Ótimo (feliz) Natal

Escrito por b menezes | Revisado por Mariana

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  Todo ano é assim, época de Natal eu nunca tenho a oportunidade de estar com meus amigos. É tradição na família viajar para a chácara dos meus avós, reunir a família no interior de Pernambuco, reencontrar os parentes que não víamos há anos e comer bastante na ceia. Nem é tanto reclamação vendo por esse lado da comida.
  Tio Márcio e tia Renata são sempre os últimos a chegar por culpa de Pedro, meu primo, que sempre acaba na recuperação, e não poderia ser diferente em seu último ano do Ensino Médio.
  As crianças sempre acabavam dormindo em colchões na sala – e meus 16 ainda eram classificatórios pra essa posição. Acordei aturdida quando eles chegaram todos alegres e entusiasmados às 6 (quase 7) da manhã. Cocei os olhos e tateei o chão em busca do meu celular, sem sucesso. Alguém devia estar dormindo em cima dele.
  Levantei e arrastei os pés para o banheiro. Precisava molhar o rosto e escovar os dentes antes de falar com eles. Além do mais, Pedro deveria estar um poço de sono, precisaria do meu lugar mais do que eu.
  Eles conversaram na cozinha, todos os tios e tias cumprimentando os únicos que faltavam chegar e se juntando para o café-da-manhã. Arrastei os pés calçados em meias até lá com o maior sorriso, pronta para o abraço de urso de tio Márcio.
  - Bom dia!
  - Marzinha! – tio Márcio saiu do bolo de gente e veio me abraçar – Você ainda ta crescendo, menina?
  - Até os 19, tio.
  Ele me deu um último apertão e me libertou pra falar com tia Renata e Pedro. Dei um abraço nela e perguntei por Pedro.
  - Foi pegar umas coisas no carro com Iago.
  - Com quem?
  - E aí, Marshmallow?! – Pedro entrou na cozinha com o mesmo sorriso maroto de sempre – Comprou meu presente?
  - Só se você tiver comprado o meu, Pedrosa.
  Logo entrou atrás dele um garoto de sua altura passando as mãos nas calças jeans. Os cabelos muito loiros dando a volta em sua cabeça, formando cachos grandes dos lados, foi a primeira coisa que vi ao ter entrado de cabeça baixa. Ergueu a cabeça em minha direção e eu vi os grandes olhos castanhos por trás dos óculos de grau retangulares. Os lábios finos se esticaram em um sorriso simpático, a barba loira fazendo o charme ainda maior.
  - Oi. – ele disse, andando até mim com a mão estendida – Iago.
  - Maraíza – respondi, envergonhada com a consciência do cabelo bagunçado e dos pijamas gastos.
  - Bom – começou tio Márcio -, vocês dois comam e vão descansar um pouco que mais tarde seremos nós que arrumaremos as coisas no pátio.
  Dos primos classificados como crianças Pedro e eu somos os mais velhos. Com Pedro dormindo eu fiquei responsável pelas crianças, por fazer elas cansarem o suficiente pra dormir quando fosse a hora do Papai Noel chegar. Quer criança mais feliz do que criança com água? Corri atrás deles com a mangueira e as deixei se jogar nas pocinhas de lama que se formaram no gramado até a hora do almoço.
  Os tios e tias, e os primos e primas que já eram pais, arrumavam o almoço e me pediram pra levar os pequenos pro banho.
  - Cadê Pedro? – gritei e papai apontou para a porta. Iago acabara de aparecer ali, os olhos semicerrados contra o sol.
  - Pedro ta ajudando com a comida. Quer que eu te ajude?
  - Pode ser. Pedro ajudando com a comida é quase o anúncio oficial que em breve ele será um deles – Iago riu – Esses que estão com terra até o juízo são os menorzinhos, sem malícia, podem tomar banho aqui fora, ali no chuveirão. Já esses maiorzinhos é só organizar por vez na fila do banheiro e regular o tempo do lado de fora, já têm pudores. Os demais já se viram sozinhos.
  - E você?
  Senti as bochechas queimarem.
  - Monitores só viram gente depois que os monitorados estão prontos. Você quer ficar com quais?
  - A fila, eles mal me conhecem.
  - Tudo bem, boa sorte!
  Expliquei às crianças quem era Iago e disse que quem se comportasse ganharia doce no fim do almoço para amenizar o trabalho para o novato.
  No almoço, Iago não hesitou em puxar a cadeira ao lado de Pedro e eu não hesitei em observá-los durante. Não tinha ouvido ninguém comentar o porquê do loiro estar entre nós; será que Pedro e ele eram namorados? Mas mamãe não comentou nada de Pedro e olha que ela e tio Márcio são do tipo que contam tudo um pro outro. Talvez isso não seja algo que ele queira comentar. Ou-
  - Mara, acorda!
  - O que foi?
  - Tem meia hora que te peço pra passar a salada, aluada.
  - Desculpa, vó.
  - Mãe, vamos ao centro assim que acabar o almoço comprar umas coisas. Quer ir?
  - Ah, sim, claro! – respondeu minha avó, concentrada em se servir de purê de cenoura.

  Poucos dos meus tios e tias ficaram quando levaram minha avó ao centro. E os que ficaram estavam preocupados com a ceia de Natal. Dessa vez, Pedro nos ajudou com as crianças. Arrumou uma bola e correu com eles por tempo o suficiente para cansar a eles e a mim – que estava sentada observando. Volta e meia, Iago parava com as mãos nos joelhos pra respirar um pouco melhor e olhava para mim com um dos sorrisos mais bonitos que já vi.
  Por volta das seis e meia começamos todo o processo da noite de véspera. Demos banho neles, os enfiamos dentro dos pijamas, fizemos pipocas e os colocamos no quarto dos nossos avós – que era o maior e último da casa – para assistir animação até dormir.
  Acabei dormindo junto com os pequenos e acordei uma hora depois com todos apagados incluindo Pedro e Iago. Ainda não era hora de descer com os presentes para a árvore de Natal então botei meu vestido para a festa e caminhei até o parquinho que meus avós construíram quando Pedro e eu ainda éramos pequenos. Botei o celular no aleatório e sentei num dos balanços. Era legal aquela calmaria, aquele silêncio controlado pra variar.
  Depois de um bom tempo de pensar em nada e em tudo ao mesmo tempo, num balançar vi alguém sentar no balanço ao lado do meu.
  - Oi.
  - Oi.
  - Foi bem difícil te encontrar.
  - Tava me procurando?
  - Me voluntariei a te achar. Querem arrumar os presentes e aparentemente você faz uma boa assistente de Noel. Mas aqui ta tão bom... Dá até vontade de fingir que eu esqueci o que tinha pra te falar.
  - Você pode ficar enquanto eu ajudo. – disse, levantando-me do balanço e arrumando o vestido. Ele se levantou também, se prostrando a minha frente, pouca coisa mais alto que eu.
  - Você aqui é parte de estar bom.
  Inspirei nervosa e segurei antes de expirar. Iago pegou minha mão com delicadeza e a envolveu com a outra. Meu coração deu saltos na piscina de adrenalina.
  - Então se você entrar eu também entro. – concluiu ele.
  - Se ficarmos vão mandar Pedro atrás de nós.
  - Ele sabe por que me voluntariei a vim te buscar.
  - É? – ele assentiu – E por que foi?
  Ele riu.
  - Pra tomar coragem de chegar em você.
  - Chegar em mim?
  Iago deu dois passos e foi o suficiente pra ficarmos próximos demais.
  - Oh!
  - Ruim?
   Neguei, engolindo em seco. Ele se aproximou ainda mais e tocou seus lábios nos meus, os pelos da barba e bigode me fazendo cócegas quando pressionei os meus contra os dele.
  - Aí, casal?! – era a voz de Pedro vindo da escuridão – Podem deixar pra depois? Já vão acordar as crianças.
  O loiro entrelaçou seus dedos nos meus e tomou o primeiro passo. Quando já estávamos próximos da casa, fui tomada pela curiosidade.
  - Por que você veio? Quer dizer, seus pais não acharam ruim?
  - Não conheço meu pai e minha mãe teve que viajar a negócios. Tava achando que o Natal ia ser uma droga até Pedro me convidar.
  - Você deu sorte de termos uma família divertida.
  - Dei sim. – ele murmurou contra minha mão unida a dele antes de beijá-la.
  Fomos buscar as crianças no quarto e liberamos elas assim que se deram conta de que horas eram e correram pra pegar seus presentes. Depois que todas estavam agarradas aos pacotes com seus nomes e estraçalhando os papeis de presente, foi a vez dos mais velhos.
  - Esse aqui é seu, marshmallow. – disse Pedro, entregando-me uma caixa azul clarinho – Esse aqui é pra mim. E esse é... Iago? – ele olhou para o pai com uma interrogação nos olhos e recebeu um aceno de confirmação – Aí, cara, esse aqui é seu!
  Iago pareceu sem graça ao ir buscar o pacote com o amigo. Os dois pareceram, depois, muito curiosos pra saber o que tinham ido comprar pra ele naquela tarde. Afinal, sua união à viagem da família fora tão em cima da hora que não podiam ter comprado antes.
  Todos se abraçaram e trocaram presentes de amigo secreto (entre os adultos) e fomos para a mesa gigante do pátio nos empanturrar na ceia. Iago, dessa vez, sentou ao meu lado. Guardou uma lichia até o fim do jantar e me entregou antes de dormir.
  As crianças estavam se aglomerando na sala pra dormir e não era aconselhável que ficássemos conversando, principalmente que a manhã seguinte seria atarefada. Então ele me entregou a lichia, disse “só pra não passar em branco”, me desejou feliz natal e me deu um beijo de boa noite.
  Talvez não desse em nada. Talvez esse fosse só um romance de Natal. Ainda assim, foi um ótimo (feliz) Natal!

Fim



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