O Garoto da Camisa Xadrez
Escrito por Paulinha Cumarú | Revisado por Lelen
Tudo começou da mesma maneira que terminou: uma camisa. Era xadrez e de flanela, com tons de preto, vermelho e branco, 5 botões pretos e um bolso no lado esquerdo do peito. Era definitivamente uma camisa inesquecível, do tipo que se destaca em uma multidão. Era a camisa dele e tudo sobre parecia completar e exaltar sua personalidade, desde a paleta de cores ao modo como as mangas estavam cuidadosamente amarrotadas em seus braços.
A camisa foi o único motivo que me levou a notá-lo.
Existem 3 coisas que me atraem em um homem: barba, camisa xadrez e aquele olhar você-está-brincando-ou-é-idiota-assim-mesmo quando alguém diz ou faz alguma coisa que eu não gosto (até sinto meu coração se aquecer lentamente quando descubro que temos a mesma opinião).
De início só conseguia vê-lo de costas. Me dei conta que estava distraída olhado fixamente para os quadrados pretos e vermelhos da camisa e do jeito que a bainha batia logo acima do bolso de seus jeans. Estava no meio da análise de seus tênis com um logo da Vans na parte de trás quando ele se virou.
Rapidamente voltei meus olhos para a prateleira de discos que estava em minha frente. Minha parte favorita do trabalho era organizar os livros por seção, observando sua capa e colocando-os nas prateleiras, mas eu definitivamente não estava focada nisso.
Enquanto tirava meu cabelo da frente do rosto e pensava que precisava urgentemente passar no salão, pude ouvir passos. Levantei o olhar rapidamente e abaixei logo em seguida quando reparei que era o garoto da camisa xadrez.
Esse era o modo que eu o chamava. O Garoto da Camisa Xadrez. Eu não sabia seu nome.
Era uma calma terça à noite quando o vi pela primeira vez. Normalmente a livraria tinha movimento, e se não fosse pelo dia calmo, eu não o teria notado. Mas eu notei. E esse era o ponto.
Enquanto ele observava o mapa da Califórnia colocado na parede, consegui reparar em sua barba por fazer, seu nariz que parecia perfeitamente desenhado e seu cabelo liso que também precisava de um corte. E eu juro que olhei para ele por poucos segundos. Eu juro.
Ele se virou completamente em minha direção e eu olhei para longe com vergonha de poder ter sido pega. Me voltei para a estante e continuei organizando os livros no automático, foi quando eu ouvi uma voz.
- Com licença – ele falou com a voz exata que eu imaginava que ele tinha.
- Posso te ajudar em alguma coisa? – ofereci depois de me virar.
- Você pode me dizer onde ficam os livros de poesia? – ganhou um ponto por não sentir vergonha de perguntar.
- Ah, estão ali na frente. Você pode apenas me seguir... – caminhei até a seção que ficava entre duas maiores – Nós não temos muita coisa, mas se você precisar de algum título específico podemos encomendar.
- Obrigado. – sorriu em minha direção e eu voltei a organizar os livros. Depois de um tempo ouvi um pigarro e me virei em sua direção. Ele tinha uma pilha de livros em mãos.
- É só isso?
- Sim, obrigado. – foi tudo que ele disse como resposta.
Existia cerca de cinquenta e cinco passos entre as prateleiras e o caixa. Durante todo o percurso, pude sentir seu olhar em minhas costas e me controlava para não corar.
- Achou tudo que precisava?
- Sim, obrigado. – hm, muito tagarela.
Ele escolheu quatro livros, três coleções de poesias de Bukowski e um Revolution on Canvas 2.
- São $47.45. Você possui cartão fidelidade? – ele negou enquanto me entregava uma nota de cinquenta – Aqui está seu troco. Tenha um bom dia.
Esse assentiu e pegou a sacola. Esperava que ele seguisse direto para a saída e fosse embora, mas pelo jeito ele fazia questão de me surpreender.
Eu estava indo para minha seção. Ele continuou parado. Virei apenas um pouco para olhá-lo, e nossos olhos se encontraram. Ele não falou nada, apenas sorriu e foi embora. Meu rosto inteiro ficou queimando.
X
O próximo dia que eu o vi foi no supermercado. Peguei o caminho do corredor de produtos de beleza para comprar um shampoo quando o vi. Ele estava parado em frente as chapinhas com dois outros garotos. Todos usavam jeans skinny e camisa com gola V ou camisa xadrez. Seu cabelo estava uma bagunça, um pouco oleoso e com as pontas em todas as direções possíveis. Um chaveiro estava pendurado em sua calça e com o celular em mãos.
Era nesses momentos que eu amaldiçoava os supermercados por colocarem acessórios e produtos para cabelo no mesmo lugar. Andei pelo corredor lentamente, tentando ao máximo não ser notada. Ele era um garoto fofo, e eu era uma menina tímida. Eu não gostava de falar com garotos fofos.
Para o meu azar, os shampoos estavam justo em frente as chapinhas. Não dos babyliss, não dos secadores, mas das chapinhas. Para completar, o corredor media pouco mais de um metro, e não tinha espaço para passar por eles sem pedir licença.
Por um momento pensei em mudar de shampoo para pegar algum mais perto, mas lutei para achar algum que ficasse bom no meu cabelo. Decidir tomar coragem e pedir licença.
O Garoto da Camisa Xadrez me olhou e se surpreendeu antes assentir rapidamente e me dar passagem. Não olhei para ele, apenas peguei meu shampoo e condicionador e comecei a sair do corredor.
Aparentemente não tão depressa, porque eu ainda pude ouvir a conversa deles.
- Essa é a garota da livraria. – uma voz já conhecida disse, era o Garoto da Camisa Xadrez.
- Ela é gostosa – outra voz exclamou. Ouvi um barulho de tapa, e presumi que o Garoto da Camisa Xadrez bateu em seu amigo.
- Ela é. – outra voz concordou, e outro barulho de tapa.
Eu corei, mas continuei meu caminho para o caixa.
X
A terceira vez que eu o vi foi duas semanas depois. Estava na fila do McDonalds durante minha hora de almoço. Não tinha tomando café da manhã, então sim, estava morrendo de fome.
Vi um vulto pela minha visão periférica – cabelo castanhos, liso e blusa xadrez. Eu olhei em volta, me assustei e enrubesci quando o vi. Ele estava no final da fila, com os mesmos dois garotos que estava com ele no supermercado.
Eu imediatamente olhei para frente, esperando que eles não me notassem. Eu estava uma bagunça, com o cabelo em um rabo de cavalo e usando uma polo branca do trabalho, um jeans preto e algum Vans surrado.
Aparentemente eles me viram, porque puder ouvir eles sussurrando.
- Dude, ela está aqui de novo! – um deles sussurrou. Pelo canto de olho, vi que era um alto, magro, de cabelos compridos e lisos.
- Isso é destino! – o outro exclamou dramaticamente.
Eu mal podia conter minha risada quando o vi se encolher e tentar sair do meu campo de visão. Eles eram desagradáveis, mas engraçados.
- Ela provavelmente pode ouvir vocês! – o Garoto da Camisa Xadrez tentou fazê-los calarem a boca e cruzou os braços aborrecido.
- E? – o garoto de cabelo comprido perguntou – isso é uma coisa boa. Deus, pare de ser uma criancinha! Vá falar com ela, descubra seu nome.
- E se ela tiver um namorado? – o Garoto da Camisa Xadrez perguntou com um olhar hesitante.
- Você não saberá até perguntar. Ou você pode stalkear o facebook dela. A gente pode fazer isso, mas você precisa descobrir o nome dela... – o de cabelos curtos falou.
O Garoto da Camisa Xadrez assentiu, suspirou e deu um passo à frente quando seus amigos o empurraram em minha direção. Eu tentei conter outra risada, mesmo que por dentro estivesse surtando.
Garoto fofo? Vindo falar comigo?
- Vai, cara, vai! – o de cabelo comprido insistiu, e uns poucos segundos depois o Garoto da Camisa Xadrez estava parado bem perto de mim, com suas mãos dentro dos bolsos nervosamente.
- Hey! – ele disse com sua voz tremida e nervosa.
Olhei para ele enquanto a moça que estava na minha frente fazia seu pedido.
- Você está me seguindo? – perguntei a ele com uma sobrancelha erguida, tentar fazer o possível para não rir. Eu tinha certeza que ele não estava me seguindo e estava apenas tentando deixá-lo embaraçado.
- O que? – Ele perguntou de olhos arregalados, antes de mexer as mãos rapidamente – Não, não! Não estou! Eu juro!
Com seu desespero, comecei a rir. Cobri minha boca com uma mão enquanto meu corpo tremia pela gargalhada.
- Eu sei, apenas achei que isso ia ser engraçado.
- Hmm, claro. Mas não precisava ser tão má. – ele disse com misto de alívio e raiva.
Revirei os olhos para ele de brincadeira, antes de balançar a cabeça e me virar para o balcão.
- Eu sou o John – ele disse de repente, estendendo a mão para eu apertar.
- – me virei e apertei sua mão.
- Bom nome – ele sorriu pra mim, e eu assenti e corei.
John era um bom nome também. Mais fácil de dizer do que o Garoto da Camisa Xadrez.
- Então, – ele começou, depois de olhar para seus amigos que estavam gesticulando freneticamente com as mãos – você tem namorado?
- Depende de quem está perguntando – eu disse com uma voz séria, mesmo que eu estivesse brincando.
- Oh, hm – ele murmurou abismado, mas eu balancei a cabeça e ri mais uma vez.
- Não, eu não tenho. – respondi honestamente.
- Isso é legal – ele parecia aliviado.
A atendente me chamou. Eu pedi rapidamente e me virei para John, que estava olhando para seus amigos.
- Você vai pedir? – perguntei e ele me olhou surpreso.
- Huh? – ele disse. Apontei para a moça que esperava por ele impacientemente – Oh, yeah.
Ele pediu rapidamente e ficou do meu lado enquanto eu deslizava minha bandeja pelo balcão.
- Então – ele começou estranhamente – com quem você está almoçando?
- O Garoto da Camisa Xadrez.
- Quem? – ele perguntou confuso.
- O Garoto da Camisa Xadrez. – eu repeti.
Ele olhou em volta e se virou para seus amigos, que eu acho que me ouviram. O de cabelo comprido rolou os olhos antes de apontar para a camisa do John.
- Oh. OH! – John olhou para baixo, percebendo o que eu tinha dito.
- Está tudo bem pra você? – perguntei tentando flertar com ele, indo em direção ao caixa.
- Sim, tudo bem. Totalmente. – ele assentiu algumas vezes, sorrindo pra mim.
Eu ri de seu nervosismo e esperei pra ele pagar pela sua comida. Andamos para uma mesa para duas pessoas e colocamos nossas bandejas.
John parecia nervoso, o que acabou me deixando nervosa também, mas me fez rir ao mesmo tempo. A conversa foi estranha, mas engraçada. Não podia deixar de rir enquanto ele gaguejava.
No final do almoço, tomamos caminhos diferentes. Ele me deu um abraço e pediu meu numero, mas eu balancei a cabeça pra ele.
- Você tem que trabalhar pra isso – Eu disse com um sorriso no rosto.
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Ele foi à livraria todos os dias durante seis dias, mas eu acho que dessa vez era intencional.
No sexto dia, eu coloquei um recibo com meu número no bolso de sua camisa.