Passos do Amor
Escrita por Maria Eduarda Batista | Revisada por Songfics
Lembro de gostar de dançar desde meus cincos anos. Cresci dentro da sala de aula, rodeada por sapatilhas, figurinos bonitos, e conforme fui crescendo passei a me interessar em estudar mais sobre dança, que virou minha paixão. Foi quando decidi fazer faculdade de dança e tornar isso minha profissão.
Porém hoje completa oito meses da lesão que sofri no joelho e da cirurgia, e esse brilho se apagou um pouco. Amo a dança, mas, nesse período desenvolvi transtorno de ansiedade e acabei trancando a faculdade. Queria voltar a dançar, mas ao pensar nisso um medo que eu não tenho controle toma conta de mim, ainda mais estando com vinte anos. Seguir como bailarina profissional depois de um tempo parada... Não sei se seria capaz de retornar.
Estava relembrando dessa época, de como essa paixão e brilho pela dança estavam mais fortes antes de me machucar, após uma conversa com minha psicóloga sobre exatamente isso. Ela que tinha dito que seria bom voltar com uma rotina de aulas mais leves, que iria me fazer bem, e também que iria ajudar no tratamento de fortalecimento que fazia com a fisioterapia, e fico pensando sobre. Até que saio dos meus devaneios quando escuto minha mãe buzinar.
– Filha! Cheguei, vamos.
Assim que entro no carro minha mãe pergunta:
– Como foi a consulta?
– Bem... Ela mencionou que seria bom eu voltar a fazer aulas de dança. - Falo observando as ruas.
– Seria muito bom, filha, mas você se sente segura quanto a isso? Não quero te pressionar a fazer nada que não queria, só quero vê-la feliz.
– Eu sei, te amo muito, mãe, tenho saudades de dançar, mas fico preocupada. - Falo olhando para ela e sorrio, mas depois volto a observar a rua.
– Podemos ir conversar na escola se quiser.
– Vou pensar no assunto. - O restante do caminho ouvia-se apenas o som das músicas no rádio, enquanto divagava em meus pensamentos.
***
Chegando em casa coloco meu pijama e deito na minha cama, minha gatinha Odette deita ao meu lado, e me vem lembrança do dia do acidente. Era o último ensaio no dia anterior à apresentação de fim de ano, tinha um passo difícil na coreografia. Mesmo tendo treinado não me sentia segura, por eu estar com o corpo cansado depois ter ficado repassando antes da hora na coreografia, na hora do ensaio geral onde reuniam-se todos da escola, escorreguei no meio do passo e torci meu joelho. Todos os alunos param e me olhavam assustados.
De início achei que não tinha sido tão sério não cheguei a sentir dor na hora só ouvi um estalo e não conseguia mexer a minha perna direita, coloquei gelo na hora e fui para casa por recomendação da professora. Porém no dia seguinte meu joelho estava muito inchado e dolorido minha mãe me levou ao médico, onde ele examinou e disse que tinha rompido dois ligamentos e teria que fazer cirurgia. Fiquei sem reação, pensando se nunca mais iria voltar a dançar, e se voltasse iria conseguir. Saio desse devaneio quando escuto meu celular tocar e vejo mensagem das minhas amigas do studio de dança, Celine e Lyra as únicas que mantive contado após o acidente e que me ajudaram.
Grupo balerines
Celine - Miga temos uma novidade para te contar!!
- Oiee, me falem qual a novidade
Lyra - Vamos começar a nos preparar para seleção do festival de Joinville.
Celine - O time de professores da escola que vão escolher quem vai dessa vez por meio de uma audição dessa vez, que será daqui dois meses! Legal né.
- Que demais meninas, estou torcendo muito por vocês!
Lyra - Sentimos tanta falta da sua companhia nas aulas.
- Também sinto falta de dançar com vcs. Penso em voltar em breve, mas tenho medo...
Celine - Sabemos como o medo de se machucar novamente te deixa preocupada, vc sabe que estamos aqui para te apoiar e ajudar. Lembra que não podemos deixar nossos medos tomarem conta.
Lyra - Sim e tudo tem seu tempo, estaremos te esperando quando chegar esse momento.
- Awnt 😊. Vcs são incríveis, vou pensar com carinho.
Celine; Lyra - 💓
***
Após a conversa com minhas amigas, me vieram as palavras da consulta de hoje cedo, e de como desde pequena sonhei em ser bailarina e seguir carreia na arte. Quando minha mãe me chamou para ajudar ela com o jantar já tinha tomado minha decisão.
– Mãe, tenho uma coisa para te falar. - Mencionei quando já estávamos sentadas, não sabia muito bem como contar o que tinha pensado.
– O que foi? - pergunta percebendo que estou meio em dúvida se fala ou não.
– Bom... Decidi voltar as fazer aulas de dança.
– Mas que coisa boa, minha, filha! - Diz ela sorrindo.
– Estou um pouco receosa, mas decidi tentar, você sempre me disse para nunca desistir, não é. As meninas me contaram que vai começar a seleção para os alunos irem para o festival Joinville. Mas acho melhor focar só nas aulas por enquanto.
– Isso mesmo minha filha, estou tão feliz por você, vai dar tudo certo. Tudo tem seu tempo, se for para você participar o tempo dirá.
– Obrigada, mãe, te amo muito. Amanhã vou até a escola conversar com a professora. - Falo dando-lhe um abraço.
– Também te amo, filha, agora termine a janta e não vai dormir tarde viu.
– Sim senhora. - Disse sorrindo.
Até tentei dormir cedo, porém minha insônia não deixou, mil pensamentos preencheram minha cabeça, do tipo “ será que fiz a escolha certa?”, “ será que vai dar certo?”, “ e se não der” , vários “serás” e “e se”, várias perguntas sem uma resposta. Busquei fazer o que minha psicóloga orientou para quando tivesse momentos de insônia, fui fazer um chá, e na volta decidi colocar uma música tranquila, aos poucos o sono foi chegando.
Acordo no dia seguinte com o som do despertador, respiro fundo levanto-me para começar o novo dia, e me arrumar para ir para o studio. Enquanto estou tomando café mando uma mensagem para minha professora falando que queria marcar de ir hoje para conversar a respeito de retomar as aulas, e para minhas amigas que decidi tentar e voltar a dançar. Minha professora ficou feliz que entrei em contato e disse que poderia decidir o que poderia ser feito.
Pego minha bolsa e aviso minha mãe que vou para o studio, depois de 1h hora de ônibus chego na minha antiga escola um dos meus lugares favoritos, assim que entro sinto uma nostalgia e vem a minha mente lembranças de quando dançava. Minha professora ainda estava em aula então me pediu para esperar um pouco. Ela me disse que poderia esperar na sala ao lado que estava vazia pois assim que terminasse com a turma iria conversar comigo.
Entro na a sala ao lado, com apenas a luz da janela iluminando levemente o ambiente, e coloco minha bolsa no banco na lateral da porta. Era estranho estar de novo ali depois de tanto tempo, parecia tão familiar mais ao mesmo tempo tão diferente de tudo que vivi aqui.
Enquanto esperava dava para ouvir a músicas da aula de dança, até que tocou minha música favorita de dançar na aula. Olho ao redor da sala as barras na lateral, o espelho na frente, até que me observo pelo reflexo e começo a sentir um aperto no peito. Inconscientemente, aos poucos, comecei a dançar livremente pela sala afastando essa angústia, deixando a música guiar meu corpo, porém de repente acabo desequilibrando e quase caio consigo me apoiar na barra.
Me veio a sensação do dia do acidente e a sensação de angústia volta novamente, minha respiração começa a ficar acelerada, meu estomago dá um nó parecendo que vou vomitar e me sento no chão para tentar me recuperar, até que alguém acende a luz da sala.
– Desculpa, achei que sala estava vazia. Você está bem?
Pergunta o garoto que acabou de entrar na sala chegando perto de mim. Olho para ele é um garoto na faixa de seus vinte anos, de olhos castanhos, cabelo preto e traços asiáticos.
– Quem é você?
– Sou , reservei essa sala para ensaiar.
– Desculpe atrapalhar, estou bem já vou indo. - Olho em seus olhos percebendo sua preocupação, levanto sentido meu coração batendo forte, respiro fundo e tento me acalmar.
– Espera!
Porém saio da sala sem ao menos avisar a professora que não vai dar para conversarmos hoje, e vou correndo em direção a saída para o ponto de ônibus de volta para casa, pensando que não foi uma boa ideia essa de voltar a dançar agora.
***
Chegando em casa vejo que minha mãe deixou um recado de que iria no mercado. Sozinha, vou direto para meu quarto e me deito, já sinto meus olhos enchendo de lágrimas. Acabo adormecendo depois de ter tido uma crise choro.
– , filha você está bem? - Acordo com minha mãe me chamando. - Sua professora me ligou dizendo que não conseguiu falar com você depois da aula, que um aluno avisou que te viu sair correndo da escola, vim correndo para casa preocupada.
– Não, estou bem, mãe. - Me sento na cama com meu corpo todo dolorido e uma dor de cabeça. - Estava esperando a professora na sala ao lado, comecei a dançar, porém comecei a ter uma crise de ansiedade de novo, será que não vou conseguir mais voltar a dançar? Eu queria poder voltar que nem antes. - Começo a sentir meus olhos se encherem de lagrimas novamente.
– Vai ficar tudo bem. Filha, vem cá. O que eu sempre falo para você? - disse minha mãe me abraçando.
– Que tudo tem seu tempo, e que no tempo certo irá acontecer?
– Exato, o importante também é nós nunca desistirmos. Foi a primeira vez que você tentou dançar depois de muito tempo. Descansa esse fim de semana. E segunda começamos de novo, uma nova semana. Você conversa com a professora e vai ver que tudo vai se ajeitando. Se você não tentar e deixar isso tomar conta, esse tempo nunca vai chegar. Certo?
– Certo. - falo dando um sorriso.
– Assim que se fala minha menina. Agora enxuga essas lagrimas e vem me ajudar na cozinha. Comprei os ingredientes do seu bolo favorito, leite ninho e nutella.
– Não acredito, te amo mais que tudo.
***
O fim de semana passou decidi tentar de novo, e chego no studio assim que abre para falar com a professora no primeiro horário antes das aulas começarem. Encontro a professora Bianca em sua fala.
– , que bom que veio. Sente-se. Está melhor?
– Sim, desculpe ter saído aquele dia sem avisar... Despois de pensar muito e ter conversado com minha psicóloga, decidi que quero voltar a dançar, porém nada que irá forçar muito o joelho.
– Fico tão feliz de ouvir isso. Claro, ainda está passando com a fisioterapeuta?
– Sim estou, duas vezes na semana.
– Deixe-me dar uma olhada no cronograma das turmas. Abrimos uma nova turma de balé neoclássico, posso te encaixar nessa turma agora para ir retomando, o que acha?
– Ótimo, vai ser muito bom recomeçar. Muito obrigada, professora Bianca.
– Imagina minha querida, é um prazer tê-la de volta nas aulas. As aulas dessa turma são de segunda e quarta as 17h. Tudo bem começar hoje? Se preferir pode vir na quarta.
– Tudo bem não quero mais adiar, começo hoje mesmo.
– Seja bem vinda, então te espero a tarde na aula.
– Obrigada, professora Bianca
Assim que saio da escola ligo para minha mãe e aviso que conversei com a professora e que começo hoje mesmo as aulas ela fica super feliz com a notícia e aproveito para mandar mensagem avisando minhas amigas.
Grupo balerines
- Migas, tenho uma novidade para contar para vcs!
Celine - É o que estou achando que é???
Lyra - conta, conta!!!!
- Vou voltar a dançar!!
Celine - aaaaa estou tão feliz por vc!!!
Lyra - ameii demais! Uma notícia dessa temos que comemorar! Vamos tomar um sorvete antes de irmos para aula, topam?
Celine - siiim!!
- Vcs são demais hahaha, eu topo!
Lyra - Combinado então, nos vemos naquela sorveteria na rua da escola
A alegria das minhas amigas e da minha mãe me contagiam, e chego em casa feliz, aproveito para tomar café da manhã já que de nervoso nem consegui comer antes, depois decido arrumar minhas coisas para aula a tarde e encontrar as meninas. Parece que quanto mais a gente espera àquela hora do dia chegar mais demora para chegar. Um pouco antes do horário da aula saio para esperar as minhas amigas na sorveteira. Assim que elas me veem já me dão um abraço.
– Obrigada, meninas - falo depois delas me soltarem.
– Estamos tão feliz de saber que você voltou! - diz Lyra.
– Em qual turma vai ficar? - pergunta Celine.
– Na que acabou de abrir de balé neoclássico. Conhecem alguém da turma?
– Oh, você vai ficar da turma do – diz Lyra
– Quem? - esse nome me era familiar, porém não estava me recordando da onde.
– É um garoto novo que chegou na escola, todos comentam dele por dançar muito bem e por ser bonito. – diz Celine revirando os olhos
– Sei e você não achou ele bonito? - Eu explodi em uma gargalhada.
– Meu foco agora é entrar em uma grande companhia e passar na audição para o festival, não tenho tempo para pensar em garotos.
– Já conversei com ele algumas vezes, ele é gentil e dança muito mesmo, você vai ver quando conhecer ele. - diz Lyra
– Imagino pelo jeito que vocês estão falando, ele vai tentar vaga no festival?
– Não sabemos. - diz Lyra
– Vamos pedir o sorvete daqui a pouco começa nossas aulas. - diz Celine
– Vamos!
O sorvete estava muito bom, mas logo seguimos caminhando para escola. Depois cada uma foi para sua sala, os alunos estavam chegando quando entrei, sentei em um canto e comecei a me aquecer para aula. Estava concentrada até que aquele garoto daquele dia que sai correndo entra na sala e fico meio sem reação pensando se ele irá me reconhecer, pensando iria comentar do ocorrido. Saio do meu devaneio quando a professora entra na sala e me pede para ir na frente.
– Boa tarde alunos, é com muito prazer que apresento a nova aluna da turma. Pessoal essa é a , ela já foi nossa aluna há um tempo e agora está de volta. - Apenas dou um sorriso e aceno com a cabeça quando a professora me apresenta para turma.
– , pode se posicionar na barra, querida.
– Obrigada.
Acabo ficando do lado do garoto daquele dia, porém não consigo me lembrar seu nome, ele chegou a falar? Quando me posiciono trocamos olhares rápidos ele está com cara de supressa. Ignoro e presto atenção na explicação do exercício.
5,6,7,8 e se inicia a sequência na barra, consegui ir bem nas sequencias com o apoio, já nos exercícios de centro minha insegurança começou, e acabei me atrapalhando em exercícios simples. No fim da aula me sinto toda atrapalhada, com vários pensamentos na minha cabeça que me deixam meio tonta e enjoada. Agradeço a professora pela aula de hoje e vou me trocar para ir embora. Estava no corredor quando escuto alguém me chamar.
– ? - me viro é aquele garoto que não consigo lembrar o nome.
– Oi... não sei se lembra de mim... sou o , você acabou saindo correndo quando nos encontramos pela primeira vez. - Ele diz coçando a nuca meio sem saber como iniciar a conversa.
– Oi... - , agora sim me lembro que ele chegou a se apresentar naquele dia.
– Você está bem?
– Estou...por que está perguntando?
– Nada demais, vi que estava meio desconcentrada hoje na aula igual aquele dia, só queria ajudar mesmo.
– Por quê? Você mal me conhece.
– Desculpe se pareci intrometido, não foi minha intenção.
– Com licença, preciso ir.
Encontro minhas amigas no vestiário, elas me perguntam como foi a aula e respondo que nem parece que já dancei que me senti totalmente atrapalhada, elas falaram para não me cobrar tanto que é minha primeira aula que nas próximas já vou estar melhor, menciono que o , que ele queria me ajudar e falei que não precisava de ajuda e que já tinha conhecido ele quando vim conversar com a professora. Elas ficam supressas e disse que quero voltar por conta própria. Nos despedimos porque elas ainda iam ensaiar para pré-seleção do festival, e eu precisava voltar para casa.
No caminho de volta fico pensando no dia de hoje, por um lado foi bom voltar para sala de aula, mas a sensação foi diferente do que pensei que seria, pensava que assim que voltasse a fazer aulas, aquela paixão que sentia iria voltar como se nunca tivesse sumido. Porém não senti nada, é como se aquela paixão que tinha pela dança realmente tivesse sumido. Era tão estranho, tenho medo que nunca volte, que meu sonho tenha se perdido.
***
Chego uns minutos antes da aula começar para me aquecer, minha fisioterapeuta me orientou a sempre fazer isso antes de começar de alguma atividade para acordar a musculatura e prevenir lesões. Hoje é minha terceira semana de aula, mas ainda me sinto atrapalhada em exercícios que dobro os joelhos, como rolamentos ou para apoiar. Até que o entra na sala me cumprimentando e saio dos meus pensamentos, de vez em quando ele e eu conversávamos um pouco nos intervalos das aulas.
Me surpreendi, pois ele nunca chegou a mencionar o corrido daquele dia, às vezes espero que fosse fazer algum comentário ou pergunta, mas sempre preferia fazer perguntas aleatórias, sem forçar a barra e era grata isso.
– Oi, há quanto tempo está no studio? - diz sentando ao meu lado e começando a se aquecer também.
– Oi, desde meus cinco anos, e você há quanto tempo está na dança? - Respondo logo em seguida, massageando os pés, me virando para olha-lo melhor.
– Wow, estou há uns cinco antes, comecei a correr atrás do meu sonho aos dezesseis anos, sempre amei dançar mais meu pai nunca aprovou essa ideia. - ele fala olhando para o chão.
– Mesmo com vinte anos seu pai continua com a mesma opinião?
– Venho de uma família tradicional coreana, meus pais ainda esperam que eu mude de carreira.
– Entendi, e sua mãe?
– Ela me apoia, sempre me fala que se isso me deixa feliz é para seguir em frente. E seus pais, apoiam você?
– Meus pais se separaram quando fiz 10 anos, não tenho muito contato com ele. Nos falamos raramente, não sei bem qual a opinião dele sobre isso, minha mãe desde sempre me incentivou a dançar, e quando disse que queria seguir carreira como bailarina ela me apoiou e ficou muito feliz. Minha mãe é meu porto seguro. Mas recentemente essa paixão que tinha pela dança se apagou... - Não sei por que disse isso não gosto de falar sobre o acidente com quem não conheço muito, mas ali naquela sala vazia sentia uma segurança que a um tempo não sentia. Só não sabia se vinha de ou se era o ambiente que me passava essa sensação.
– Foi por isso que se afastou do studio? O que aconteceu? - Ele percebeu que estava na dúvida. - Desculpe estar sendo intrometido, se não quiser falar tudo bem. - disse desviando o olhar.
– Bom foi por isso, eu... lesionei meu joelho e me afastei durante um ano e acabei perdendo aquela confiança em dançar...
Um silêncio se instalou no meio da conversa e ficamos apenas nos olhando. Não sei se deveria ter falado sobre o acidente, ficou um clima estranho pairando no ar, e o que pareceram ser horas, na verdade não foram mais que apenas minutos, ambos sem dizer uma palavra. Depois de estar parecendo em dúvida sobre como continuar a conversa por ter percebido que era um assunto delicado, ele me olha com os olhos brilhantes e uma expressão um tanto curiosa.
– Tive uma ideia. Vem, levanta. - diz ele com um sorriso. O Sorriso mais fofo que já vi.
– Hã?
– Vem você vai ver, confia em mim - disse ele estendendo a mão em minha direção.
Aceito o convite, curiosa para saber o que é. Ele vai até a caixa de som e coloca uma música, estava um pouco receosa no início porém deixo a mesma me levar, e quando percebo estamos dançando juntos e sorrindo, até que uma hora ao fazer um salto achei que ia cair pois meu pé desequilibrou, mas ele me segura pela cintura e me gira pela sala de frente para ele.
Assim que a música acaba e a dança também, ficamos nos olhando. Estamos tão próximos um do outro, que por um momento achei que ele fosse me beijar. Até que escutamos de algum lugar atrás de nós aplausos e nos afastamos assustados percebendo que nossa professora tinha chegado.
A professora Bianca disse que quando chegou viu que estávamos dançando e não quis atrapalhar, que achou linda nossa dança e perguntou se podíamos ficar depois do horário da aula, porque tinha uma proposta para nos fazer. Ambos, bem envergonhados, falamos que podíamos ficar.
O restante da turma foi chegando, e deu-se início a aula, mas eu estava meio distraída. Sempre me voltava para dança com o e de como me senti segura em dançar novamente, de como tive uma sensação boa. Estava curiosa sobre qual era a proposta que a professora tinha. Após finalizar a aula, a professora nos chama para conversar.
– , primeiro gostaria de dar os parabéns. Hoje na aula notei que estava mais segura nos movimentos, está evoluindo a cada dia.
– Muito obrigada, professora. - digo surpresa.
– Bom, a proposta que tenho é para vocês dois - ela diz, fazendo uma pausa rápida, passando os olhos entre mim e ele, então abre um sorriso. - É que após ver dançando hoje, gostaria que criassem um dueto. E também queria convida-los para participar da seleção para o festival. O que acham?
Olho para professora surpresa, com um misto de felicidade e medo, enquanto ao meu lado sorria de orelha a orelha transbordando felicidade e tão desacreditado quanto eu, mas nem um pouco apavorado como eu.
– Incrível, muito obrigado, professora.
– Agradeço a proposta, mas... não acho que conseguiria, eu estou voltando agora, uma rotina a mais de ensaio não acho que seria bom. Me desculpem.
– Entendo sua preocupação , não vou pressionar você, a seleção irá acontecer daqui dois meses em abril, deixo meu convite aberto caso mude de ideia querida.
– Obrigada, preciso ir agora. - meu coração estava acelerado, e meus pensamentos estavam a mil, o “e se” não saía da minha cabeça.
– , espera vamos conversar? - escuto me chamar, mas já estava saindo da sala. Porém ele consegue me alcançar no corredor.
– Por favor vamos conversar. - Paro e olho para ele e a sensação de nós dançando juntos retorna.
– Tudo bem.
Mando mensagem avisando minha mãe que vou me atrasar uns minutos para voltar para casa. e eu vamos para um café ao lado da escola para poder conversar melhor. Após o garçom deixar o pedido na mesa ele me diz.
– Nós podemos fazer isso juntos. - Fala ele, olhando nos meus olhos.
– Eu... tenho medo... não vou negar, ter a chance de se apresentar no festival é um sonho, mas...
– Eu vi o brilho nos seus olhos quando dançamos, e seu sorriso de como estava feliz - Sinto meu coração acelerar, sinto como se estivesse com borboletas no estomago após ouvir suas palavras e minhas coram de levem.
– Dançar com você foi... incrível não me sentia assim há muito tempo – digo e percebo que foi sua vez de ficar com a bochechas coradas.
– E então... - dou risada e digo
– Você não vai desistir, não é? Deixe-me pensar. - E vejo que ele me observa esperando uma resposta.
Vários pensamentos, um atrás do outro, tomam conta da minha cabeça. Um medo de não conseguir e muitas outras coisas me consomem, porém ao mesmo tempo sinto falta daquilo que sentia quando dançava, e quando dancei com ele isso acordou. Será que valia a pena? Até que vem a frase que minha me falou, que se eu não tentasse, esse tempo que tanto espero nunca irá chegar. No fim, já sei o que dizer.
– Tudo bem, vou aceitar a proposta da professora. - assim que digo ele abre o sorriso mais lindo que vi.
***
Assim que chego em casa conto a novidade para minha mãe e o porquê me atrasei para voltar. Ela ficou muito feliz com a notícia, disse que vai dar tudo certo, e acrescenta que está curiosa para conhecer o . Conto a novidade para minhas amigas também e elas surtam de felicidade, o que me deixa extremamente animada também. Vou dormir naquela noite como não tinha em dias.
Na segunda aula da semana converso com a professora, digo que pensei na proposta e que decidi aceitar. Ela me abraçou muito contente com a notícia e nos deseja boa sorte na audição, falando que se tivéssemos alguma dúvida poderíamos conversar com ela, já que estava supervisionando as coreografias.
Começamos a planejar a coreografia, definir a música, cheguei até a conversar com minha fisioterapeuta e psicóloga sobre tudo que estava fazendo e elas aprovaram a ideia. Minha fisioterapeuta recomendou que continuasse os exercícios de fortalecimento e não ultrapasse o limite do meu corpo quando estiver cansada, era para respeitar e não forçar mais, porque poderia me machucar novamente.
Um mês se passou voando e março chegou de repente. A coreografia tinha ficado pronta e criar essa dança com o foi incrível. Ele é extremamente talentoso e começava a entender porque ele era um dos alunos mais comentados do studio. Eu estava feliz por ter nos aproximado mais e nos tornado amigos. Hoje é o dia da audição para escolher os selecionados, a banca de professor está posta, cada grupo, dueto e solo eram chamados um de cada vez para serem avaliados.
Estava um pouco nervosa, mas que estava ao meu lado segurou minha mão e disse.
– Vai dar tudo certo vamos conseguir.
– Não está nervoso?
– Um pouco, mas minha felicidade de estar aqui com você é maior. Você está linda de cabelo solto - diz ele sorrindo. Sorrio envergonhada enrolando uma mecha do meu cabelo, que caia pelas minhas costas, semi preso.
Minhas amigas iriam participar como solistas esse ano, primeiro Celine foi chamada, depois Lyra. Estava torcendo para elas passarem também, assim se todos nós tivéssemos sorte iriamos todos juntos para Joinville.
Um grupo tinha acabado de sair e logo em seguida chamaram meu nome e de . Entramos na sala, cumprimentamos os professores e nos posicionamos para começar. A música escolhida tinha sido Só Sei dançar Com Você, pois ao longo dos ensaios criamos uma conexão muito forte e a letra da música fala sobre duas pessoas que confiam uma na outra.
Fechei os olhos, respirei fundo. Assim que a música começou “Você me chamou para dançar aquele dia, mas eu nunca sei rodar...” senti os acordes, e deixei ela me levar, com o olhar fixo nos de ele me levantando pela cintura me rodopiando pela sala, tive a sensação como se apenas nós dois estivéssemos na sala, quando acabamos ouvimos os professores baterem palmas, sorrimos um para o outro e agradecemos no final.
O resultado da audição só irá sair na manhã do dia seguinte, mal consigo dormir à noite com a ansiedade lá no alto.
***
Quando acordo de manhã mal consigo comer, e já vou direito para escola ver a lista dos selecionados. Chegando vejo que já tem alguns alunos ao redor do mural de notificações. Como era baixinha, tive que me espremer por entres as pessoas para conseguir ter uma boa visão das palavras escritas ali. Assim que consigo ler a lista nem acredito.
Selecionados
Categoria: duos
e .
Dou um sorriso e começo a chorar de felicidade. Nem acredito que deu certo! Os outros alunos já tinham ido para suas aulas, me afasto da lista e quando me viro de costas dou de cara com . Ele fica preocupado em me ver chorando, mas logo falo:
– Nós passamos! – Sorrio em meio as lágrimas.
– Nem consigo acreditar! - diz ele me olhando surpreso, e me abraça.
***
Os dois meses que tivemos para repassar a coreografia passaram depressa. Quando menos notamos as passagens estavam compradas, o hotel estava reservado. E eu, e minhas amigas estávamos dentro do avião saindo de São Paulo para Joinville. Lembro que antes de embarcarmos me disse:
– Sabe, você me deu coragem para conversar com meu pai novamente.
– Mesmo?
– Sim, contei para ele pai que vamos nos apresentar no festival. - disse sorrindo.
– E o que ele respondeu? - pergunto curiosa.
– Ele finalmente reconheceu meu sonho, e disse que sé isso que me faz feliz, que é para eu continuar. Que não vai mais me pressionar para fazer algo que não quero.
– Estou tão feliz de saber disso - sorrimos um para o outro.
Foram tantos ensaios, incertezas. Tinham momentos que eu achava que iria perder a cabeça, mas consegui lidar com minha ansiedade. Trabalhei em cima dela, e me ajudou muito. Passamos tanto tempo juntos no studio. Tanto tempo conversando, que em algumas ocasiões achei que poderíamos ser algo mais. Por outro lado, achava que era coisa da minha cabeça pelo tempo que passávamos juntos.
***
Estava deitada no quarto do hotel ansiosa com a apresentação do dia seguinte, faltava muito pouco para esse momento tão aguardado na minha vida. Estava tentando pensar em outras coisas para aliviar a ansiedade pré-apresentação até que me lembro do dia que minha mãe conheceu e dou uma gargalhada. Foi na festa que fizemos para comemorar minha vinda para Joinville.
– Mãe, esse é o , meu par na coreografia.
– Prazer, , minha filha fala muito de você.
– Mãe! - não acredito que ela disse isso, percebo que ele cora levemente as bochechas.
– Prazer em conhecê-la, senhora, sua filha dança muito bem.
– Que fofo, bem como minha filha me disse.
– Mãe! Vou buscar os lanches, você me ajuda - E minhas amigas só achando graça da situação.
– Já entendi, pode ficar aqui com seus amigos que eu vou buscar.
Foi um momento constrangedor, ainda bem que aquilo pareceu ser rapidamente esquecido e nunca mencionou isso em nenhum momento.
***
Eu respirava fundo, tentando controlar minha respiração, era o dia da apresentação. Tivemos um ensaio geral e agora nos aquecíamos nos bastidores já com os figurinos. Estava com um vestido verde pastel de tecido leve com pontas soltas que realçava meus olhos cor de mel e meu cabelo castanho, que estava solto nas minhas costas. Nós nos apresentaríamos no palco aberto, que era sem competição por um título. Tinha tanta gente na plateia, tanta gente correndo de um lado para o outro... fechei os olhos, relembrando a contagem, os passos. Fui interrompida por alguém chamando meu nome. Uma voz que eu já conhecia e adorava ouvir.
– , tenho uma coisa para te dizer que já queria te falar há um tempo. - diz ele coçando nuca com as bochechas ficando vermelhas.
– O quê? - pergunto curiosa, ele se aproxima um pouco e fala:
– Desde a primeira vez que dançamos senti algo que nunca tinha sentido antes, queria dizer... que gosto muito de você e se...- diz ele tirando um buque de flores de trás das costas. - Você gostaria de namorar comigo? - fico surpresa sem reagir por um momento, apenas balanço a cabeça afirmando que sim, então ele se inclina e me beija.
As apresentações ocorrem super bem, passeamos um pouco pela cidade entre uma apresentação e outra, a sensação de voltar aos palcos foi incrível, e aprendi que não podemos deixar nossas inseguranças e medos tomarem conta de nossa vida, é difícil eu sei, mas temos que encarar eles de frente e procurar ajuda. E agora dia após dia, vou aprendendo a lidar com minhas preocupações.
FIM
Nota da autora: Olá pessoal, essa é a primeira vez que posto no espaço criativo, espero que gostem fiz com muito carinho, críticas positivas são sempre bem vindas.! Que a leitura tenha sido boa. Se quiserem me conhecer um pouco mais me sigam no Instagram @escritorainiciante_