O Flautista

Escrito por Gaby Cahill| Revisado por Naty

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Início

  O piano tocava suavemente Moonlight Sonata, de Beethoven. Uma bela moça dançava perto do piano e seu músico. Dançava como uma ave prestes a alcançar voo, ainda que não soubesse voar. Seu rosto claro e sereno estava marcado por lágrimas secas de horas antes. Quem dera, pensava ela, ser um pássaro. Um pássaro branco e de olhos azuis, voando sobre as frias geleiras do Norte.
  A moça desembestou a chorar novamente, calma e silenciosamente. Pensava em sua sorte e seu azar. Deveria fugir, refletia, mas, logo, descartava a ideia. Com quem viveria, onde viveria? Como sobreviveria? Desejava, nessas horas, ter nascido do Leste. As moças de sua idade lá aprendiam a sobreviver sozinhas, caso uma - pouco provável - guerra acontecesse. Mas de que lhe adiantaria? Lá, ainda que aprendesse, viveria em casa.
  Desista, Elisebeth Ann del Morse, ela se repreendeu. Você é uma princesa, e princesas não abandonam seu reino. Lá no fundo, seu subconsciente completou: ainda que o odeie e seja inexperiente.
  Duas fracas batidas na porta tiraram-lhe de sua discussão interna consigo mesma.
  — Entre — ela permite e completa em voz baixa para Louis, seu pianista que tocava Pour Elise — Pare de tocar um pouco, por favor.
  Sua mãe, a rainha Clare II, adentrou nos aposentos de sua filha. Sentou-se elegantemente, como sempre, uma rainha, e começou a dizer:
  — ... Tire esse pianista daqui! — a rainha ordenou, irritada. Louis se retirou do quarto de rapidamente e Clare continuou — Filha, já tens dezoito anos. Parece que foi ontem que te ganhei, como meu segundo e último presente mais valioso. Sabes que terás de se casar algum dia e queria ver tua opinião antes de dar a tua mão.
  — Minha senhora — fez uma reverência — não é de a minha vontade casar-me agora. Acabo de completar a maioridade e pretendia encontrar meu verdadeiro amor naturalmente, senhora. É claro que se for de sua vontade.
  — Sim, . Permito-lhe não casar-te com alguém que não conheces. Mas dou-te um prazo. Ache quem goste de ti até o Grande Festival.— A rainha deu um sorriso forçado e saiu do quarto.
  A moça chamou Louis de novo e comentou com o músico que sua mãe cedeu muito facilmente. Sempre soubera que o maior sonho de sua amada mãe é ver sua filha levada ao altar por um nobre príncipe. decidiu sair um pouco do castelo, pensar um pouco em seu lugar preferido de toda a propriedade. Vestiu-se com um leve vestido branco e longo, sem medo de sujá-lo. Prendeu seu cabelo loiro escuro e saiu.
  Andou alguns metros para o fundo do terreno até sentir cheiros agradáveis de rosas e jasmim. Tirou suas sandálias e pisou, sentindo a grama pinicar seu pé e umedecê-lo com o orvalho da manhã. Pegou sua trilha habitual, seguindo as lindas e cheirosas macieiras até o pequeno lago em que tomava banho. Despiu-se, ficando apenas com as roupas de baixo e deixou as que trouxera à margem do lago. Entrou no riacho, sentindo a maravilhosa sensação de estar debaixo d'água.
  Banhou-se com os seus característicos aromas de lavanda, lavou seu cabelo e tirou o resto das roupas que cobriam seu corpo. Estava para sair da água quando ouviu, bem baixinho, o som de uma flauta tocando Morning Mood, sua música favorita. Sai do lago e começa a andar, nua.
  — Quem está aí? — chamou. Vendo que, quem quer que fosse, não respondia, chamou novamente, andando na direção do som — Ei!
   começou a entrar nas trilhas que não conhecia, a fim de chegar ao flautista.
  A plantação de macieiras foi findando, chegando a uma parte desconhecida pela moça, com a mata já mais alta e densa, impedindo-a de ver o fraco sol. Continuou andando, cada vez mais se arrependendo de não ter calçado suas sandálias. O som da flauta ficava mais alto e suave, ainda tocando Morning Mood.
   sentiu o cheiro forte dos altos eucaliptos e percebeu que estava chegando ao músico misterioso que a tirou de seu banho.
  — Ei! — disse alguém, quando tropeçou na princesa do Norte. Viu logo de quem se tratava e fez um reverência desajeitada — Me desculpe, senhorita princesa.
   riu com a atitude do homem e, envergonhada, estudou-o. Era um rapaz novo, por volta de seus dezenove, vinte anos. Tinha olhos castanhos claros esverdeados e os cabelos curtos e rebeldes, da mesma cor que os de , mas obviamente estava sujo. Ela estava encarando-o há tanto tempo, que se esqueceu de sua condição. Nua. Princesa. Deitada.
  — Oh! — exclamou , com as bochechas rosadas. — Vire-se, homem!
   cobriu-se com as mãos e quando o rapaz virou, pediu para que se apresentasse.
  — Sou . Eu sou um músico do Leste, província de Monterfill. Toco vários instrumentos, e meu preferido é — mostrou a flauta para completar a sentença — a flauta. Sei tocar Pour Elise, Moonlight Sonata e Morning Mood tão perfeitamente até de trás para frente. Não que eu esteja me gabando, Alteza. Mas estou vindo do Leste por causa música, que lá é desprezada. Minha mãe me disse... disse que aqui, no Norte, a música era bem vinda. Ela estava...?
  — Sim, certíssima. Sou pianista e amo música clássica — estava admirada com o rapaz. Sabia as suas músicas preferidas. — Todos no Palácio sabem tocar no mínimo um instrumento. No Reino, a cada cinco luas minguantes, acontece um festival para descobrir quem toca melhor em todo o Reino. É maravilhoso.
   não podia ver, mas supôs que estava sorrindo, por causa de suas covinhas no rosto. Ficou pensando em como poderia ajudá-lo. Sentiu simpatia, mas o que faria? Não queria substituir Louis, seu pianista, já que ele tocava exatamente como ela queria e fora ele quem a ensinara o básico do piano. Ensinou-a as notas básicas, até as mais suplementares da clave de fá na quarta linha. Não podia chegar simplesmente em sua morada dizendo que tinha um homem querendo tocar, vindo do Leste. Não se importariam.
  — ... Fique aí que vou me vestir e vamos ver o que eu posso fazer por ti.
  Sem esperar por uma resposta, fez o caminho de volta para a lagoa e vestiu-se com sua roupa seca. Calçou suas sandálias e voltou até o rapaz.
  — Posso virar? — perguntou . Virou-se sem resposta — Hum, vossa Alteza pensou em como me ajudar?
   a encarou e depois a olhou dos pés até a cabeça. Inclinou levemente a cabeça, fazendo pensar sobre o que estava errado em si.
  — Sim, pensei — viu o rosto de expectativa de seu acompanhante e logo completou: — Não é muito agradável, mas ouça-me. Eu tenho, de certa forma, um lago ali mais na frente. Todos os dias vou até lá, mais ou menos ao meio dia, ou depois, à tarde. Vou trazer-lhe comida e um cobertor para que possa esperar que peça às minhas costureiras para criar uma roupa nobre para você. Com uma condição.
   abriu um sorriso mínimo ao ver levantar uma sobrancelha interrogativamente. Continuou:
  — Me ensine a tocar flauta. Tenho partituras... — se interrompeu ao ver a mochila de cheia de partituras. – Esqueça. Só quero que me ensine a tocar. Certo?
   assentiu com a cabeça e apertou a mão da princesa, que se despediu e foi arrumar-se, prometendo voltar logo.
  Ao andar de volta ao lago, percebeu que se esqueceu de tirar as medidas do rapaz mas não se preocupou em voltar . Tinha quase certeza que era do mesmo tamanho de seu irmão, Max.
  Cantarolando, entrou no palácio, sorridente. Quando entrou em seu quarto, Angelinn, a criada, perguntou o motivo de estar feliz.
  – Ah, Angel, eu vou aprender a tocar flauta – Ela respondeu. Era mentira, claro, mas não podia simplesmente dizer que um rapaz a vira nua e fora um cavalheiro mesmo assim. – Com um músico do Leste. E preciso que faça uma roupa para ele, sim? As medidas, penso que são do Max. Faça roupas dignas de um príncipe, para o próximo festival.

  Angelinn demorou apenas três dias para fazer a roupa do rapaz. , quando viu, ficou maravilhada com o trabalho de Angel. Todas a peças em tons de verde e os sapatos pretos lustrosos.
  Ela pegou a roupa e saiu para encontrar no lugar que o encontrou. Desde os últimos dias, vinha se afeiçoando ao rapaz. Ele a ensinara a soprar de modo correto a flauta, e já conseguia produzir alguns sons.
  — Princesa Elisebeth – disse quando chegou. Não tinha visto as roupas que a moça trouxe, então quando viu, surpreendeu-se. Cabia certinho.
   sorriu, com os olhos brilhando e anunciou a notícia:
  — Você vai se apresentar amanhã no Grande Festival da Lua!
   achou que ele ia ficar feliz, mas apenas inclinou a cabeça para baixo em confusão.
  — O que foi? – perguntou. – Não quer se apresentar?
  — Não, claro que quero – As desculpas eram evidentes na voz de . – Mas, olhe para mim, Elisebeth. Sou um simples plebeu querendo se apresentar. Por um fato de sorte você me encontrou, mas se não fosse por isso, o que você estaria fazendo agora? Talvez abraçando algum...
  — . O que você quer dizer? Não te entendo.
  Quando ele a encarou, entendeu rapidamente. E descobriu que se sentia assim também. Mesmo na situação constrangedora, agiu pela emoção e abraçou o seu colega. Não, pensou. Não só um colega.
  E os dois ficaram abraçados, até que a chuva começou. Mas não se separaram mesmo assim. Apenas se abraçaram mais.
  Quando a chuva parou, pensou bem e decidiu.
  — Vou levá-lo para o Palácio para meus pais o conhecerem.
  Abraçou-o de novo, e num impulso, colou seus lábios aos dele.

Meio

   tremia. Muito.
   e estavam na estradinha que leva do laguinho ao Palácio. decidira que levar até seus pais seria melhor, e até, quem sabe, dizer para sua mãe que achou seu noivo. Talvez.
  A princípio, protestou e não cedia por nada. pensava que não era tão fácil assim sair de somente amigo para noivo.
  Mas, com algumas palavras bonitas e um beijo, ela o convenceu.
  Essas palavras em parte consistiam de aumentar o ego de um jovem.
   estava mais belo do que todos os dias que o vira. Angelinn também o vira, concordando que ele estava lindo.
  Quando os dois chegaram perto, a uns cem metros, estava para ter um ataque epiléptico e sair correndo do local.

  #

  Às vezes, perguntava-se se tudo que dava errado na sua vida era premeditado ou ela era simplesmente uma droga.
  Sempre, sempre, que algo dava certo, outra coisa bizarra, chata, nojenta, irritante acontecia.
  Quando chegaram à frente da sede real, estavam um amontoado de pessoas na frente. Talvez algumas centenas, e havia até pessoas escrevendo cada movimento e palavra que a família regente fazia.
   empalideceu.
  Provavelmente era um evento que sua mãe não avisara, ou ela simplesmente respondera um “claro, mamãe” sem saber do que estava falando por estar distraída demais tentando tirar uma nota da flauta prateada.
  Bom, a segunda opção era mais viável, concluiu.
  Mesmo com a aterrorizante sensação de que aquilo ia dar alguma confusão, e seguiram para frente do castelo.
  Ele, bem arrumado e bonito, e a senhorita Elisebeth Ann del Morse, segunda na linha de sucessão do trono do Reino Nortista de Etermont, com um vestido leve, curto e transparente.
  Ah, que bela aparição oficial, pensou ela.
   ficou exatamente igual a : com tontura, ânsia de vômito, tremores e uma palidez quase verde.
  — Ahn, ? — chamou, apertando um pouco mais forte sua mão. — O que toda essa gente está fazendo aqui?
   engoliu em seco, com um nó na garganta ao ver sua mãe olhando para os dois.
  — Um, er, evento oficial.
  E então os dois entraram na visão dos repórteres que começaram a escrever furiosamente, gritavam perguntas, faziam barulhos chocados.
  Uma pergunta chegou ao ouvido de .
  — Alteza, como pode estar trazendo outro homem consigo se hoje é a apresentação do seu futuro marido, o Conde Charles do Sul?
  Ah, sua vontade era tanta de ignorar e sair andando, mas ela fez uma coisa muito pior, que sabia que ia estar na próxima manchete do pequeno noticiário.
  Princesa Elisebeth do Norte dá show de educação mostrando o dedo médio para um repórter oficial.
  Ou talvez uma coisa ainda mais vergonhosa, conhecendo os jornalistas de seu reino.
  Princesa do Norte entra em sua festa de noivado quase nua e com um homem que não é o seu futuro marido. Traição na família real?
  Mas, mesmo assim, era mais suportável do que ouvir o grande sermão da rainha acerca do casamento arranjado.

  #

  — . Elisebeth. Ann. Del Morse. E os outros quinze sobrenomes que eu não decorei ainda. — começou seu irmão brincando quando ela entrou no seu quarto, depois de ignorar as falas sua mãe e seu tio. — O que, por que e quem é essa pessoa que segura as sua mão direita de forma intimista durante um noivado em que você é a noiva?
  — Max. Samuel. Josef. Del Morse. E seus outros sobrenomes que não faço questão de lembrar. — respondeu ela. — É a pessoa que eu trouxe para cá. Apresente-se, por favor, .
   apertou a mão de outra vez e começou a falar.
  — , Alteza. — Fez uma reverência.
  Max olhou desconfiado para e e segurou o braço livre dela, puxando-a para um canto.
  — Espere uns minutos, Sr. . — Ele se afastou. — Me explica isso. Sério. Do início, .
   respirou fundo.
  — Do início, certo? É uma longa história, não me interrompa. Eu estava tomando banho, ouvi alguém tocando flauta e segui o som, que me levou até esse certo jovem do Leste, onde a música é desprezada, e eu ofereci uma ajudinha se ele me ensinasse a tocar flauta. E eu treinava em casa enquanto conversava com a rainha Clare II e ela provavelmente disse que eu ia ter que me casar com algum conde desconhecido e velho, eu concordei estupidamente, agora, aqui estamos.
  — Era imaginável, mas...
  — Não me interrompa, querido irmão. — disse sarcasticamente. — Eu ia todos os dias na hora que tomava banho até onde ele estava, e ele me ensinava. Eu chamei-o para o Festival Lunar e tal, e nós tomamos banho na chuva e eu me apaixonei como um passe de mágica. Satisfeito, ou preciso dizer o que ele me ensinou, se ele triscou em mim ou apareceu uma fada no meio da floresta?
  Max ia responder, até que a mãe dos dois apareceu no quarto, e, ao contrário do esperado, ela não saiu gritando com e fuzilando com os olhos.
  A rainha Clare estava chorando, e vinha um homem de uns trinta anos atrás dela.
  — Me desculpe por isso, Ann — Chamou-a pelo nome do meio carinhosamente. — O seu pai queria que fosse assim.
  Seu pai. Seu pai. O seu pai que ela tanto confiava acabava de acabar com sua reputação e vida e a desculpa era: “eu queria que fosse assim, querida”.
  — Eu não vou me casar com esse tal Conde do Sul. Ele deve ser um velho que quer mais dinheiro para trair pelas minhas costas.
  Clare suspirou.
  — Na verdade, filha, esse — apontou o homem que viera atrás dela, que tinha uma expressão quase feliz. — é o Conde Charles.

  #

  Vergonha s.f. (do lat. Verecundia). 1. Infâmia, desonra, opróbrio.
  Minidicionário Larousse da Língua Portuguesa.
  Essa era uma palavra que descrevia o que sentia, pura e unicamente.
  Ela estava sentada na sua cama, com sentado em uma cadeira ao seu lado e Angelinn mexendo em seus cabelos.
  — Você vai se casar com o Conde, ? — perguntou Angelinn.
  — Se depender de mim, não. A Clare prometeu que eu não ia me casar com um completo estranho. — ela respondeu.
  — Eu sou praticamente um estranho, . — disse .
   sorriu. Ele era um estranho.
  — É, mas ela não quis que eu me casasse com você. Além do mais, se eu fosse o Conde, eu sairia na hora daqui depois do que eu falei.
  Angelinn balançou a cabeça meio em desaprovo.
  — Já não bastava estar com roupas não adequadas e ter mostrado o dedo do meio, ? É Verecundia demais para uma só moça.
   se mexeu, desconfortável.
  Não gostava de ser repreendida, principalmente por Angel. Mas ela admitia: era muita vergonha mesmo.
  — Mas Angel, você sabe que a maioria desses condes que querem se casar comigo são velhos traidores que têm como lema God Save The Queen’s Money. Você acha que se não fossem eu estaria solteira? Não mesmo.
  Ela olhou para , meio ciente que havia falado exatamente o que o seu amigo/noivo tinha dito na chuva.
  Ele tinha uma meia expressão amargurada mas com um traço de compreensão.
  E isso a fez se sentir terrivelmente mal.
  Ah, e uma coisa que não era novidade alguma.
  Verecundia.

  #

   acordou bastante indisposta.
  Hoje teria que fazer um pronunciamento oficial pedindo desculpas pela sua atitude pouco educada na tarde anterior. Ah, e explicar quem era .
  Isso fora o que Max lhe dissera após chamar – ele ainda estava com a expressão bastante amarga – e Angelinn para conversar, deixando só e sem companhia além do silêncio perturbador que a fazia se arrepender de todas as coisas que tinha falado.
  Menos o dedo do meio, claro. Fora divertido, mas não ia se tornar um costume.
  Estava se espreguiçando quando uma garota de mais ou menos vinte anos apareceu detrás da cortina – onde Angelinn ficava – e fez uma reverência desajeitada mas compreensível.
  — Bom dia, Alteza.
  — Bom dia — respondeu. — Pode me dizer quem é você?
  A menina ficou meio vermelha mas apresentou-se.
  — Eu sou uma criada da limpeza, Alteza, mas, por hoje, vou ajudá-la. A sua criada pessoal se ausentará com a Rainha.
   assentiu com a cabeça e se levantou da cama.
  — Então, decidiram qual é a minha roupa de hoje? Ah, e seu nome?
  A criada respondeu que se chamava Sarah e mostrou a roupa.
   foi para o banho rapidamente e começou a arrumar seu cabelo em um coque clássico e formal e vestiu o vestido azul claro longo e leve e os sapatos – como sempre – desconfortáveis e altos.
  Ela se olhou no espelho.
  Seu rosto estava calmo e pálido, as bochechas um pouco rosadas e os olhos castanhos estavam destacados.
  E então desceu para o pronunciamento oficial.

  #

  Estavam uma multidão ainda maior que a do dia anterior. Os repórteres não tinham mais lápis e papeis, mas sim caixas grandes que iriam filmá-la a todo o instante.
   entrou ao lado de sua mãe com um discurso pronto para ser lido e a rainha começou-o.
  — Saudações a todos. Nesta manhã de sol fraco, estamos todos aqui para o pronunciamento da Princesa e o anúncio acerca de seu casamento.
  — Bom dia, povo de Etermont. Estou realizando este pronunciamento como forma de desculpar-me pela atitude irresponsável e desrespeitosa da tarde anterior, trazendo... — se interrompeu ao olhar novamente para o discurso. Isso lhe renderia outra bronca de alguém, mas chega. — Eu não sabia a respeito de toda a cerimônia. O casamento era arranjado e eu não iria participar dele. O homem que estava comigo que era, é o meu futuro marido. E quanto às perguntas que foram respondidas de forma desonrosa, peço desculpa a todos se os ofendi.
  A Rainha estava com um esboço de sorriso indetectável e então passou para mais perto do microfone.
  — E então, anuncio ao povo que a senhorita Elisebeth Ann del Morse, segunda na linha de sucessão do trono do Reino Nortista de Etermont estará oficialmente dando sua festa de noivado com esta noite às sete horas no Salão Principal, e sua cerimônia matrimonial às nove da noite do dia do Festival da Lua Minguante.
   entrou com Max no pequeno palco e reverenciaram a Rainha Clare II e sua filha, , que estava entendendo basicamente nada. Os dois pegaram sua mão e a beijaram e então o pronunciamento oficial acabou, com uma salva de palmas e algumas lágrimas da Rainha.

Fim

   (n/a: coloque para carregar: Marcha Nupcial em violino)
   tinha algumas certezas.
  Uma era que seu futuro marido ia arrasar no show.
  Outra era que ela ia vomitar, e provavelmente, morrer esmagada.
  Seu vestido apertava nas costas, por causa dos botões, zíper. Os grampos do cabelo em um penteado escultural machucavam – mas só porque ela queria – e estava com MUITA fome.
  Depois de mais uma longa semana, finalmente o Grande Festival da Lua Minguante estava para começar.
  Consequentemente, seu casamento com um plebeu do Leste, , que tinha tornado-se seu noivo após o estranho anúncio da sua mãe.
  Ela conhecia – por terceiros – a apreensão pré-casamento. Aquela tensão de que tudo tem que estar perfeito, em ordem. Inclusive, especialmente, a noiva.
  Agora, depois de ver suas milhares primas se casarem, era a sua vez.
  E nenhuma delas estava com ela. Apenas Angelinn.
  O seu noivado fora feito totalmente às pressas. O casamento do mesmo jeito, já que eram apenas seis dias para organizar. Mas com o Esquadrão Matrimonial composto por Max, Angelinn, a Rainha Clare e sua madrinha e tia, Kevlla, tudo estava pronto.
  Era tudo uma surpresa. só sabia as cores e as flores, e mais nada.
  — Milady? — chamou Angelinn. Ela estava maquiando , que preferira, além da base de pele, só pó de arroz e um batom claríssimo, rosado. — Quer se ver no espelho?
  — Sim, sim, Angelinn. — respondeu, sorrindo meio nervosa. Ela se virou para o espelho e pronto.
  Agora tinha a sua terceira certeza: ela estava linda.
  Quase como uma princesa.
  Ah, e uma confirmação de que ia sim vomitar. De ansiedade, claro.
  O seu vestido era branco tradicional, com mangas longas de renda bordada com alguns fios de ouro. O corpete era até um pouco abaixo de seu umbigo, com pérolas minúsculas formando flores. A saia era longa, com mais pérolas que se intensificavam ao descer. Ela não possuía uma cauda, mas era grande.
  E ela viu seus sapatos. Médios, com fivela branca e pareciam totalmente confortáveis para as próximas longas horas da sua cerimônia.
  O cabelo estava... Tão lindo que ela não conseguiria descrever nem se valesse sua vida, com aquela coroa de ouro brilhante adornando e se destacando no loiro escuro.
  — E então...? — indagou uma criada ao lado de Angelinn.
   se virou para ela e as outras que a ajudaram e deu um sorriso largo, com os olhos brilhando.
  — Você ainda pergunta? Eu estou linda, graças a vocês! Infelizmente eu não posso abraçar vocês.
  Todas sorriram, e então sua mãe entrou no quarto. Todas as criadas saíram e a rainha falou.
  — Então? Como está se sentindo?
   deu mais um sorriso.
  — Eu estou me sentindo terrivelmente maravilhosa, mãe! Quase uma Clare.
  Clare riu e se sentou na cama.
  — Enfim, é o dia, Ann. — ela disse meio sentimental.
  — Sim, mama, é. — A rainha suspirou, e completou: — Aposto que a senhora só iria fazer isso em seus sonhos, não é?
  A rainha se levantou e se virou.
  — Certo. — Clare suspirou mais uma vez. — Eu, Clare Wemily Elane Addison Elisebeth Ann del Morse, rainha absoluta do Reino de Etermont, pelos poderes civis a mim concedidos no dia de meu casamento com o rei Claus del Morse há vinte e seis anos atrás, concedo a permissão para minha filha Elisebeth Ann Katherine del Morse, segunda na linha de sucessão do trono nortista se casar no Septuagésimo Oitavo Grande Festival da Lua Minguante, dando a seu futuro marido o título de Duque Bast. — Ela acabou e comentou: — Vamos? está quase entrando.

#

   se sentou desconfortavelmente na cadeira oculta onde assistiria à última apresentação do Festival, de .
  Não estava com vontade de ver os outros, tamanha sua ansiedade. Só queria ver , se casar e ir para a sua Lua-de-Mel, que também era surpresa.
  Era a décima apresentação, e então, Max anunciou:
  — Agora, . — e então ele entrou no palco, vestido com uma calça larga bege/marrom – nada de culottes – e uma camiseta de botões social simples de manga comprida na cor verde escuro. A quarta certeza de estava ali: ele também estava maravilhoso. Os sapatos eram pretos e brilhantes.
  Quando a apresentação acabava, percebeu que não usava as roupas que Angelinn havia feito para ele, mas sim alguma nova que provavelmente comprara enquanto ela enrugava na água.
  Ele havia apresentado O Cuco, de G. Bull e A Passos Curtos, do mesmo compositor. Tocara muito bem como desde que o conhecia – não era muita coisa, mas dava.
  E então, acabou, e num piscar de olhos estava observando o Grande Salão do Palácio por um vidro escondido, admirada.
  A decoração estava em tons de verde, creme e um azul muito claro. Havia rosas brancas e azuis em cima das mesas dos convidados, e na mesa da família, composta por seis cadeiras apenas, um lustre em luz verde estava posicionado em cima.
  O tapete era verde escuro, quase preto, e os arranjos eram a cada um metro, disseram a ela. Estava magnífico. Perfeito.
  As madrinhas e padrinhos começaram a entrar. Eram apenas quatro contando com sua mãe e – que vestia um terno e colete sobre a camisa social, e a calça preta como o paletó. Estavam juntos Max e Angelinn, que vestia um vestido verde claro, e Max um terno cinza brilhos – bastante a cara dele. Entraram também Lia e Jordan, seus primos mais próximos, e Kevlla e Alexander, seus tios.
  A noivinha e o pajem entraram. Eram sua irmã, Alisa, e seu sobrinho, Michel.
  A menina de sete anos vestia uma mínima réplica de seu vestido, e então era à hora de entrar.
   entraria sozinha, pensou com tristeza. Seu pai não estava lá para entrar com ela e lhe dar a benção.
   (n/a: play!)
  A Marcha Nupcial começou a ser tocada, mas não ouvia nada. Descia as escadas no modo automático, escutando somente as batidas do seu coração e sentindo o tremor de suas mãos segurando o buquê de rosas brancas, azuis e vermelhas, e olhava fixamente para frente. Num segundo entrou no campo de visão de todos que se encontraram, e os flashes oficiais foram iniciados.
  Tudo ocorreu como um furacão de alegria, e depois de pronunciar os votos, ouviu-se apenas as palavras de e Elisebeth Ann Del Morse, antes dos dois se beijarem educadamente, sem nada mais.
   “Sim.”

Fim!



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