O Casaco Vermelho


Escrita porBetiza
Editada por Lelen


Parte 1

Tempo estimado de leitura: 11 minutos

  Yulha (Coreia do Sul) 2025

  Parecia que nada havia mudado, tudo continuava quase suspenso no tempo. As lojinhas com suas placas pintadas à mão, suas vitrines cheias de velas artesanais, potes de geleia caseira, cartões postais com paisagens locais e panos de prato bordados com nomes de família.
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  O cheiro da cidade era o mesmo — uma mistura terrosa de floresta úmida, madeira fresca e café recém-passado vindo da cafeteria da esquina, que ainda tinha a mesma mesa redonda na calçada e o sininho pendurado na porta. Havia algo de eterno naquele lugar. As pessoas caminhavam devagar pelas ruas, com sacolas de mercado ou cães nos braços, como se o tempo fosse um velho amigo que não tivesse pressa de partir.
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  Os poucos carros que circulavam o faziam sem buzinas ou urgência, e até o som das bicicletas parecia mais suave ali. O vento soprava gentil, trazendo consigo a lembrança de verões passados, risadas ecoando pelas trilhas e o tilintar das pedras no riacho que cruzava o bosque.
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  Yulha era assim — um lugar onde as coisas não pareciam acontecer… até que aconteciam.
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  %Sunhee% sentiu os olhos marejarem brevemente quando o carro parou na casa da avó, olhou para a fachada com atenção quando desceu do mesmo, após desligar o motor. A brisa leve da tarde acariciou seu rosto, e ela respirou fundo antes de finalmente tirar as malas do bagageiro.
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  A casa era simples, de um andar só, com o telhado em formato triangular coberto por telhas escuras. A tinta amarelada nas paredes externas estava um pouco desbotada pelo tempo, e havia trepadeiras subindo pelas laterais, com pequenas flores roxas brotando entre as folhas — a avó sempre gostara de manter o jardim vivo. O portão de madeira clara rangia com facilidade, mas continuava firme, assim como a pequena varanda de tábuas envelhecidas, onde ainda repousavam duas cadeiras de balanço que pareciam esperar por alguém.
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  Um sino de vento pendurado na beirada do telhado tilintou suavemente, trazendo consigo a lembrança de verões antigos e tardes regadas a chá gelado e histórias contadas com paciência.
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  %Sunhee% caminhou até o porta-malas e retirou suas malas uma por uma, colocando-as com cuidado sobre a calçada. Havia algo simbólico naquele gesto — como se, ao abrir o compartimento, abrisse também uma parte de si que havia deixado para trás. Fechou o porta-malas e olhou mais uma vez para a casa, antes de subir os dois degraus da varanda e destrancar a porta com a chave que havia trazido pendurada no pescoço.
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  O interior da casa a acolheu com um silêncio morno. Um cheiro familiar de madeira antiga e chá de ervas pairava no ar, e a luz suave que atravessava as cortinas floridas deixava tudo com um tom dourado, como se o tempo ali passasse mais devagar. Os móveis estavam todos no lugar — a poltrona da avó no canto da sala, com a manta de crochê cuidadosamente dobrada sobre o encosto, e a estante cheia de livros e porta-retratos antigos.
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  %Sunhee% pousou as malas ao lado da porta e caminhou devagar até o centro da sala. Seu peito doía, mas não era exatamente tristeza. Era saudade misturada com alívio, medo com ternura. Um reencontro com partes dela mesma que havia esquecido.
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  — Oi, halmeoni... — sussurrou, mesmo sabendo que não teria resposta. Ainda assim, sentiu uma presença cálida ali, como se a avó estivesse apenas no outro cômodo, preparando chá e esperando para lhe dar um abraço.
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  Caminhou pela sala em passos pesados e lentos, os olhos ainda passeando por cada detalhezinho, como se quisesse redecorar na mente todas as coisas que ela já conhecia.
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  Depois caminhou pelo corredor que dava acesso aos quartos e ao banheiro. O piso rangia levemente sob seus pés, como se sussurrasse boas-vindas, e as paredes estreitas guardavam pequenos quadros com flores secas prensadas, todos feitos pela avó em molduras simples de madeira. O primeiro quarto à esquerda era o dela — ou, pelo menos, costumava ser. Ao empurrar a porta, sentiu o cheiro discreto de lavanda. A colcha bordada à mão ainda cobria a cama de solteiro, e o abajur de cerâmica azul permanecia firme no criado-mudo. Havia um ursinho de pelúcia em cima do travesseiro, velho e um pouco desbotado, mas ainda sorridente.
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  Ela não entrou — apenas observou, com uma pontada de emoção na garganta, antes de continuar.
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  O segundo quarto era o da avó. A porta estava entreaberta, como sempre ficava quando a velha senhora ia à cozinha e voltava com uma xícara de chá. %Sunhee% empurrou com delicadeza, quase com reverência. O ambiente era aconchegante, com tons quentes, uma colcha de retalhos cobrindo a cama e uma penteadeira repleta de pequenos frascos de perfume, pentes de madeira e uma caixinha de joias aberta, revelando alguns brincos simples e um colar de contas vermelhas que a avó sempre usava em dias especiais.
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  O banheiro, ao final do corredor, era pequeno, mas impecavelmente limpo. As toalhas estavam dobradas com perfeição sobre a prateleira, e a cortina floral do chuveiro tinha leves manchas de sol, resultado dos anos de uso. Até o sabonete em forma de flor continuava ali, como se tivesse sido colocado ontem.
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  %Sunhee% apoiou a mão na parede por um instante, fechando os olhos.
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  Tudo ali gritava a presença da avó — e ao mesmo tempo, a ausência dela. Era como caminhar por uma lembrança vívida, que pulsava em cada objeto, em cada aroma, em cada raio de luz filtrado pelas cortinas finas.
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  Ela respirou fundo, tentando conter as lágrimas que insistiam em vir.
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  Ali estava de volta. Em casa.
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  Ou, pelo menos… em tudo aquilo que um dia foi lar.
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🫰🫰🫰

  Se sentou no sofá um tanto quanto exaurida, sentindo o corpo começar a reagir à faxina intensa que havia dado na casa. Havia revirado a mesma quase de cabeça para baixo para tirar a sujeira acumulada depois daqueles meses todos sem nenhuma presença humana no local.
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  Os braços doíam, as pernas começavam a latejar e o peito dela subia e descia descompassado pelo esforço físico colocado na empreitada. O rabo de cavalo estava uma verdadeira bagunça, e %Sunhee% acabou por refazer o mesmo, com mais firmeza dessa vez.
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  Encarou a sala outra vez, agora limpa e arrumada e então se permitiu fechar os olhos, enquanto encostava a cabeça no encosto do sofá, se permitindo finalmente relaxar, os músculos e o coração. A respiração ainda estava acelerada, mas ia se acalmando aos poucos. Se permitiu esticar os braços e as pernas, num alongamento longo, e acaba soltando alguns gemidos de dor, com o corpo não totalmente acostumado àquele tipo de “exercício”.
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  Depois de alguns minutos largada no sofá, esperando autorização do próprio corpo para se levantar, ela resolveu que guardaria as roupas antes mesmo de sair para comer alguma coisa e abastecer a casa.
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  No quarto que um dia havia sido seu, ela retirou algumas roupas da mala, dobrando-as cuidadosamente, da mesma forma que havia aprendido a fazer com a avó quando ainda era criança.
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  Ela se lembrava perfeitamente de quando aprendeu a dobrar roupas ali mesmo, sentada no chão, com a avó ao lado, paciente, guiando suas mãos pequenas com voz doce e firmeza gentil.
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  “Dobra pelas costuras, não pelas pontas... Assim elas não amassam depois.” A voz ecoava na mente dela com uma nitidez quase dolorosa.
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  %Sunhee% sorriu de leve, um sorriso melancólico, enquanto dobrava uma blusa e a colocava com carinho na primeira gaveta do armário. Sentia que estava tentando, de algum modo, preservar o gesto — como se manter o método fosse manter também a avó um pouco mais viva naquele espaço vazio.
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  Cada dobra era uma lembrança, cada toque no tecido era uma tentativa silenciosa de se reconectar com algo que o tempo havia levado, mas que o coração se recusava a esquecer.
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  Ela parou por um instante, sentando-se na beirada da cama. Passou a mão devagar sobre a colcha e respirou fundo, sentindo o cheiro discreto de lavanda ainda impregnado no tecido. Fechou os olhos.
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  Era ali que ela voltava a ser neta.
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  Ali, o mundo desacelerava.
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  E mesmo que tudo estivesse diferente, mesmo que a presença da avó fosse agora apenas memória, havia um conforto silencioso naquele gesto cotidiano — quase como um abraço invisível, tecido entre as gavetas, os cheiros e o silêncio da casa.
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  Depois de todas as roupas guardadas, ela seguiu para seu banho com seus itens de higiene em mãos. Deixou a água quente aquecer seus músculos ainda doloridos da intensa faxina na casa, enquanto fechava os olhos. Na mente as lembranças da infância e adolescência na casa, vinham e voltavam.
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  Lembrou-se das manhãs preguiçosas de verão, quando acordava com o cheiro de mingau de arroz vindo da cozinha e ouvia o som do rádio antigo tocando baladas coreanas. A avó cantarolava baixinho enquanto cortava frutas para o café da manhã, e %Sunhee% aparecia na cozinha ainda de pijama, os cabelos bagunçados e os pés descalços no chão frio.
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  Lembrou-se também das noites em que a chuva batia no telhado de zinco, e ela corria para se enfiar na cama da avó, encolhendo-se sob as cobertas enquanto ouvia histórias de um tempo que já parecia lenda. A avó falava com tanto carinho, com tanto calor na voz, que tudo o que era assustador — o trovão, a escola nova, ou até o mundo lá fora — desaparecia por alguns instantes.
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  E havia também as tardes no quintal. Os pés sujos de terra, o som das cigarras, a água gelada do tanque onde lavavam roupa juntas, rindo, brigando com as formigas, correndo para pegar a roupa do varal antes da tempestade. Os verões de sua infância estavam todos ali — presos em fragmentos simples, mas eternos.
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  A espuma do sabonete escorria pelos braços enquanto %Sunhee% se apoiava na parede do chuveiro, sentindo as lágrimas se misturarem com a água quente. Talvez fosse o cansaço. Talvez fosse o reencontro com aquele passado que ela tinha deixado tão cuidadosamente guardado. Mas, pela primeira vez em muito tempo, ela se permitiu sentir tudo de uma vez só.
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  E no meio de tantas lembranças, entre a voz da avó e o cheiro da lavanda, uma imagem específica surgiu:
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  Um garoto de cabelos escuros, um sorriso tímido, e um casaco vermelho que parecia grande demais para ele.
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  %Eric% %Sohn%.
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  Ela abriu os olhos devagar, como se tivesse acordado de um sonho antigo.
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  Talvez nem tudo tivesse sido esquecido, afinal.
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