estava me tornando escritora. Meu coração se enchia de orgulho, mas transbordava medo.
  Olhava o relógio a cada meio segundo. O burburinho lá fora aumentava dando sinal de que as pessoas já estavam chegando. “Você só precisa de contatos.” Alguém me disse uma vez. E com os contatos eu tinha conseguido muito mais do que um dia eu tinha sonhado.
  Dois toques são dados na porta. Fico em estado de alerta.
  – Está pronta? – é Filipe.
  Há dois anos eu fiz por hobby uma peça de teatro para Renata, uma amiga da escola que tinha feito cinema. A peça estava em cartaz até hoje em uma cidade no sul do país e Filipe era um dos integrantes. Por estar sempre nos bastidores acabamos virando amigos e nesses dois anos andamos nos aproximando bastante.
  – Prontíssima. – respiro fundo e mais uma vez abro o meu melhor sorriso.
  – Tem alguns fotógrafos esperando para fazer algumas fotos suas. O que você acha? Vai saber lidar com isso? – ele ri. Eu odiava posar para pessoas. Gostava se fotos sim, mas fotos entre amigos. Fotógrafos profissionais tinham tendência a me causar coceira de alergia.
  – É melhor eu tirar de letra, porque se não já viu. – rio também.
  – Então tudo bem, porque as letras é o seu dom mais especial.
  – Ai, para! Você está me deixando ainda mais nervosa.
  – Desculpa, madame. Vamos parar de papo e vamos logo ao que interessa. – ele oferece o braço para mim e eu o seguro.
  Saímos da saleta. A livraria era enorme e tinha vários ambientes. Ela já estava acostumada e pronta para receber esses tipos de eventos. Tinha um café onde canapés eram servidos e garçons. Tinha uma mesa reservada para eu autografar os livros e tinha um espaço livre para os convidados interagirem com sofás e bancos.
  Sou puxada pela minha mãe e de braço em braço eu vou passando para receber o carinho da família e dos amigos. Parentes mais distantes também estavam presentes, assim como alguns amigos do tempo da faculdade e poucos da empresa que eu trabalhava antes de eu largar tudo.
  Vou para trás da mesa onde minha amiga de tantos anos esperava no inicio de uma fila. Renata Bartole era aquela amiga do ensino médio. Costumávamos brincar que éramos amigas de recuperação até finalmente ficamos na mesma turma no último ano. Ela queria fazer cinema. E ela era boa nisso. Ela é boa nisso.
  – ! – Renata me chama. – Não acredito. Estou adorando isso de você estar publicando o seu livro. Não disse, menina? Avisei que você conseguiria. Agora com você virando uma estrela devemos conversar para fazer umas mudanças na peça e levar ela para a cidade grande.
  – Renatinha! – Eu quase corro até ela para dar um abraço apertado nela. – Você está aqui, não acredito.
  – Claro que eu vim. – ela dá um tapa de leve no meu braço. – Acha mesmo que ia perder? Ei, fala sério, eu sou uma das personagens desse livro, eu tinha que no mínimo me prestigiar, não é?
  – É verdade. Me dá aqui. – ela estende o livro para mim e vou até a mesa e me sento, para a letra não sair ruim. Escrevo com todo o carinho do mundo.

  “Para Renatinha, com amor. Espero que aprenda sempre com a Mabel e que nunca se esqueça do valor da amizade, da família e daquele que nós realmente amamos. Um milhão de beijos. Da amiga de ensino médio, .”

  E logo que ela sai outras pessoas vão chegando. Essa coisa de noite de autógrafos não é tão fácil, não demora muito e minha mão logo começa a dar sinal de que uma parada era obrigatória. Peço uma pausa de alguns minutos e me levanto para falar com os convidados.
  – Oi, tudo bem? Eu sou o Gustavo do blog. Poderíamos fazer uma pequena entrevista com você para colocar no site? – um homem tatuado chega perto de mim junto com outro que segurava uma pequena câmera.
  – Claro.
  Nos ajeitamos no sofá enquanto o câmera posicionava o equipamento. Rostos conhecidos salpicavam aqui e ali, mas eles respeitavam meu espaço, se limitando a apenas acenar de longe.
  O garoto faz perguntas básicas. De como eu estava me sentindo, o que as pessoas poderiam esperar do meu livro e como se foi fácil desistir de uma carreira que eu já tinha. Afinal eu terminei uma faculdade de Arquitetura.
  – Como você conseguiu chegar a um sucesso tão grande mesmo antes de o seu livro ser lançado? Ele foi um dos assuntos mais comentados da semana nas redes sociais. – pergunta Gustavo.
  – Ah, isso é fácil. – rio. – Não mentira, não foi nem um pouco fácil. “Os olhos de Tonella” foi um livro que eu escrevi com dezoito anos. Tem dez anos! Até então ele estava disponível em um site de fanfic, mas resolvi retirar e fazer uma releitura para poder correr atrás da publicação. E nesses dez anos muita gente teve a oportunidade de ler e de se apaixonar. – meu sorriso se expande ainda mais, era capaz de logo ele não caber mais no meu rosto. – E se hoje ele está sendo publicado é por todos os que leram durante o período que ficou online. Principalmente por aqueles que me acompanharam lá no inicio.
  – Isso que é paixão! – ele tira os olhos de mim e olha para a câmera. – Bom gente, essa foi a minha entrevista com a , a autora do mais novo sucesso do mundo literário. Obrigada e até a próxima.
  A luzinha da câmera é apagada e o repórter novamente se vira para mim.
  – Obrigado pela entrevista. Fiquei muito feliz pelo convite. – ele estende a mão.
  – Obrigada você. – retribuo o aperto de mão.
  Levanto e me aproximo de Felipe e Renata que estão à beira de lágrimas de tanto dar risada. Uma interrogação se forma em meu rosto por sempre ter me considerado uma pessoa curiosa. Mas eles logo se recompõem pensando no mico que poderiam estar passando.
  – , posso fazer umas fotos suas com a Renata e o Felipe? – pergunta o fotógrafo.

  – Claro. – respondo já me colocando entre os dois e sorrindo. Vários flash são disparados me fazendo ver estrelinhas.
  – Agora, por favor, só dos dois. – ele faz um gesto como se pedisse para Renata sair de perto de nós. Ela sai e mais fotos são tiradas. Logo o homem agradece e vai fotografar os convidados.
  – Menina, você viu o que saiu nas manchetes de fofoca jornal? – minha amiga se aproxima de novo rindo. – Estão falando que você e o Felipe estão tendo um caso, por causa daquela noite que vocês saíram lá em Curitiba.
  – Mentira? – arregalo os olhos e olhos para o meu amigo que também ri. – Que absurdo. Mas por que isso?
  – Vai saber. – ele dá de ombro. Nós três sabemos que nunca não tivemos nem perto disso acontecer.
  Nós começamos a rir. Isso sim era engraçado. E eu nem tinha entrado para o mundo de pessoas famosas e Felipe também não era um dos caros mais conhecidos do Brasil. Mesmo participando de novelas grandes ainda estava nos papeis pequeno. A carreira dele estava no inicio tanto quanto a minha.
  – ? – olho para trás.
  Sabe aquela sensação de câmera lenta quando as coisas inexplicavelmente acontecem? Ao olhar para trás foi como se eu por um instante o meu mundo tivesse parado. Depois de oito anos ele estava parado ali bem na minha frente.
  – ? – pergunto como se para ter certeza de que era ele. – Ah, oi!
  – Oi! – ele me responde e por mais alguns segundos nós ficamos nos encarando como se não soubéssemos como agir um perto do outro. – É... Você está lançando o seu livro.
  Comecei a namorar no último ano da escola. Ficamos juntos por mais um ano, no período em que eu estava fazendo cursinho. Depois nós dois passamos para a faculdade. Ele foi acabou de mudando para o norte de Minas Gerais e eu para o Paraná, aumentando a nossa distancia consideravelmente.
  Terminamos o namoro na base da amizade. Aquele tipo de “é melhor não termos nada sério, quando a gente se encontra a gente se resolve”. Acontece que depois que nós nos mudamos nos vimos duas ou três vezes e então o tempo se encarregou de nos separar definitivamente.
  – É! – confirmo. – Eu finalmente consegui.
  – Estou vendo. – ele abre aquele sorriso que por muito fui apaixonada. – Eu estou com o meu. – ele levanta o seu exemplar para mim. – Se você puder assinar, não me faria perder a viagem.
  – Ah, claro! – sorrio e pego o livro da mão dele. – Eu vou pensar em alguma coisa e assino.
  – Estranho, já ouvi isso em algum lugar. – ele brinca. E era verdade. Sempre quando ele me pedia para escrever algo para ele ou quando eu dava algum livro de presente eu sempre dizia “vou pensar em alguma coisa”. Talvez velhos hábitos sejam mais difíceis de mudar.
  Me limito em apenas revirar os olhos e a sorrir.
  – Acho que então você achou a sua profissão. – ele diz dando de ombros.
  – É, acho que sim. Sabe, – fico passando o livro dele de uma mão para a outra. – uma vez um menino me disse que eu poderia fazer uma faculdade e mesmo assim ser escritora. Não acreditava muito, achava que para me tornar uma eu teria que fazer no mínimo letras. Acho que me enganei.
  Olho para ele com tanta intensidade que se eu tivesse o poder eu poderia furá-lo. Porque eu sabia e ele também que esse menino tinha sido ele em uma tarde de domingo qualquer.
  – E no final você acabou fazendo arquitetura.
  – Era o que minha mãe queria, não era? – dou de ombros.
  – Mas não o que você queria.
  – Demorei seis anos para saber o que eu realmente queria. E sabe, eu queria muita coisa. Muita coisa. Só que eu acabei deixando a maioria dos meus desejos para trás ou eu não seria reconhecida pela minha própria família. – meus olhos começam a pinicar, sinal de que as lágrimas estão por vir. – Mas hoje sei quem sou e sei o que eu quero.
  – Entendo. – ele solta um longo suspiro e olha o relógio. – Bom, você não vai assinar? Eu preciso ir embora daqui a pouco.
  – Ah, claro. Eu vou ali para me apoiar. – e assim eu volto para a mesa e assino algumas palavras. Menos do que eu realmente gostaria de dizer.
  Devolvo o livro para ele e de novo estamos naquele estado sem graça. Talvez as outras pessoas estivessem tão em choque como eu. Como depois de oito anos ele aparece sem dizer nada? Se tínhamos perdido o contato, como foi que ele chegou ali naquela noite?
  Eu não queria saber as respostas. Mas sentia o meu coração saltitar a felicidade de vê-lo novamente. E de senti-lo por mais um minuto quando ele me puxa para um abraço.
  – Você viu? Eu comprei o primeiro livro. – ele abre o livro e me mostra orgulhoso o numero de série. – Eu disse que compraria.
  As lágrimas antes só planejavam em cair concluíram suas ações. Eu sentia minha maquiagem sendo derretida pouco a pouco a medida que o choro abria caminho no meu rosto.
  Abraço ele mais uma vez e então o solto. Ele passa a mão pela minha bochecha como nos velhos tempos onde minhas crises de choro eram ainda mais constantes. Quando ele ainda estava comigo e eu chorava por aquele briga que eu tive com os meus pais. Ele sempre estava lá.
  – Senti sua falta. – sussurro para ele.
  E era verdade.
  Oito anos atrás quando chegamos ao acordo de que era melhor terminarmos eu sabia que ia dar errado. Pelo menos para mim. Eu sentia tanta falta dele e da maneira como nos tratávamos. Sentia falta dele nas tardezinhas de domingo, que era geralmente a hora em que estávamos juntos abraçados assistindo a um filme qualquer.
  Senti falta dele logo quando comecei a sair com um carinha qualquer da faculdade. Senti sim, porque esse carinha queria dar opinião em tudo o que era meu. “Está bom, não está bom, troca essa roupa.” E ele nunca tinha sido disso. Ele entendia o meu jeito de ser.
  – Sabe de uma coisa? – ele pergunta ainda com a mão na minha bochecha, ainda perto de mim.
  – O que?
  – Depois de oito anos, o seu sorriso ainda é o mais lindo que eu já vi no mundo.
  E então eu sorrio. E seus lábios tocam o meu por pouco tempo. Eu olho para ele e ele olha para mim e assim ficamos nos encarando até que finalmente damos o beijo do “grand finale”.
  Ouço no fundo os aplausos, sinto por cima da pálpebra os flashs das câmeras. Mas quem se importa? Nada mais importa? Eu estava lançando o meu livro e estava aqui, do mesmo modo que disse que estaria dez anos atrás.
  Então será que esse era o meu final feliz?



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