Point Zero

Escrito por Bruna Tavares | Revisado por Pepper

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  ‘Você é a pessoa mais incrível que já conheci. Você é linda e inteligente, e você me faz rir como ninguém consegue.
  Eu posso conversar com você, e eu sei que depois de tudo isso eu não te mereço.
  Mas o que eu estou tentando te dizer, Anna, é que eu te amo, muito.’


(Étienne St. Clair)

  Acredito que há duas coisas que foram fundamentais para que Etienne e eu tivessemos voltado à França, para comemorarmos nosso aniversário de três anos de namoro: Notre Dame e Point Zero. Acredito, sou convicta, uma pessoa viva para afirmar que tudo que se pede, se é pedido com o coração, se recebe.
  Desde quando chegamos a Paris tenho tentado que viéssemos à catedral de Notre Dame, e também à Saint. Etienne du Mont. O que se passava em minha cabeça é que eu precisava voltar à Point Zero e agradecer, ao invés de pedir, por tudo o que ela fez por mim nos últimos três anos; a faculdade, o emprego antigo no cinema, a saúde da mãe de Etienne, e é claro... ele próprio.
  - Bem-vinda à Paris, Anna. Fico feliz que você tenha voltado.
  Abro um sorriso de orelha à orelha. Estávamos exatamente no mesmo lugar de três anos atrás, quando Étienne me trouxe aqui pela primeira vez.
  - O seu pedido se realizou? – Perguntei em baixo tom, com os olhos ainda fechados, apenas sentindo o seu abraço apertado em volta do meu corpo – Digo, pelo menos um dos seus pedidos?
  - Depois que te conheci? Praticamente todos, mademoiselle Oliphant.
  Não consigui evitar que um riso sonoro escapesse de meus lábios. Ele continua o mesmo desde quando o conheci. Mentira. Ele melhorou, melhor quase que por completo.
  - Venha, agora é a sua vez. – Abri meus olhos e afastei seu abraço, dando espaço para que ele ocupasse meu lugar sob a estrela abaixo de meus pés – Sua vez de matar a saudade dela.
  Se eu não o conhecesse tão bem quanto conhecia, diria que ele estivesse pedindo aleatoriedades, mas não, sabia que meu nome estava envolvido em seu pedido. Sabia pelo sorriso no canto dos lábios.
  Não demorou muito para que um turista atrás de nós gritasse algo como entendi como ‘Vão procurar o que fazer, namorem em outro lugar’, me deixando extremamente envergonhada. Mas Etienne e todo seu charme disse algo ao sujeito antes de sair do lugar onde estava antes, dando espaço para que a fila atrás de nós andasse.
  Seguimos em direção à catedral. Embora eu soubesse que ele nunca mais teria coragem de subir até o topo, algo dentro de mim praticamente me esganava, dizendo que eu deveria fazê-lo. Matar a saudade de Paris do lugar onde minha vida tomou todo um rumo.
  - Você não está pensando em subir lá, não é? – Ele apertou minha mão contra a sua, extremamente gelada – Se você quiser ir, tudo bem. Eu te espero aqui.
  - Não. Eu não vou sem você.
  Tomamos o caminho contrário, seguindo em direção à Champs Elysees, onde procurariamos algo para matar a fome.
  Lembranças tomavam conta de mim a todo momento. Cada esquina tinha uma memória de Paris há três anos atrás. Memórias de quando eu o queria a todo instante. Memórias de quando eu simplesmente fugia do dormitório para assistir a um filme qualquer em qualquer cinema da cidade. Memórias de Meredith, Josh, Rashimi e ela... Ellie. Esse nome sempre me causava náuseas, principalmente quando eu me lembrava de quando a conheci. Ela agarrada em seu pescoço, e seus dedos presos aos cabelos bagunçados de Etienne, e... Hurg.
  - Um dólar pelos seus pensamentos, Anna. – Ele me tirou de meus pensamentos, sem desviar seu olhar perdido do horizonte.
  - Para um inglês você tá muito americanizado, St. Clair. – O cutuquei com a ponta do indicador, fazendo-o sorrir.
  - Eu sou americano, mademoiselle. Não se esqueça disso. Mas então me diga, um euro pelos seus pensamentos.
  - Tem alguma coisas que sempre quis te perguntar, que não sei, me faltaram oportunidades, mas agora voltaram à tona. – Ajeitei os óculos de sol no rosto enquanto suas mãos deslizavam por seu cachecol, ajeitando-o em volta do seu pescoço – Você sente falta daqui? Digo, falta de tudo o que já aconteceu aqui?
  Ele ficou parado um tempo, pensando no que dizer. Étienne era assim, buscava sempre as melhores palavras, formulava as melhores frases, para que nada ficasse subentendido.
  - Sabe, Anna. Honestamente, eu não sei.
  - Como não sabe? Você morou aqui por anos.
  - Morei. Mas isso não significa que aqui tenha realmente sido o meu lar.
  - Que é na Califórnia, ao lado da sua mãe.
  - Ao lado da minha mãe e ao seu lado também. – Agora seu olhar se tornou mais perdido, ele buscava palavras para conseguir respoder a minha pergunta – Eu perdi a noção de tudo quando te conheci, Anna. – Seu olhar se voltou ao meu. Paramos de andar e do meio da calçada ele pegou as minhas mãos, entrelaçando às suas – Aquele dia, lembro como se fosse hoje, que te vi no corredor dos dormitórios da SOAP já percebi algo diferente. Seus primeiros dias na escola, onde você sequer sabia pedir sua comida. Sabia que você poderia ter ficado sem comer algumas vezes, e me sentia extremamente culpado por eu não ter estado por perto pra te ajudar. Eu sabia que as coisas tinham mudado entre a gente no feriado de Ação de Graças. – Um suspiro pesado saiu de seus pulmões e meus olhos começavam a lacrimejar – Eu nunca me senti tão estúpido em toda a minha vida. Por dias eu senti que aquilo foi um erro.
  - Mas foi a coisa mais certa que podia ter acontecido. – O interrompi, beijando sua mão entrelaçada à minha.
  - E foi, mas eu fui descobrir isso depois de muito tempo. Estávamos quase indo embora quando percebi o quão idiota eu havia sido por deixar você quase escapar de mim.
  - Mas daí eu te ajudei a ir pra Bakery.
  - Foi. Me ajudou. E vou ser eternamente grato a você por isso. Eu já disse que te amo, Anna Oliphant?
  - Não. – Balancei a cabeça negativamente, sentindo uma lágrima estúpida começar a rolar sobre meu rosto – Você nunca me disse isso, Etienne St. Clair.
  - Eu te amo, Anna. Eu te amo muito.
  - Também te amo. E amo muito.
  E nos beijamos. Como uma cena de filme de comédia romântica onde tudo acontece em Paris, estive novamente na primeira fileira do cinema, vendo a história se repetir.
  Aos pés do Arco do Triunfo, onde carros passavam à todo vapor, éramos somente Etienne e eu... Nós dois.

  Nosso caminho de volta ao hotel foi relembrando todos nossos passos durante aquele ano na França.
  A cantora de ópera da patisserie em frente ao dormitório da SOAP colocava a sua fúria e emoção pra fora a todos pulmões.
  Um calafrio percorria todo meu corpo conforme nos aproximavamos mais ainda do colégio, que continua como sempre foi, exceto por uma pintura feita recentemente.
  Etienne e eu nos encaramos no mesmo instante. O mesmo sorriso curioso, o mesmo brilho no olhar.
  - Será que alguém se importaria se nós...?
  - Não, de jeito nenhum.
  Sem pedir permissão, logo estávamos dentro dos dormitórios da SOAP. Estudantes andando de um lado para o outro. No canto da escada do primeiro andar, um rapaz escutava música com um fone de ouvidos sobre a cabeça e um livro em mãos, enquanto batucava algo imaginário sobre as folhas amareladas.
  Conforme nos aproximávamos mais do primeiro corredor, mais meu coração estava prestes à sair pela boca. Ali, ao nosso lado direito estava o 202. O meu apartamento. A vontade de entrar me consumia. Será que os novos moradores após eu cuidaram direitinho do quarto, ou estava todo acabado? O pensamento me criava pânico.
  Etienne segurava minha mão a todo instante. Ele sabia o que eu sentia, afinal, ele sentia o mesmo.

  A noite caía no céu da França.
  França, ainda não conseguia acreditar que estava lá de novo, E isso estava longe dos meus planos durante muito tempo. Mas não, tudo que St. Clair pensa, logo levo como uma grande ideia.
  Nossos planos foram além de uma caminhada pela Champs Elysees e uma visita ao Point Zero: ela se estendeu por uma visita ao dormitório da SOAP, algo que sequer pensei que faria de novo, e fiz.
  Meu estômago começava a clamar por comida. Comida de verdade e não um pequeno fast-food francês, o qual mal mata a minha fome.
  Etienne havia feito reservas no restaurante do hotel, e pós alguns instantes digerindo o fato de que nunca havíamos ido ao famoso Moulin Rouge. Não que eu gostasse de frequentar lugares como tal, mas é que... é famoso, é cultura. Milhares de pessoas vem de longe para conhecê-lo, e bem, morei aqui e nunca sequer passei perto. Eu teria de conhecê-lo.
  Tomamos banho, nos arrumamos e em poucos instantes um taxi nos esparava na porta do hotel.
  Gentilmente Etienne abriu as portas para que eu entrasse e me acomodasse sobre o assento, entrando em seguida.
  Ele estava inquieto. Sorria de canto cada vez que eu o encarava, refletido sobre as luzes amareladas que invadiam o carro que trafegava sobre a ‘Cidade Luz’. Só fui entender o nome quando vivi a cidade de perto. É exuberante.
  Os borrões em meus olhos, causados pela velocidade do automóvel, eram riscos indecifráveis em lugares irreconhecíveis, recém descobertos.
  A mão de Etienne pousou sobre minha perna, me tirando do transe que me impossibilitou reconhecer que haviamos enfim chegado. Sorri, retribuindo ao gesto enquanto saía do carro.
  A localização charmosa em uma avenida igualmente charmosa me vez crer que havia feito a escolha certa do passeio noturno, e também me acertou ao âmago de saber que nunca havia explorado tal lugar.
  Aconchegante. Acho que esse era um termo próprio sobre o lugar. Embora fosse um cabaré, embora tivesse sido usado para tais fins, mesmo assim eu me senti acolhida no lugar.
  A decoração interior era basicamente vermelho e preto desde as cortinas, toalhas,tapetes até os estofados dos bancos.
  No centro do salão um bar e nos fundos um palco escondido por uma enorme cortina de teatro vermelha.
  - Então, Anna. O que está achando? – Etienne quebrou o silêncio enquanto eu contemplava o glamour em meus olhos.
  - Lindo. Muito lindo. – Abri um sorriso sincero à Etienne – Obrigada por isso. Obrigada por essa viagem, obrigada por tudo.
  - Eu te amo, Anna.
  - Eu vou começar a acreditar, de tanto que você diz.
  - Oh. – Seus olhos brilharam enquanto um sorriso surgia em seus lábios – Quer dizer que você ainda não acredita?
  - Hum, não muito. – Disfarcei meu sorriso, balançando a minha cabeça negativamente – Você diz tanto que às vezes eu acho que é de brincadeira.
  Ele permaneceu com um sorriso nos lábios, mas as palavras fugiram de seu controle. Por um momento comecei a me sentir culpada por ter dito algo que possa ter ofendido-o, mas fui tomada por uma surpresa.
  Etienne se levantou de sua cadeira e veio ao meu lado. Seu olhar cintilava enquanto uma música da Demi Lovato começava a ser tocada por uma banda ao lado do palco.
  - Ei, o que foi? – Perguntei baixo, tocando seu rosto com a ponta do meu indicador. – Falei algo de errado?
  - Sabe, Anna. Tudo na vida da gente tem um por quê, um propósito. Eu sou péssimo com palavras, eu sei. Mas eu não me canso de dizer que eu te amo, porque eu acho que essa é uma das melhores formas que tenho de demonstrar o que realmente sinto, e o que você realmente significa pra mim.
  - Desculpa, amor. Vo...
  - Calma, por favor, me deixa continuar senão eu me perco.
  Sem entender nada, me ajeitei sobre a cadeira, me virando de frente à Etienne ainda parado ajoelhado próximo à mim.
  - Desde quando você entrou na minha vida tudo mudou. Você me mudou por completo. Você virou a minha cabeça, deixou a minha vida nos eixos. Anna, hoje eu sou assim por sua causa. Você me encorajou à enfrentar meu pai. Deus, você não sabe como isso era pra mim. O pânico que eu sentia em saber do controle que ele tinha sobre mim e minha mãe. Mas hoje estou ao lado da minha mãe, estou perto de você a todo momento. Mas sabe, isso não parece suficiente, eu quero mais.
  - Como assim?
  Quando pensei que toda a declaração de amor que havia acabo de ouvir era suficiente pra me fazer chorar, Etienne tira do casaco uma pequena caixinha embalada em azul Tiffany. Meu coração acelerou a ponto de querer sair pela boca. Um filme me passou pela cabeça e então ele pegou a minha mão sobre a sua.
  - Eu venho tentando ser o melhor pra você todos os dias, porque pra mim você já é a melhor, você é a mulher da minha vida Anna, e disso eu não tenho dúvidas.
  Lágrimas era tudo que minha visão tinha conhecimento. Sabia que em algum lugar dali as pessoas me olhavam, também sabia o que estava a vir, sabia e tinha medo mesmo assim.
  - Anna Oliphant. Você quer se casar comigo? Quer completar a minha vida pra sempre? Quer ser só minha, quer morar comigo, quer... Por favor?
  - Aceito, quero, lógico.
  E antes que eu tivesse qualquer outra reação, um anél minusculo com uma pedrinha azul estava em meu dedo e Etienne cantava baixo, acompanhando a banda ao fundo
  ‘You always read my mind like a letter
  When I'm cold you're there like a sweater
  Cause that's the way we like to do it
  That's the way we like’

  - Demi Lovato? – O abracei forte, enchendo-o de beijos.
  - Eu sei que você gosta, não adianta negar.
  - Eu gosto mais de você. Eu amo você. Você é...
  - Eu sou?
  - Você é o melhor. Eu te amo.
  - Eu também te amo, Anna. Minha Anna. Pra sempre minha.



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