Powerless

Escrito por Júlia Oliveira | Revisado por Lelen

Tamanho da fonte: |


  Caminhava lentamente enquanto escutava o trecho da música do U2, vendo alguns sorrisos bêbados enquanto caminhava.
  - Precisando de ajuda, Benjamin? – arqueou as sobrancelhas.
  - Se você puder, ficarei agradecido – o barman alto com os cabelos compridos respondeu, enchendo mais alguns copos.
   pulou o balcão, colocando um avental e prendendo o cabelo em um coque frouxo e feito às pressas. Ben soltou um “Você não tem ideia de quanto te amo” enquanto a menina começava a preparar os drinks, assim o moreno poderia concentrar-se em preparar os petiscos.
  Ela fazia as batidas com um leve sorriso no rosto, às vezes as levava até a mesa. Tudo de graça e com uma simpatia digna da rainha.
  Depois de entregar alguns sorrisos e deixar grande parte do bar feliz, pôde finalmente encarar o melhor amigo da cozinha.
  - Cara, eu juro que agora tenho certeza do quanto você quer ser médico – ela sorriu marotamente, enquanto soltava-se do avental.
  - Fazer o que, , se todos os ricos querem ser médicos? – Benjamin deu de ombros, preparando mais uma porção de batatas frita. – É isso, ou o meu pai não paga a faculdade.
  Pelo menos você tem um – quase respondeu o amigo, enquanto roubava uma das batatas e a enrolava com um pedaço de queijo.
  - Sinto falta de quando vinha aqui e podíamos conversar. – Disse, fazendo um bico.
  - Eu também sinto, – Benjamin disse, fazendo o mesmo bico – mas você sabe, parece que bares com aparência anos 80, 90 são bem movimentados hoje em dia.
  - Tem certeza? – riu, abrindo os braços, ironicamente. – Nunca vi o Em Chamas tão lotado.
  Era o bar, restaurante, casa de shows... mil e uma utilidades da família de Benjamin. Ele trabalhava lá meio período pro pai pagar a faculdade de medicina no filho único, Ben não se importava em ajudar, mesmo com a exaustão. nem era funcionária e às vezes ajudava o bar, como naquela noite, porque podia passar algum tempo com o melhor amigo.
  Não era apaixonada por Ben, só se sentia mais leve com a presença dele, conversar com ele era uma maravilha – suspeitava que isso provinha da mãe, psicóloga – ou talvez apenas o fato do garoto nunca ter traído sua confiança ou a julgado. Ele estava lá quando seu pai morrera, estava lá quando ela tinha passado em primeiro pra faculdade de Jornalismo e estava lá quando ela quis que estivesse. Ben era seu melhor amigo, quase um irmão, parte de si.
  - E sabe o que isso significa? – Ben sorriu, ela fez que não com a cabeça – mais um mês de faculdade de medicina pra mim.
  Os dois riram levemente, enquanto Ben viu um dos clientes erguendo o braço.
  - Se importa? – Ben apontou para o cliente com o braço, depois mostrando que estava ocupado. – Ele quer mais uma cerveja, já pode levar.
   bufou entediada enquanto colocava o avental novamente, sorrindo entediada enquanto caminhava em direção à mesa do rapaz, completamente isolada das outras.
  Devorou-o com os olhos, esqueceu-se até da vergonha na cara e de sua tarefa enquanto se perdia no rapaz – alto, com braços musculosos e tatuados. Deveria passar todo seu tempo livre levantando pesos para ter bíceps como aqueles, talvez até alguns suplementos ou remédios para cavalo. Não duvidou também de corridas exaustivas quando deduziu a grossura de suas pernas, cobertas por jeans muito bem conservados, ou eram de marca muito boa, ou eram novos. Tinha certeza que por debaixo daquela camisa preta, havia músculos muito bem trabalhados, o tipo de tanquinho que ela almejava em homens quando estava no colegial, do tipo que passara dias fazendo abdominal. Tal pensamento fez suas mãos formigarem de desejo.
  Havia passado tanto tempo em seu corpo que mal notara o rosto. Que também era extremamente delicado, mas de uma forma formal e firme. O semblante sério, rígido lhe dava a aparência hostil de quem havia visto coisas horrendas, mas os olhos, apesar da aparência cansada e hostil, revelavam um rapaz dócil, talvez sonhador e até um pouco inocente.
  Deu um leve suspiro, aquela era a perfeita descrição de seu pai.
  Suspirou enquanto caminhava até ele.
  - Posso ajudar? – tentou não soar como as mulheres insistentes das lojas de departamento que oferecem o cartão da loja a qualquer um.
  O rapaz simplesmente apontou pra garrafa de cerveja em sua frente e gesticulou para o bar.
  - Mais uma, por favor – respondeu, com a voz em um fio.
  - Tudo bem. – concordou, sem sorrir. Pegou a garrafa vazia e a levou até o bar, trocando-a por uma cheia.
  Voltou à mesa, trocando a garrafa. Ouviu um “Obrigado” resmungando, e sem sorrir, saiu da mesa.
  - Eu não deixaria minhas empregadas andarem dessa forma.
  Isso a fez parar de caminhar, sua voz já não era fraca e desanimada: agora era firme e autoritária. Ela deu meia volta, o encarando, enquanto tinha um sorriso desafiador no rosto.
  - Não trabalho aqui. – Respondeu, ainda com o sorriso maléfico no rosto: segurava-se para não lhe dar um grande tapa na cara.
  - Então por que está fazendo papel de garçonete? Vai me dizer que é atriz e está tentando o papel de uma? – ele perguntou, arqueando as sobrancelhas de uma forma tão desafiadora quanto a do sorriso da garota.
  - Estou ajudando um amigo. – Ela explicou, voltando-se totalmente para o rapaz.
  - Amigos? – ele soltou uma risada debochada – na primeira oportunidade te largam – deu de ombros.
  - Isso aí - soltou uma risada –, não é o que eu chamo de amigo. Amigos fazem justamente ao contrário.
  O rapaz riu, um tanto bêbado. Uma risada cheia e volumosa, tão cheia que era quase palpável.
  - Sabe? Você é muito ingênua.
  Aquele era o fim da picada! Quem ele acha que é pra chamá-la de ingênua? Ela podia ser lerda, um tanto sonhadora, mas ingênua? Ingênua não era.
  - Quem você pensa que é pra falar assim comigo? – ela disse, agora perdendo a paciência.
  Ele levantou o olhar.
  - Sou um cara que teve que matar inocentes pela causa de um país que nem é o dele! – o rapaz levantou-se abrindo os braços – vi gente clamando por perdão, gente que não tem nem comida em casa implorar por perdão... e o que eu podia fazer? Nada, tinha que fazer o que eles queriam que eu fizesse.
   ficou estática. Encarou-o enquanto sentia seus olhos marejados, conhecia aquele discurso, não naquelas palavras, mas sabia o tipo de gente que dizia aquelas coisas, conhecia-o muito bem.
  - Você... – começou, quase sussurrando enquanto sentia os olhos marejados – é militar.
  Ele engoliu seco, não pela óbvia conclusão, mas sim pelo modo que a garota dizia, ela parecia compreendê-lo, entender o que ele estava falando. Ela parecia sentir a mesma dor.
   suspirou pesadamente, dando os dois passos que a separavam do rapaz e o abraçando. Não tinha outra ação enquanto sentia as lágrimas caírem compulsivamente, quase encharcando a camisa do rapaz.
  Ele ficara em choque durante alguns momentos, não sabia o que fazer. As cenas da guerra passeavam por sua memória, revirando coisas que ele achava ter bloqueado, que nunca lembraria.
  - E a pior parte de tudo, é sentir falta de quem realmente se importa com você, e de quem você realmente se importa com. – Ela disse, em meio aos soluços desesperados.
  Abraçou-a de volta. Enterrando-a em seu peito, não com força, mas dando tudo de si para abrigá-la em um lugar que julgasse confortável, afinal, ela havia entendido sua dor, ouvir aquela frase entregava tudo.
   era filha de um Capitão, até certa idade gostava de dizer, orgulhava-se da ideia. Com o passar dos anos, passou a discordar das ideias conservadoras do pai, do país, em segredo. Depois de alguns meses, o pai falecera, em serviço. Tudo que recebera como apoio, fora uma carta, nem havia corpo para o funeral.
  E era isso o que mais doía, a falta, a perda. Nos dois. , era filho de militar, passara a vida toda ouvindo: Quando crescer, vai ser Capitão. Acabou se tornando um aos 22 anos, sem nem ter ideia do que poderia ter sido. A mãe morreu aos 8 anos, e nem tivera chance de tirar o filho daquela vida. Na verdade, existência. Não queria aquilo mais: acordar, se exercitar, e correr o risco de ser enviado como ajuda novamente. Queria viver, conhecer mulheres, beber, rir! E ela? Ela parecia entender isso, a dor da perda e da vida no militarismo.
   sentia o coração dele batendo de uma forma acelerada, dolorida, e sentia o coração dela, quente, confortável.
  Ela secou algumas lágrimas, segurando os soluços, a esse ponto todo o bar encarava os dois jovens abraçados, chorosos – não chorava, era capitão, estava apenas com o semblante triste, mas não derramara nem sequer uma lágrima – inclusive, Benjamin, que ouviu dizendo “Quem você pensa que é?”, ele estava lá, parado, assistindo a garota enfrentar seus próprios demônios, até um pouco orgulhoso.
  O pai dela havia morrido por teimosia, por insistência em seus princípios militares. Era exatamente por isso que ela odiava tudo que tinha a ver com o exército, nunca mais havia jurado à bandeira depois da morte do pai, simplesmente desobedecia qualquer oficial que dirigisse a palavra a ela: era uma desistente. Tinha desistido do próprio país, para ela, a morte do pai era tudo culpa dele.
  - Não estrague a sua vida. – Ela disse, ainda aninhada no peito do rapaz. – Saia o mais rápido daquele troço e procure um emprego de verdade, faça o que você ama. E por favor... – disse, lembrando-se do pai. – Não ame o exército. Ele só te faz de isca.
  Ouviu atentamente a garota, a puxando mais perto – não que fosse possível -, mas a queria ali: por perto, parecia tão infantil daquela forma. Toda a aura de mulher decidida tinha se defeito quando gritou seu discurso, e agora queria protegê-la, não se importava de sentir a dor que sentia, mas não queria que ela sentisse.
  Suspirou pesadamente quando sentiu a garota se afastando do abraço, ela limpou algumas lágrimas pesadas e soluçou mais uma vez.
  - A vida vai tentar te deixar cego, mas o amor vai te manter gentil. – Ela suspirou. – Então, por favor, não abandone quem você ama - soltou mais um soluço, nervosa, enquanto secava o rosto –, no fim das contas, eles são tudo o que você tem.
  Ele suspirou novamente, por que agora ela estava tão distante? Dois passos na frente dele, pareciam quilômetros. Era bom tê-la aconchegada em seu peito, mesmo que agora ele estivesse molhado pelas lágrimas compulsivas da moça, mas sim por seus batimentos cardíacos.
  - Mais alguma recomendação? – ele disse, também contendo as lágrimas. Precisava explodir e mostrar tudo o que sentia, mas ainda era militar, precisava de sua honra.
  - Deixe de ser tão orgulhoso – ela suspirou.
  - Tudo bem. – Ele concordou, finalmente abaixando a cabeça para alguém que não era seu próprio pai.
  Então criou coragem para puxá-la pelos pulsos, devolvendo-a para o lugar que ela nunca deveria ter saído: seus braços. Não encontrou resistência, e muito menos hesitação, tinha noção que ali era um lugar confortável. Tomou coragem para encarar aqueles terríveis olhos , belíssimos, agora com leves tons avermelhados.
  O contato visual direto fora o que bastou para que se revelassem.
  Tomou-a por seus lábios. Talvez alguma parte de seu cérebro gritasse: “Mas você nem sabe o nome dela!”, enquanto a outra berrasse a todo pulmão: “E do que isso importa?” só queria senti-la mais perto, ter certeza que ela realmente sentia tudo aquilo que estava dizendo. Sentiu seu cheiro adocicado enquanto lutava com sua língua por comando, a dança em que estavam parecia ser eterna: quentes, confortável, completamente perfeitas uma para a outra. Seriam feitos para aquilo? Talvez, ou, com toda certeza.
  Ainda espalhou beijinhos molhados pelas bochechas da garota, como se curasse as cicatrizes que as lágrimas haviam deixado.
  Mergulhada naqueles profundos olhos , pensamentos vagavam a sua volta. Cantarolando algo como: "você está apaixonada", e por algum motivo, não conseguia dizer não. Talvez fosse verdade. Finalmente alguém conseguiu curar as feridas de , e trazer a vida novamente àquela doce garota, talvez ela pudesse curar as feridas de alguém agora.



Comentários da autora