Por favor, me perdoe
Escrito por Nicole Manjiro
Escondido, eu te digo algo
Porque só você consegue manter o segredo
O que eu não consigo mais suportar
- Você não pode contar para ninguém. – disse, naquela noite de lua cheia.
O céu tinha mais estrelas do que o normal. Fazia tempo que ele não ficava tão claro durante a noite.
Havia corrido até Amanda, porque ela era a única pessoa a quem poderia desabafar.
A quem poderia contar meu segredo.
A quem poderia colocar a vida em risco.
- Se eles souberem... – comecei a falar, mas senti sua mão em minhas costas, fazendo um carinho que só ela fazia.
- Vai ficar tudo bem. – ela disse, em uma voz tranquila.
Mas nada ficou bem.
DIAS ATUAIS.
Por que você não pode contar naquela época?
Eu estava machucado mesmo, então
Por causa daquilo que não conseguia mais suportar
Agora chore, eu estou muito arrependido próximo a você
Chore novamente, porque eu não pude te proteger
Mais e mais fundo, o machucado só fica pior
Como cacos de vidro
Que não podemos remontar
Mais fundo, meu peito dói todos os dias
Você, tão fraco, que recebeu
Punição por meus crimes
Olhei para os dois lados, apenas para confirmar que não havia ninguém reconhecido por ali. Eu não conseguiria suportar, ter de encarar todos aqueles rostos entristecidos.
Não sem sentir ainda mais culpa do que já sinto.
- Boa noite, senhor Costa. – a enfermeira do turno abriu um leve sorriso.
- Algum sinal de melhora? – perguntei, vendo a cabeça dela balançar em negação.
Eu já nem esperava mais uma boa notícia. Apenas desejava que o quadro não piorasse.
Por causa de meu segredo, Amanda sofreu um ataque. Invadiram sua casa e a machucaram de tamanha maneira, que por pouco ela não morreu. Talvez teria sido melhor se ela tivesse morrido. Era melhor ter sua alma livre, do que ficar em coma, perdendo tudo ao seu redor.
- O horário de visitas já acabou.
- Tive que ficar mais tempo no trabalho. Será que poderia pedir alguns minutos?
A enfermeira deixou, pois sabia que eu não era um risco para Amanda. Tudo o que eu fazia, era sentar-me ao lado dela e murmurar em seu ouvido, pedidos de desculpas, esperando que um dia, quando ela acordasse, conseguisse me perdoar pelo que fiz a ela.
- Dez minutos, no máximo. – ouvi a enfermeira dizer antes de eu entrar no quarto. Abri um pequeno sorriso e entrei.
O quarto estava quente. Não um quente horrível, mas sim agradável. A mãe de Amanda, que pernoitava com ela duas vezes por semana, gostava de deixar o quarto na temperatura favorita da filha, que era friorenta por natureza.
Puxei o banco desprezado em um canto do quarto e me coloquei no lugar de sempre, ao lado de Amanda. Seus cabelos estavam mais compridos do que há nove meses, quando lhe contei meu segredo. Peguei o pacote de toalhas umedecidas e tirei uma para passar em seus braços e rosto, como sempre fazia em minhas visitas.
- Sou eu. – disse. – Quando você disse que era dorminhoca, não esperava que fosse tanto assim. – abri um pequeno sorriso, tentando passar o mínimo de humor que havia dentro de mim. – Hoje terminei de pagar metade da dívida. Eles estão pacientes porque estou pagando sempre antes da data. E por causa... você sabe... por sua causa.
Apertei sua mão, sentindo as lágrimas surgirem em meus olhos. Mas eu não tenho direito de chorar.
- Amanda... – minhas palavras se perdem em meio a vontade de chorar. – Você será capaz de me perdoar? – engoli seco, lutando contra a dor que tinha em meu âmago. – Irá me explicar o porquê de ter me protegido, quando tudo o que te pedi, foi que fingisse que não sabia de nada? – baixei minha cabeça, cedendo para as lágrimas, deixando-as escorrer para a cama em que Amanda parecia dormir. – Eu falei para você não abrir nem a porta, nem atender a campainha...
Pare de chorar e me diga algo
Diga para esse eu que não tem coragem
Por que você foi daquela maneira naquela época
Não importa, que direito você tinha sobre mim?
Eu te digo para ser dessa maneira
Ou daquela maneira
Por um tempo, deixei minhas lágrimas correrem. Era a primeira vez que havia me permitido desde então. Tudo o que pude sentir, desde que soube do ataque que ela sofreu, foi choque, desespero e arrependimento, além do óbvio medo. Medo de perde-la, medo de ela não me perdoar, medo do pior.
- Eu consigo lidar com a ideia de não ter mais você comigo. De você me odiar tanto que precisarei ficar quilômetros longe de você quando a vir. – funguei o nariz, na preguiça de procurar por um lenço. – Mas eu preciso saber que você está viva. Que está vivendo. Me xingando nos momentos que lembrar de mim ou não, querendo reclamar mais do tempo que perdeu por minha conta... eu não ligo, se isso significar que você está vivendo.
Respirei fundo ao ouvir uma batida na porta. Era a enfermeira, que dizia que o tempo de visita havia chego ao fim.
- Então enquanto você estiver aqui, impossibilitada de me tirar da sua vida, eu continuarei vindo e me desculpando. – me levantei, limpando as lágrimas uma última vez antes de me retirar. – Então até amanhã.
Me desculpe, me desculpe
Me desculpe, meu irmão
Mesmo que eu me esconda, mesmo que eu suma, nada será apagado
Você está me chamando de pecador?
Você deve ter algo a mais para dizer
Me desculpe, me desculpe
Me desculpe, minha irmã
Mesmo que eu me esconda, mesmo que eu suma, nada será apagado
Então chore
Por favor, seque minhas lágrimas
O ataque a Amanda somente me abriu os olhos para resolvê-lo mais rápido.
Meu irmão mais velho, Antônio, contraiu uma enorme dívida depois que entrou na gambiarra de jogos e tráfico de drogas. Não o tráfico de drogas pesado; ele era somente um dos traficantes que procuravam novas vítimas e vendia o conteúdo para elas. O que ele não sabia, é que esses são os chamados Capachos, fáceis de serem aniquilados caso não cumpram com o dever de pagar o que havia comprado para vender. Após 6 meses nesse nicho, Antônio contou seu segredo para mim. Disse que estava fugindo e que se perguntassem por ele, era para dizer que ele havia morrido após um combate com policiais.
Mas nenhum policial bateu à porta. Somente os Capangas. Um grupo que representava o líder do tráfico e eram responsáveis por cobrar as dívidas.
- Se ele sumiu e você é o irmão, então você quem irá nos pagar. – me disseram.
Durante dias tentei contato com Antônio, que havia sumido do mapa. Eu não poderia ligar para meus pais, afinal, qualquer um que soubesse do problema, seria ligado à dívida de milhares de reais. Eu não tinha duzentos mil para devolver aos traficantes. Eu não tinha nem cem.
Mas isso não era problema deles, disseram. Eles podiam fazer prestações, mas jamais poderiam ignorar a dívida. Pessoas iriam morrer se eu não pagasse. Se eu fosse covarde como Antônio foi. Depois de mim, eles iriam até meus pais, familiares e amigos. Cobrando-os um por um, matando-os também um por um.
No primeiro mês, dei tudo o que eu tinha. Vendi meu carro, meu apartamento e saquei todo o dinheiro da minha poupança. Deu um pouco mais que a metade.
Mas ainda faltava 40% do valor. E eu não podia simplesmente liberar todo o meu dinheiro.
- Se não paga, ganha multa. – o Capanga disse. – E a multa, rapaz, não é baixa.
Era um ciclo vicioso para quem era viciado em drogas.
Mas o que eu podia fazer? Tentar fugir também?
Em minha única tentativa, eles pegaram Amanda.
Após eu correr até eles para negociar o valor restante, que havia aumentado 20% por eu ter tentando me livrar da culpa, eles aceitaram receber o pagamento do meu salário, que não era muito, mas dava para liquidar o valor em alguns anos. Pedi um empréstimo para os meus pais, a fim de garantir que ninguém chegasse perto de Amanda. Com ele, paguei 40% do valor ativo, me sobrando só 20%. Só, penso ironicamente.
Enquanto pago tudo e garanto a segurança da minha família e de Amanda, já que o líder do tráfico disse ser uma pessoa caridosa com quem colabora com ele e eu, por mostrar que pagarei todos os débitos de Antônio (somente porque transferi a minha conta de depósito do salario direto para a conta passada pelo Capanga, por ordem do líder) garanti que ele não descumprisse sua palavra.
Em meio a todo o desespero de achar freelances para conseguir tirar um mínimo para manter a minha vida, vou ao hospital visitar Amanda e lhe pedir desculpas.
Aquela luz, aquela luz, por favor, ilumine meus crimes
Eu não posso desfazê-los
O sangue vermelho está correndo
Mais fundo, todo dia eu penso que irei morrer
Por favor, me puna
Por favor, me perdoe pelo meu crime
Por favor
UM ANO DEPOIS...
- Você disse que viria. – Amanda soou do outro lado da linha.
- Eu disse que tinha trabalho a fazer. – olhei para os lados antes de atravessar a rua.
- É uma pena... – ela disse, vazia. – Eu pensei em te perdoar hoje.
Parei assim que pisei na calçada oposta à que eu estava quando a atendi.
- Você irá? Hoje?
- Você precisa estar aqui para eu perdoá-lo.
- Estarei aí.
- Ótimo. Às nove, não se esqueça. – e desligou.
Abri um pequeno sorriso enquanto olhava para o visor de meu celular.
Amanda havia acordado duas semanas após a visita que havia chorado pela primeira vez. Quando recebi a notícia de sua mãe, fiquei com medo de comparecer no hospital para vê-la. Deixei de ir por um mês inteiro, até ela mesma, pelo celular do pai, me ligar, pedindo para que eu fosse vê-la.
Não pude nem comprar um buquê de flores, mas minha mãe havia dito que havia levado em sua primeira visita. Na época, eu ainda estava pagando os traficantes.
Por ter passado tanto tempo em coma, Amanda ainda teve que permanecer cinco meses no hospital, com a promessa de que ela não hesitaria em voltar caso tivesse algum sintoma atípico. Além disso, durante os dois primeiros meses de sua liberação, ela teve de comparecer semanalmente ao médico responsável.
- Eu acho que esse foi um caso sério demais para eu te perdoar logo em sua primeira visita que, a propósito, levou um mês para ser realizado.
- Me desculpe. – murmurei.
- Não vai ajudar de nada você me pedir desculpas. – ela disse. Ergui meus olhos, tão arregalados que piscar se tornou um pouco dolorido. – Você precisa mostrar.
- Mostrar?
- Sim. – ela cruzou os braços. – Me conte o que aconteceu para ninguém vir até aqui me ameaçar de novo e seus pais não parecerem desesperados por meu perdão.
Limpei minha garganta. Era uma longa história, mas quando Amanda decidia que queria saber de algo, ela não sossegava até conseguir. Principalmente quando ela sabia ter direito sobre o caso.
Contei-lhe sobre o empréstimo, os juros e o que eu havia feito para terminar de pagar tudo. Amanda ouviu silenciosamente tudo, até eu parar de falar, indicando o término da explicação.
- Então você está morando em uma república. – ela disse. – Na área da Sé.
- É.
- E está vivendo de freelas.
- Isso.
- E devendo 18% do valor, mais 60 mil aos seus pais.
- Exato.
- E quando pretende pagar seus pais?
- Quando acabar de pagar os traficantes. – mencionei. – Minha prioridade é a sua segurança.
Amanda suspirou.
- E se eu não quiser...
- Você não tem essa opção. – disse, sério. – A decisão é minha.
- Julio...
- Se você tentar ir contra, Amanda, eu vou sumir da sua vida para que você não tente mudar as coisas. – ameacei me erguer, mas ela segurou a manga de meu casaco. Fechei meus olhos, percebendo que havia ido longe demais com ela. Eu não podia pensar no assunto que meus nervos começavam a pegar fogo. Não tinha limites quanto à raiva. – Olha, me desculpe por ter sido grosseiro. É só que... está tudo bem. Estou pagando. Apesar deles fazerem essas coisas absurdamente ruins, parecem prezar aqueles que são honestos.
- O que garante a você que após pagar tudo, eles não irão te matar? – ela perguntou.
Engoli seco. Eu já havia pensado nisso, é claro. Mas o que eu poderia fazer? Ser um covarde como Antônio?
- Eu não me importo de morrer, Amanda. – disse baixo. – Eu só quero que você não morra.
Ela manteve-se em silêncio. Não sei se por falta de palavras ou por estar utilizando da ausência de palavras para me punir ou mostrar-me o seu desgosto sobre a minha decisão.
- É irônico dizer que eu confio nos traficantes? – disse, com um meio riso.
- Não é justo. – ela disse. – Você não foi o culpado.
- Eu sei.
- E ele está por aí, com toda essa grana, sabe-se lá se fazendo acordo com novos traficantes!
- Sei disso também.
- E todas as merdas que ele fizer, VOCÊ quem terá de pagar?
- Eu espero sinceramente que não.
- Seu irmão... eu... não consigo achar uma palavra ofensiva o suficiente para dirigir a ele.
- Acredite, não existe. – suspirei. – Estou tentando achar até agora.
Amanda manteve-se calada, mas segurou minha mão.
- Eu tenho o valor restante.
Ergui meu olhar para ela.
- Não.
- Julio, essa não é sua prioridade?
- Amanda, eu disse que não.
Ela se calou e eu me calei. Contudo, ao contrário de mim, ela não consegue permanecer em silêncio por muito tempo.
- Então more comigo.
- O quê?
- Você acha mesmo que eu vou conseguir dormir sozinha? Você precisa pagar por esses meses inativos que passei não é? Seja meu enfermeiro. É uma boa coisa. Você tem um lugar decente para morar e eu não preciso pagar um enfermeiro.
- Isso é um absurdo, você sabia?
- Como se você nunca tivesse divido um apartamento com uma mulher. – ela abriu um pequeno sorriso. – Ou você só gosta de garotinhas na faculdade?
Abri um sorriso, achando graça na maneira que ela dispersava o pesar da situação.
- Se você não morar comigo, vou contar tudo o que sei aos seus pais.
- Você não pode fazer isso. – disse sério, me levantando da cadeira.
Ao invés de segurar minha mão como da outra vez, ela cruzou os braços e ergueu os ombros.
- Você pode tentar e sair daqui. Só não volte quando seus pais te ligarem ou irem até você para lhe dar um grande sermão.
- Mas que... – deixei a frase morrer.
E por isso acabei vivendo com Amanda. Apesar de nos vermos diariamente, ela nunca mencionou o meu perdão. Acabei aceitando que ela ainda mantivesse mágoa pelo que havia acontecido a si. Eu jamais a culparia por isso.
O débito havia sido finalizado há um mês, quando paguei, com juros, a última parcela dos duzentos mil. Depois de morar com Amanda, consegui economizar mais o que ganhava com os freelas. Sem o custo da moradia e alimentação, pude ganhar duas vezes mais o valor do meu salário.
A última prestação deveria ser paga pessoalmente. A conta deles havia sido desvinculada do meu serviço no dia do pagamento final. Com isso, os Capangas permaneceram comigo o dia todo, inclusive quando saquei todo o dinheiro que iria lhes dar. Eles mesmos me levariam em seu carro para a moradia do líder do tráfico, localizado em um ponto bastante afastado da cidade grande.
- Por que está dando mais do que o combinado, moleque? – o líder disse, após seu funcionário contar o dinheiro, verificar a autenticidade das notas e anunciar o valor total. – Você está querendo me dar uma lição?
Armas se ergueram ao meu redor, todos em minha direção. Automaticamente ergui as mãos.
- Apesar de não ter atrasado nenhum pagamento, decidi acreditar nas séries de televisão, que mostram um valor extra cobrado ao debitante. Achei que eu receberia uma lição hoje, então preferi me precaver. Não tenho intenção de passar lição nenhuma para o líder de um negócio tão grande.
- E de sucesso. – ele completou, entre risos e fazendo sinal para abaixarem as armas, o que foi feito de forma hesitante, mas imediatamente. – A televisão nos faz bastante vilão, cara. A diferença entre nós e esse povo que rouba do povo, é que a gente não tem medo de ser julgado, não. A gente não tem medo de matar. Aqui a vida é só mais um meio de negócio, saca?
Assenti.
- Você achou que nós ía te mata? – ele riu. – Veio pronto pra morrê?
- Eu nunca estou pronto para morrer. – disse. – Gosto de viver.
- É, eu sei. – ele cuspiu no chão. – Uma pessoa que paga as dívida de maneira honesta como tu fez, com certeza tem vontade de vive. Tem amor no coração. Nós aqui não temos mais isso, não. Mas eu respeito, caô. Eu respeito.
Apertei meus lábios, na incerteza de estar sendo elogiado ou amaciado antes da aniquilação. Rezei para Deus, algo que não havia feito nem quando descobri a covardia de Antônio. Rezei porque precisava me apegar a alguma chance de viver, e a única coisa que eu tinha, mesmo que fosse intangível, era Deus.
- Vai na paz. – o líder mexeu a mão. – Tu ta livre, nego. Ta livre. Meus homem não vão mais chega perto de você.
- Obrigado. – comecei a me levantar do chão.
- Mas só vou te passar um aviso. – o líder olhou bem em meus olhos. – Se tu ver seu irmão, diz pra ele que ele é um covarde. E que a gente não aceita covarde vivo. É bom ele não aparecer nessas áreas, não. E lembra o covarde que traficante tem contato. E contato bom. A gente não correu atrás dele porque tu fez o que ele tinha que ter feito. Mas nós não vamos nos segurar se ele aparece na nossa frente. Ninguém suporta covarde, nego. Nem as pessoas do bem, muito menos as do mal.
Três dias depois, quando vi que minha vida havia voltado relativamente ao normal apesar dos 60 mil que ainda tinha de devolver aos meus pais, decidi lhes contar a verdade.
Minha mãe caiu em prantos. Ela sabia que Antônio havia sumido por ter feito algo errado, mas jamais havia imaginado que eu estaria limpando a sujeira dele para proteger nossa família. Não cheguei a mencionar a ligação de Amanda na história e garanti a eles, mesmo quando meu pai insistiu que quem tinha de pagar a dívida era Antônio, que eu devolveria tudo. Nós sabíamos que Antônio jamais voltaria para casa. E sabíamos, também, que se voltasse, estaria em um caixão, seja feito dos bandidos, ou pelas consequências que as drogas trazem.
Às nove em ponto eu estava abrindo a porta do apartamento de Amanda. Lá dentro, nada de diferente acontecia.
Pude ouvir a TV ligada. O som da cantoria de Amanda na cozinha e o cheiro bom do que provavelmente seria o nosso jantar.
- Cheguei. – apareci na cozinha. – Achei que fosse haver alguns amigos seus aqui.
- Essa não é uma situação que outras pessoas devem ser envolvidas, não acha? Além disso, ninguém precisa saber o que você acabou de se livrar.
- Justo. – sorri. – Devo colocar a mesa então?
- Eu queria comer no sofá.
- No sofá? – arregalei os olhos. Amanda era contra comer fora da mesa. A ideia de ver um pingo de sujeira no lugar errado a enlouquecia.
- Você gosta, não é?
- É, mas você não. E o sofá é seu.
- Bobagem. Você mora aqui também. – ela pegou dois bowls enormes e entregou um para mim. Pude ver nossa refeição inteira ali.
- Eu moro de graça, Amanda. – a segui, vendo que ela já havia colocado taças e duas garrafas de vinho na mesa de centro da sala de televisão. – Não tenho direito nenhum sobre qualquer coisa.
- Bem, você agora será dono de metade. Não é? – ela se sentou e apontou para o lugar ao lado do seu. – Você não vai se mudar só porque vai voltar a ficar rico.
- Por quê? Você foi liberada dos cuidados?
- Cem por cento. – ela sorriu.
Após um breve momento de choque, deixei o meu bowl e o dela na mesa, ao lado dos vinhos, e a puxei para um enorme abraço.
A vida não podia ser melhor.
Dívidas quitadas.
Salário voltando a entrar.
Amanda saudável e feliz.
Meus pais seguros e felizes.
Eu podia lidar com essa vida. Ah, se podia.
Falta só uma coisa.
- Me pergunte. – Amanda disse baixo, ainda embolada entre meus braços.
Respirei fundo. Afastei ela de mim para que pudesse olhar em meus olhos. Esperei o momento certo para fazer a pergunta da maneira correta.
- Amanda. – limpei minha garganta. – Amanda – repeti, meus olhos presos aos seus. –, por favor, me perdoe?
Ela não respondeu de imediato.
Para ser sincero, ela não verbalizou de imediato. Mas sua reação foi tão rápida quanto o piscar dos olhos.
Ela pendeu seu corpo sobre o meu e enlaçou meu pescoço com seus braços. Sem esperar nem um segundo, grudou seus lábios nos meus com os olhos fechados.
Permaneci parado, em choque, até perceber o que estava acontecendo ali. O que estava acontecendo dentro de mim. Como se algo tivesse sido despertado.
Retribuí seu beijo com mais beijos e carícias repletas de amor. Em meio a eles, Amanda suspirou:
- Eu te perdoo, Julio.
FIM.
Minha primeira história no site. Espero que tenham gostado!