Por Todo O Sempre
Escrita por Annelise Stengel | Revisada por Annelise
Capítulo Único
As duas horas mal dormidas da noite começaram a pesar em meu ombro conforme eu empurrava o rolo com a tinta rosa-bebê até o fim do pé direito alto, algumas gotas respingando nos jornais que eu espalhara embaixo de minha escada e, consequentemente, em mim. Os meus jeans velhos e um pouco rasgados nem perceberam a diferença de uma cor a mais, tão repletos de pingos multicores como o céu noturno possuía estrelas.
Eu estava ansioso para que o meu horário acabasse, porque havia coisas que eu precisava fazer - e embora eu só tivesse dormido por duas horas, descansar não era uma delas. Não porque eu não estivesse cansado, mas porque a obra que eu estivera trabalhando por uma semana estava quase pronta e eu ansiava por vê-la acabada. Como era um presente, o que mais me causava ansiedade era a expressão que eu esperava que ela fizesse quando visse o que eu havia pintado.
Apesar de ser apenas um hobby, foi a pintura que salvara minha vida no meu momento mais difícil. Mesmo que eu ganhasse mais dinheiro pintando paredes como aquela do consultório odontológico que eu me encontrava, mas aquilo não desanimaria. Eu continuaria trabalhando duro para realizar os meus sonhos.
E, obviamente, os dela.
Ela sonhava em ter um anel de ouro, e uma casa na colina com a melhor vista para a cidade inteira. Ela sempre passava por ali e encarava a construção por vários minutos, com seus olhos azuis como joias preciosas. Ela nunca dissera nada, mas eu podia ver em seus olhos a sua adoração por aquele lugar.
Mas, acima de tudo, ela queria um anjo. Um milagre.
E tudo que eu poderia oferecer a Nanna era eu e o meu melhor. Não que ele fosse muito, mas eu garantiria que ela tivesse tudo que ela quisesse, nem que demorasse, nem que eu trabalhasse em sol e chuva para conseguir que seus sonhos se realizassem.
Algumas horas depois, o trabalho estava praticamente pronto. A dona do consultório pagou-me pelo dia, e amanhã eu mal precisaria ficar lá por muito tempo. O que havia recebido seria o suficiente para umas tintas novas e o jantar por uns três dias da semana. Se eu não comprasse a tinta, podia comprar mais comida, mas Nanna entenderia.
Segui para o supermercado, mesmo recebendo diversos olhares tortos graças às roupas que usava e meu cabelo desgrenhado. O dono do supermercado me conhecia e sabia da situação, então eu conseguia não ser expulso desses lugares, mas fazia tudo que precisava bem rápido. Eu pude ver, pelo canto do olho, um grupo de amigas de Nanna me olhando de forma desaprovadora, como se houvesse que eu pudesse fazer sobre aquilo tudo. Eu não iria para casa tomar banho e voltar para o mercado. Eu estava cansado demais para aquilo, e além do mais, já havia me acostumado aos olhares. Nanna não ligava muito também. Ela se acostumara com as manchas de tinta pela minha pele, e pelo jeito que eu me vestia para trabalhar.
Nanna era uma garota de ouro. Ela era incrivelmente bonita, madura para sua idade e com uma cabeça boa. Ela nunca se enojava, fugia, ou fingia que não me conhecia. Acho que ela valorizava o que eu fazia por ela e isso era o que eu mais amava nela. Eu já havia decidido dar a ela meu tudo, mesmo que não fosse muito, mesmo que eu não fosse um anjo, nem um milagre.
Eu não conseguia nem mesmo garantir a ela que seria fácil. O que eu sabia é que ela precisava de mim, então eu estaria ali para ela.
Paguei pelas compras do supermercado, recebendo algumas moedas de troco e enfiando-as desajeitadamente no bolso. Enquanto descia a rua, passei em frente ao consultório mais uma vez e observei como a cor rosada ficava bonita no pôr-do-sol. Algo naquele tom, pensei, é o que eu usaria para finalizar a minha arte.
O cansaço de ter dormido apenas duas horas impedia-me de chegar logo em casa, meus pés mal levantando do chão. Eu seguia pelo caminho, agora já com os lampiões da rua ligados, afastando-me do centro e indo para o pequeno apartamento em que Nanna e eu morávamos. Depois de vender praticamente todos os móveis, consegui aquele lugar para nós. Ainda faltava muita coisa, mas era o suficiente por enquanto.
Antes de alcança-lo, porém, do outro lado da rua avisei próxima à esquina uma loja com várias quinquilharias e um enorme cartaz de promoção. Com as moedas tilintando no bolso, cruzei o asfalto e me enfiei na loja abarrotada de coisas. Ao mesmo tempo em que a vendedora idosa me cumprimentava, avistei o que eu compraria. Apenas vinte e cinco centavos. Tirei algumas das moedas do bolso e entreguei o valor a ela, que pareceu tão contente quanto eu.
Voltar para casa parecia muito mais fácil agora, e eu quase corria nas ruas na pressa de entregar o novo presente para Nanna. Esperando que ela já estivesse em casa, alcancei nosso prédio simples e subi pelas escadas, as sacolas do mercado começando a pesar. Ao alcançar o segundo andar, segui pelo corredor até a nossa porta desgastada de madeira, tirando a chave do bolso e destrancando a porta.
A casa estava silenciosa, então fiquei um pouco desapontado. Fui para a pequena cozinha, onde havia uma pia e um fogão, juntamente com o que costumava ser um frigobar e servia de geladeira para nós. Enquanto guardava todas as coisas, percebi que Nanna estava sim na casa. Pude ouvir seus passos leves aproximarem-se e levantei-me para olhar sua figura minuta na porta.
― Ricky! ― sua voz expressava animação, mas algo mais. Antes que eu pudesse observá-la melhor e cumprimenta-la, ela correu e enlaçou seus braços em minha cintura.
Apesar de já ter sete anos, Nanna era pequena para sua idade. Seus braços eram finos, mesmo que eu buscasse dar a melhor alimentação possível para ela. Seus cabelos estavam sempre bem cuidados, ao contrário dos meus, e já estavam se tornando bastante longos. Ela vestia seu pijama, e eu pude ver que tomara banho. Como já estava tarde, não lavara seu cabelo para não dormir com ele molhado. Mas o que me preocupava mais era que quando ela viera até mim, seus olhos estavam vermelhos.
― Nanna, o que houve? ― abaixei-me e olhei em seus olhos, preocupado. ― Foi a tinta?
Fungando, ela negou com a cabeça.
― Eu entrei no seu quarto. ― ela confessou, e eu imediatamente entendi porque ela estava com aquele ar choroso.
O meu quarto não era propriamente um quarto, considerando que eu mal dormia. Eu imaginava que um dia cairia desmaiado de cansaço, mas esperava até lá ter conseguido a casa que Nanna sonhava em morar ao invés daquele apartamento comprimido. De qualquer forma, eu espalhara todas as telas que eu conseguira reunir naquele espaço, que era o menor da casa. Algumas estavam prontas, o chão estava repleto de jornais e rascunhos em papeis, mas a maior tela que eu conseguira estava encostada na parede, esperando ser terminada com as cores do pôr-do-sol na parede rosa que eu passara o dia pintando embaixo do sol. Eu havia coberto ela para que Nanna não a visse acidentalmente, porque era para ser uma surpresa, no entanto eu subestimara a curiosidade da criança.
― Você está bravo? ― ela murmurou, os bracinhos envoltos em meu pescoço e os olhos voltando a brilhar com as lágrimas, parecendo refletir milhares de estrelas.
― Como se eu pudesse ficar bravo com uma garota maravilhosa como você, Nanna. ― sorri, acalmando-a. ― Agora onde está meu sorriso e meu cumprimento?
O sorriso foi tímido, mas o abraço apertado em meu pescoço e seu “bem vindo de volta” compensaram. Ergui-a do chão e dei uma rodopiada, só pelo prazer de ouvir sua gargalhada ecoar bem perto do meu ouvido. Depois de coloca-la no chão, segurei sua mão.
― Que tal então eu te mostrar a sua surpresa direitinho antes de você jantar? Apesar de que ainda não está pronta.
― Tudo bem. Ela já está muito bonita, Ricky.
― Obrigado, Nanna.
Fomos até o quarto juntos, onde acendi a luz e vi o lençol preso apenas por uma ponta na tela, revelando tudo que estava pintado ali.
O rosto de Nanna sorria largamente, com um dos dentes faltando, como a Nanna que estava de pé ao meu lado sorria. Ela segurava seu coelhinho de pelúcia, que não existia mais, e estava descalça. Eu estava sentado ao seu lado, com jeans limpos, cabelo mais arrumado e segurando uma mecha de seu cabelo castanho. Sentados atrás de nós, estavam nossa mãe e nosso pai, da forma que eu lembrava deles pois nenhuma fotografia restara do incêndio em que eles morreram há três meses. Alguns móveis se salvaram e foram os que vendi para que pudesse garantir um lar para nós dois, os únicos que restaram.
Nanna era uma criança, mas ela era muito madura. Ela sofrera, e muito. No entanto, já se podia ver que ela estava pronta para seguir em frente. Nos três últimos meses, aguentara muito mais do que eu imaginaria que ela aguentasse. Mesmo os comentários sobre mim, que deixei de me importar comigo mesmo para que ela tivesse um crescimento saudável e seguro, ela aturara sem nem pestanear. Até aqueles feitos pelas suas amigas mais próximas. Nós ficamos bem mais próximos do que costumávamos ser, como a única opção que nos restara. Ela precisava de mim, e eu precisava ser necessitado.
Estávamos sentados no chão repleto de jornais há uns bons minutos, ela no meu colo, observando aquela imagem que foi o melhor que pude fazer para nos lembrarmos sempre. Ainda havia algo mais, porém.
― Nanna, olha aqui. ― estendi minha mão fechada na frente dela, para que ela pudesse observar. Eu não podia ver seu rosto, mas torcia para que aquilo a alegrasse. ― Eu juro pra você, tem uma loja descendo a rua que eles vendem isso aqui, por vinte e cinco centavos cada. ― abri a mão, revelando um anel de plástico que caberia perfeitamente bem em seus dedinhos magros. Senti ela se remexer em meu colo e sorri. ― Não é como os de ouro com que você sonha e que um dia vou te dar, mas espero que você goste e use mesmo assim.
― Obrigada, Ricky. Eu vou usar. ― ela pegou o anel e imediatamente o colocou em seu dedo. Em seguida, virou-se para mim com um largo sorriso, abraçando-me pelo pescoço mais uma vez. ― Você é o melhor irmão do mundo!
― E você é a melhor irmã do mundo. Eu sei que não posso oferecer muito pra você, mas eu vou te amar por todo o sempre, está bem?
― Sim. Está bem, Ricky. ― e ela aninhou-se mais uma vez no meu colo.
And there’s no guarantee that this will be easy. It’s not a miracle you need, believe me. Yeah, I’m no angel, I’m just me, but I will love you endlessly.
Fim
Nota: Uma participação caída de paraquedas nesse Songfics, espero que tenham gostado. Eu conhecia algumas músicas do The Cab, mas não Endlessly e me apaixonei por ela! Mas eu sendo como sou fiquei imaginando como eu poderia fazer essa história ser menos sobre um casal menino mais simples/menina rica, porque foi o que imaginei inicialmente. Eu fiquei bastante feliz com o resultado, eu espero que tenham gostado também ♥
Fazia um bom tempo que eu não postava nada então qualquer feedback vai ser bastante importante para mim!
Até uma próxima história!
With endless love, Anne