Our Way

Escrito por Maraíza Santos | Revisado por Natashia Kitamura

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Parte do Projeto Songfics - 17ª Temporada // Música: Two Pieces, por Demi Lovato

  Sentada na sala de espera para o dentista eu olhava para a parede de vidro, antes escondida pelas persianas, observando o movimento dos pedestres na calçada. Lá fora, o céu estava sem nenhuma nuvem e o sol estava quase sumindo e anunciando a noite, mas aquilo não impedia as crianças que brincavam no parquinho do outro lado da rua se divertirem. Um grupo de meninos corriam uns atrás dos outros e riam dos seus tropeços, e então, vi uma mãe abraçar um filho que chorava. O menino apontava para o grupo que eu estava observando e as lágrimas corriam pelo seu rosto.

  Perto da caixa de areia, um grupo de garotas brincavam de boneca, eram bonecas grandes e pequenas, detalhadas ou mais simples. Todas bonecas de plástico. Uma menina pequena aparentava ter cinco anos, se aproximou segurando uma boneca de pano antiga. Ela parecia pedi para brincar, mas as crianças balançavam a cabeça e apontavam para o brinquedo em suas mãos. A garota se virou e saiu andando com os ombros caídos e chorava silenciosamente indo até uma casa verde perto do parque. Minutos depois, vi a garota brincar na janela com a boneca e olhar para o grupo de crianças com um bico e lágrimas caindo em seu rosto. Logo, uma mulher de idosa apareceu e a tirou de lá pelos braços. Eu poderia comparar aquelas duas crianças comigo e . Nós dois estávamos perdidos à procura de algum rumo na vida quando nos conhecermos.

  Conheci quando estava indo para a lanchonete que eu trabalhava, no auge dos meus 25 anos e tudo na minha vida desmoronava. Perdi meu pai antes mesmo de completar um mês de nascida, nunca me lembrarei de seu rosto, e minha mãe havia falecido meses antes com infarto. Eu havia a visto morrer segurando minha mão fria. Lembro, também, de ter trancado minha faculdade de medicina para cuidar dela há quase um ano, já que a hipertensão dela aumentara. Naquela época eu trabalhava como garçonete em uma lanchonete há quase um ano.

  A rua estava quase deserta, pois era cedo, havia mudado de caminho naquele dia visando achar um novo atalho. Estava frio, então cruzei os braços fitando um homem desconhecido indo até seu carro. Quando me aproximei mais daquele que eu observava, vi-o segurar a porta do carro com força e olhou para mim com os olhos arregalados. Seu rosto estava suado e seus joelhos vacilaram.
  — Me ajuda. — Ele sussurrou.

  Ainda sem entender muito bem, lembro de tirar meu celular da bolsa e ligar para a emergência. O homem estava sentado na calçada e tinha falta de ar — mal conseguia respirar. A atendente no outro lado da linha me dissera para deixá-lo confortável e desse ácido acetilsalicílico se eu tivesse e, obviamente, eu não tinha. Eu segurei a mão daquele homem forte e massageava seu ombro tentando fazê-lo relaxar um pouco. Eu estava nervosa, mas meu corpo não parecia reagir aos meus sentimentos; fazia tudo de forma mecânica. Minha mãe havia morrido do mesmo jeito meses antes e eu fizera exatamente aquilo. O homem começou a apontar para seu peito e sussurrar com dificuldade “dói”, seus olhos mostravam fadiga, ele mostrava de vez enquanto estar com vontade de vomitar, mas nada saia, provavelmente porque não havia comido naquela manhã. Eu tentava falar com ele para mantê-lo acordado, mas estava cada vez mais difícil. Enquanto batia o pé no chão e observava o final da rua à procura da ambulância, senti a pressão da mão do homem diminuir e, ao virar para fitá-lo ele estava quase dormindo. Segurei seus ombros e os chacoalhar para que ele continuasse desperto.
  — Por favor, não morra! — Eu dizia em desespero.
  Então, vi seus olhos abrirem ligeiramente e o barulho da ambulância foi ouvido, logo, ele estava entrando no transporte em cima de uma maca e eu estava o acompanhando. Enquanto íamos para o hospital, os enfermeiros foram dando-lhe algum tipo de soro para fazê-lo melhorar e, mesmo sonolento, ele segurou minha mão.
  Quando o desconhecido entrou em uma daquelas salas da emergência não me deixaram ir junto e voltei a senti a sensação de que algo estava errado. Ele parecia melhorar depois do atendimento dos enfermeiros, mas eu não sabia exatamente o que estava acontecendo.
  — Não se preocupe, ele vai ficar bem. — Um dos enfermeiros me disse. — Acredite, você salvou a vida dele.
  E aquelas palavras me tranquilizaram.
  Decidi, então, esperar novas notícias. Liguei para meu chefe na lanchonete explicando o que aconteceu — tirando a parte que eu falei que o homem desconhecido era meu amigo, sendo que nem o conhecia.
  Horas depois me liberaram para falar com ele, e uma das recepcionistas até estranhou o fato de ter ficado lá esperando em vez de algum parente, e, confesso que era estranho não aparecer ninguém para saber noticias do tal homem.
  Quando entrei no quarto, vi o homem apontar para o braço onde estava o tubinho com soro e um médico em seu encalço falando algo que ele não dava a mínima. Ele olhou para mim na porta e sorriu.
  — Entra. — Ele disse. Sorri em resposta e fui andando até ele com o médico fitando-me. Agora que eu prestava atenção, o homem desconhecido se mostrava com um porte atlético e seu cabelo caia em seu olho o fazendo parecer bastante jovem. Tinha pequenas rugas atrás dos olhos fazendo seu sorriso bem desenhado. Olhando agora, não parecia que ele havia tido um infarto horas antes, tirando a parte de ele estar visivelmente cansado.
  — Olá. — Cumprimentei o médico — Você está melhor? — Virei para homem.
  — Eu estou ótimo...
  — Não o escute senhora , ele deve ficar em observação e sair apenas semana que vem, e olhe lá. Prometo que seu marido vai ficar melhor se continuar o tratamento... — tagarelou o médico.
  — Ela não é a minha esposa, Jonh. — O homem coçou as têmporas.
  — Wow, eu pensei que... — O médico parecia confuso.
  — Não. — O homem disse sério.
  — ? — Franzi o cenho fingindo ter apenas escutado isso. — É seu nome?
  — , prazer. — Ele sorriu levemente. — Aliás, obrigado por ter me ajudado. Você salvou a minha vida. — Senti minhas bochechas queimarem e desviei o olhar.
  — Por nada. Eu apenas liguei pra emergência. — Desviei o olhar para o chão.
  — Você pode me dar seu número? Podíamos jantar hoje para eu te agradecer. — Disse ele.
  — Nada disso, senhor . — Negou o médico. — Você vai ficar no hospital até sai o resultado dos exames. Não é porque você não tem mais motivos para cuidar da saúde, que vou deixá-lo morrer tão fácil.
  — Jonh... — cerrou os olhos para ele.
  — É doutor Mikaelson para você. — Ele disse seriamente. — Então, é...? — Ele arqueou uma das sobrancelhas fitando a mim.
  — . . — Respondi.
  — Então, senhorita , espero que não se incomode em dar o número do telefone para ele e ir embora. Acho que necessita descansar. — ele sorriu simpático.
  — Claro. — assendi. revirou os olhos e deitou-se na cama derrotado enquanto eu anotava o número de meu telefone em um papel que o doutor Mikaelson havia me dado.
  Quando levantei o olhar para entregar o papel nas mãos do médico percebi que ele já havia ido e que só restavam uma enfermeira que havia entrado, eu e na sala. Ele me olhava pacientemente e sorriu ao encontrar meu olhar. Caraca, como ele conseguia? Horas atrás quase havia perdido a vida e agora estava todo sorrisos? Com certeza ainda sentia dores. Ele tem algum tipo de problema?
  — Aqui. — Lhe entreguei. — Te vejo... Por aí. Acho melhor eu ir para o trabalho.
  — Sim. — Ele pegou o papel em mãos. — Você trabalha aonde ?
  — Em uma lanchonete; Champ’s, na verdade, conhece? — Perguntei.
  — Não, mas já ouvi falar. Qualquer dia eu passo por lá. — Ele comentou.
  Ficamos em silêncio olhando um para o outro sustentando o olhar. Parecíamos duas crianças apostando quem ficava mais tempo sem piscar até que ele passou a mão pelo rosto desfazendo o sorriso.
  — Não vou ser falso com você. — Ele falou. — Não há sentido fingir que está tudo bem com você como eu faço na empresa.
  — Não estou entendendo. — Franzi o cenho.
  Ele suspirou. Balançando a cabeça, passou a mão no rosto mais uma vez.
  — Só obrigado... Por salvar a minha vida. — Ele sorriu de lado e desviou o olhar para o chão.
  — Fica bem. — Pisquei para ele e fui andando até a porta. — Ah, quero conhecer a senhora , hein? Ela é uma mulher muito sortuda, quase ficou viúva hoje... — ri colocando a mão na maçaneta.
  — Ela não vai querer te conhecer...
  Virei-me com o cenho franzido. Por que diabos uma mulher não ia querer me conhecer, logo eu que salvara seu marido?
  —... Ela não vem e, com certeza, nem sabe que eu tive um infarto. — Completou. Seus olhos estavam opacos, sem vida. — Ela fugiu semana passada com o amante, meu antigo chefe.
  Lembro de ter prendido a respiração por uns dez segundos, era informação demais para lhe dá. Não sabia o que dizer, realmente, o que se diz para alguém que teve um infarto e há duas semanas o amor da sua vida fugira com seu chefe?
  — Sinto muito. — Falei com a voz baixa.
  — Desculpa, eu não devia ter dito. Nem nos conhecemos direito... — Ele disse arrependido.
  — Não, não. — Balancei a cabeça. — Talvez isso que aconteceu com você seja uma mensagem da vida.
  — Mensagem? — Ele arqueou a sobrancelha.
  — Sim, mensagem. — Sorri e abri a porta. — Talvez, esse a forma da vida dizer pra você tentar de novo.

  Foi a primeira vez que consegui arrancar um sorriso sem graça do e seu olhar mútuo para o chão. Acenei para ele e fechei a porta com um sorriso espontâneo que eu não dava há muito tempo. Naquele dia algo mudou em mim. A vida não só deu uma chance para ele e deu para mim também.
  Demorou duas semanas para rever de novo. Eu estava trabalhando cada vez mais e não tinha tempo para ir à hora das visitas; até pensei em ligar para o hospital para ter notícias sobre ele, mas acabei deixando sempre pra depois. Mas, nem por isso, eu parava de pensar em sua situação. Ninguém fora visitá-lo, nem mesmo seus pais — será que ele era órfão que nem eu? Eu queria conhecê-lo e entender melhor a sua história.
  Quando eu o revi, estava sentado em uma das cadeiras da lanchonete e com a voz mais divertida e descontraída que poderia ter, chamou-me a atenção dizendo:
  — Então, te algo nesse cardápio que não vá me causar outro infarto? Sabe, acho que duas vezes no mesmo mês é abusar da sorte, hein? — Ele tinha um dos sorrisos mais lindos que eu já vira.
  — Suco pode? — Perguntei rindo.
  — Acho que Jonh me liberou tomar suco. — Ele comentou todo sorrisos.
  — É bom saber que você está vivo. — Falei enquanto pegava um dos meus bloquinhos no avental que eu usava. — Vai querer alguma coisa?
  — Só um suco mesmo. — Respondeu. — Aliás, eu só estou vivo por sua causa.
  — Você também foi forte, pensei que poderia desmaiar a qualquer momento. — Comentei enquanto escrevia. — Que sabor?
  — Morango. — Disse. — Não dava pra não ser forte com alguém gritando “Por favor não morra!” — Dei um muro de leve em seu braço.
  — Ei! Você é um sem coração!
  — Não fala isso! Ruim com ele — Apontou para o coração. —, pior sem ele.
  — Certo. Agora eu vou ver seu pedido, ok? — Falei.
  — Tudo bem, mas só deixo você ir se topar vir comigo para um jantar hoje à noite. — Ele deu seu melhor sorriso para me convencer. — Quero te agradecer por ter...
  — Para de falar isso! — O interrompi. — Só vou se você parar de falar que eu salvei sua vida o tempo todo.
  — Fechado. — Ele confirmou com a cabeça e eu virei indo à cozinha.

  Naquele dia tive uma das noites mais agradáveis da minha vida. Eu estava impressionada o quão bem humorado era e me perguntava como a sua esposa poderia ter deixado um homem tão maravilhoso. Confesso que fiquei curiosa sobre como ela o deixou, mas não perguntei. Quis respeitar o espaço dele e que se ele quisesse iria me contar; e ele o fez.

  Quando voltávamos para casa, contou sua história para mim. Ele casara com Hilary há quase dois anos e o fato dela fugir da cidade com seu antigo chefe foi realmente um choque. Sentia falar dela? Sim, mas não voltaria, disse ele. Talvez, toda a pressão no novo trabalho e essa surpresa havia lhe causado o infarto, e eu não duvido nada. Ele falou que estava realmente sem saber como seguir sua vida agora que estava sozinho, porque dependia de Hilary até para cuidar de sua saúde. Aliás, descobri que ele era órfão desde criança e crescera no orfanato saindo de lá logo quando completou maior idade. Assim que chegamos à frente da minha casa, sentamos na pequena escada e eu contei a minha história. Ele me ouviu atentamente enquanto eu falava sobre minha mãe e pela primeira vez nos últimos meses não foi doloroso fazer isso. Ficamos até tarde sentados conversando até chegar à conclusão que nós dois estávamos perdidos no mundo.
  Depois daquele dia passamos a nos encontrar e, às vezes, ele me levava para jantares da empresa para acompanhá-lo, o que me deixava um pouco desconfortável já que não parecia um lugar para uma garçonete, o que resultou ele me incentivando a voltar a faculdade, o que eu fiz, porém para estudar enfermagem, pois não me sentia mais no mesmo pique para fazer o curso de medicina como antes.
  Com três meses de amizade já era meu melhor amigo. Sempre marcávamos para sair juntos com seus amigos nos finais de semana que eu estava livre e ás vezes passávamos a noite toda conversando pelo celular, me dando uma baita dor de cabeça com a conta telefônica.
  Éramos apenas amigos naquela época, claro, mas as pessoas costumavam perguntar se eu era esposa ou a nova namorada do . Era engraçado ver o cansado de explicar que éramos só amigos, até que isso começou a me incomodar e eu ficava com uma pergunta na cabeça: Que mal teria se eu fosse a namorada ou sua nova esposa? E, então, em uma das vezes que saiamos do cinema, eu o perguntei. enrolou e enrolou acabando por dizer que não ligava muito pra isso e que não se importaria em ser meu namorado se o fosse. Foi naquele dia que eu percebi que sentia algo além de amizade pelo , porque dormi pensando naquelas palavras e com a barriga cheia de borboletas. Depois daquela conversa, as coisas com começaram a ficar estranhas, e com estranhas, quero dizer que começou a rolar um certo clima entre nós. Então, antes que eu me desse conta, eu havia encontrado seus lábios e seus braços se tornaram meu porto seguro e tínhamos um caminho para seguir.
  Não vou dizer que nosso relacionamento foi perfeito, tivemos altos e baixos — minhas crises de ciúmes quando a ex-esposa de voltara a falar com ele era eminente —, mas eu não deixei que nada disso abala-se nosso amor.
  Ouvi o barulho na sala de espera me fazendo sair dos meus devaneios e vi Junior vir saltitando em minha direção e vinha logo atrás segurando um papel — possivelmente da próxima consulta.
  — Posso tomar sorvete? — Ele perguntou com o sorriso inocente.
  — Ele se comportou bem? — Olhei para que lia aquele tal papel.
  — Sim. — Ele sorriu para Junior. — Acho que alguém vai tomar sorvete hoje.
  Junior gritou uma comemoração e nós rimos de sua energia e alegria. selou nossos lábios e sorriu antes de afastar nossos rostos. Ele estendeu a mão para que eu a segurasse.
  — Vamos, senhora ?
  Estávamos perdidos em caminhos errados e juntos construímos nosso próprio caminho.



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