Ontem

Escrito por Júlia Souza | Revisado por Natashia Kitamura

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Yesterday
(Ontem)

  - Kaio! – chamei meu filho, que corria desembestado pelo corredor de cereais do supermercado – Volta aqui, menino!
  - O que foi, papai? – como em um passe de mágica, ele já estava novamente perto de mim, carregando uma caixa de algum cereal de chocolate por entre as pequeninas mãos.
  - Onde foi que você pegou isso? – dei uma risada fraca, enquanto tomava a caixa de si.

All my troubles seemed so far away
(Todos os meus problemas pareciam tão distantes)

  - Leva para mim? – seus olhinhos azuis brilharam e eu assenti. – Oba!
  - Mas fique quieto para conseguirmos achar sua mãe e sua irm-
  - ? – uma voz doce e suave interrompeu a minha fala.

Now it looks as though they're here to stay
(Agora parece que eles vieram para ficar)

  Essa voz... Só poderia ser ela. Mas, NÃO poderia ser ela. Estanquei no mesmo lugar, com meus olhos arregalados e a caixa de cereal escapando por entre meus dedos. Se eu não tivesse apertando-a, tenho certeza de que cairia no chão.
   não poderia estar ali. Ela não poderia ter vindo, depois de tantos anos não era possível que ela estivesse ali.
  - Papai – senti Kaio puxar o tecido da minha calça – A moça falou com você!
  - Hã? – olhei atordoado para ele e depois me virei em direção à voz de quem me chamava.
  Sim, lá estava ela: Linda, com um vestido cor-de-rosa preso um pouco abaixo do busto e solto em todo o resto de seu comprimento. As botas marrons cano alto de couro combinavam com seu casaco da mesma cor, dando-a uma aparência fofa. Os cabelos longos estavam presos em uma trança lateral e os olhos verdes que brilhavam intensamente.

Suddently
(De repente)

   . O amor da minha vida. A minha primeira e última namorada. Aquela que me fez rir e chorar ao mesmo tempo. Aquela que sempre fez – e aparentemente ainda faz – meu coração bater freneticamente. E aquela que me abandonou por um motivo pelo qual eu não sei.
  - ? – ela me chamou novamente, dando um passo adiante.
  - O-Oi – instintivamente, dei um passo para trás.

I'm not half the man I used to be
(Eu não sou metade do homem que costumava ser)

  Ela causava esses efeitos em mim. Eu sempre ficava tão atordoado, tão desligado... Seu cheiro e seu jeito me entorpeciam e eu me transformava em outra pessoa. Outro homem. Um homem inseguro e burro.
  - Você está bem? – ela me olhou com aqueles olhos verdes de preocupação, dando outro passo adiante.
  - S-Sim – recuei novamente, batendo com as costas na prateleira.
  - Você se lembra de mim? – ela perguntou, com um sorriso divertido – Sou eu, .
  - S-Sim – respondi, tentando desesperadamente me recompor diante dela – Claro que eu me lembro de você, .
  - Que bom – sua expressão era de alívio – Nossa, ! Faz muito tempo que não nos vemos!
  - Pois é, né... – cocei a nuca, olhando para Kaio, arrumando um pretexto para desviar meus olhos dos seus.
  - E quem é esse? – ela se inclinou em direção à Kaio, que se escondia atrás de mim, olhando-a com curiosidade? – Seu filho?
  - Sim.
  Eu esperava outra reação. Esperava que ela me olhasse com os olhos tristes e ainda demonstrasse que me amava. Esperava que, sei lá, ela pudesse até mesmo chorar.
  Realmente não sei por que pensava essas coisas. Acho que para aumentar meu ego e fazer minha mente esquecer de que foi ela que me deixou, por um motivo que nem mesmo eu sei qual.

There's a shadow hanging over me
(Têm uma sombra pairando sobre mim)

  Mas não fora nada disso que eu vi. Ela simplesmente estava normal, sorrindo como sempre e olhando amigavelmente para o meu filho.
  - Oi menino – ela estendeu docemente a mão para Kaio, que a segurou timidamente – Qual é o seu nome?
  - Kaio – ele respondeu.
  - Você é muito bonito, sabia, Kaio? – ela sorriu.
  - O-Obrigada moça – ele sorriu de volta – Você conhece o meu pai?
  - Ah, sim – ela assentiu, olhando para mim com uma expressão que eu não consegui decifrar – Eu sou... Uma velha amiga dele.
  Meu coração falhou uma batida. Eu posso explicar melhor a história: Quando mais novo, eu era um exemplo maravilhoso de jovem irresponsável. Pegava todas e não queria saber das consequências, até que eu conheci . Tímida, inteligente e muito bonita. Me apaixonei em um piscar de olhos e, por mais peculiar que fosse para mim, eu a pedi em namoro.

Why she had to go I don’t know
(Por que ela teve que ir, eu não sei) She wouldn’t say
(Ela não diria)

  Depois de quase quatro anos namorando, ela simplesmente me ligou e falou que queria terminar comigo. É óbvio que eu não aceitei, ela me fazia bem demais para simplesmente ir embora.
  Não lembro de um dia na minha vida em que eu tenha corrido tanto quanto aquele. Eu fui desembestado até a sua casa, porém seus pais, com uma raiva incalculável, me disseram que ela havia viajado para os Estados Unidos para estudar e não queria que eu fosse atrás dela.
  Esta raiva estampada na cara dos pais de foi a única evidência que eu tive de que a culpa de ela ter ido embora era minha. Porém eu não sabia o que eu havia feito.

I said something wrong now I long
(Eu disse algo errado e agora espero)
For yesterday
(Pelo ontem)

  E depois disso eu nunca mais a vi. Juro que procurei. Ignorei a ordem dos pais dela e a procurei como um condenado, porém, nada. Depois de algum tempo, finalmente eu segui em frente e a esqueci por um tempo. Assumi o controle da empresa da família, casei com a filha de um empresário para selar o acordo entre duas empresas e tive dois filhos: Kaio e Sophia.
  Foi uma ótima distração, durante esse tempo ela vinha em minha mente apenas de vez em quando e assim eu fui vivendo.

Love was such an easy game to play
(Amor era um jogo fácil de se jogar)

  - E-E o que você faz aqui em Londres, ? – perguntei, saindo de meus devaneios.
  - Ah – ela olhou para mim – Eu terminei meus estudos nos Estados Unidos e arrumei um emprego por lá. Fui transferida esse ano.
  - Ah – falei um pouco estático – Você voltou...
  - Pois é... – e um silêncio constrangedor prevaleceu.
  Eu não sei como ela conseguia agir daquele jeito, como se nada tivesse acontecido. sempre fora uma garota emotiva demais, desde que me lembro, ela sempre se deixava levar pelas emoções. Mas agora ela apenas agia como se nada tivesse acontecido.

Now I need a place to hide away
(Aora eu preciso de um lugar para me esconder)

  - E, como vai a sua vida? – ela quebrou o silêncio – Se casou? Teve filhos?...
  - Sim – respondi secamente – Tenho dois filhos, o Kaio e uma princesa chamada Sophia.
  - Ah – ela mordeu levemente o lábio inferior – Que... Que bom que está bem de vida, . Têm muita sorte de ter uma famí-
  - ? – outra voz a cortou. Porém essa já era bem mais conhecida por mim.
  - Ah – me virei para ela, vendo Kaio correr até os braços da mãe – Oi Ashley.
  - O-Oi – ela olhava para mim e para , como se quisesse uma explicação.
  - Ah... Ashley, essa é , uma... – olhei nervoso para , que me olhava com um mínimo sorriso de canto - ... Uma velha amiga minha.
  - Olá – a voz doce de irrompeu no ar, chamando a atenção de Ashley para si.
  - , essa é Ashley, minha esposa – terminei, um pouco desnorteado.
  Que irônico. A mulher que eu não tinha certeza de que ainda amava e a mulher que construiu uma vida estável comigo se encontrando. Eu nunca que imaginei que isso poderia acontecer.
  Nem em meus devaneios mais velhos ou mais novos, em que a minha voltava para mim.
  - Prazer em conhecê-la, – Ashley se aproximou (com Sophie no colo) e estendeu sua mão.
  - Igualmente – a morena a apertou – E essa princesa é a filha de vocês?
  - Sim – a loira ajeitou a minha filha nos braços – Bom, , eu vou ir lá para o caixa...
  - Sim – assenti, depois olhei um pouco nervoso para – Você quer ajuda?
  - Não precisa – respondeu seca – A gente se encontra no carro.
  - Ok – respondi, vendo-a sair com Kaio e Sophie.
  - Parece que ela não gostou muito de mim – respondeu um pouco risonha.
  - Er... – cocei a nuca, um pouco sem graça.
  - – ela se aproximou de mim – Eu... Eu queria te pedir desculpas...
  Meu coração parou. Olhei atônito para ela, que agora estava a menos de um metro de mim.
  - Desculpe por... – ela mordeu o lábio inferior novamente.
  E eu me perdi. Nunca na minha vida eu neguei para mim mesmo que havia deixado de amá-la, porém, não imaginaria que quando me encontrasse com ela teria tão pouco autocontrole sobre os meus desejos.
  EU ERA UM HOMEM CASADO! Com filhos e uma vida estável. Não deveria ficar por aí... Sentindo coisas por outras pessoas!
  - Eu não... Eu não deveria ter... – senti o peso nas suas palavras.
  Ao ver seus olhos brilhando, com pequenas lágrimas teimando em sair, não me segurei e segurei seu rosto entre minhas mãos, obrigando-a a olhar para mim.
  - Não fala nada, ok? – apertei seu rosto, tentando conter a minha vontade de abraça-la.
  Eu não sei o porquê dessa mudança repentina. Uma hora ela estava bem e a outra simplesmente chorando, mas... Foi tão mais forte do que eu, que não me segurei e simplesmente a beijei.
  Pela primeira vez desde que foi embora, não me importei com as consequências do que eu iria fazer. Simplesmente agi sem pensar em nada, apenas com seus lábios e nosso passado na cabeça. Apenas seus lábios e o nosso ontem.
  Sem me importar com o que aconteceria depois.

Oh, I believe in yesterday
(Oh, eu acredito no ontem)



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