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Quiz #007
// O Tema

Qual cidade do Brasil deve se passar sua próxima fanfic?

// O Desafio

Gramado





Por Supuesto

Escrito por Fe Camilo

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Prólogo

  Dizem que existe uma linha tênue entre o amor e o ódio. Um sentimento lindo pode se tornar o pior em apenas um milésimo de segundo, e vice-versa. Não tenho muita experiência com o amor, devo ser sincero, mas desde que a conheci se tornou absurdamente familiar a oscilação de sentimentos regados a bebida e devaneios.
   é um misto do meu maior sonho com o pior pesadelo. Ela tem a capacidade de me levar ao céu em um momento e me empurrar lá de cima no seguinte, direto para o inferno e sem pausas no meio do caminho. Alguns diriam que ela é uma vadia interesseira sem coração, e parte de mim não poderia concordar mais com a afirmação. E ainda assim, sendo o masoquista que sou, eu a amo. Ou a odeio, dependendo do dia. Mas normalmente a amo tanto a ponto de fazer besteiras estratosféricas como viajar para outro estado atrás dela.
  Talvez uma breve explicação me ajude a fazer mais sentido. Eu conheci há exatamente um ano. Havia ido até um novo bar próximo de casa na esperança de beber algumas e esquecer a humilhação a qual fui submetido pelo pai de um dos meus alunos, regado com ameaças nada sutis do diretor logo em seguida. Era uma sexta feira a noite e como eu não precisava me preocupar em ficar bem o suficiente para trabalhar no dia seguinte, tinha a intenção de beber até esquecer de quem eu era.
  No entanto, meus planos foram interrompidos por um par de belos olhos que me observavam com curiosidade do outro lado do balcão do bar. Ela estava absolutamente linda, com um vestido branco que realçava sua pele e os cabelos presos em um coque deixando exposto seu pescoço delgado. Custei a acreditar que ela estava realmente interessada em mim apesar da troca constante de olhares e sorrisos, mas quando o barman me entregou uma dose de tequila enviada por ela, não havia mais tempo a perder.
  Assim que me aproximei e conversamos por alguns minutos, duas coisas ficaram absurdamente claras. A primeira foi que ela simplesmente fala exatamente o que quer, sem rodeios. A segunda foi que ela queria apenas sexo sem compromisso.
  - Se você for do tipo nerd romântico, pode dar meia volta e continuar qualquer que fosse o seu plano para essa noite. – afirmou sem a menor piedade. E sim, eu sou um nerd romântico, mas para tê-la eu seria o que ela quisesse que eu fosse.
  Aquela foi a primeira noite que ela passou no meu apartamento. Transamos como dois coelhos no cio, e era incrível como nossos corpos se encaixavam com tanta perfeição. Ela me deixava com tesão a tal ponto que – pela primeira vez na minha vida – fui capaz de passar a madrugada acordado, conhecendo seu corpo de todas as maneiras imagináveis. Definitivamente o melhor sexo da minha vida, e mesmo que ela nunca admita, foi o melhor da vida dela também.
  É claro que sendo verdadeira em suas palavras, sexo era tudo que ela queria. E assim que não conseguíamos mais mover um músculo de tão inteiramente extasiados que estávamos, ela se levantou sem qualquer cerimônia, vestiu suas roupas e me deu um beijo na bochecha acompanhado de “obrigada” antes de seguir porta afora. Meu ego ficou tão ferido que aquela foi a primeira vez que a odiei.
  Tudo deveria ter acabado por ali, uma noite inesquecível sem qualquer compromisso para ser guardada eternamente na memória, mesmo com minhas tentativas estúpidas de ir até o bar da esquina com mais frequência do que minha vida financeira permitia, na esperança de encontrá-la novamente. A vida deveria seguir normalmente e eventualmente eu superaria a mulher incrível que abalara minha cama e meu coração, não fosse o fato de que a encontraria meses depois da maneira mais improvável possível.


  Três meses depois lá estava ela, na minha sala de aula, parecendo resplandecer em meio aos outros pais e mães que participavam da reunião. Quase perdi a capacidade de falar, não fosse a coordenadora ao meu lado direcionando a conversa para que eu a acompanhasse. Ela não deu o menor sinal de me reconhecer ainda que minimamente, nem mesmo quando se aproximou e assinou o documento de comparecimento com um agradecimento distante e formal. A minha vontade era agarrá-la e chacoalhá-la até que ela admitisse tudo que aconteceu, mas a parte racional em mim conseguiu ao menos conter o rompante ridículo que isso seria.
   foi embora antes que eu pudesse fazer qualquer coisa para impedi-la, como se a minha existência fosse completamente irrelevante. Eu poderia ter respeitado a mim mesmo o suficiente para lhe retribuir o tratamento, mas ao invés disso secretamente invadi a secretaria da escola e procurei por suas informações nos arquivos da escola, encontrando seu número de celular.
  Caso você não tenha entendido ainda quão baixo é meu nível de amor-próprio, aqui vai um spoiler: eu liguei e enviei mensagens completamente ignoradas por pelo menos duas semanas antes dela finalmente aceitar me encontrar no “nosso” bar. foi categórica ao dizer que não me queria a seguindo como um cachorro sem dono, e que não tinha o menor interesse em me ter na vida dela. E, novamente, eu poderia decidir seguir a minha vida e tentar esquecê-la, mas chame de vício, obsessão ou o que desejar chamar, eu simplesmente não conseguia.
  Segui tentando fazê-la me notar de alguma forma, inventando desculpas e criando situações para que ela precisasse comparecer na escola. Aproveitando cada uma dessas chances para convencê-la de aquela noite que perturbava todos os meus sonhos deveria se repetir. E como já dizia Renato Russo “quem acredita sempre alcança”.
  Finalmente, se rendeu às minhas incansáveis investidas. Ela apareceu na minha casa no meio da madrugada de um dia qualquer, sem o menor tipo de aviso, e antes mesmo de entrar porta adentro estabeleceu suas regras. Não poderia procurar por ela, ligar, enviar mensagem ou decidir qualquer coisa em relação ao nosso “relacionamento”, ela teria total controle sobre quando e como aconteceria. Além disso, qualquer sinal de romance estava fora de cogitação.
  Aquele momento deveria ter sido de epifania, e se eu fosse um pouco mais sensato teria fechado a porta na sua cara ou mesmo exigido que ela me desse o mínimo de respeito, mas é claro que – ao contrário disso – eu a beijei como se ela fosse um oásis em meio ao deserto. Esse dia foi o início oficial do nosso “affair” e não havia uma semana que ela não surgisse na minha porta em busca de sexo selvagem.
  Por seis meses suportei essa situação sem deixar que meu orgulho interferisse. Tentava me convencer que tínhamos um acordo mútuo que beneficiava a nós dois, ainda que todas as decisões partissem dela. Racionalmente e objetivamente, era apenas sexo e nada mais. E mesmo quando descobri sobre seu casamento com um figurão ex-militar e nossos encontros se tornaram mais frequentes, foi a essa ideia que me apeguei. Porém por mais que seu corpo me levasse ao paraíso e me mantivesse são em meio ao vazio que era minha vida, havia sempre uma parte em mim que desejava mais, ansiava por mais.
  Muitos não entenderiam por que me submetia a me envolver com alguém que só queria me usar para benefício próprio, mas a verdade nua e crua é que – sem ela – não parecia haver nada em minha vida que a fizesse valer a pena ser vivida. Eu era um artista que havia vendido minha alma como professor de um bando de crianças mimadas por alguns trocos a mais, seguindo regras sem questionar e ignorando completamente a essência de fazer arte por mera tecnicalidade. Meus poucos amigos me achavam incrível por trabalhar em uma das melhores escolas do país e eu não tinha coragem de assumir que aquele estava longe de ser meu trabalho dos sonhos.
   não se preocupava em saber nada sobre minha vida, e respondia a contragosto muito pouco das perguntas feitas por mim. Ou seja, eu conhecia seu corpo de todas as formas possíveis, sabia cada detalhe, cada mancha e marca em sua pele, até mesmo havia memorizado as reações aos meus toques, mas sua mente e coração permaneciam fechados. Após seis meses de martírio e êxtase ela anunciou que não voltaria mais, deixaria São Paulo para acompanhar o marido no lançamento de sua carreira política. Ela me disse adeus como se estivesse fazendo um comentário qualquer sobre o tempo, enquanto meu mundo se ruía ela nem sequer se preocupou em me dar um último beijo.
  Faz um ano que ela se foi e deixou meu mundo vazio e essa poderia ser uma história para dizer que a superei e agora consigo viver como se ela nunca tivesse existido. Mas a verdade é que ela me assombra a cada segundo do dia, e quando vou me deitar imagino que ela irá aparecer a qualquer instante e bater na minha porta como se nada tivesse mudado. Portanto essa história é - na verdade - fruto da minha decisão de conquistá-la. Eu estou indo até o sul do país – mais precisamente Gramados – com uma única missão: conseguir o coração da mulher que amo.

Capítulo 1

  Entrei no salão de festas do Hotel Britânico tentando transmitir uma confiança que eu definitivamente não sentia. Eu tinha certeza de que estaria lá e esperava conseguir alguma oportunidade para conversar com ela, embora ainda não soubesse o que exatamente dizer. Duvidava que dizer “oi, cheguei à conclusão de que te amo e não consigo viver sem você” fosse ter um efeito muito positivo.
  Caminhei um pouco e rapidamente encontrei o lugar destinado a mim junto a outros artistas. Antes mesmo de me sentar aproveitei para pegar uma taça de espumante de um dos garçons que passava por mim e virei o conteúdo todo em um único gole. Coragem liquida seria necessária sem sombra de dúvidas.
  Sentei-me em meu lugar e imediatamente minha atenção foi tomada pelos meus colegas que me faziam perguntas de praxe sobre o que achei da arquitetura do novo hotel e se já tinha recebido alguma instrução acerca do projeto de curadoria que estávamos prestes a fazer.
  - Não tenho muita informação, mas acredito que queiram quadros que tenham sido feitos por artistas do Reino Unido. – respondi desinteressadamente voltando meu olhar para as centenas de pessoas ao redor sem encontrar nenhum sinal daquela por quem mais ansiava.
  Quatro taças de espumante depois, estava prestes a perguntar a algum dos garçons se havia algo um pouco mais forte para beber quando sinto alguns tapas leves em meu ombro. Me viro e dou de cara com um dos donos do hotel e meu contratante, Sr. Hoff.
  - ! Que prazer tê-lo conosco, espero que tenha tido uma boa viagem. - para minha surpresa me cumprimentou como se fossemos velhos amigos.
  - Sim, Sr. Hoff, a viagem foi perfeita, obrigada. O hotel está magnifico, meus parabéns! – comentei sem jeito tentando retribuir a gentileza.
  - Sim, sim, e ficará ainda melhor quando vocês usarem o conhecimento de vocês e dar aquele toque especial. - antes que eu pudesse retribuir ele se adiantou para cumprimentar os outros artistas próximos um a um.
  Terminei de tomar minha quinta taça de espumante e virei o rosto à procura do garçom quando dei de cara com me olhando como se tivesse visto um fantasma. Tentei sorrir para dissipar a tensão, mas devia estar sofrendo do mesmo efeito paralisante.
  - Ah! , antes dessa noite terminar espero ter a oportunidade de trocar algumas palavras com você. - Sr. Hoff se aproximou novamente, porém não conseguiu dominar completamente minha atenção. - Como você costumava ser o professor favorito da minha enteada, confio particularmente em você e sua visão para comandar o time.
  Só então consegui me atentar ao que ele falava, desviando minha atenção do olhar confuso de .
  - Mas isso não é de urgência, claro, conversaremos depois do jantar, pois hoje é dia de celebrar! - continuou sem perceber minha distração, me oferecendo uma taça de vinho para brindarmos. – , você deve se lembrar do professor de Artes da Sophia, certo?
   ensaiou um sorriso simpático ao receber a atenção de seu marido, se virando para mim com a mão estendida.
  - Mas é claro. É um prazer revê-lo, professor. – apesar das palavras educadas ela não poderia soar mais desinteressada e aquilo foi como um chute no estômago. Retribui o aperto de mão.
  - O prazer é todo meu, Sra. Hoff.
  Ela e seu marido se afastaram logo em seguida, alegando que havia outras pessoas que precisavam de um pouco de sua atenção. passou as próximas duas horas distante, mas seu olhar sempre encontrava o meu em meio à multidão de pessoas, como se ela ansiasse me ver tanto quanto eu em relação a ela, ou talvez fosse apenas projeção da minha mente me pregando peças.
  Estava tão consciente da mulher a alguns metros de distância que reparei assim que ela se levantou e seguiu rumo à saída do salão. Notei que ela ia sozinha e foi nesse momento que decidi segui-la, pedindo licença aos outros na mesa e inventando a desculpa de ir ao banheiro.
  Saí do local a tempo de ver adentrar um dos elevadores e corri a pequena distância sendo rápido o suficiente para entrar antes que as portas se fechassem. Ambos nos encaramos em silêncio, sem muita certeza do que dizer, e antes que eu desse por mim me aproximei e levei minhas mãos ao seu pescoço a puxando para um beijo apaixonado.
  Seu beijo doce era como um veneno se apossando das minhas veias e me fazendo querê-la ainda mais. correspondeu a princípio, pega de surpresa, mas logo me empurrou com veemência.
  - Você tá louco, ? Alguém pode entrar a qualquer momento! – me repreendeu ainda que o desejo fosse evidente em seus olhos que teimavam em se direcionar para meus lábios. – Aliás, o que você pensa que tá fazendo aqui?
  Me aproximei novamente levando a mão ao seu rosto em uma carícia leve e sensual, deslizando os dedos por seu pescoço e um pouco abaixo.
  - Eu não aguentava mais ficar longe de você. – confessei em um sussurro. Seus olhos se encontraram com os meus e pude ver sua guarda baixar, um misto de pena e compreensão evidentes. Um segundo depois era ela quem me atacava, seus braços ao redor do meu pescoço e seus lábios colidindo com os meus como se ela quisesse se certificar de que eu realmente estava ali.
  O elevador apitou e nos afastamos rapidamente, aparentemente no local onde havia escolhido. Ela me puxou para fora e notei que se tratava do terraço do hotel, completamente vazio e com a bela vista da cidade à nossa disposição. Confesso que sequer reparei na paisagem, era tudo que eu queria ver e sentir naquele momento e foi exatamente o que fiz. Ela voltou a enlaçar os braços em meu pescoço enquanto eu a peguei no colo, a empurrando contra uma estátua e utilizando a posição para mover meus quadris contra os dela, o beijo de repente mais intenso e sensual.
  Era perceptível que eu não era o único sofrendo de uma abstinência terrível, tenho certeza de que nossa única vontade era arrancar as roupas um do outro e passar a noite como nos velhos tempos. Devo confessar que não estávamos tão longe disso, deslizou as mãos por meus ombros, peito e abdômen até encontrar o botão da minha calça social e abri-lo sem o menor pudor. A coloquei novamente no chão e deslizei minhas mãos por seu corpo puxando o vestido pelo caminho, estava usando cada fibra do meu ser para controlar meu impulso de pegá-la ali mesmo, mas quando ela chupou meu pescoço enquanto sua mãe agarrava meu pênis que já estava a ponto de bala não pude conter um gemido desesperado.
  - Ah, ! Olha o que você faz comigo, olha como você me deixa, pequena... – depositei beijos em seus lábios, ombros e colos notando que o autocontrole dela estava tão ruim quanto o meu. – Deixa eu te sentir só um pouco, sentir você me apertando, vai ser tão gostoso ... – praticamente implorei – Prometo que te faço gozar antes de notarem nossa ausência...
   olhou nos meus olhos e assentiu antes de voltar a me beijar e tirar meu membro para fora da cueca, me dando a permissão que eu tanto esperava. Em um suspiro de alívio por entre o beijo, me afastei dela o suficiente para vira-la de costas fazendo com que ela se inclinasse um pouco utilizando a estátua como suporte. Rapidamente terminei de levantar seu vestido até o quadril e deslizei sua calcinha por suas pernas torneadas, deixando seu sexo exposto, ela estava tão molhada que só precisou de alguns toques antes que eu pudesse penetrá-la ouvindo seu gemido rouco e sensual em meu ouvido.
  Eu sabia que não tinha muito tempo e que estávamos fazendo algo completamente arriscado, mas simplesmente não podia me importar menos. Ter seu corpo grudado no meu de novo, sentir sua intimidade quente e úmida me apertando tão perfeitamente e ouvir seus gemidos era tudo que eu precisava para ser feliz, e eu aceitaria qualquer punição que pudesse haver só para tê-la para mim.
  Notei que ela estava próxima de um orgasmo e a ajudei tocando seu clitóris enquanto depositava beijos molhados e pequenas mordidas pela extensão do seu pescoço, movendo meu corpo com um pouco mais de força e rapidez da maneira que eu sabia que ela adorava.
  - Isso, , se entrega pra mim...goza pra mim, pequena. – com um gemido alto a senti tremer nos meus braços e seu líquido escorrer em mim, e foi então que a segui, a preenchendo com meu gozo sem me preocupar com as consequências.
  Demoraram exatos dois minutos antes que ela se recuperasse e se afastasse do meu abraço. Sem olhar nos meus olhos se aproximou e retirou minha gravata sem a menor cerimônia a utilizando para se limpar antes de levantar a calcinha e se afastar como se nada tivesse acontecido.
  Esperei por mais alguns minutos tentando recuperar parte do meu orgulho e dignidade antes de pegar a gravata usada e me livrar dela no banheiro, observando com incredulidade minha própria aparência desgrenhada no espelho e tentando ajustá-la ainda que minimamente. Um gosto agridoce havia pairado em minha boca, parte de mim extasiado por ter tido em meus braços novamente ainda que por pouco tempo, enquanto outra parte mergulhava em raiva e autopiedade por ter cedido ao velho hábito.
  Assim que reuni coragem para voltar a festa, vocês já devem presumir que a primeira coisa que fiz foi beber uma taça de espumante. Em seguida a procurei pela multidão reparando que ela e o marido pareciam se despedir de algumas pessoas enquanto se aproximavam da saída. Quando ele me viu fez menção de vir até mim, mas ela o impediu dizendo algo em seu ouvido, ele lhe assegurou com um sorriso amigável antes de acenar em despedida fazendo um gesto de “te ligo depois” antes de saírem porta afora.

Capítulo 2

  Após a saída de da festa no dia anterior eu tomei a coragem de perguntar para um dos garçons a possibilidade de servir algo um pouco mais forte e fui atendido. É claro que beber demais não resultou em nada além de uma dor de cabeça horrível no dia seguinte quando fui acordado por uma ligação da secretária do Sr. Hoff.
  Apesar da estadia estar sendo paga pela empresa que me contratara não quis abusar, então havia escolhido um apartamento no bairro Planalto há uns três quilômetros do centro da cidade. Como você deve imaginar, não estava nas melhores condições para a reunião de trabalho que estava prestes a ter com meu contratante, por isso decidi caminhar a distância até sua casa, um pouco acima da Rua Torta.
  No caminho tomei pelo menos três xícaras de café, aproveitando para apreciar a arquitetura definitivamente diferente de São Paulo. Havia um cuidado bem artístico em tudo ao redor, até mesmo nos jardins, o que era inspirador de se ver. E se eu não tivesse com uma ressaca desgraçada e o coração partido, tenho certeza deque teria apreciado tudo ainda mais.
  Em quarenta minutos estava à frente da casa, uma mansão incrível com muito mais cômodos do que os donos precisariam com toda certeza. Era também bem esverdeado, dando um ar sereno apesar da opulência da propriedade. Respirei fundo reunindo a energia que precisaria para lidar com a visão de novamente e – principalmente – com a reação que ela teria ao me ver.
  Caminhei alguns passos até a porta quando ouvi uma risada leve e despreocupada vinda da parte de trás da propriedade. Dei a volta silenciosamente para não atrapalhar a interação que acontecia e vi brincando com a filha, ambas dançavam sem música com movimentos que variavam entre exagerados e engraçados. Senti meu coração comprimir no peito ao ver a cena, o sorriso largo que eu raramente via no rosto dela a deixava ainda mais linda, e era essa doce, fofa e despreocupada com a sua filha que eu gostaria de conhecer.
  Nas vezes que a havia visto na escola eu já percebera quão gentil e carinhosa ela era com Sophia, e sempre me perguntava como seria possível que aquela mulher era a mesma que traía o marido sem pudor e me tratava como um objeto sexual sem o menor remorso. Suspirei e me virei para seguir na direção da mansão novamente quando ouvi o grito de Sophia.
  - Prô ! – ela exclamou correndo em minha direção e abraçando minhas pernas. Sorri fazendo um cafuné em sua cabeça e bagunçando seu cabelo.
  - Oi florzinha. Como você está? – perguntei antes de levantar meu olhar e dar de cara com a expressão irritada de .
  - Bem. Eu e a mamãe estamos brincando de ser dançarinas. – comentou com um sorriso fofo.
  - Muito bem! Logo você será uma artista completa. – afirmei a incentivando.
  - Sim!! – gritou empolgada e voltando a correr na direção da mãe. – Mamãe, posso mostrar o meu desenho para o Prô ?
  - Pode sim, meu amor. – respondeu à garota, vendo a filha se afastar. – O que você quer aqui, ? – perguntou assim que a filha estava longe o suficiente.
  - Seu marido me chamou para uma reunião. – afirmei antes que ela decidisse me atacar.
  - Então, vai. – praticamente me expulsou como se eu fosse um cachorro – E não pense que o que fizemos ontem teve qualquer significado.
  Ela definitivamente não precisava pisotear meu coração, mas parecia sempre questão de fazê-lo. Engoli a resposta rude que tive vontade de dar e me afastei seguindo na direção da propriedade novamente. Amar tinha um gosto agridoce, era delicioso tê-la em meus braços e provar dos seus beijos e do seu mel, mas sua atitude fria e distante era como uma porta que ela levantava para não me deixar conhecê-la verdadeiramente.
  A reunião foi longa o suficiente para que passássemos todo o resto da manhã até a hora do almoço. O Sr. Hoff – Marcio, como me pediu para chamá-lo – era um cara muito gente boa. Ele me tratou como se fosse seu sobrinho favorito, contando um pouco da sua história, seu envolvimento com a construção do novo Hotel Britânico, e exatamente qual era sua visão para a decoração artística. Fez questão de me colocar como líder dos outros artistas que participariam da curadoria e colocou total fé em meu trabalho e percepção após mostrar algumas das influências que havia pensado para o hotel.
  Foi uma manhã produtiva, e a cada minuto na companhia daquele homem o remorso me corroía cada vez mais. Uma coisa era me envolver e apaixonar por uma mulher casada imaginando que seu marido era um ex-general filho da puta que não a merecia, outra bem diferente era conhecer a pessoa incrível que ele era e não entender por que havia decidido traí-lo. Na hora do almoço a dita cuja surgiu na porta o chamando para almoçar com ela e Sophia, eu estava me sentindo tão mal que nem olhei em sua direção, e fiz questão de recusar o convite que ele fez para que me juntasse à eles.
  Saí da reunião com um gosto amargo na boca, mesmo depois de ter viajado para outro estado e ter me enfiado nesse projeto de curadoria para o qual eu nem me julgava tão apto assim, a dúvida pairava em minha mente. Será que valeria a pena seguir com meu plano de ter para mim ignorando completamente os efeitos que isso teria em sua família? Talvez eu devesse simplesmente me dedicar a mais uma semana de trabalho e me forçar a esquecer que ela existia. Porém, o engraçado dessa história é que nem tudo ocorreu apenas por decisões minhas, o destino parecia determinado a me empurrar nessa jornada também.

Capítulo 3

  Na manhã seguinte eu já estava completamente convencido de que o melhor para nós dois era - de fato - deixá-la ir. Após uma tarde produtiva com os outros curadores e ter uma boa direção do caminho que desejávamos seguir com nosso trabalho, voltei para o meu quarto de hotel pela primeira vez em anos com uma ótima sensação de realização. Algum momento entre apostilas e reuniões de pais e professores eu havia de certa forma ignorado meu amor pela arte, e aquele trabalho era a faísca que eu precisava.
  Em comum acordo decidimos que iniciaríamos nosso expediente sempre após o almoço, portanto eu pretendia aproveitar o que houvesse pela cidade e arredores para passar o tempo. Meu primeiro destino foi a rua coberta com sua estrutura de vidro completamente ornamentada com plantas. Parecia ter saído diretamente de um livro de fantasias infantil, mas as cafeterias, restaurantes e lojas ao redor me trazia de volta para a realidade.
  Um costume que pode parecer completamente estranho para muitos, mas que é muito normal e inspirador para mim, é me sentar em uma praça qualquer e ficar observando as pessoas viverem suas vidas e imaginar suas histórias. Como Gramados era um local completamente novo na minha lista me senti na obrigação de fazer o mesmo. Comprei um chocolate quente na Caracol Gourmet a qual o Google sabiamente informava ter um dos melhores da região e me sentei em um dos bancos disponíveis.
  Era curioso perceber como as pessoas que pareciam ser locais eram elegantes e com trejeitos serenos, algo completamente diferente do que via na caótica São Paulo. Ri comigo mesmo enquanto tomava meu chocolate e fazia comparações esdrúxulas na minha cabeça. E foi então que o destino como sempre me empurrando direto para o precipício colocou à minha frente. Ela usava um vestido longo e vermelho com uma enorme fenda na perna e um sobretudo branco, se destacando completamente na multidão.
  Olhei para o relógio no meu celular e percebi que pelo horário Sophia deveria estar na escola. Observei enquanto ela entrava em uma loja de joias e escolhia algumas peças sem sequer olhá-las direito, seu rosto parecia um misto de tedio e desinteresse. Em minha mente tentei imaginar que história criaria se não a conhecesse: uma mulher linda, jovem e herdeira tendo mais dinheiro do que conseguiria gastar. Uma vida de luxo, mas completamente vazia, sem propósito e infeliz.
  Ela entrou em uma loja de roupas de marca em seguida, e passou a escolher novamente de forma um tanto desatenta. Sem conseguir me conter já estava de pé e seguindo em sua direção, aguardando pacientemente enquanto ela fazia suas compras. Eu sabia que estava jogando para o espaço a resolução que fizera mais cedo naquele dia, mas ela tinha um magnetismo que me levava a ela como imã, a curiosidade era muito maior do que qualquer senso de autopreservação.
  Quando ela caminhava para fora da loja com algumas sacolas na mão seus olhos pousaram nos meus e ali notei uma mistura de curiosidade com hesitação.
  - Uau, você realmente pretende me perseguir por todos os cantos? Achei que tivesse um trabalho a cumprir. – as palavras eram duras, mas eu conseguia ver certo divertimento em seu olhar.
  - Acredite se quiser, mas eu realmente não planejava te encontrar aqui. Foi pura coincidência. Ou destino. – sorri me oferecendo para carregar suas sacolas, ela aceitou.
  - E o trabalho? Não me diga que veio até aqui para me encontrar coincidentemente por aí. – continuou a provocação enquanto caminhávamos lado a lado. Mantive meu sorriso intacto, pois apesar da zombaria ela estava finalmente interessada em saber algo sobre mim.
  - Iniciamos no período da tarde, logo após o almoço. É o melhor período para todos. – respondi – E você?
  - O que parece? Estou fazendo compras, claramente. – retrucou impaciente.
  - E te fez se sentir melhor? – insisti me lembrando da expressão desinteressada minutos antes.
  - O que quer dizer com isso? – estávamos caminhando lado a lado e ela se virou para olhar minha expressão, mas permaneci olhando à frente, tomando coragem para fazer a pergunta que martelava em minha cabeça desde que a vi.
  - Quero dizer, você está feliz? – finalmente me virei em sua direção, mas ela desviou o olhar.
  - Que pergunta estúpida. – afirmou como se isso encerrasse o assunto.
  - Não há nada de estúpido na felicidade, muito pelo contrário. – parei de caminhar quando estávamos prestes a entrar na rua torta e me virei a forçando a fazer o mesmo. – Você é feliz?
  Era raro quando ela não tinha uma resposta ácida e rápida para mim, então apreciei os segundos de silêncio em que ela permaneceu olhando nos meus olhos como se tentando desvendar o motivo da pergunta.
  - E que diferença isso te faria? Ou melhor, que diferença você faria? – eu entendi imediatamente o duplo sentido da pergunta. Ela havia entendido o que havia por trás da minha pergunta também, a vontade de lhe dizer que aquela vida não era para ela e que eu poderia lhe fazer mais feliz do que qualquer outra pessoa ou ao menos morreria tentando, mas ela duvidava.
  - Eu posso te fazer feliz. – afirmei com convicção enquanto ela riu desdenhando do que eu dizia – ... se você me desse uma chance eu passaria todos os dias da minha vida fazendo o que quer que fosse para te fazer feliz.
  O silêncio novamente, só que então já não era o mesmo de antes, eu podia ver que estava surpresa com minha repentina declaração, mas ela também estava analisando o quanto a levaria a sério.
  - Eu preciso ir. – finalmente disse, pegando as sacolas da minha mão e se movendo, mas eu a parei antes que ela se afastasse, segurando em seu pulso.
  - , me dá uma chance. – não era apenas um pedido, era quase uma súplica – Eu não peço que acredite em mim e jogue tudo para o ar, mas me dá uma chance de te provar.
  - Como? – ela questionou incerta.
  - Eu vou ficar aqui até a próxima semana, me dê cinco dias. Aliás, cinco manhãs para que eu possa te mostrar que a vida tem muito mais a oferecer do que joias e roupas caras.
  Ela não olhava nos meus olhos, sua cabeça estava virada em outra direção enquanto ela parecia ponderar minha proposta.
  - O que você tem em mente exatamente? – perguntou se virando novamente em minha direção.
  - Simples. Vamos nos ver todos esses cinco dias pela manhã e você vai me seguir sem questionar em qualquer “encontro” que eu tiver programado. Ao fim desses dias, se você achar que eu realmente não posso te fazer feliz de verdade, eu vou embora da sua vida para sempre. Você não vai nem precisar lembrar que eu existo. – esclareci engolindo em seco a parte final. E se ela realmente decidisse que o melhor era me esquecer?
   me deu um sorriso enigmático e assentiu. Quase me humilhei ao ponto de celebrar a sua aceitação, mas consegui conter um resquício de dignidade e apenas sorri. Ela pegou algo dentro da bolsa e me entregou antes de se afastar. Era um cartão com seu número de celular.

Capítulo 4

  Nos encontramos um pouco afastados da área central da cidade e me lançou um olhar cético assim que viu encostado em um Gol comum.
  - Eu aluguei para fazermos nosso passeio. – expliquei após dar um beijo em seu rosto.
  - E onde seria esse passeio? – perguntou após entrar no veículo.
  - Logo você descobrirá. – sorri sabendo que o mistério a deixaria irritada. – Mas não se preocupe, tenho certeza de que será algo novo para você.
  - Ah é? E o que te faz ter tanta certeza? - rebateu com os olhos semicerrados.
  - Você é dondoca demais para fazer qualquer tipo de rolê rústico ou alternativo. – disse sinceramente recebendo um revirar de olhos de .
  - Dondoca? Quem ainda usa esse palavreado secular? – comentou baixinho, mas sem contrariar o que eu havia dito. Sorri ao perceber que eu já conseguia prever suas reações.
  Havia decidido levá-la pela rota rural, mas não quis me prender a ônibus de turismo e ter um monte de gente ao nosso redor, por isso o carro. ficou definitivamente surpreendida com a escolha que ela disse ser estranha. Quando chegávamos em cada parada, descíamos do carro e andávamos pela propriedade observando os animais e plantações.
  Nossa primeira parada foi na casa centenária, e fomos recebidos com muito carinho pela proprietária que permitiu que explorássemos o lugar sem reservas. Havia diversos animais e eu interagi com cada um deles, mas apesar de insistir bastante se recusou a chegar perto de qualquer um. Mas ao menos ela aceitou experimentar um pouco do vinho de fabricação própria que a senhora simpática ofereceu, e se surpreendeu com a qualidade. A zombei em todo o caminho de volta para o carro dizendo o quão cheia de “não me toque” ela era.
  A segunda parada foi no Museu Fioreze, e logo na entrada havia um arco de flores lindas que enfeitavam o local. Apesar de achar que essa seria a parte menos favorita do tour para , ela se mostrou completamente encantada com os objetos de diferentes épocas expostos. Apesar observar as motocicletas antigas, decidiu compartilhar uma informação sobre si. que me fez sorrir por compartilhar alguma memória sua.
  - Quando eu era criança, bem pequena, nós tínhamos esse vizinho que era a cara do Roberto Carlos e fazia shows pela cidade. Ele tinha uma lambreta que cuidava como se fosse o seu bem mais precioso. Às vezes ele nos levava para dar uma volta no quarteirão e eu nunca me senti tão livre quanto quando sentia o vento bater no meu rosto, eu fechava os olhos e fingia que estava voando. – sorri largamente ao finalmente conhecer algo sobre ela, uma memória importante. Segurei a mão dela em uma carícia e passamos o resto do tour pelo museu de mãos dadas, o calor de sua mão parecendo traçar um caminho direto ao meu coração.
  Na saída do museu fiz questão de pegar uma das flores que ornamentavam a entrada e coloquei no cabelo de apesar de sua relutância.
  - Valoriza o seu rosto e faz você parecer um pouco mais... simpática. – brinquei dando um beijo em sua mão e a direcionando de volta para o carro.
  - É piegas. – reclamou.
  - Quem está usando palavras velhas agora? Você nunca recebeu flores antes?
  - Não. – respondeu simplesmente enquanto eu dava partida no carro.
  A observei de canto de olho percebendo sua expressão pensativa. era como um quebra cabeça, um dos mais difíceis que já tentei desvendar, mas a cada minuto em sua companhia e a cada momento que eu sentia sua guarda baixar um pouco, eu a entenda um tanto mais e percebia o quanto valia a pena.
  Em seguida a levei para o Café da Família para nos esbaldarmos com um café colonial típico vendo os olhos de brilhar com a quantidade de geleias naturais. Ela experimentou todas e após selecionar a que gostou mais fiz questão de comprar uma jarra para ela. No entanto, após ouvir que nunca havia recebido flores eu tinha uma missão em mente. Saímos da propriedade e segui o resto do caminho fazendo pausas rápidas para apreciarmos as lindas paisagens e para coletar flores que via pelo caminho.
  A cada flor que eu pegava debochava do quão ridículo eu estava sendo, mas eu podia ver que seu sorriso se alargava e seus olhos adquiriam um brilho cada vez mais intenso. Seguimos até o Parque da Oliva e ali foi onde consegui finalizar o buquê rústico que fazia. Fomos forçados a pegar um pequeno ônibus para passar por todos os locais do parque e após ficar completamente empolgada com as casas coloniais em miniatura, sua repulsa por animais na Casa Centenária logo foi esquecida e ela interagiu com os pequenos animais que encontramos pelo local.
  Antes de retornarmos precisei argumentar por pelo menos cinco minutos com para que ela permitisse que eu tirasse uma selfie de nós dois. Ela estava convencida de que era um pouco demais guardar esse tipo de lembrança eterna dado os termos do nosso acordo, mas eu sabia que queria lembrar daquele momento por toda a minha vida, nosso primeiro encontro.

Capítulo 5

  No dia seguinte acordei com energia renovada para o novo encontro com . O dia anterior fora além das minhas expectativas e passei boa parte da noite planejando o que faria nos próximos dias. A verdade é que era tudo um pretexto, pois eu poderia facilmente ficar trancado com ela em um quarto e para mim já seria o suficiente, mas precisávamos dessas experiências, só assim a conheceria realmente e vice-versa.
  Enviei uma mensagem misteriosa para pedindo que ela fosse com roupas confortáveis como se estivesse indo para a academia, e ela tentou me arrancar o nosso destino através de mensagens, mas simplesmente a ignorei após enviar o local onde deveríamos nos encontrar, o mesmo do dia anterior.

   Assim que a vi lhe dei um abraço rápido e um beijo no rosto, mas apesar de estar vestida como pedido por mim, seu rosto tinha uma carranca por ter sido ignorada. Entramos no carro e seguimos rumo à Cascata no Parador Hampel em São Chico. Quando mencionei o nome para ela me olhou como se não fizesse a menor ideia de onde era e pegou o celular para pesquisar, mas tomei o aparelho de sua mão.
  - Vai ser bem mais legal se tudo for uma surpresa. – afirmei.
  Ela me olhou como se quisesse arrancar minha cabeça fora, mas aceitou. A viagem demorou menos de uma hora e aproveitei o tempo para fazer diversas perguntas sobre o que havia feito nesse último ano que estivemos “separados”. Para minha completa surpresa, ela respondeu sem reservas contando sua rotina com o marido e – principalmente – com Sophia.
  Falei um pouco também sobre a rotina na escola, mas a verdade é que não havia muito o que dizer. Eu passara meus dias trabalhando, estudando, pintando às vezes e sonhando com a mulher que estava ao meu lado. Ela, por outro lado, havia aprendido muito sobre administração e investimento e ajudava Marcio em seus empreendimentos, além de investir bastante do tempo fazendo criações artísticas e cozinhar com Sophia, que adorava fazer qualquer coisa manual.
  Somente quando chegamos no local lhe entreguei uma garrafa de água e avisei que faríamos uma trilha. Ela fez um som de desaprovação, porém não reclamou e seguiu tranquilamente atrás de mim. Apesar de estar carregando uma cesta fiz questão de oferecer minha mão para que ela se apoiasse em mim durante a caminhada de terras e pedra.
  Era uma sexta-feira ensolarada e o sol seria incômodo para caminhar por um longo período, no entanto as árvores altas serviam como um ótimo acalento nos preservando dos raios ultravioletas. A trilha não era longa e em vinte minutos já podíamos ver a linda paisagem da cascata. Seguimos um pouco mais além para encontrarmos uma piscina natural causada pela queda d’água.
   abriu um sorriso largo ao ver o local à sua frente e imediatamente se aproximou da água, molhando as mãos e rosto. Enquanto a deixava se refrescar um pouco aproveitei para colocar a toalha sobre o chão e dispor os itens que havia separado para nosso piquenique: pão, patê, queijo, presunto, biscoito, torrada, suco, frutas e – é claro – geleia. Quando havia procurado pela geleia perfeita na notei anterior me dei conta do quanto gostaria de saber todas as suas preferências e desejos para fazer todas as suas vontades.
  - Por que não dá um mergulho? – oferecei quando notei como seu olhar brilhava com interesse.
  - Eu não trouxe biquini. – respondeu fazendo um bico involuntário com o lábio que me deu uma vontade estranha de morder.
  - E qual o problema? – rebati retirando minha camisa e a colocando sobre a toalha antes de tirar os sapatos.
   me olhou como se eu fosse um lunático, sua bochecha corando como se ela já não tivesse visto cada parte do meu corpo por inúmeras vezes.
  - O que você pensa que está fazendo? – perguntou com os olhos arregalados.
  - Não é obvio? Temos esse paraíso para nós dois, o sol está rachando, claramente vou dar um mergulho. – terminei de tirar a calça e ajeitá-la junto com as outras peças antes de caminhar somente com minha cueca boxer até a borda do lago e pular sem rodeios.
   soltou um grito ao sentir os respingos sobre si e continuou me olhando como se eu tivesse perdido a razão.
  - Vem, . – apelei para seu apelido para tentar fazê-la ser mais maleável.
  - Eu não vou tirar a roupa em um local público. – disse categoricamente.
  - É uma sexta feira de manhã fora da época de temporada e acho que nós nos embrenhamos no mato o suficiente para encontrar um local não muito acessível, não acha? Viva um pouco. – argumentei jogando um pouco de água em sua direção.
  Ela ficou em silêncio ponderando suas opções. Dava para ver que ela queria muito entrar comigo, mas imagino que os anos de dondoca precisando preservar sua imagem e elegância haviam tirado dela a habilidade de ser espontânea e não se preocupar tanto com os outros. Depois de alguns minutos em que preferi fingir ignorá-la nadando alegremente, ela finalmente se levantou, retirando as roupas rapidamente e as colocando sobre a minha antes de pular na água atrás de mim.
  Assim que ela voltou a superfície seu sorriso parecia o mais alegre e verdadeiro que havia visto até então. Fiquei tão embasbacado com sua aparência estonteante que devo ter parecido um paspalhão a encarando com a boca aberta.
  - O que foi? – ela perguntou parecendo incomodada com meu olhar.
  - Você é estonteante. – disse honestamente me aproximando dela e retirando um fio molhado que caia na frente dos seus olhos.
  Ficamos alguns minutos olhando um para o outro e a tensão era evidente, ambos queríamos nos beijar, mas a hesitação dominava nossos corpos. Eu sabia que o beijo me faria querer muito mais dela, e estava determinado a mostrar que o que tínhamos era mais do que tesão desmedido. Eu precisava provar que o que havia entre nós era uma conexão verdadeira. lambeu os lábios involuntariamente e se aproximou mais passando os dedos pelo meu abdômen e precisei usar todas as minhas forças para resistir a ela. Inesperadamente peguei um pouco de água e joguei em seu rosto ouvindo seu grito de susto e raiva.
  A surpresa durou pouco tempo, pois logo em seguida ela declarava guerra e começava a jogar água em mim também. E assim iniciamos uma batalha que durou por mais tempo do que consegui resistir, e precisei pedir arrego vendo seu sorriso vitorioso. Mais um fato sobre : ela é competitiva.
  Saímos da água e nos sentamos na grama esperando que o sol secasse nossos corpos antes de vestirmos nossa roupa. sorriu agradecida pela geleia e elogiou o sabor inesperado e comemos conversando sobre nossas preferências em comidas. Fiz questão de saber quais seus pratos favoritos e anotei tudo mentalmente para as próximas surpresas que eu tinha mente.

Capítulo 6

  No sábado pela manhã acorde um tanto ansioso com o que havia planejado. Como teríamos mais tempo, decidi por um destino um pouco mais distante como no dia anterior, mas o meu receio não se dava exatamente pelo local e mais pelo que eu havia pensado em fazer. Esse dia seria totalmente incrível, único e uma experiência que nos aproximaria e faria com que sempre lembrasse do momento com felicidade ou seria um desastre total.
  Nos últimos três dias com eu descobri muito mais coisa do que em todos os seis meses em que dormíamos juntos. Eu percebera coisas como seus gostos simples quando se tratava de comida apesar de todo o dinheiro que costumava esbanjar. Também descobri que ela relutava falar sobre sua vida antes de Marcio com todas as forças e sempre que perguntava sobre seus sonhos respondia que já tinha tudo que sempre quis embora a tristeza em seu olhar me disse outra coisa.
  A conclusão que eu havia feito até então era que estava um pouco perdida e infeliz. Era como se ela tivesse um sonho pelo qual buscou por toda a vida e agora que o havia realizado aquilo não era exatamente o que ela esperava, mas ela tinha medo de esperar ou buscar por algo além disso. Eu conseguia entender por que ela traíra o marido por tanto tempo, talvez essa fosse sua maneira de se permitir fazer algo que a fizesse se sentir verdadeiramente bem.
  Tendo tudo isso em mente, eu sabia exatamente o que eu precisava fazer, ela precisava viver novas aventuras e enfrentar seus medos. Talvez depois de fazer coisas que ela jamais imaginou toda sua vida ou sempre quis, mas nunca teve coragem, ela percebesse que arriscar muitas vezes vale a pena.
  Nós nos encontramos no mesmo local e dessa vez eu disse imediatamente que iríamos ao Parque das Laranjeiras. Ela entranhou o quão franco eu fui, mas deu de ombros e logo começamos a conversar sobre hobbies que gostaríamos de experimentar e ela confessou que sempre teve vontade de pintar, mas não achava que tinha qualquer dom para isso. Anotei a informação como extremamente importante e logo ouvi outros desejos como experimentar alguma comida completamente exótica em outro país e aprender dança do ventre em Marrocos.   A conversa estava tão boa que a viagem pareceu mais rápida do que eu imaginei que seria. Assim que chegamos no parque, caminhamos um pouco para apreciar a bela vista da natureza, mas eu já tinha um plano determinado em mente. Primeiro, a levei para praticar tirolesa, e apesar do medo não hesitou em se jogar, e ela gostou tanto da sensação de adrenalina que sentiu que fez questão de ir mais uma vez.
  Enquanto a ouvia compartilhar as sensações que sentira com um sorriso lindo e que não saia de seu rosto, meu coração se aquecia na certeza de que era essa a visão que eu gostaria de ter todos os dias da minha vida.
  - Se você gostou desse, então acho que o próximo será ainda mais interessante. – comentei enquanto ela empolgadamente me seguia em direção ao ponto onde se iniciar o rafting que havia agendado. Participamos do treino antes de realizar a atividade e observava atenta todas as instruções enquanto parecia uma criança indo para a Disney.
  Achei que já a havia entendido bem, mas na realidade a cada camada sua que conseguia desvendar mais surpreendido ficava com a doçura latente que ela se esforçava para esconder. Em dado momento dei um beijo inesperado em seu rosto a puxando para um abraço que ela retribui um pouco confusa, e então era o momento da segunda aventura do dia.
  Se em algum momento eu havia pensado que teria medo, essa teoria logo caiu por terra quando a atividade começou e fui eu que, vergonhosamente, gritei escandalosamente de medo a cada curva sinuosa ou movimento exagerado do bote. Por vezes eu achei que o veículo tombaria e morreríamos todos afogados, e a única alegria que a “aventura” me trouxe foi segurando minha mão em apoio.
  A terceira e última prática agendada foi o rapel, e você já deve imaginar o quão apavorado eu estava depois da última tentativa de ser aventureiro, mas fez questão de realizar o esporte. E a essa altura do campeonato se você ainda não entendeu que eu faria tudo ao meu alcance para fazer aquela mulher feliz, então você não entendeu nada. No entanto, rapel foi bem mais divertido do que eu imaginava e eu e fizemos uma competição para ver quem chegaria mais rápido, a qual ela ganhou somente porque trapaceou me empurrando para que eu perdesse o equilíbrio fazendo com que eu ficasse um pouco para trás.
  Ao chegarmos no pico da torre estava tão entusiasmada que ela fez questão de tirar uma foto nossa para eternizar a experiência nunca vivida antes, dizendo que aquele passeio foi a coisa mais divertida que fez na vida. Nem preciso dizer que eu sorria feito um bobo percebendo que a ideia realmente cumpriu seu objetivo. Comemos um hamburguer no parque e depois voltamos para Gramados quando o sol já estava se pondo.
  A volta não foi – infelizmente – tão rápida quando a ida já que eu tive de abrir minha boca grande para fazer uma brincadeira que logo se revelou ser um tiro que saiu pela culatra.
  - Acho que você está finalmente percebendo que eu sou tudo que você precisa para ser feliz. – ela balançou a cabeça rindo e entrou na brincadeira me zombando.
  - Nunca duvidei que você fosse um ótimo entretenimento. – ela fez soar como zoeira, mas só eu sabia quão fundo a frase cortou meu coração.
  - Ouch. – respondi, meu rosto subitamente mais sério. E eu poderia ter deixado para lá e seguido a vida como se nada tivesse acontecido, mas não pude me contar. – O que faz você ser tão cética em acreditar que eu posso te fazer feliz?
  A mudança na atmosfera foi rápida e evidente. Ela se mexeu desconfortavelmente no banco e o sorriso lindo que eu tentara tanto colocar em seu rosto desapareceu. respirou fundo antes de responder algo, como se precisasse dizer algo que não desejava.
  - Honestamente, ? Você é pobre. – o que ela disse foi tão inesperado que precisei desviar o olhar da estrada e observá-la para verificar se ela falava sério.
  - Dinheiro não traz felicidade, . – rebati incrédulo.
  - Pobreza muito menos. – sussurrou baixinho. Percebi que atingira um nervo, seu olhar se tornou resguardado e distante, mas eu podia ver a tristeza nele. Eu notei que havia muito mais ali do que eu poderia enxergar, alguma história que a levara a pensar assim, mas precisava respeitar seu tempo. Passamos o restante da volta em silêncio, cada um preso e perdido em seus próprios pensamentos.

Capítulo 7

  Domingo era o quarto dia que nos encontraríamos, e eu acordei me sentindo a pior pessoa do mundo. A maneira como todo o encontro do dia anterior parecia ter sido jogada na privada no fim era absurda. Por que eu não me contentei em ter tido um dia incrível e terminei o dia com uma conversa leve e agradável sobre a experiência que ela claramente amou? Minha mente não parava de rodopiar em questionamentos completamente inúteis sobre o que poderia ter acontecido em sua vida para levá-la a casar puramente por dinheiro, e parte de mim duvidava que havia algo que eu pudesse fazer a respeito.
  Eu estava me sentindo tão desolado que passei toda a manhã na cama duvidando que ela aceitaria me ver depois do fiasco do último encontro. Tinha tanto medo dela responder que não queria me ver jamais que quase cheguei ao ponto de não mandar mensagem nenhuma e seguir o dia e o resto da viagem como se nada tivesse acontecido. Exatamente às treze horas e oito minutos foi ela quem me tirou da agonia com uma mensagem simples e direta “hora e local?”.
  O alívio que eu senti foi tão genuíno que imediatamente levantei da cama e enviei o meu endereço e ‘agora’ logo abaixo, mal acreditando que ela ainda desejava me ver. Tomei um banho, me vesti e organizei o apartamento como pude. Ela não disse mais nada, mas quarenta minutos depois tocava o interfone e eu liberava sua entrada.
  - É aqui que você tem ficado? – perguntou ao adentrar o local, observando tudo minuciosamente.
  - Sim. – respondi sentindo um nervosismo estranho, sem saber como conduzir a situação. Tinha medo de que qualquer coisa errada que eu falasse a fizesse dizer adeus.
  - E por que estou aqui? – questionou confusa. Era curioso estar em um local fechado com , e muito provavelmente ela sentia o mesmo. Por muito tempo nossa relação se resumiu a encontros esporádicos e com tempo limitado em meu apartamento, tê-la ali trazia uma espécie de déjà vu.
  - Eu gostaria de te pintar. – disse incerto, a ideia parecera incrível quando a tive dias atrás, mas com a tensão que pairava no ar já não tinha mais tanta certeza.
  - Para quê?
  - A arte de pintar é apenas a arte de exprimir o invisível através do visível. – respondi me lembrando de uma citação que aprendera na universidade.
  Ela permaneceu calada me olhando, me encarando com seus profundos como se tentasse ler meus pensamentos. Por fim suspirou parecendo frustrada e jogou a bolsa que carregava sobre o sofá e se sentando.
  - Certo. O que devo fazer? – concordou como se o que mais queria era finalizar uma tarefa tediosa.
  - Não precisamos fazer isso se não quiser. – sugeri sentindo qualquer confiança adquirida nos últimos dias se esvair cada vez mais a cada segundo.
  - Por que exatamente você quer me pintar? – inquiriu novamente.
  Suspirei tentando pensar na resposta mais adequada para lhe dar. A pintura para mim era como uma forma de eternizar sentimentos e histórias, e não havia nada que eu desejasse que fosse mais eterno para mim do que .
  - Honestamente? É uma forma de te ter para sempre comigo. – confessei jogando para o alto qualquer sensatez. A que sempre conheci reclamaria do sentimentalismo barato e ameaçaria ir embora, e foi para isso que me preparei.
  - Ok. – ela disse simplesmente, para minha surpresa total.
  Me contentei com sua permissão e comecei a ajustar os materiais que precisaria. Estava receoso de criar algo que ela não gostasse, mas aquela poderia ser a única chance que teria para fazer algo do tipo e estava disposto a aproveitá-la.
  - Pode escolher onde quer ficar, e escolher a melhor pose. – solicitei. Ela me deu um sorriso enigmático antes de caminhar até a cama e se jogar sobre ela. Se escondeu embaixo do lençol e eu estava prestes a questionar o que ela estava fazendo quando vi suas peças de roupa sendo jogadas para fora da cama uma atrás da outra.
  Engoli em seco, incerto se essa era sua atitude muito bem-sucedida de me seduzir ao sentir a parte do meu corpo que mais a desejava dar sinal de vida. Mas após se encontrar nua sob os lençóis ela simplesmente se ajustou sobre a cama, os cabelos esparramados de maneira sexy e parte dos seios à mostra com o restante de seu corpo escultural parcialmente escondido. Ela me lançou um sorriso sensual e uma piscadela, e foi então que percebi que ela estava – de fato – querendo me provocar.
  Me concentrei em exprimir a visão magnífica que eu via através da minha arte e a atmosfera no local ficava cada vez mais leve conforme o tempo passava. Ela parecia à vontade sendo minha musa e eu tinha a minha maior inspiração comigo. Fizemos uma pausa e preparei rapidamente um macarrão para comermos antes de voltar ao trabalho. Não sabia se era a companhia ou a fome, mas me superei fazendo o melhor espaguete que já fiz na vida, arrancando até mesmo elogios da exigente .
  - Por que você decidiu ser professor ao invés de seguir a carreira de artista? – ela perguntou de repente.
  - Sei lá. A oportunidade apareceu e me pareceu mais seguro seguir esse caminho do que continuar vivendo como um adolescente sonhador imaginando que poderia viver da minha arte. – respondi sinceramente.
  Ela sorriu parecendo compreender o que eu dizia. Alguns minutos depois voltamos a nossa missão, e quando consegui finalizar a pintura a noite já caía lá fora. Demorei alguns segundos para tomar coragem de lhe falar que havia terminado e mostrar o que fizera. E se ela não gostasse? Ou pior, e se ela odiasse completamente?
   pareceu perceber minha hesitação e se levantou da cama com o lençol enrolado em seu corpo antes de seguir até onde eu estava, me afastando da pintura para que ela pudesse contemplá-la. Observei sua reação com a respiração presa em antecipação, um misto de choque, encanto e até mesmo tristeza percebi em seus olhos. Mas ela não sorriu, ao invés disso se debulhou em lágrimas à minha frente.
  A abracei com força, tentando acalentá-la. ainda chorou copiosamente em meu ombro a ponto de molhar minha camisa, mas eu não poderia me importar menos, eu sabia que aquela reação não era somente pela pintura, e queria mostrar que qualquer que fosse o motivo, ela teria meu carinho e suporte. Por fim ela se acalmou e aceitou uma taça de vinho antes de iniciar sua explicação.
  - Me desculpa pelo que eu disse ontem. – começou parecendo envergonhada. – Eu sei que você realmente quer me fazer feliz, e talvez você poderia se eu não fosse tão estragada.
  A olhei em choque com a confissão inesperada, o que a fazia pensar que ela não era absolutamente perfeita?
  - , você é perfeita. – confirmei meu pensamento em voz alta.
  Ela riu sem a menor graça, balançou a cabeça e tomou um gole de vinho antes de desviar seu olhar para a pintura que eu fizera novamente, parecendo tomar coragem para continuar.
  - Sabe, eu realmente já soube o que era ser feliz de verdade. Quando eu era criança, eu e o meu irmão encontrávamos felicidade nas coisas mais simples, minha mãe era como o sol que sempre trazia uma sensação de calor e alegria não importava a situação. – começou a contar e uma lágrima solitária escapou seu olho direito. – Nós éramos muito pobres, mal tínhamos o que comer embora minha mãe fizesse de tudo para cuidar de nós. Só que ela ficou doente, cada vez mais debilitada e já não podia mais trabalhar. Eu e o meu irmão pedíamos ajuda nas ruas e para os vizinhos, e um dia o Conselho Tutelar bateu em nossa porta.
   baixou o olhar limpando as lágrimas que escorriam livremente por seu rosto enquanto eu sentia meu coração comprimir no peito ao ouvi-la contar de suas mazelas.
  - Fomos enviados para o orfanato, mas meu irmão logo foi adotado. Eu fiquei lá até os quinze anos, esperando que algum dia alguém se interessaria por mim como se interessaram por meu irmão, e eu sairia daquele lugar horrível. Mas nunca aconteceu, e um dia eu desisti e decidi fugir e procurar pela minha mãe. Eu consegui encontrar o local onde morávamos, mas descobri que ela... ela havia falecido pouco depois de sermos levados.
  - , eu sinto muito. – disse a puxando para um novo abraço.
  - Eu passei a viver nas ruas, tentando sobreviver de todas as formas possíveis. Acabei me envolvendo com um pessoal errado, fiz coisas que não deveria, me apaixonei por alguém que não valia o pão que comia e foi assim que engravidei da Sophia. – assenti dando um beijo em sua testa para encorajá-la enquanto a mantinha em meus braços, tentando mantê-la segura. – Quando descobri a gravidez voltei para o orfanato à procura de ajuda. A Sophia nasceu quando eu tinha dezessete e ficamos ali até os meus dezoito anos. Antes disso consegui começar a trabalhar e então pude alugar um local para vivermos. Foi difícil, eu precisava trabalhar em dois empregos e mal tinha tempo para passar com ela, mas era o preço que eu pagava para lhe dar tudo que precisava.
  - Nunca mais ouviu falar do seu irmão? – questionei intrigado.
  - Nós nos encontramos uns dois anos depois, ele me encontrou na verdade. Ele estava com AIDS e tinha poucos dias de vida, não tivemos muito tempo juntos.
  - Eu sinto muito, muito mesmo, . – disse com toda sinceridade em meu coração a abraçando o mais forte que pude.
  Ela ficou mais algumas horas comigo, contando mais alguns detalhes sobre seu irmão e a vida que levava antes de revê-lo. Finalmente eu entendia quem realmente era e porque ela agia da maneira que agia desde que a conheci, era seu mecanismo de defesa e modo de sobrevivência.

Capítulo 8

  No último dia que eu teria para encontrar , eu simplesmente não tinha tempo o suficiente. Eu voltaria para São Paulo no dia seguinte e esse penúltimo dia foi recheado de reuniões com os curadores, ligações para finalizar os últimos pedidos e reunião com os administradores do hotel para concluir o trabalho.
  Consegui somente enviar uma mensagem rápida para avisando que o dia seria corrido e só voltaria para casa no fim da noite e até pensei em ligar para ela no meu horário de almoço, mas é claro que com a correria do dia o almoço não passou de um lanche que comi no escritório junto com o resto da equipe.
  Somente quando estava próximo do fim da última reunião do dia notei a mensagem que ela me enviara mais cedo informando que poderia me encontrar no meu apartamento e respondi rapidamente confirmando.
  Na volta passei pelo mercado e comprei vinho e alguns itens para preparar uma lasanha de queijo. Assim que cheguei ao hotel ela já me esperava, e me ajudou com as compras. Colocamos MPB para tocar na caixa de som e preparamos o jantar juntos enquanto ela me dava dicas que achava valiosíssimas de como prepara a lasanha perfeita, e contava como se tornou uma “chefe de cozinha” de primeira.
  Rimos muito no decorrer de toda a preparação e devo admitir que duas garrafas de vinho foram embora antes mesmo de comermos. Quando finalmente coloquei a travessa no forno para aguardar que ficasse pronta, eu e nos entreolhamos com uma certa incerteza, como se de repente não houvesse mais assunto para ser falado. E você pode culpar o vinho, a química irresistível que temos ou até mesmo os dias que passamos juntos intensificando a tensão sexual entre nós, mas antes que eu pudesse pensar direito já estava sobre mim.
  Ela me puxou para um beijo intenso e – literalmente – rasgou a camisa que eu usava. Eu juro que tentei pará-la, mas meus braços não atendiam o que meu cérebro pedia e ao invés disso tirei seu vestido a puxando para a cama comigo. Acho que já deu para entender que a regra estabelecida dias atrás foi rapidamente esquecida e nos atracamos como dois animais selvagens loucos por sexo. Perdemos a conta do tempo e só conseguimos perceber que a lasanha havia queimado quando após o terceiro orgasmo de eu a segui, deixando meu corpo relaxar ao seu lado.
  - Você está sentindo esse cheiro? – ela perguntou confusa, e só então percebi a merda que havíamos feito. Corri até a cozinha desligando o forno e retirando a lasanha dali.
  - Merda. – xinguei de frustração, colocando a travessa dentro da pia.
  , talvez por efeito da bebida ou dos orgasmos ou - o mais provável – ambos, simplesmente pegou um pedaço de queijo que havia sobrado e cortou calmamente em cubos colocando um na boca e me oferecendo. Ri da sua tranquilidade e beijei apaixonadamente antes de compartilhar o queijo com ela, e sim aquele foi nosso jantar.
  Ela passou a noite comigo, e uma vez que a regra já havia sido quebrada mesmo, me permiti aproveitar cada minuto que tínhamos. Se aquela fosse a nossa última noite, ela seria épica e eu não descansaria enquanto ambos não estivéssemos tão exaustos que mal conseguiríamos nos mover. parecia pensar como eu, pois ela respondeu totalmente à altura.


  Quando acordei na manhã seguinte, a primeira coisa que notei foi o espaço vazio ao meu lado. Suspirei frustrado, entendendo que aquela realmente havia sido nossa última chance. Comecei a mergulhar em meu estado habitual de autopiedade quando ouvi o barulho que parecia vir da cozinha. Me levantei correndo sem me preocupar em cobrir minha nudez e corri até o local me deparando com uma bancada organizada com um café da manhã completo enquanto pegava o café pronto que exalava pelo local, os cabelos desgrenhados e uma das minhas camisas amarrotadas cobrindo seu corpo.
  Corri até ela e a abracei como se pudesse prendê-la ali comigo para sempre antes de lhe dar um beijo apaixonado.
  - Nem acredito que você não foi embora. – sussurrei com um sorriso que parecia ir de ponta a ponta.
  - Senta aí e toma seu café que eu quero te contar uma outra história. – ordenou com um sorriso enigmático antes de me dar um beijo no rosto.
  De repente me sentindo autoconsciente vesti uma calça de moletom que estava jogada sobre o sofá antes de me sentar e começar a tomar uma xícara do café delicioso que ela preparar.
  - Eu conheci o Marcio através do meu irmão. – ela iniciou me fazendo engasgar com a bebida quente. – Ele foi como um presente que meu irmão decidiu deixar para mim.
  - Como assim? – perguntei confuso.
  - Ele e meu irmão eram namorados, escondido é claro. Marcio não podia estragar toda a sua carreira mostrando quem realmente é. Após a morte do meu irmão ele decidiu cuidar de mim e de Sophia, e achamos que nosso casamento facilitaria as coisas e ajudaria tanto ele quanto eu.
  A aquela altura nem me atrevi a beber ou comer nada, embasbacado demais e com medo de me engasgar novamente com as notícias que ouvia.
  - Claramente Marcio tinha seus casos e eu também poderia ter os meus. Você foi o único com quem acabei ficando, aquela noite que nos encontramos foi uma decisão impulsiva e eu me senti tão suja depois que decidi não fazer mais nada do tipo. É claro que te encontrar meses depois e ter você me procurando insistentemente não ajudou na minha resolução – comentou como se estivesse me dando uma bronca. – Então nos envolvemos por mais tempo e Marcio sabia que tinha esse alguém que eu parecia gostar e me envolvia com constância.
  - Eu não consigo acreditar. – foi tudo que consegui comentar.
  - Tem mais. Sempre achei que Marcio não sabia quem era a pessoa com quem me encontrava, mas acontece que ele sabia. Não foi à toa que ele te contratou e fez questão de colocar você como líder do projeto. Ontem ele me confessou que queria que nos víssemos e – mais do que isso – ele queria me ver feliz de novo. – ela terminou a confissão com as bochechas coradas de vergonha.
  Me levante e caminhei até ela a puxando para perto de mim e segurando seu queixo com leveza a trazendo para um beijo lento e doce. Saber que ela também sentia algo por mim era simplesmente surreal demais para conter o sorriso no meu rosto e meu coração palpitando acelerado.
  - Eu sabia que o destino queria que ficássemos juntos, só não sabia que o destino era seu marido. – nós dois rimos e nos beijamos novamente. – Eu te amo, .
  - Eu te amo, . - e assim tudo que eu queria ouvir finalmente aconteceu, e dali para frente o céu seria o limite para nós dois.

FIM