Pecados Mortais - Ira

Escrito por Fe Camilo | Revisado por Natashia Kitamura

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“I may never let go of my wrath, my anger, but I will always have the last laugh”.
– Corey

  Me desculpe, Pai, eu pequei. Eu sou a , e essa é a minha confissão. Mas vou começar pelo início.

  Eu conheci na universidade quando eu cursava direito. Na época, o chamava de Professor Roberts, ele era o meu professor favorito e eu era uma de suas alunas mais dedicadas. Tão esforçada – de fato – que aceitei rapidamente seu convite para estudos extras após as aulas.
  Apesar de ele ser vinte anos mais velho do que eu, nós simplesmente nos dávamos muito bem. Ele era inteligente, comunicativo, um ótimo ouvinte e extremamente maduro, características que jamais encontraria em um jovem da minha idade. Ele também sempre fez questão de dizer quão madura eu era para minha idade, um exemplo de garota prodígio.
  Os encontros iniciaram de maneira inocente, ao menos para mim, focada em aprimorar meu conhecimento. Porém, aos poucos, a conversa que deveria ser sobre direitos trabalhistas se tornou uma troca de informações sobre nossas famílias e interesses; e o assunto complexo de defesa criminal passou a ser sobre relações passadas até que não havia mais pretexto, e nossos encontros eram regados a discussões sobre nossos interesses amorosos, experiências sexuais vividas e aquelas que ainda esperávamos viver.
   sabia tudo o que eu queria ou precisava ouvir, e em pouco tempo já não resistia à suas tentativas de me tocar discretamente - a princípio - e depois de maneira cada vez mais ousada. Estávamos em um quarto que ele havia alugado para passar o mês com a desculpa de buscar um livro que ele me emprestaria, e antes que eu pudesse me dar conta ou reagir propriamente, ele me beijou.
  Tentei ignorar o instinto que me pedia para aproveitar cada segundo do beijo e do calor do seu corpo junto ao meu, mas a tentação era forte demais. Ele havia deixado de ser o professor favorito pelo qual eu nutria uma admiração para ser o meu crush, aquele por quem estava indubitavelmente apaixonada, e por mais que nosso romance fosse proibido, não havia nada que eu quisesse tanto na vida.
  A experiência tem certamente sua ambiguidade, ele sabia me amar como ninguém, mas me manipular era também sua especialidade. A garota prodígio ingênua que se apaixona perdidamente por um professor muito mais velho é a receita perfeita para o desastre. Ele deixou a esposa para ficar comigo, e eu desisti da bolsa de estudos internacional que havia conseguido. Eu sonhava com uma grande carreira, mas em algum momento o sonho se tornou me casar com ele e lhe dar os filhos que tanto ansiava. E assim o fiz.
  Quando ele conseguiu a promoção merecida para coordenação do curso de direito, eu vibrei com ele. Quando foi homenageado pelos alunos que tanto o amavam, estive lá para aplaudi-lo e celebrar sua vitória, ainda que sua atenção estivesse direcionada a outrem. Até mesmo compreendi passivamente quando precisou voltar a dormir naquele velho quartinho alugado em que nos encontrávamos secretamente, muito mais próximo do Campus e mais fácil para se locomover para responder às emergências administrativas.
  O que eu não sabia enquanto mal dormia à noite sendo atordoada por sonhos perturbadores, era que algo mudava dentro de mim. A cada ligação não atendida e a cada mensagem ignorada, parte da tolerância, compreensão e passividade morriam em meu âmago. E algo completamente oposto, assustador e tóxico se alimentava do meu ser. A cada vez que imaginava seus sorrisos sendo direcionados a outros, o ciúme me corroía por dentro, a vontade de quebrar todos os seus dentes para que ele não pudesse fazê-lo era como um pensamento intrusivo que jamais me deixava.
  Eu passava o dia cuidando dos meus filhos com amor e carinho, sufocando a vontade de gritar e estilhaçar tudo ao meu redor, para que de noite pudesse fantasiar como poderia destruir , exatamente como ele havia feito com a minha vida. À beira da loucura eu chorava de raiva e sorria alucinada ao imaginar a razão de toda a minha raiva desaparecendo e me permitindo ter paz novamente.
  Quando descobri que ele se envolvia com uma aluna que era tão nova quanto eu quando nos conhecemos, eu não fiquei surpresa. O tempo que ele passava no celular quando voltava para casa, rindo à toa enquanto não parava de teclar, e suas evasões aos meus toques eram prova suficiente de que ele havia encontrado seu novo brinquedinho.
  Eu já não conseguia pensar em nada além de fazê-lo pagar pelo que fizera, a vontade de causar dor e sofrimento era tão grande que parecia me sufocar. Deixei os bebês dormindo à noite e segui até aquele velho quartinho que havia sido testemunha para o que pensava ter sido o início do nosso amor. Agora eu sabia que ele nunca foi nosso, somente meu. Eu o amei como jamais pensei ser capaz amar alguém, e agora o odiava na mesma medida.
  Estacionei rapidamente na esquina do prédio e peguei o galão guardado no porta-malas. Minha visão parecia toldada de vermelho, dominando todos os meus sentidos. Entrei no prédio e subi escadas acima com o coração acelerado no peito, batendo com tanta força que parecia prestes a estourar. Eu ouvi seus gemidos antes mesmo de abrir a porta, e nesse instante algo tomou conta do meu corpo de tal forma que sequer registrei o momento em que comecei a despejar o conteúdo no chão enquanto me aproximava dos dois, os surpreendendo em meio ao ato. Joguei o conteúdo do galão sobre eles ouvindo gritar indignado enquanto tentava cobrir seu corpo nu. A garota parecia não saber onde se esconder enquanto encarava meu olhar enfurecido, e não dei tempo para que se justificassem. Lancei o galão vazio sobre a cama e acendi o isqueiro guardado no bolso, ouvindo o grito da garota e a tentativa lenta de de me impedir quando joguei o objeto sobre a cama, me afastando.
  Ouvi os gritos dos dois tentando se afastar do fogo e olhei para trás notando que estavam encurralados em meio as chamas que cresciam mais a cada segundo. Saí do apartamento e fechei a porta atrás de mim, a trancando com a cópia da chave que ainda tinha mesmo após tantos anos. Um sorriso sincero finalmente se apossou de meus lábios, e em seguida uma risada maníaca ao ouvir os gritos de desespero e dor do outro lado da porta.

FIM



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