Paris In The Rain
Escrita por Meg Reis | Revisada por Mariana
Parte 1
Tudo o que eu sei é
Nós poderíamos ir a qualquer lugar, nós poderíamos fazer
Qualquer coisa, garota, seja lá o clima que estivermos
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Ela chegou na minha vida com um furacão, eu deveria ter percebido que o jeito que nossas vidas haviam colididos muitas coisas iriam cair.
Eu fui iludido e esperançoso demais quando as coisas começaram a flutuar quando a sua risada preencheu o ar, aliviando o peso que eu carregava nas costas há tanto tempo.
Eu deveria estar acostumado com as partidas.
Mas acho que nunca estamos preparados para dar adeus e seguir a vida como se uma parte nossa não fosse se perder ao fazer isso.
Porque foi isso o que ela se tornou em tão pouco tempo, uma parte de mim.
Em alguns dias, ela fez uma diferença imensa na minha vida, porque com seu jeito estabanado e otimista me fez perceber que a vida é muito mais do que decepções, que nós somos capazes sim de sorrir e nos alegrar mesmo depois de uma tragédia.
Parece idiotice o que estou falando, mas só quem viveu o que eu vivi, esteve onde eu estive, consegue ver o que eu vejo e sentir o que eu sinto: um imenso buraco no peito por estar sendo obrigado, mais uma vez, a seguir em frente, a conviver com mais um adeus.
☔
Antes
☔
Estamos acostumados com a chuva de primavera, mas fazia dias que nenhuma gota caia do céu deixando os dias mais quentes do que o usual no mês de abril.
Eu estava sentado num café observando sua chegada, as pessoas começaram a se apressar para debaixo da marquise, Pietro gritou algumas palavras para seu único garçom e os dois correram para o lado de fora recolhendo cadeiras e mesas.
Os clientes entraram no café, deixando o ambiente cheio, quase claustrofóbico, ainda mais quando mais água caiu e os turistas buscaram proteção dentro das cafeterias.
Parecia que finalmente a barreira que não permitia que a água que era esperada para o início do mês houvesse se rompido.
Depois de mais uma xícara de café, a agitação da chuva não prevista já começava a passar, os casais começam a deixar o pequeno café do Sr. Pietro deixando uma boa gorjeta sobre a mesa antes de sair.
Do lado de fora, a umidade amenizou o calor que fazia antes, deixando o clima mais agradável, olhando para o céu esperava que os raios de sol saíssem novamente, mas não parecia provável, uma imensa nuvem escura ainda pairava lá em cima.
Como se lesse meus pensamentos, algumas gotas começaram a cair, não era forte, mas era o suficiente para deixar alguns pequenos pontos escuros em minha camisa.
Apertei o passo olhando o chão, o teatro não fica muito longe do pequeno café que frequento desde que cheguei à Paris e esperava chegar antes que a chuva caísse novamente, acredito que isso aconteceria se eu não fosse impedido por uma espécie de raio alaranjado que se colidiu comigo vindo de uma ruela à minha esquerda.
ㅡ Désolé (desculpa) ㅡ ela disse com os olhos perdidos em confusão, seguro seus ombros me certificando de que está tudo bem com ela. Seus cabelos estão colados em seu rosto e seu vestido laranja encharcado.
Mas ela não parecia se importar muito, com um sorriso contido nos lábios ela olhou para o céu e ao sentir os pequenos pingos de água e fechou os olhos.
Era nítido que ela não era dali.
Mais uma turista para o dia chuvoso de Paris, esses são os piores dias.
ㅡ Désolé ㅡ murmurei em resposta, seus olhos voltam até mim ㅡ Il ne pouvait pas échapper à la pluie? (não conseguiu fugir da chuva?) ㅡ perguntei, ela balançou a cabeça, mas não sei se de fato me entendeu e torceu a saia do vestido na intenção de amenizar seu estado. Sentindo novamente os chuviscos, ela secou os braços e fez uma careta soltando um suspiro que me fez sorrir achando graça.
Ela percebeu isso, mas antes que pudesse soltar qualquer resposta a chuva começa novamente, num impulso, puxei seu braço levando-a para baixo da marquise.
ㅡ Il y a un café à proximité, on peut y rester jusqu'à ce que la pluie passe (tem um café aqui perto, podemos ficar lá até a chuva passar) ㅡ olhei sobre meu ombro para ela, que apenas balançou a cabeça concordando acompanhando meus passos.
Pietro me cumprimentou, novamente, com um sinal peço que nos sirva dois cafés.
ㅡ Merci ㅡ a moça agradece depois de se sentar e sorriu arrumando os fios molhados atrás da orelha, enquanto Pietro se aproximava com duas xícaras de café e sorri para a mais nova cliente.
ㅡ Que veux-tu de plus? (O que mais desejam?) ㅡ ela mantém o sorriso no rosto e me olha.
ㅡ Merci, Pietro ㅡ digo para meu velho amigo apoiando os braços sobre a mesa, algo na mulher sentada à minha frente me deixou incrivelmente curioso, algo nela me parecia familiar.
ㅡ Nous attendons cette pluie depuis un certain temps (estamos esperando essa chuva faz tempo).
ㅡ Sorry, i don’t speak french very well (desculpe, eu não falo francês muito bem).
Aquela foi a segunda vez que ela me surpreendia, em apenas um dia. Eu já imaginava que ela não fosse de Paris, mas ainda assim me sinto surpreso.
ㅡ Where are you from? (De onde você é?) ㅡ perguntei feliz em saber falar pelo menos o básico de inglês, que também não é minha língua nativa.
ㅡ Brazil.
Ao ouvir tal palavra, fiquei sem reação, minha mente processa a informação, e ela me lança um sorriso afetado percebendo minha surpresa, mas não diz nada levando a xícara quente novamente aos lábios.
ㅡ Already been there? (já esteve lá) ㅡ ela pergunta depositando a xícara com delicadeza sobre a mesa.
ㅡ Actually, i'm from there (na verdade, eu sou de lá) ㅡ respondo enquanto me pergunto se devo me aventurar na língua que não falo há por muito tempo, além das curtas ligações que faço à minha irmã mais velha.
ㅡ Sério? ㅡ ela sorri, animada.
ㅡ Sim, mas faz anos que não vou lá ㅡ digo pensando bem em minhas palavras, achei que não fosse possível desaprender a falar minha língua nativa, mas as palavras soam estranhas aos meus ouvidos, mas ela parece entender.
ㅡ Isabelle ㅡ ela me estende a mão direita com um sorriso colado no rosto.
ㅡ David ㅡ aceito seu cumprimento, e logo um silêncio incômodo surge entre nós dois.
Ela olhou pela janela do seu lado direito, a chuva ainda era forte e não parecia que ia cessar tão cedo.
ㅡ Você não me parece com um turista, então, há quanto tempo você mora aqui?
ㅡ Faz alguns anos.
ㅡ Pensa em voltar para o Brasil?
ㅡ Pra falar a verdade não, e faz tempo que não encontro ninguém de lá, devo pedir desculpas pelo meu português enferrujado, eu acho.
ㅡ Está ótimo, eu não achei que fosse encontrar alguém de lá aqui, pra falar a verdade eu não achei muita coisa quando resolvi vir pra cá.
Ela me contou sobre os dias que sucederam sua vinda, sobre seu ato impulsivo após ver pela milésima vez a mesma propaganda na TV.
Eu achei curioso o fato dela sorrir e ser tão leve, mesmo que tivesse acabado de perder o emprego.
Naquele café, com a chuva caindo do lado de fora eu sentia que já sabia tudo sobre ela.
Quando tive que deixar o café, eu a fiz um convite sem muitas intenções, a convidei para ir no teatro no final de semana, com um sorriso no rosto ela o aceitou e foi aí que as coisas começaram a dar errado para mim.
Entende, eu estava bem vivendo meus dias em Paris, atuando em peças no pequeno teatro, indo beber algumas cervejas com meus poucos amigos e voltando para a antiga casa da minha família e acordando no dia seguinte para repetir tudo de novo.
Eventualmente eu telefonava para minha irmã no Brasil, na verdade, a maiorias das vezes era ela quem ligava e nós trocamos poucas palavras.
E mesmo assim, dois dias depois de tê-la encontrado e a convidado para assistir Hamlet, eu me perguntava se o raio alaranjado iria aparecer, e ele apareceu.
Com roupas e cabelos devidamente secos e um sorriso que iluminava todo seu rosto enquanto aplaudida ao fim da peça.
Parte 2
Ficando perdidos no meio da noite, sob as estrelas
Encontrando amor, ficando bem onde estamos
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O barulho do trem me faz despertar de repente, não conheço metade da paisagem que passa por meus olhos, eu só espero encontrá-la novamente.
Essa é a única coisa que venho pensando ultimamente, na chuva de primavera de Paris, em seu vestido laranja e seu sorriso molhado.
Estar aqui é mais difícil do que imaginei que fosse, espero não me arrepender de seguir mais uma vez a vontade que real pulsa em meu peito.
Dar adeus nunca é fácil, mas às vezes é extremamente necessário.
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Antes
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Confesso que não acreditei que, de fato, ela fosse aparecer naquela apresentação, mesmo que eu tenha esperado por ela estar ali, mas eu coloquei essas expectativas para trás para não ter que me sentir decepcionado caso não a visse lá.
Ela nem entendia muito francês, e mesmo assim estava ela lá, parada do lado de fora do teatro me esperando.
ㅡ Estou surpreso com a sua ilustre presença ㅡ sorri me aproximando dela que deu um pulo assustada ao ouvir minha voz, quando seus olhos encontraram os meus um sorriso se alastrou pelo seu rosto.
ㅡ Eu não entendi metade do que foi apresentado, mas eu gostei muito.
ㅡ Posso traduzir tudo pra você ㅡ começamos a caminhar pelas ruas da cidade.
Belle comenta sobre a apresentação, e quer saber mais sobre a minha vida.
ㅡ Hoje é a sua vez de se tornar um livro aberto ㅡ foi o que ela disse com um sorriso no rosto.
Foi assim que acabamos no Bistrot Victories, perto do Louvre, um restaurante simples, poucos turistas o frequentam, trazendo a tranquilidade que eu tanto gosto. Ele é pequeno e acolhedor, diferente do que qualquer pessoa de fora de Paris iria querer experimentar, desafiada, ela quis ir até o meu restaurante preferido, e eu não me importei de levá-la, nem de promoter que mostraria o quão Paris era além dos pontos turísticos.
Acho que foi bem ali que eu me apaixonei por ela, naquele restaurante em meio a risadas e vinho barato.
Nos dias que se seguiram, nós nos encontramos em todos eles. Nós conversamos sobre tudo, íamos aos pontos turísticos que ela queria conhecer e íamos aos lugares escondidos de Paris que prometi mostrar a ela.
Era o décimo dia de sua viagem, estávamos no jardin Alpin quando mais uma vez fomos surpreendidos pela chuva.
Uma das coisas que mais odiava era a chuva, em Paris temos estações bem definidas, e mesmo que a chuva fosse prevista, os dias que ela dava as caras sempre foram os dias que eu mais detestava, até Belle chegar na minha vida num desses dias.
Naquele dia quando a chuva começou nós corremos em busca de algum lugar para nos esconder, a princípio eu odiei que ela tivesse dado as caras bem naquele momento que ela me contava sobre suas pequenas aventuras quando mais nova, sobre o dia que caiu de uma árvore e precisou levar alguns pontos na perna, ou quando torceu o braço e precisou cortar a sua camiseta preferida porque a manga era justa e seu braço estava engessado.
Eu adorava ouvi-la falar, a voz dela era como uma música suave aos meus ouvidos, a sua risada sempre preenchia o ar e a noite, quando me deitava para dormir era sempre esse o som que tocava em minha mente como uma canção de ninar.
Encontramos uma mesa com um guarda sol, Belle correu se sentando sobre a mesa enquanto eu a abracei na intenção de protegê-la da chuva, mas o vento trazia os finos pingos de águas em nossa direção.
ㅡ Acho que não adiantou muito.
ㅡ Acho que não ㅡ concordei sorrindo.
Estávamos tão próximos um do outro que nossas respirações se misturavam. Nossos olhos se encontram e grudaram feito imãs, eu não conseguia desviar dos seus grandes olhos amendoados, e nem queria.
Sorrindo constatando o fato de que eu adorava tê-la por perto, mesmo que não nos conhecêssemos a mais de dez dias.
Afastando alguns fios de cabelo do seu rosto, faço questão de perder longos minutos observando cada traço dele na intenção de memorizá-los até saber de cor cada uma das suas sardas.
Nossos lábios se encontraram tão naturalmente que fez tudo parecer certo, o dia que acabava de ser arruinado pela chuva.
Nosso desastroso encontro no meio da rua, sua animação ao comentar sobre a peça mesmo sem entender completamente, sua história e a minha história. Se tornando uma.
Eu havia encontrado meu porto seguro, bem ali, com ela em meus braços.
Não importava se estávamos encharcados pela chuva, nem que a pouca iluminação não me deixasse vê-la nitidamente, eu via o suficiente para saber que era ela.
Era ela a garota que eu seria capaz de cometer as maiores loucuras para ter por perto, assim como minha mãe dizia ter feito por meu pai.
E eu não queria deixá-la ir, nunca.
Eu cometeria todas as loucuras possíveis se ela estivesse do meu lado.
Foi por isso que a beijei aquela tarde chuvosa, porque finalmente eu havia encontrado o que tanto procurava.
ㅡ O que a gente está fazendo? ㅡ ela me perguntou com seus braços em volta da minha cintura enquanto observámos uma das obras expostas no museu de Orsay.
ㅡ O quê? ㅡ questiono sem entender - Estamos no museu.
ㅡ Não, o que a gente está fazendo, David ㅡ ela se solta de mim colocando um passo de distância entre nós ㅡ Você sabe, isso aqui vai acabar no dia que eu voltar pro Brasil ㅡ ela diz apontando para mim e depois para ela repetidas vezes.
ㅡ Não tem que acabar quando você voltar ㅡ digo segurando seu braço na intenção de trazê-la mais para perto. Ela me abraça novamente, mas sei que ainda não está convencida das minhas palavras.
ㅡ Acho melhor encerramos a noite por aqui ㅡ ela se ajeita de pé na minha frente.
ㅡ Mas é?
ㅡ Não ㅡ ela diz saindo me obrigando a segui-la.
ㅡ Hey ㅡ toco seu braço a fazendo parar no caminho.
ㅡ Vamos para casa, amanhã você tem que ir ensaiar cedo ㅡ ela diz e continua a caminhar.
ㅡ Pode me dizer o que aconteceu? Eu fiz alguma coisa? ㅡ pergunto me apressado para ficar na sua frente.
ㅡ Não.
ㅡ Belle ㅡ peço num suspiro, ela cede, percebi pelo jeito que me olhava. Ela pega minhas mãos e não diz nada por um bom tempo até tomar a coragem que precisa e me olhar nos olhos.
ㅡ Eu não sei, David, mas parece que estamos desperdiçando nosso tempo numa coisa que a gente sabe que não vai durar.
ㅡ Como assim? Você está falando de nós dois? Porque se está, eu já te disse ㅡ me aproximando coloco alguns de seus fios revoltos atrás da orelha ㅡ, quando chegar a hora a gente vai decidir o que fazer, como fazer pra dar certo. Você disse que queria aproveitar os dias antes de voltar para o Brasil, antes de voltar pras suas responsabilidades e eu estou fazendo o que posso para que isso aconteça, eu não estou apressado as coisas.
ㅡ Eu não tenho sorte em nada mesmo, por que você não podia ser um brasileiro que de fato mora no Brasil? Isso facilitaria tanto as coisas ㅡ ela soa como uma criança birrenta segurando minha mão para voltar a andar.
ㅡ Então só se eu morasse no Brasil estaríamos num relacionamento pra valer?
ㅡ Sim.
ㅡ Então não estamos num relacionamento de verdade mesmo depois dos últimos dias? ㅡ tento soar ofendido, mas sei que falho, porque quando ela me olha ela está segurando uma risada.
ㅡ Estamos mais pra um desses amores de verão, no nosso caso de primavera.
ㅡ Como naqueles filmes? Que as coisas acabam quando cada um volta pra vida normal e percebem que não era nada passageiro e vão atrás um do outro pra não ser mais só um amor de verão?
ㅡ É, quase isso ㅡ ela franze a testa, pensando.
ㅡ Por mim tudo bem, se no final a gente for acabar junto ㅡ dou de ombros.
ㅡ Como se fosse fácil assim ㅡ ela me empurra outra com os ombros sorrindo, por um momento me perco em seu sorriso, em suas feições. Com certeza ela seria a pessoa que eu iria atrás. Quando ela nota meu olhar sobre ela, seus olhos vêm de encontro ao meu, seu sorriso se enlarguece e eu sorrio mais ainda desviando meu olhar e faço uma promessa a mim mesmo de nunca perde-la. Eu arrumaria um jeito de fazer dar certo quando seus dias em Paris acabassem, estávamos na cidade da luz e do amor, faríamos dar certo.
Parte 3
Qualquer lugar com você parece certo
Qualquer lugar com você parece como
Paris na chuva
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Sinto formigas em minha barriga e um aperto no peito quando desço do carro, tudo é novo e diferente, ao mesmo tempo que tem certo conformismo em estar aqui novamente.
Pego o pedaço de papel manchado de tantas dobras e leio novamente o endereço, estou no lugar certo.
Admiro o prédio cinzento a minha frente, ele contrasta com os prédios ao seu lado, algumas árvores estão a sua frente, dentro dos portões. Me viro admirando a praia distante, me lembro dessa paisagem com a calçada branca e preta nas viagens que fazia em família.
Encaro o monstruoso portão preto novamente, eu deveria tocar a campainha, é única forma de vê-la novamente.
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Antes
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Estávamos num piquenique improvisado, Belle me encontrou depois do ensaio da apresentação de mais um final de semana e fomos até o Parc Des Buttes-Chaumont, que foge da rota turística e fica bem mais tranquilo.
Passamos em algumas lojas procurando objetos descartáveis e coisas para comer, compramos algumas frutas, queijo e o único vinho que tinha na pequena loja que surgiu em nossos caminhos.
Depois que terminamos caminhamos pelo parque e atravessamos a ponte suspensa, Belle fez questão de parar e tirar diversas fotos até chegarmos do outro lado da rocha até o Temple de la Sibylle onde ela se apaixonou pela vista de toda a cidade no início de noite.
ㅡ Por que não compra um celular, seria tão mais fácil de nos comunicar ㅡ ela pediu depois de encarar o telefone fixo antigo da minha casa.
ㅡ Talvez eu faça isso ㅡ sorri indo até ela a abraçando.
Era seu último dia na cidade, ainda não sabia como encarar sua partida, eu sempre soube que um dia ela iria embora, eu só não imaginei que fosse me apegar tanto a sua presença de forma que causasse uma melancolia só de pensar em não tê-la mais aqui.
ㅡ Você tem certeza que conheceu tudo o que queria conhecer aqui em Paris?
ㅡ Conheci até mais ㅡ ela tocou meu rosto me observando com seus olhos serenos que fazia uma parte de mim se derreter.
Um sorriso se alastra em meu rosto, acho que nunca sorri tanto quanto sorri naquelas semanas com ela.
A vida era simples, era fácil deixar os problemas de lado assim que nossos olhos se encontravam e minha mão se agarrava a dela, era como se eu fosse para uma realidade paralela, onde só existisse nós dois.
ㅡ Eu te amo ㅡ disse num suspiro, ela piscou os olhos surpresa com minhas palavras, e sua postura mudou, seu toque ficou mais duro e seus olhos se desprenderam dos meus.
ㅡ David! ㅡ sua voz soa como um alarme.
Ela se afastou de mim como se eu tivesse acabado de dizer algo muito errado, e é o que eu acredito que tenha feito.
ㅡ Você sabe… Isso não vai funcionar ㅡ ela disse andando pela minha sala com a mão na cabeça.
ㅡ O quê? ㅡ pergunto encontrando minha voz, eu não tenho certeza se compreendi suas palavras, mas continuo no mesmo lugar esperando por uma explicação lógica ㅡ O que não vai funcionar? ㅡ perguntei novamente depois de processar suas palavras.
Ela parou, uma não na cintura, a outra continua coçando a testa, seus olhos encontraram os meus e posso ver a confusão que eles estão imersos, a mágoa ao me olhar e saber: nós não vamos ficar juntos.
Nós dois é o que não vai funcionar.
Uma risada afetada me chama a atenção, tendo compreender do que ela tanto acha graça num momento como esse, ela me deu as costas e foi até a cozinha, quando me aproximo, ela está colocando suas coisas dentro da sua bolsa carteiro.
Ela está indo embora.
ㅡ Belle ㅡ segurei seu braço quando ela passa por mim em direção a porta ㅡ, não tem que ser assim ㅡ eu disse na esperança de fazê-la ficar.
ㅡ Eu vou embora amanhã, David. Se eu ficar só irá piorar as coisas.
ㅡ Piorar? ㅡ solto seu braço de repente ㅡ Me diz como isso pode ficar pior? Eu sei que você está indo embora.
ㅡ Você ouviu o que me disse alguns minutos atrás? Nós não vamos dar certo, David. Eu queria que desse, acredite em mim. Mas não é assim que funciona.
ㅡ Não é assim como?
ㅡ Com a distância, David. Porque você não vai voltar para o Brasil e eu não posso ficar aqui.
ㅡ A gente pode tentar dar um jeito.
ㅡ Tentar dar um jeito? ㅡ ela repete com riso esganiçado e coça a testa novamente.
ㅡ É isso o que se faz quando se está num relacionamento, Belle. A gente tenta.
Ela continua encarando o chão, o tempo se arrasta e ela não percebe que isso é um desperdício de tempo, que deveríamos ficar juntos, que faríamos um jeito, que eu faria de tudo para fazer dar certo.
ㅡ Você disse que quando chegasse o dia decidirmos o que fazer, eu já decidi. Eu não quero tentar ㅡ são suas palavras finais. Ela me olha pela última vez, seus olhos esquadram meu rosto como se para memorizar cada traço meu, porque ela não quer tentar e eu a deixo ir.
Parte 4
Eu olho para você agora e eu quero isso para sempre
Eu talvez não mereça, mas não a nada melhor
Não sei como fiz tudo isto sem você
Meu coração está prestes a saltar do meu peito
☔
ㅡ Boa tarde! ㅡ uma voz masculina sai da caixa do interfone depois que tomo coragem para tocar, olhando para dentro do prédio, avisto um senhor com o telefone na mão, os olhos presos em mim pelo vidro escuro da porta.
ㅡ Isabelle Morais ㅡ digo sentindo o nervosismo comer meu estômago, eu não tenho certeza de nada aqui, mas preciso tentar.
ㅡ Acho que ela não está em casa no momento, só um minuto ㅡ ele desliga o interfone e retorna alguns minutos depois.
Ela não está.
Agradecendo, dou as costas ao portão e saio da vista do senhor.
Pegando meu celular recém adquirido, disco um dos únicos números salvos no aparelho.
ㅡ Ela não está aqui ㅡ sinto a derrota em meus lábios.
ㅡ Venha para cá então, vou te mandar meu endereço ㅡ Débora diz antes de desligar.
Aguardo sua mensagem com o endereço e entro no primeiro táxi livre que vejo.
☔
Antes
☔
Vazio.
Era isso o que eu sentia.
Pela janela da sala consigo ver o sol, ele aquece minha pele, mesmo que eu não me importe mais com os dias ensolarados.
Belle foi embora há dois dias, há dois que ela saiu da minha casa sem olhar para trás.
Como ela conseguiu eu não sei, só sei que nada é o mesmo agora.
Será que era esse o meu destino?
Me apegar as coisas e as pessoas e não ter nem tempo para me despedir?
Meu telefone toca estridentemente, ressoando por todo apartamento.
Me sinto um imbecil por estar assim, jogado na poltrona da sala enquanto minha mente me consome vivo cheia de especulações que não deveriam existir, porque todas elas envolvem a mulher que foi embora.
O barulho cessa, por alguns segundos o silêncio se faz presente novamente.
O vazio.
E então começa a tocar novamente.
Suspirando me levanto e vou até ele o tirando do gancho.
ㅡ Bounjour.
ㅡ Bonjour, minha cunhada está aí?
ㅡ Ela foi embora, Débora ㅡ pressiono minha têmpora me arrependendo de ter contato a ela sobre Belle.
ㅡ Sim, você disse que ela voltava para o Brasil, ela já veio?
ㅡ Sim.
ㅡ Por isso essa voz de sofrimento? ㅡ ela pergunta e sei que ela está debochando de mim ㅡ Eu vou para o Rio em alguns dias a trabalho, pensei em encontrá-la e te convidar a vir também, o que acha? ㅡ ela continua depois de não ter resposta.
ㅡ Débora.
ㅡ Aah já entendi. Não deu certo né? ㅡ ela soa decepcionada – Desculpa, David, eu fiquei animada demais achando que finalmente te teria você de volta aqui no Brasil por causa de uma garota, mas ainda assim, de volta.
ㅡ Não deu muito certo, desculpa, maninha.
ㅡ O que aconteceu?
E eu conto tudinho do que aconteceu na nossa última noite juntos, antes de Belle se decidir que não daria certo e ir embora.
ㅡ Você deveria vir pra cá, a gente pode tentar encontrá-la.
ㅡ Não ㅡ nego rápido de mais, não sei se pela possibilidade de ver minha irmã novamente ou pela proposta de procurar Belle ㅡ, eu não sei se é isso o que ela quer ㅡ nem o que quero, completo mentalmente.
Parte 5
Sentimentos vêm e vão, não com você
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Encontro com minha irmã no estacionamento de um restaurante, é um sábado, e seu primeiro dia livre no Rio.
Ela me abraça tão apertado que acho que minha coluna irá quebrar, mas não protesto, estou feliz em vê-la também.
ㅡ Escolhi esse restaurante especialmente para você ㅡ ela aponta para as portas de vidro do local e só então noto o nome francês do restaurante.
ㅡ Depois podemos ir comer um açaí ou algo do tipo? ㅡ peço empurrando a porta para que ela entre.
ㅡ Sim, você tem muito o que contar, especialmente sobre a Belle, e vamos fazer tudo isso comendo.
ㅡ Sim, senhora ㅡ concordo soltando uma gargalhada.
A hostess nos recepciona com um sorriso simpático no rosto e nos guia até a mesa que minha irmã reservou para nós dois.
ㅡ Ah e a tia Ana disse para você ligar para ela.
ㅡ Farei.
E então a vejo, Belle está há duas mesas de distância, ela conversa animadamente com alguns amigos, ao notar meu olhar ela me vê e assim como eu permanece estática, digerindo a minha presença assim como digiro a dela.
Um dos objetivos era encontrá-la, mas depois de ir até o seu apartamento e não encontrá-la eu havia adiado temporariamente esse plano e me concentrado em Débora, minha irmã mais velha que não vejo pessoalmente há anos.
Estivemos tão envolvidos em nossos trabalhos e eu com meu jeito difícil de superar a morte de nossos pais que eu mal lembrava da cor de seus cabelos.
E agora estou com ela e com a mulher da minha vida na minha frente.
Um rapaz toca seu braço chamando sua atenção e ela então desvia o olhar.
ㅡ É a Isabelle? ㅡ minha irmã pergunta ao meu lado, mas não consigo responder, Belle está vindo até nós.
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Antes
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Meus dias seguem sua rotina, acordo, tomo meu café no Sr. Pietro, resolvo algumas coisas, almoço e vou para o teatro onde fico até tarde ensaiando e volto para casa.
Num desses dias, resolvi abri uma pequena pasta que Débora insistiu que eu trouxesse para Paris há seis anos, quando me mudei.
Várias fotos caem da pasta assim que abro, e por horas eu vivo no meu passado, em São Paulo, com meus pais e minha irmã.
Antes dela sair de casa para ser independentes, antes dos meus falecerem em um acidente de carro.
E foi naquela noite que eu tomei uma decisão, eu enfrentaria meu passado e minhas perdas e também lutaria por Belle, assim como sempre soube que faria, desde quando a atravessamos a ponte no Parc Des Buttes-Chaumont, desde quando nos beijamos no parque Alpin, ou que dividimos um vinho barato num restaurante depois que ela foi a minha apresentação, desde quando a encontrei encharcada pela chuva e dividimos um café.
Eu lutaria por Belle, e para provar que valeria a pena, e que íamos arrumar um jeito de fazer dar certo.
Telefono para Débora sem nem calcular a diferença das horas da França para o Brasil, mas ela me atende depois do terceiro toque e então anuncio: estaria indo para o Brasil em algumas semanas.
FIM
Nota: Olá, pessoal,
Essa é a minha primeira songfic, quero agradecer a quem indicou a música, porque eu não conhecia e achei ela maravilhosa, e peço desculpas caso a história não tenha nada com o que idealizou na sua mente.
E quem quiser trocar algumas ideias sobre essa songfic ou escritas em geral, me sigam nas redes sociais, e vamos ser migos!