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#013 Temporada

Heavy
Linkin Park ft Kiiara



O Peso de Uma Vida

Escrita por Pams

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  Compressão.
  Falta de ar.
  Choro e grito.
  O começo de uma vida não é nada bonito, muito menos interessante. Um criança sai do meio das pernas de uma mulher, um ser. Esse ser não sabe o que está acontecendo, não sabe o que vai acontecer. Essa nova realidade vai lhe trazer conforto e felicidade?
  Será que bebês pensam? Existe um antes? Um tempo onde nós podemos escolher como vai ser nossa vida? Será que eu aceitei tudo isso antes de ser gerada, toda essa bagunça?
  A filha mais nova entre cinco irmãos. Três mulheres e um homem, vários desentendimentos. Lá estava eu, a filha não planejada, "a benção divina" que uniu os pais em uma situação crítica. O complexo da relação, o peso da família, era assim que me via todos os dias no espelho. Todos os dias planejando acordar cedo na esperança que o outro dia fosse melhor que o anterior mas a verdade dormia no quarto ao lado, nunca seria um dia melhor, então eu voltava a dormir sem vontade de abrir os olhos novamente. Era quando ele voltava, bêbado, descontrolado, enciumado, arrogante. Eu ouvia os gritos, o vidro estilhaçando, o choro. Então eu ouvia o tapa. Eu deseja que tudo acabasse mas eu era covarde pra fazer alguma coisa. Eu poderia ter feito mais. Eu era só uma criança

  Olho em volta, fumaça e caos.
  Olhos atentos nos celulares. O mundo virtual tomando conta da realidade.
  
  Eu não vejo algo que possa me trazer para superfície, então afundo cada vez mais no abismo que criei. Eu não quero escapar, está confortável. Daqui eu posso ter uma boa noção do que está acontecendo, posso me analisar em silêncio. Desorganizar a ordem dos meus sentimentos.
  
  1 - Eu não me lembro de estar completamente feliz com a minha vida antes.
  2 - Eu não estou feliz com a minha vida agora.
  
  Eles perguntam se estou bem mas eles não querem ouvir que estou mal então sorrio e digo que sim.
  - Estou bem, na verdade estou ótima.
  - Sério? Que bom.
  - Estou na minha melhor fase, sabe. Meu cabelo está todo bonito, eu emagreci uns quilos.
  - Eu percebi.
  A realidade é que meu cabelo está pela metade, está caindo tanto que as vezes chego a pensar que sou calva. Eu emagreci, é verdade. Estou tão magra que pareço um corpo morto no caixão. Eu odeio isso. Eu odeio tudo, dos meus cabelos cheios de química às minhas unhas do pé por fazer. A vida é uma droga.
  Eu acordo todos os dias exatamente às 10 da manhã, tenho uma rotina de merda programada que inclui café da manhã, banho, almoço, trabalho, casa, janta, banho e sono. Sem TV, sem happy hour na sexta, sem amigos pra receber, sem amigos pra visitar. As vezes no domingo sou obrigada a comparecer nas reuniões de família, rever as pessoas que vivem falando pelas minhas costas, sussurrando e dispersando veneno. Malditas cobras.
  Checo as horas no celular pela quinta vez seguida. 22:45. Não há mensagens novas. Levanto do sofá e sigo para o banheiro, abro a torneira e molho o rosto com a água fria, aprecio por poucos segundos o frescor que isso me traz, até consegue me enganar por um tempo mas não me dou mais o luxo de pensar que posso sentir algo positivo. Meus 20 e poucos anos me trouxeram mais tristezas do que posso contar. O barulho da água escorrendo pelo ralo ocupou meus ouvidos enquanto eu encarava a mulher horrível no espelho.
  - Feliz aniversário Lucy! - disse a imagem refletida - Por que você não sai da merda da sua casa e vai comemorar com os seus amigos? - um momento de silêncio absoluto - Ah é! Quase me esqueci que você não tem amigos - um riso amargo e anasalado - Deve ser horrível ser a vadia que ninguém gosta, a loba solitária que não tem sequer amor próprio. Que não faz nada por conta própria. Uma desperdício de vida e tempo.
  Apaguei as luzes do banheiro e tentei tirar a imagem do reflexo da minha cabeça, talvez para negar a minha própria realidade ou abafar a voz que dizia aquelas coisas. Saí dali e vesti um casaco, eu precisava de algo para beber. Chequei a geladeira vazia só para ter a certeza de que não havia feito compras aquela semana. Minha cabeça estava latejando. Levei a mão no bolso e peguei o vidro de comprimidos. Um pra aliviar a dor. Dois para ter certeza de que ela irá embora. Andei até o armário, tirei a garrafa de vodca pela metade e um maço de cigarros. Você precisa mesmo beber? Meus pés se moveram quase que automaticamente pela sala como se respondessem: Sim, você precisa.
  Sentei no sofá olhando as luzes da janela, o som alto do pub na esquina de baixo invadia a sala trazendo uma música irritante no ar. Um gole demorado.
  Que bosta de aniversário Lucy. Você poderia ter respondido as mensagens da sua mãe, ela está preocupada com você. Mas é melhor assim, logo ela se acostuma sem você, provavelmente ela deve estar mais feliz. Além do mais, você não vai voltar à casa dos seus tios, não é mesmo? Não com ele morando lá. Você jurou acabar com tudo mas você é muito covarde, não fez nada.
  Meu coração acelerava, eu quase conseguia sentir uma presença ao meu lado, me fazendo companhia, me tocando e sentindo um medo que, sem eu querer, deixava transparecer. Uma lembrança vazia me tocava como a morte, dedos gélidos e finos, unhas que arranhavam a carne. Eu não consegui me mover por um tempo indeterminado, era como se a gravidade me puxasse cada vez mais forte. Só voltei a realidade quando senti gotas pesadas caindo no meu colo, meu coração continuava acelerado. Mais um gole demorado, uma tragada forte para abafar os soluços. Em questão de segundos eu não conseguia respirar, meu corpo todo tremia e minha mente se apagou como um breu.
  Abri meus olhos e não consegui ver nada. As luzes estavam todas apagadas, tentar mover qualquer parte do meu corpo era mais difícil do que o normal. Quando me levantei, levei a mão para tentar apalpar alguma coisa. Minha cabeça continuava latejando. Segui a passos cegos em qualquer direção e tropecei em algo grande no chão, não me abaixei para ver o que era. Mudei de direção e segui por mais alguns passos até minha cabeça se chocar com uma porta. Girei a maçaneta e a poeta se abriu revelando um corredor mal iluminado e mal cheiroso, eu estava fora de casa. Já não sabia mais se minha cabeça doía por causa da pancada ou se já estava doendo antes, olhei para baixo e percebi meu casaco ensopado de suor. Com dificuldade, ergui meus braços e amarrei meus cabelos embaraçados. Andei pelo corredor abafado até a porta de entrada do prédio e saí.
  A rua estava barulhenta, o som alto da boate, buzinas e sirenes. Percebi que minha garganta estava seca e olhei em volta procurando alguma coisa aberta pra que eu pudesse comprar o que beber, o som da boate aumentava em meus ouvidos e eu decidi seguir para lá. Não costumo sair a noite, pra falar a verdade não costumo sair nunca, em nenhum horário. Essa coisa de respirar novos ares não é lá muito a minha praia. No meio do quarteirão foi quando eu senti que estava sendo seguida. Garota estúpida. Minha respiração voltou a se descontrolar e senti minhas mãos suarem. Olhei para trás e vi um vulto alto e largo andando devagar, espreitando, a rápida olhada não me deu certeza se era apenas uma ou duas pessoas. Não queria parecer paranoica mas eu tinha certeza de que estavam atrás de mim, eles queriam me pegar.
  Apressei o passo e quase cheguei correndo no pub e que estava cheio em plena quarta feira. Algumas pessoas passaram por mim me empurrando enquanto eu andava dispersa. Eu precisava beber. Continuei meu caminho até a entrada, o balcão de bebidas a esquerda estava vazio enquanto as pessoas dançavam na pista. O barman me dirigiu um sorriso simpático ao qual eu não retribui.
  - Um dose de tequila por favor.
  De canto de olho percebi alguns homens me encarando e abaixei a cabeça. Ajeitei a calça e o casaco, não queria nada exposto. Lembre-se do que seu pai lhe disse uma vez, não há salvação para uma mulher que só usa roupas curtas a noite. Tentei focar na bebida que tinha acabado de ser posta em minha frente mas minha mente vagou naqueles caras me encarando. Segurei uma mão na outra tentando fazer com que parassem de tremer, as pernas se agitavam nervosa e eu sentia que estava suando por dentro da roupa. Você sabe porque eles estão olhando pra você, o que eles são capazes de fazer. Pare de chamar a atenção deles. Você está pedindo que eles venham até você não é? Soltei uma mão e ela foi direto no copo, virei a bebida de uma vez só e deixei que me queimasse por dentro.
  - Mais uma.
  - Mais uma.
  - Mais uma.
  A bebida tinha sido minha amiga nas noites que minha mente não me deixava em paz, quando a mulher no reflexo do espelho estava decidida a me atormentar. Eu sentia o líquido quente descendo por dentro e pouco a pouco eu me esquecia do que tanto me atormentava, eu desacelerava as coisas. Como eu pude deixar minha mente ficar essa porra de bagunça?
  Quando eu estava quase me acalmando, senti uma mão nas minhas costas e pulei do banco assustada.
  - Foi mal, não queria te assustar.
  Não respondi.
  - Vi você bebendo sozinha. Muito triste uma mulher como você procurando conforto na bebida.
  Eu não sabia o que ela queria. Eu precisava ir embora. Me levantei para pagar minha conta mas ela segurou o meu braço. Meu coração acelerou novamente e minha mente voltou a me perturbar. Eu disse pra você parar de chamar atenção. Ela soltou meu braço quando percebeu minha reação.
  - Desculpe de novo. Eu não... Eu só quero conversar. só isso. Percebi aqueles caras ali no canto quase te comendo com os olhos. Eu sei do que eles são capazes de fazer.
  Você também sabe.
  - Se você sair sozinha agora, eu vou respeitar sua decisão, é uma escolha sua, se você esperar, eu posso te fazer companhia e talvez te acompanhe até em casa.
  Olhei bem nos olhos delas, me atentei às suas roupas. Ela parecia familiar, familiar até demais. Você vai confiar nela?
  - Se você me segurar desse jeito de novo eu quebro seu braço.
  Você não parece muito forte.
  - Eu não vou me esquecer disso.
  O sorriso dela era bonito e pelas roupas qualquer um poderia facilmente julgar seu caráter mas eu não o faria. Aprendi sozinha a não julgar uma pessoa pelo rosto bonito ou pelas roupas que veste. Me sentei no banco outra vez e ajeitei meu casaco.
  - Mais uma.
  O barman saiu para preparar a minha dose enquanto a estranha ao meu lado me encarava por um longo tempo. Eu tomei a dose quase que instantaneamente e virei meu olhar para ela.
  - O que você quer?
  - Saber quem é você.
  - Pra quê?
  - Como eu disse antes, eu queria saber o que levou uma mulher como você a beber sozinha num lugar como esse.
  - A vida.
  - É uma boa resposta. Mas muito vaga.
  - Problemas.
  - Que tipo de problemas?
  - Quem é você afinal? - perguntei virando meu corpo na direção dela e voltando para minha posição no mesmo instante.
  - Alguém que você não reconhece, talvez.
  - E você trabalha entrevistando as pessoas em bares? Pra saber se a vida delas é tão miserável quanto a sua?
  Tão gentil quanto uma patada de égua.
  Ela se ajeitou no banco não parecendo ofendida.
  - Talvez.
  - Que trabalho horrível.
  - Ouço muito isso.
  Não pude deixar de sorrir mas talvez seja a bebida fazendo efeito. Ela continuava me encarando.
  - Não usa aliança. Não é comprometida. Então não bebe para afogar as traições do marido.
  - Ora, ora, temos um Sherlock Holmes por aqui.
  - Você usa o sarcasmo para se defender. Típico. Talvez problemas de infância?
  Aquilo estava começando se tornar irritante.
  - Mais uma.
  - Não quer falar, tudo bem.
  - Porque você tanta certeza de que eu lhe contaria a minha vida? Quem dirá os meus problemas?
  - Porque eu sou uma estranha. É mais fácil assim.
  - Não segui seu raciocínio.
  - Eu não sei nada sobre você ainda então não vou ficar contando mentiras pra te agradar ou dizer que vai ficar tudo bem ou te ligar amanhã fingindo que estou preocupada. No final da noite eu vou sair por aquela porta e posso nunca mais te ver de novo.
  Voltei minha atenção ao copo na minha frente. Virei tudo de uma vez enquanto a garota me olhava atenta. Ela esperava uma resposta, qualquer que fosse. Eu pensei sobre o que ela disse por mais tempo que tinha imaginado e cheguei a conclusão que não fazia sentido algum. Conversar sobre meus problemas com uma estranha que só iria jogar mais verdades na minha cara como se eu já não lidasse com muitas o suficiente. Como se elas não estivessem empilhadas na minha mente sendo carregadas um lado para outro.
  - Passo.
  Ela não disse nada e também não saiu dali, ficou lá sentada bebendo o resto da cerveja que tinha trago consigo. Eu não sentia mais vontade de beber, queria ir embora mas tinha de esperar aqueles homens irem primeiro. Estavam no canto a espreita. Ajeitei o meu casaco outra vez.
  - Babacas.
  - O que disse? - minha voz se perdeu na música alta.
  - Aqueles caras ali do canto - disse apontado para eles - Um bando de babacas. - seu olhar queimava como se ela já os tivesse visto alguma vez e os odiasse há bastante tempo. - São todos iguais.
  O olhar dela se voltou para mim e parou por um tempo, até que voltou a se concentrar na bebida. Tinha uma razão para ela ter dito aquilo. Talvez soubesse um pouco sobre mim, mesmo que eu não tenha dito. Isso me deixou assustada, exposta, ao mesmo tempo que, pela primeira vez, me senti confortável ali. Eu poderia ouvir a voz na minha cabeça que me dizia para ficar calada, beber e ir embora, mas não o fiz.
  - Eu vou esperar eles irem embora.
  - Isso pode demorar.
  - Eu sei.
  Ela me olhou e sorriu, como se a jovem cheio de ódio e repúdio de segundos atrás tivesse ido embora.
  - Lucy. Meu nome é Lucy.
  - É um prazer te conhecer, Lucy - sorri em resposta.
  Ficamos um tempo sem dizer nada uma para a outra, ela bebendo e eu tentando me sentir confortável ali.
  - Você não é de balada não é?
  - Prefiro beber sozinha em casa.
  - Eu também.
  - E veio fazer o que aqui?
  - Estou me fazendo essa pergunta desde que cheguei. E você?
  - Acabou meu estoque.
  - Entendo. Odeio música alta, odeio conversa alta, odeio pessoas bêbadas.
  Olhei para a garrafa de cerveja na mão dela. Ela não era não parecia ser tão estranha mais.
  - Eu também.
  Em algum momento da minha vida eu acabei me tornando algo que odiei em boa parte da minha vida e o sentimento de saber isso era horrível.
  - Problemas em casa?
  Território perigoso para um conversa.
  - Sim.
  - Pai ou mãe?
  Ela é uma desconhecida, porque você diria algo pra ela? Você está bêbada, saia dai antes que seja tarde demais.
  - Pai. Você?
  Tarde demais.
  - Também. Eles te pegaram também?
  - O quê? Como assim?
  Ele fez uma pausa e logo depois me deu um olhar frio.
  - Eles pegaram alguém que eu conhecia quando era mais nova, ela tinha 12 anos. Eles eram seis. Ela quase não sobreviveu.
  Levou um tempo para eu entender o que ela estava dizendo, olhei de soslaio para os caras ao lado e me abaixei no banco. Aquela história era um tanto familiar.
  - Prefiro não falar sobre isso.
  - Mas você arrasta isso com você, não é? Eles dizem que é só deixar de lado, que a vida vai continuar, que você vai ser feliz. Não é verdade.
  - Não é como se eu escolhesse, eu quero deixar pra lá, mas não sei como.
  - E isso te enlouquece.
  - É...
  - Não somos tão diferente, sabe. Você e eu. Talvez sejamos parecidas até demais.
  - Como você saberia disso?
  Ela não respondeu.
  - Me diga, você largou a faculdade?
  Uma pergunta estranha a se fazer, não acha?
  - Sim.
  - O que você fazia?
  - Minha mãe insistia pra que eu me formasse em direito, quando disse pra ela que eu queria artes ela não se agradou nem um pouco, mas disse que tudo bem. Eu vi que ela decepcionada comigo. Eu fiz artes durante um ano e larguei, ela disse que não iria pagar mais faculdade para mim. Me mudei de casa e comecei a fazer Letras em uma faculdade pública mas não consegui me encontrar ali.
  - Sua mãe ainda fala com você?
  - Sim, mas não é a mesma coisa. Eu sei que ela só fala comigo porque é minha mãe, mas ela não sente tanto prazer em me chamar de filha. Eu a decepcionei vezes demais.
  - Isso não é verdade.
  - Você não sabe disso.
  - Acredite, eu sei. Eu pensava a mesma coisa.
  Ficamos por mais um tempo em silêncio até que ela se virou pra mim, tirou uma folha dobrada do bolso e me estendeu a mão.
  - Eu conheci alguém, ela era muito talentosa, tinha sonhos e desejos mas a vida foi muito injusta com ela - ela parou e vi que seus olhos estavam molhados - ela tentou lutar mas não encontrava mais forças até que um dia ela deu a volta por cima, ela é feliz. Ela conseguiu.
  Ela me entregou o papel e continuou falando enquanto eu o desdobrava.
  - A vida lhe encheu de obstáculos, até a sua mente a encurralava em desafios mentais, provocando-a e insultando-a. Ela sentia medo o tempo todo, ela carregava um peso que não conseguia suportar, um peso desnecessário, ela não confiava em si mesma sentia conforto no pânico que carregava, a achava que era tudo sobre ela, por causa dela. Até que um dia ela não sentia mais nada, um vazio. Foi quando ela escutou o próprio coração. Ela se libertou.
  Eu abri o papel. A letra familiar e as palavras conhecidas me assustaram. Eu havia escrito aquilo, era meu bilhete, era meu poema. Onde ela havia conseguido?
  - Você precisa voltar, Lucy.
  - Quem é você? - perguntei com os olhos vidrados no papel.
  - Você não me conhece?
  Voltei meus olhos para o seu rosto, tentando achar traços parecidos, conhecidos.
  - Eu sou você, Lucy.
  Estreitei meus olhos, minha respiração aumentava. Aquilo era impossível. Olhei para os seus cabelos escuros que muito se pareciam com os meus, mas a pele estava diferente, mais jovem, os olhos não pareciam tão cansados, ela não era tão magra.
  - Eu sou você. Quando tudo isso passar nos encontraremos novamente, mais perto da próxima vez.
  - O que está dizendo é loucura. Eu só posso estar muito louca. O que tinha nessa bebida?
  Peguei o copo e comecei a cheirar, procurando qualquer coisa fora do normal, algo que provasse que eu não estava criando coisas na linha cabeça, que aquilo era um truque da bebida.
  - Não é loucura. Você passou tanto tempo se odiando no espelho que isso mudou a forma como você se vê. Você é linda. Olhe para mim.
  Ela ergueu meu pescoço e chegou seu rosto próximo ao meu, os olhos tão nítidos que eu conseguia ver através deles. Carregávamos a mesma dor, o mesmo passado, a mesma trajetória, porém ela não era tão infeliz, não era tão solitária.
  - Como...?
  - Eu aprendi a deixar o passado no passado. Não foi fácil... não vai ser fácil mas você precisa tentar.
  Meu olhos embaçados e meu coração apertado respondiam por si.
  - Eu não consigo - respondi aos prantos - Não consigo.
  - Sim, você consegue. Você não é a causa de tanto sofrimento no mundo, você é apenas mais uma vítima. Você tem que entender isso. Não deixe essa voz na sua cabeça falar por você, tome as rédeas da sua vida. Seja feliz novamente.
  - Eu nunca estive feliz.
  - Sim você já foi feliz, lembre das pequenas coisas, se agarre a elas, não as deixe escapar.
  Minha mente estava vazia como se meu corpo todo fosse oco e escuro.
  - Eu não consigo.
  Ela abaixou a cabeça e eu vi lágrimas escorrerem de seus olhos, ela apertou uma mão contra a minha e um soluço cortou o ar.
  - Tudo bem também. Eu entendo. Você precisa tomar essa decisão sozinha. Eu vou estar aqui se você mudar de ideia.
  Eu não compreendi o porquê de ela ter me dito aquelas coisas. Uma porta se abriu e uma vontade muito grande de sair dali me apossou, notei que estávamos só nós duas no pub, a porta escancarada e um silêncio mortal. Ela soltou minha mão e me deixou levantar enquanto chorava, meus olhos já estavam secos, minha cabeça não doía mais, segui meu caminho até a porta. Quando olhei para trás a moça sorriu.
  - Adeus Lucy. Foi bom ver você.
  Passei pela porta e senti um baque forte.
  Eu estava deitada no chão da sala olhando para o ventilador no teto, minha garganta fechada, meu corpo tentando resistir a algo mais forte que o normal, eu não conseguia respirar. De repente a dor de cabeça voltou forte e mais forte, minha mão se agarrou a um pedaço de papel no chão e eu o apertei com toda a força que consegui, até a dor de cabeça sumir, até meu corpo parar de tremer, até a escuridão dominar minha visão.

  Nota da autora: Se você está passando por uma situação parecida, procure ajuda, converse com seus familiares, com seus amigos. Depressão e ansiedade são doenças que precisam SIM serem tratadas e quanto antes melhor. Você é incrível, você merece muito mais, você merece o mundo e todos os seus sonhos. Não desista deles. Não desista de você. Eu estou aqui se você quiser conversar. Eu amo você.

Minha vida é tão patética
Eu queria poder morrer
Nada tem sentido
Estou sentindo o álcool nas veias
Por semanas
Não me sinto eu mesma
Não, não mais
Eu sou alguém
Outro alguém
Alguém pior, talvez
Eu não consigo melhorar
Não há nada que me pare
Quero que isso acabe
Eu vou sentir falta
Falta do toque humano
Falta do amor materno
Falta do carinho
Falta de viver
Mas a vida é curta
E eu quero encurtar a minha
Isso é possível?
Preciso de um ticket
Uma passagem que me leve ao trem do fim
Uma só de ida, por favor.
Eu não quero voltar
Não nessa
Quem sabe na próxima?
Eu consigo sentir
Está desmoronando
As peças caem em cinzas
O abismo se abriu há muito tempo
Sinto que estou no fundo desde sempre
No conflito entre almas perdidas
Na batalha pela verdade
Pela destruição total
Em massa
Preciso sair
Preciso partir
É hora de dizer adeus
Adeus
Adeus
ADEUS
Será que me escutaram?
Será que se importam?
Está doendo
Está apodrecendo
Quero que isso acabe
A vida é uma merda
É tudo mentira
Você espera que melhore
Porque eles dizem que vai melhorar
Mas eles sabem que não vai
E te dão a porra de uma mentira
E é isso
Me sufoco em mentira
Me sufoco nesse mundo tóxico
De pessoas tóxicas
Dizendo coisas tóxicas uns aos outros
Exibindo seus carros de luxo
Poluindo o mundo com seus sorrisos falsos
Suas palavras doces
É doentio
É deprimente
Eles parecem cegos
Eles estão cegos pra realidade
Ou estão loucos
Veneram toda essa loucura
É como aquele filme
Em que todos usam venda
Eu uso uma
Mas ela não me cega
E não me deixa mais útil
Ou mais feliz
Ela me deixa burro
E a voz incessante do sussurro
Queima meus ouvidos
Eu quero sair
Eu quero sair
Eu preciso sair
Eu preciso
Eu vou sair
Mas quando?
Quando?
Família poderia ser o laço
Mas ela não faz sentido
Uma coisa em meio as outras
Gritaria e palavrões
Quase uma pancadaria mental
E ainda perguntam o por quê
De tanto problemas
De eu ser um problema
Eu sou uma problema
Não quero ficar
Me leve de uma vez
Me tome pelo braço
Arranque se for preciso
Ninguém nunca está errado
O outro sempre está errado
A culpa é toda sua
Eles dizem
Eu disse,
Cegos.

- Por Lucy.

FIM