Passe Adiante

Escrito por Mare-ana | Revisado por Mariana

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TE ACHEI ATRAENTE
Passe adiante. Entregue a alguém que você achou atraente.

  ELA.
  Pisquei duas vezes e li novamente o papel em minha mão, depois olhei para trás e vi o menino que o havia me entregado se afastando. Olhei novamente para o papel, desacreditada.
  O sol começava a se por, e o céu estava aquela mistura absurdamente maravilhosa entre azul e laranja. A Avenida Paulista estava movimentada, como o usual, principalmente em conta do horário. Mas eu? Eu estava completamente estática, parada no mesmo lugar, levemente boquiaberta.
  Virei-me e encarei meu reflexo no vidro de um prédio. Baixa, com uma calça jeans tamanho 42, justa demais, uma blusa solta demais para tentar esconder uma possível barriguinha saliente, o cabelo longo e sem corte por preguiça de ir ao cabeleireiro.
  Eu era jovem, mexia na internet, lia revistas, me inteirava do mundo ao meu redor. Sabia o que a mídia dizia. Eu era tudo, menos atraente.
  Então por que aquele menino havia me dado aquele papel? Por que ele havia me escolhido para prosseguir com aquela aparente corrente?
  Ele realmente havia me achado atraente?
  Sorri, me sentindo totalmente boba.
  Eu, uma menina atraente.
  Alguém havia encontrado algo naqueles cabelos desgrenhados, nos quilinhos a mais. Alguém, e eu não sabia quem, achava que ali havia algo que valia a pena. Alguém havia me entregado um papel tão simples, e tão poderoso. Será que esse alguém fazia alguma ideia do que havia acabado de fazer? Geralmente nós não percebemos que nossos pequenos gestos muitas vezes significam grandes coisas.
  As pessoas ao meu redor me olhavam de maneira estranha, óbvio. Eu era uma menina estranha, parada no meio da calçada da Avenida Paulista no horário de pico, rindo feito idiota para um papel em minha mão. Quase fui derrubada algumas vezes, mas não me importava. São Paulo era pressa, euforia, maluquice. Eu era calma, paz, alegria. Aparentemente, eu também era atraente.
  Soltei uma risada alta, atraindo ainda mais atenção, mas não me importei. Corri e sentei-me na escada de entrada de um prédio enorme.
  Eu também era atraente, e não importava o que diziam as revistas, a internet, a televisão... Eles de nada sabiam.
  Nada.
  E eu me senti tola por ter acreditado neles por tanto tempo.
  Levantei-me subitamente assustada. Eu precisava passar aquele papel adiante.
  Olhei todas as pessoas que andavam por ali. Totalmente diferentes entre si. Loiros, morenos, ruivos, japoneses, brancos, negros, altos, baixos, gordos, magros, felizes, bravos, tristes... Tantas pessoas. Qual delas precisava daquelas palavras? O dia que qual delas iria melhorar ao ler aquilo, assim como o meu? Era uma tarefa difícil, aquela. Escolher alguém que eu realmente considerasse atraente... Não era nada fácil, na verdade era o total oposto.
  E então o vi.
  Ele andava em minha direção. O cabelo estava totalmente alinhado, estranhamente arrumadinho. Os olhos dele eram um muito claro, altamente belos. Ele era muito alto – ou talvez eu fosse muito baixinha – e aparentemente bem magro. Sua expressão transmitia raiva. Os olhos estavam levemente estreitados e a testa estava franzida. Sua boca estava comprimida em uma linha. Ele, assim como eu, não era exatamente o que a sociedade considera atraente. Mas ele me atraiu. Agora eu entendia o garoto que me entregou o papel.
  Fui na direção do menino de cabelo , parando na sua frente, fazendo-o parar também. Ele me olhou assustado. Estendi-lhe o papel e abri meu melhor sorriso.

  ELE.
  Não sei de quantas maneiras diferentes é possível uma única pessoa foder com o dia de alguém, mas minha chefe com certeza havia batido o recorde. Eu não odiava meu trabalho, muito pelo contrário. Mas nenhum lugar é perfeito, e especialmente naquele dia minha chefe estava disposta a tornar minha vida um inferno. Me mandou fazer um milhão de coisas que não eram meu dever, reclamou de tudo o que fiz e depois me fez refazer tudo. E me fez cumprir uma hora extra.
  Mas eu finalmente estava indo para casa, descansar e aproveitar meu fim de semana de folga. Eu nunca quis tanto chegar em casa.
  A Avenida Paulista, como sempre, estava um inferno. Aquilo me estressava mais. Algumas poucas pessoas que me encaravam faziam uma cara assustada. Eu tinha certeza que estava com a famosa cara de poucos amigos.
  Mas ninguém podia me culpar. Se soubessem do dia horrível que eu tive, com certeza me pagariam um milk-shake de chocolate. Ainda mais com todo o calor que estava fazendo.
  A mochila em minhas costas parecia pesar o dobro, meu cabelo estava com o formato idiota do boné que havia usado, e meus pés doíam. Aquele parecia ser um daqueles dias em que nada vai fazer melhorar. Nem o maldito milk-shake de chocolate, que agora eu sentia uma vontade absurda de tomar.
  Foi então que ela parou na minha frente.
  Uma garota baixinha, com os cabelos bagunçados e os olhos grandes, sorrindo para mim, me fazendo parar também. Ela me estendeu um papel, com o sorriso no rosto, e aquilo estava me assustando. Ficamos apenas nos encarando durante um tempo, ela sorrindo, eu assustado.
  – Oi! – ela exclamou feliz, e eu quase dei um pulo. Ao nosso redor as pessoas caminhavam, nos ignorando totalmente, às vezes até mesmo nos empurrando.
  – Hã... Oi?
  Ela continua sorrindo, com o papel estendido em minha direção. Olhei para o papel e depois para ela, que apenas o balançou, aquele gesto típico de “hey, isso é pra você, pegue!”. Peguei o papel de sua mão, e suas bochechas ficaram vermelhas.
  – Passe adiante.
  Foi tudo o que ela disse antes de virar as costas e se afastar.
  Abri o papel e me assustei com o que li. Ela havia me achado atraente? Mesmo com o cabelo em formato idiota, a cara de bravo... Mesmo com tudo aquilo?
  Sorri.
  Aquela garota havia feito com que eu sorrisse em um dia que eu achava estar perdido, completamente perdido. Aquele pequeno gesto dela havia salvado o meu dia.
  Agora eu apenas precisava passar adiante. Mas para quem?
  Olhei em meio as pessoas e vi o cabelo dela balançando contra suas costas, enquanto ela se afastava. Não existia ninguém melhor que ela. Corri, empurrando as pessoas, ouvindo xingamentos sem realmente me importar.
  Assim que a alcancei segurei seu braço, fazendo com que ela se virasse para mim. Seus olhos ficaram arregalados, e ela parecia assustada. Será que estava pensando que eu queria tirar satisfações? Xingá-la? Cantá-la? A ideia de que ela estivesse com medo da minha reação mediante ao bilhete me fez sorrir, o que pareceu espantar o pavor de seus olhos.
  – Eu... É permitido passar o bilhete de volta para a pessoa que o entregou?
  Perguntei me sentindo completamente idiota e sem graça, sentimentos que passaram tão logo ela sorriu para mim, com as bochechas vermelhas.
  – Eu não sei... Acho que não.
  – Ah. – olhei triste para o bilhete, ouvindo-a rir alto. – É uma pena. Não consigo encontrar ninguém que me atraia mais do que você. – soltei sem pensar, deixando-a da cor de um pimentão, rindo logo em seguida.
  – Eu acho que você está exagerando.
  Ela olhou para o lado, prendendo o olhar em algo. Acompanhei-o, vendo que se tratava de uma mulher impecavelmente loira de olhos azuis, magra, com seios e bunda enormes. Totalmente gata, totalmente gostosa. O tipo de mulher que desvia o olhar de qualquer um, mulheres e homens, independente da sexualidade.
  – Eu acho que ela está exagerando. – disse enfim, fazendo com seus olhos se prendessem novamente nos meus. Estendi-lhe o papel, ao que ela demorou alguns segundos para pegar. – Se... Bom, caso você não esteja ocupada, ou com pressa, ou sendo uma típica cidadã paulistana... Não gostaria de, sei lá, ir... Tomar um café, um milk-shake, qualquer coisa? A gente pode discutir melhor essa questão do exagero.
  Cocei a nuca, me sentindo completamente sem graça. Nunca em minha vida eu havia sido tão cara de pau como estava sendo naquele momento.
  – Eu... – ela gaguejou, parecendo ponderar a proposta. Guardou o papel o no bolso, franzindo a testa. Depois me olhou e sorriu. – Eu conheço um lugar aqui perto que tem o melhor milk-shake de São Paulo.

FIM



Comentários da autora


  OI
  Eu sei que vocês costumam odiar sortfics curtas demais, e eu só escrevo assim né?
  Vocês me desculpam? Por favorzinho (insira aqui a carinha do gato de botas).
  Enfim, digam-me gatas... O que acharam desse pedacinho de história? :3
  Eu tive essa ideia quando estava no ônibus, voltando pra casa, e lembrei de ter visto um papel assim em algum lugar. Mandei pra um amigo meu e disse “a gente tem que fazer isso um dia!” ao que ele respondeu “o único jeito de eu participar dessa corrente é iniciando ela, porque eu nunca vou receber o papel”.
  É estranho, não é? Ser tão fora do padrão de beleza da sociedade a ponto de achar que nunca alguém na rua vai te achar atraente. Eu também acho que eu não receberia o papel. Mas... Será mesmo? Será que em nenhum lugar do mundo existem pessoas que nos acham atraentes mesmo que sejamos aquela pessoa que a mídia não considera “linda”?
  E se é verdade que gosto cada um tem o seu, por que existe um padrão de beleza? E por que nós tentamos segui-lo?
  Então, com essa fic, quero dizer que viva a fuga do padrão, viva os quilinhos a mais ou menos, viva o cabelo cacheado, o nariz maior, a boca muito fina, os seios pequenos! Viva ser atraente mesmo assim!

  

Umas outras fics minhas que você deveria ler principalmente porque elas também são pequenas e não vão tomar muito seu tempo, mas eu juro que elas são legais XD
  Do You Want To Build a Snowman? – Outros, Finalizada
  Olá, Sr. Estranho – Outros, Finalizada
  Porquê Eu Não Me Apaixonei Por Você – Outros, Finalizada
  Stairs – Outros, Finalizada
  The One Thing – Outros, Finalizada

  

PS: Todas as fanfics são interativas.