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#010 Temporada

A 1000 Times
Hamilton Leithauser + Rostam




O Momento Certo

Escrita por Nicole Manjiro

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  O som do elevador me tirou dos devaneios. O trabalho não havia sido fácil.
  Cinco acidentes em uma só noite. Apesar de não ser incomum, a quantidade, ainda assim, parecia exorbitante. Dois óbitos. Um viúvo. Duas crianças órfãs de pai. Um estudante da NYU em coma.
  Solto o que deveria ser uma reclamação de dor, mas que eventualmente se tornou em um resmungo. O senhor ao meu lado me olha, inicialmente incomodado pelo som desagradável, mas ao analisar meu uniforme, tem sua expressão logo suavizada.
  - Dia difícil?
  - Noite difícil. – respondi.
  - Ah, você é o inquilino do 1202. – o senhor mostrou mais atenção, voltando seu corpo em minha direção, enquanto se despedia brevemente da moça que nos acompanhava e desceu no quarto andar. – Você sabe dizer se eu sofrer um ataque do coração, ao invés de ligar para a emergência, posso contatar você direto?
  - Não poderei fazer mais do que qualquer cidadão. – dei-lhe minha resposta automática. Não era a primeira, muito menos a segunda vez que um vizinho me fazia essa pergunta. – Mas farei mais do que uma pessoa sem a noção nenhuma de como socorrer alguém.
  Ele soltou uma pequena risada e deu um gole em seu café que, a propósito, estava bem cheiroso.
  - Protocolos?
  - Protocolos. – respondi, grato por ele ter entendido sem eu precisar explicar das regras que os paramédicos devem enfrentar quando não estão em serviço. Algumas pessoas, principalmente as teimosas, tendem a nos enxergar somente na ação, o que significa que se estivermos na praia, terei meu uniforme e todas as ferramentas e aparelhagens necessárias para, por exemplo, lidar com uma perna ou braço quebrado ou algo pior, como objetos fincados em lugares estratégicos do paciente. – Espero não precisar prestar meus serviços. – mesmo exausto, preparo um pequeno sorriso e me despeço do senhor, que deu uma risada e bebeu mais um gole de seu café.
  Senti o cheiro de pão assado assim que a porta do elevador abriu. Como de costume, desejei que o aroma viesse do lado direito do corredor, o lado do meu apartamento. Dificilmente acontecia.
  Mas não dessa vez.
  - Você chegou na hora certa! – fui recebido com um sorriso carinhoso.
  Ela parecia a típica esposa do interior. Um vestido floral leve, um avental vermelho, os cabelos presos em um rabo baixo e as mãos cobertas por luvas térmicas, segurando uma travessa de pão recém saído do forno. Os lábios estavam curvados em um sorriso e eram tão carnudos, que um breve pensamento passou pela minha cabeça: eu preferia saboreá-los, ao invés do pão.
  - Testei uma receita nova. – ela disse, parecendo satisfeita com seu trabalho. – Você precisa experimentar agora que está quente.
  - É pra já. – sentei na mesa, onde ela já fatiava um pedaço vigoroso do pão e passava uma camada leve de manteiga. Apesar do meu cansaço, parecia mais vantajoso vê-la feliz em me ter como cobaia, do que sair para um banho quente.
  As lembranças da noite logo esvaíram.
  Não me recordo quantas pessoas se machucaram ou faleceram. Não me lembro de suas expressões tristes ou daqueles que, por uma batida leve, teve de atrasar toda uma viagem.
  Trabalhar para a empresa de uma grande e sempre cheia rodovia não era sempre bom. Os motoristas tendem a ser mais irresponsáveis nas estradas do que dentro da cidade, apesar de não haver pedestres circulando. Na época atual, as famílias se deslocam para passar o feriado do natal com parentes; pisam mais no acelerador e se esquecem do chão escorregadio pela neve ou chuva. É uma época difícil para a minha equipe. Na baixa temporada, trabalhamos somente em grupos de quatro ou cinco, mas em datas comemorativas, principalmente as longas, tendemos a ser pelo menos doze. E me refiro somente aos socorristas.
  - Este é definitivamente o meu favorito. – murmuro com a boca cheia. – Tem algo crocante nele.
  - É macadâmia. – ela sorriu. – E você sempre diz que o atual é o seu favorito, mesmo que eu tenha repetido uma receita anterior. – colocou as mãos na cintura, fingindo estar aborrecida por não ajuda-la a melhorar sua receita; entretanto, seu tom de voz mostrava que estava feliz.
  - É porque você é uma cozinheira de mão cheia. – sorrio. – Não é o que seus seguidores dizem?
   nunca conseguiu ser uma chef de cozinha. Com o corpo frágil, não conseguia suportar a pressão e a carga de trabalho de uma cozinha comercial. Desde pequena seu problema com a asma foi um enorme obstáculo. Chegou a fazer vários cursos de culinária, onde foi sempre a melhor aluna da turma, mas nunca pode aceitar os convites dos profissionais, devido à sua questão médica.
  Tudo mudou quando gravei de forma muito pouco profissional no Facebook, cozinhando uma massa recheada. O vídeo foi compartilhado algumas centenas de vezes, o que deu à , a ideia de começar a criar vídeos caseiros de culinária. Em um ano, os vídeos se transformaram em profissionais e nosso pequeno apartamento se tornou um estúdio de gravação. Um estúdio bem confortável, como costumo brincar.
  Foi ótimo para nós dois. deixou de se preocupar em ser uma, de acordo com o que ela falava, parasita, temos mais dinheiro em nossa conta e não precisamos mais ir a restaurantes, já que todos os dias temos pratos na mesa que faria milhares de chefs de cozinha chorarem de raiva.
  - Falando neles, dá para acreditar que meu livro mal lançou e já está praticamente esgotado? Minha editora me ligou no final da tarde ontem perguntando se podemos nos reunir para negociar uma segunda tiragem!
  - Maravilha! – falei de boca cheia, levando um tapa no braço.
  Recentemente, a última novidade de é sua nova carreira no mundo literário. Uma de suas fãs aconteceu de ser a editora de uma casa de publicações famosa, e com o aumento no número de seguidores nas redes sociais e visualizações no YouTube, ela entrou em contato com há cinco meses para fechar um bom negócio. Por isso, nos últimos quatro meses, nosso pequeno estúdio teve uma trégua e foi transferido para um local maior e mais preparado para as fotos dos pratos de . O que resultou em marmitas para mim, mas isso não vem ao caso.
  - Estou grávida. – ela sorriu um sorriso nervoso, mas ao mesmo tempo feliz.
  Parei de mastigar e senti um embrulho no estômago chegar.
  Com ele, as janelas bateram umas contra as outras ao ter o tempo virado para um verdadeiro devaneio. Olhei ao redor, onde tudo tremia e as luzes piscavam. Voltei meu olhar para , que mantinha o ar sonhador em seu rosto sorridente.

  Abri os olhos.
  - Ah... – soltei o ar, meus pulmões em pleno serviço, tentando fazer meu cérebro perceber que havia ar o suficiente para o corpo inteiro voltar ao normal.
  Olhei ao redor, trêmulo pelo sonho. Passei a mão na testa... encharcada.
  Tossi algumas vezes e procurei por alguma alva viva próximo a mim.
  Nada.
  Respirei fundo, tentando deixar o pânico psicológico de lado. Havia sido um pesadelo. Um pesadelo que era, na verdade, meu sonho.
  Me livrei das cobertas que faziam minhas pernas suarem e levantei no escuro mesmo, os olhos acostumados, em direção ao banheiro. Lá, olhei as horas no pequeno relógio apoiado na prateleira abaixo do espelho, que marcava oito e meia da noite. Era hora de me arrumar para o serviço.
  Enquanto escovava os dentes, as cenas que haviam tomado conta da minha mente durante o sono voltavam à tona. O sorriso alegre daquela mulher, meu comportamento atípico, de um homem feliz que, mesmo cansado do trabalho, tem humor para realizar o pedido da namorada ou o que quer que aquela moça fosse.
  Aquela moça. . Não me era estranha. Minha mente não a estranhava, nem mesmo o meu corpo parecia estranhá-la.

  Após terminar de me arrumar com o uniforme do serviço, peguei minha mochila e saí do apartamento. Apesar de ser um horário comum para as ruas estarem lotadas, hoje apenas uma pessoa ou outra se encontrava fora. Talvez pelo tempo ruim. A nevasca havia chego mais cedo neste ano, o que fazia com que as pessoas saíssem menos de suas casas, mas, quando o faziam, davam-me trabalho extra, o que não era um problema.
  Quando estava próximo do prédio onde o transporte da empresa levaria os funcionários para a base de atendimento emergencial na estrada, uma pontada forte me veio à cabeça.
  - Ow, cara, você está bem? – Nilo, um companheiro de equipe, perguntou.
  - Tive um sonho ruim, devo estar um pouco tonto.
  - Que sonho foi esse que te derrubou assim? – ele abriu um leve sorriso. – Quer que eu dê uma olhada?
  - Está tudo bem. – o cortei, quando ele estava prestes a vir para cima de mim com sua mão. – Ah... – fechei os olhos.
  - É melhor você passar com a Jackie antes de ir para o posto. Talvez essa dor de cabeça não ajude sua performance, e Logan disse pela rádio que hoje a noite estava bastante agitada com o trabalho.
  Suspirei, não tendo escolha. Encaminhei a passos lentos até a sala de Jackie, a responsável pelo nosso setor. Ela era uma mãe solteira de seis filhos. Por conta disso e do fato da maioria das crianças ainda serem menores de idade, ela não podia se dar ao “luxo” de receber mais trabalhando nas estradas.
  Jackie me examinou e chegou à conclusão de que eu precisava de um tempo livre para descansar.
  - Você anda fazendo muitas horas extras, esse não é um serviço qualquer. Ficamos agradecidos quando alguém consegue ficar mais, mas sabemos dos limites do corpo humano, às vezes até aqueles médicos que ficam sentados dentro de uma sala o dia inteiro. – e aponta para si mesma, me fazendo rir. – Dê o fora daqui, e antes de sair, entregue isso ao Ren. – e me deu o atestado.
  Sem trabalho para fazer e sem vontade nenhuma de voltar para casa, decidi perder parte do meu tempo livre caminhando. Fazia um tempo que eu não passeava pela ilha e seria bom visitar um lugar cheio como a Times Square.
  Perdido em meus pensamentos, trombei, sem querer, com um homem de terno, aparentando pressa em encontrar sua garota, visto que o buquê de flores agora se encontrava no chão.
  - Me desculpe. – disse, mas ele não me ouviu. Limpei a garganta e o vi olhar confuso para os lados, pegando o buquê e arrumando seu terno após se levantar. – Cara, fui eu quem...
  Ele me atravessou.
  Do tipo, literalmente.
  Seu corpo passou pelo meu e seus olhos nem mesmo me encararam. O ouvi murmurar que estava ficando louco e voltou à sua corrida até o destino final.
  Enquanto isso, permaneci parado, sem saber o que fazer. Até outra pessoa me travessar, não consegui mover meus pés.
  - Mas que diabos! – saí correndo de volta ao trabalho, onde haviam me visto. – Nilo! – exclamei o nome do meu amigo assim que passei por um outro grupo de pessoas que sentiram o calafrio, sem saber a causa exata.
  Nilo já não estava mais com o uniforme de socorrista. Jackie estava ao seu lado com um sorriso sereno no rosto.
  - O que diabos está acontecendo? – quase berrei.
  - Muito pelo contrário, . – Nilo disse, com um leve sorriso. – O que, pelos céus, está acontecendo, isso sim.
  - Céus?
  - – Jackie deu um passo para frente e foi inevitável eu dar um para trás, já que no exato momento um dos socorristas passou por ela. –, olhe ao seu redor.
  Fiz o que pediu, apenas por estar no modo automático e com medo demais de saber a verdade. Assim que olhei para o lado, vi as pessoas vivendo suas vidas no ritmo de sempre; alguns com pressa, outros como turistas. A única coisa que tinham em comum era que nenhum me enxergava ali. Não desviavam de mim, nem pediam desculpas quando se esbarravam em mim sem querer.
  - Ganhei superpoderes? – olhei para minhas mãos e elas não pareciam invisíveis como eu estava para as demais pessoas.
  Jackie e Nilo se entreolharam, parecendo ligeiramente perturbados pela minha conclusão.
  - Não, . – Nilo disse, sereno. – Você morreu.
  Foi então que percebi.
  Geralmente, em um caso desses, seu coração parece bater mais forte ou pular um milésimo de segundo que costuma bater, te causando uma pequena falta de ar que logo é compensada pelos pulmões. Dessa vez, não houve nada disso, pois não senti meu coração bater. Quando levei minha mão ao peito, ele não batia.
  Dei um berro. Talvez dois.
  - E-eu não...
  - É normal não perceber, quando a morte é muito repentina. – Nilo explicou.
  Olhei para os dois confusos.
  - Repentina? Isso não faz sentido! Gente morta sonha? Eu acabei de acordar de um pesadelo que parecia um sonho!
  Jackie soltou uma risadinha carinhosa, dessas que me faria sentir aquecido se eu estivesse vivo.
  - A passagem é um pouco confusa.
  - Quando foi... não me lembro de nada.
  - É um trauma passageiro. – Nilo disse. – Você estava no meio do trabalho. Havia muita chuva, o risco era o mesmo que você sempre soube em dias de tempestade. Um caminhão não os viu.
  - Os?
  - Você, os demais paramédicos e as vítimas.
  - Nós todos morremos? – arregalei meus olhos, olhando ao redor procurando o sinal de alguém.
  - Dois integrantes da equipe estão em coma. Um deles irá sobreviver. O jovem. – Nilo respondeu, olhando em uma direção, como se enxergasse o futuro. Porém, ao nosso redor, o cenário era o mesmo, as ruas de Manhattan recheadas de pessoas. Mais pessoas do que da última vez que eu havia visto.
  - Então meu sonho...
  - Não, ... – Jackie me cortou. – Aquilo era, conforme você disse, um sonho. Sua vida real é exatamente como essa que achou que era agora.
  Voltei a me calar. Por um breve segundo, achei que foi real. Que eu tinha alguém esperando por mim. Uma mulher incrível.
  Limpei minha garganta.
  - É melhor assim. – disse mais para mim mesmo. – Ninguém sentirá a perda.
  - Muitas pessoas sentirão, . – Nilo colocou a mão em meu ombro.
  Decidi não discutir. Havia muito mais em minha cabeça, do que as incógnitas que eu já tinha em vida. Não sabia que existia vida após a morte, se é que isso é viver.
  - Não é. – Jackie respondeu. – É só um processo de aceitação.
  - Sei.
  - Você tem um tempo. – ela continuou. – Ele é determinado por você mesmo. Quando estiver pronto, basta dizer e nós viremos te ajudar.
  - O quê? – arregalei meus olhos. – Não vou pro céu? – olhei para cima e o danado não me parecia muito a fim de me receber, estando nublado e soltando alguns trovões.
  Ouvi a risada dos dois e vi um leve balançar de cabeças.
  - Não se preocupe com seu destino, . – Nilo disse. – Processe toda a informação. Não há pressa.
  Eu quase ri. Se não estivesse tão chocado com tudo, eu riria, tenho certeza.
  Ao invés disso, olhei ao redor, tão perdido quanto há alguns segundos. Meus pés começaram a se mover sem rumo, a cabeça pensando na única informação que era a minha morte.
  Como posso não me lembrar das coisas em vida? Será mesmo um tipo de trauma repentino? Se for, deve passar em alguns dias. Se eu der sorte, em algumas horas.
  Meus pés pararam em frente a uma casa amarela, de um bairro residencial tranquilo. De uma família de boas condições, mas ainda assim humilde. O som do trovão assustou algumas pessoas que passavam caminhando pela calçada. Olhei a casa com curiosidade, por que eu pararia ali?
  Então, como se minha pergunta tivesse sido ouvida, eu ouvi risadas. Em seguida, a chuva parou e o tempo abriu. O bairro também mudou levemente; não estava mais no inverno, ao invés disso, me parecia o outono.
  Os risos vinham de duas crianças que brincavam em cima de suas bicicletas. Equipados com toda proteção que duas crianças devem ter, era inegável a felicidade das duas. Sentei aonde estava e passei a observá-las. Uma coisa que sei sobre o fim de minha vida, era que cenas alegres assim não era frequentes aparecer em minha frente. Um leve sentimento tomou conta do meu corpo, me deixando aquecido.
  Dei uma olhada mais de perto nas crianças, quando elas passavam perto de mim, e minha lembrança surgiu. Era eu. Uma das crianças era eu. Sorridente, despreocupado com o mundo. Eu gargalhava, na companhia da garotinha de olhos .
  Em seguida, estávamos no verão e eu saía de um carro que na época acredito ser moderno, minha altura quatro vezes maior que o garotinho na bicicleta. Em poucos passos, cheguei à porta da casa amarela, dando fortes batidas.
  - Venha, ! – gritei.
  Espere. ?
  Me levantei com o susto, ao ver a garotinha dos olhos aparecer na janela. Seus olhos já não estavam mais alegres. Na verdade, eles estavam bem tristes.
  Caminhei para perto de mim, onde vi minha expressão de dor. Os olhos vermelhos, as bochechas inchadas.
  - Você não pode lutar sozinha, ...
  Eu devia ter dezenove ou vinte anos.
  - Eu falei com meus professores, eles disseram que se puderem ver você, talvez possam ajudar...
  - Vá embora, ! – a menina disse. – Você ouviu o médico. Não tem cura!
  Um aperto onde deveria ser meu coração batendo tomou conta de mim. O tempo voltou a se fechar, e as cortinas da casa amarela estavam agora fechadas. O inverno estava voltando, mas ainda não havia chego. Ainda assim, o frio era de fazer ranger os dentes. O jovem em baixo da neve não parecia se importar.
  Na mão direita, eu segurava um buquê de flores. Lírios amarelos.
  Na esquerda, o celular que marcava a caixa postal de um número discado.
  Engoli seco, observando o jovem eu olhar para o céu com dificuldade, devido aos flocos de neve que caíam mais cedo. Espiei em seu celular, que agora encerrava sozinho a chamada e vi: 10 de novembro.
  E então, tudo voltou à minha memória.
  A maneira como havia ido embora. A doença que seus pais não deram atenção, já que asma era algo que qualquer um poderia ter, e não era tão grave quanto, por exemplo, o câncer que o irmão mais novo dela tinha.
  A minha escolha de fazer medicina, mas não permanecer preso dentro de um hospital ou consultório. A vontade de colocar minha vida em risco todos os dias, para saber como era estar a beira da morte e compreender a mente de quando ela decidiu se afastar de mim.
  As milhares de vezes que sonhei com ela, vidas alternativas de como seria nossa vida se ela ou seus pais tivessem deixado o adolescente entendido de saúde, cuidar da garota que às vezes tinha falta de ar. Em todos os sonhos, eu acordava como se tivessem sido pesadelos.
  Todos os dias 10 de novembro que passei sem ela. Que me sentava em frente ao seu túmulo, no lado norte do cemitério Green-wood, ignorando todas as celebridades enterradas ali, todos os turistas que vinham prestigiá-los, e sonhava acordado com a nossa vida.
  - Eram boas vidas. – ouvi atrás de mim. Olhei para trás e a vi. Exatamente da maneira que era em meus sonhos. – Particularmente, gosto da que virei nutricionista. – abriu um sorriso. – Mas não é tão mal ser uma cozinheira conhecida no país.
  Soltei uma pequena risada e senti a dor em meu peito diminuir.
  - Achei que você encontraria alguém melhor. – ela disse.
  - Se me lembro bem, eu disse que não haveria ninguém melhor que você.
  - Bem, pela primeira vez, você estava certo.
  Rimos, sem graça.
  - Eu queria que você tivesse aproveitado melhor.
  - E eu queria que você estivesse lá.
  - Eu sei.
  Encarei seus olhos .
  - Você esteve o tempo todo comigo?
  - O tempo todo. – ela concordou. – Você foi um amigo bem fiel.
  - Amigo? – ergo uma sobrancelha. – Eu vivi a vida inteira achando que havíamos namorado!
  - Bem – ela sorriu, sem graça. –, é um tanto egoísta aparecer assim e proclamar-me como sua namorada.
  Dei risada, pensando que ela era exatamente como quando criança.
  - Como estão seus pais? – perguntei.
  - Sobrevivendo. – ela ergueu os ombros. – Fazendo o possível para se livrarem da culpa.
  - Há sempre o seu irmão.
  - Há sempre o meu irmão. – ela assentiu. – Ele está bem. É médico também. Mas não como você. – fez uma careta, o que acabou em risadas. – Ele, sim, vive bem. E não se esqueceu de mim ainda.
  - Você é inesquecível. Acredite, eu tentei esquecer.
  - Não tentou, não.
  - É verdade. – sorri, olhando todos os detalhes em seu rosto. – Eu não quis.
  - Você devia ter tentado viver mais.
  - É... – olhei para o céu, sem saber ao certo a resposta correta para a afirmativa dela. pareceu compreender minha apreensão.
  - Se você tivesse a oportunidade... – a encarei, vendo-a hesitante. – Você voltaria?
  - Agora?
  - É.
  Respirei fundo e olhei ao redor, onde fragmentos da minha vida passava ao redor. Observei cada um deles e, logo ao fundo, a imagem de Nilo e Jackie sorrindo, provavelmente satisfeitos com a maneira como as lembranças retornaram a mim.
  Olhei para ao meu lado. Ela estava em sua melhor forma. Corada, saudável e feliz.
  Abri um sorriso como o de Nilo e Jackie. Sereno.
  - Nah... Não tenho arrependimentos mais. – segurei forte sua mão e olhei para o céu, agora muito azul e ensolarado. – Estou pronto para ir.

FIM