“Afinal, de quantas maneiras um coração pode ser destroçado e ainda continuar batendo?” — Lua Nova.
Prólogo
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A noite de 02 de agosto de 1932 estava fria e escura como o pequeno e frágil coração de Marissa.
Sentada na ponta da cama, tentava não olhar para frente, na direção de seu marido. Noites atrás, enquanto preparava-lhe um delicioso jantar, Albert se castigava por ter feito o que prometera jamais fazer ao desposar-lhe. Marissa percebeu o quanto o marido estava distante e pensou que talvez um jantar pudesse fazê-los esquecer da pior briga que já tiveram em anos. Albert, ao ver o esforço de sua mulher, sabia que deveria lhe contar tudo o que fez, o quanto era culpado e o quanto estava arrependido. Decidiu que contaria após o jantar, mas ver Marissa cuidando de seu recém-nascido bebê, fruto do amor que cultivavam há anos, fazia seu coração doer ainda mais por saber que isso a machucaria. Mas sua inexpressividade mostrou à Marissa que ele não estava feliz.
— Albie, está tudo bem? — Tocou-lhe o rosto. — Nosso bebê está aqui! Não consegue ficar feliz por isso? — O colar de Albert mudara de cor. Num instante, estava negro. Recheado de culpa e medo.
— Precisamos conversar, Marissa. — Segurou as mãos da esposa e, com lágrimas nos olhos enquanto olhava o pequeno, lhe disse: — Eu me deitei com outra mulher.
A revelação de Albert trouxe grande mágoa e sofrimento para a mulher. Ela não o olhava, nem lhe falava há dias. Nem a mesma cama eles dividiam mais. Sentia nojo e repulsa do pai de seu pequenino bebê. Tudo o que sonhara para um futuro ao lado do pequeno e seu amado se desfez pouco a pouco com os dias. Não conseguiu colocá-lo para fora, mas sabia que perdoá-lo não era uma opção. Decidiu então — após a vigésima tentativa de um perdão — sair do quarto, seria melhor para os dois.
Mas... E se ele viesse atrás dela? Não conseguiria negá-lo e não queria ter que olhar para ele. Não agora, não depois de ouvir a péssima explicação do homem que amava. Trancou o quarto com Albert a gritar por ela, esbravejar e pedir, incontáveis vezes, perdão. Bateu, socou e chutou a porta muitas vezes, até perceber que não conseguiria desse jeito. Então, sem pensar duas vezes, arrombou a porta. Marissa reclamaria, mas ele logo colocaria outra ao amanhecer. Duas tentativas, rápidas e precisas, e logo Albert conseguiu derrubá-la. Escorada no corrimão, ao alto da escada, Marissa sobressaltou-se e, pelo susto e desequilíbrio, rolou escada abaixo, parando ao fim dela, desacordada e ensanguentada. Albert viu seu mundo paralisar e sua vida ao lado de Marissa passar como filme a seus olhos. Correu até seu corpo, pequeno e frágil, segurando suas mãos, constatando que toda a vida dela esvaiu pelo sangue que insistia em fugir de seu corpo e ao ver seu pequeno coração, quebrado, espatifado e sem cor, sentiu profunda dor.
Percebeu, ao ver sua esposa morta ao fim dos degraus, que a amava com todo o coração e que traí-la foi o pior erro cometido em toda a sua vida. Desejava ele que nada tivesse acontecido e que sua mulher pudesse voltar, mesmo que ele tivesse que ser levado em seu lugar. Pensando nisso, Albert pegou seu coração e entregou à sua amada, na esperança de que ela voltasse. O que, por dois segundos, parecia ser a melhor ideia de sua vida, Albert viu-se acabado. Sua esposa não abriu os olhos novamente e Albert viu seu coração partir-se ao meio e perder a cor. Poucos segundos depois, perdeu suas forças e também se foi.
Somente o perdão é capaz de reconstruir. Marissa se foi antes de perdoar o erro de Albert, que sentiu a mais profunda dor em seu coração agora negro. Negro de medo, de arrependimento, de culpa. Sabia que a morte de sua esposa era culpa exclusivamente sua e que nada no mundo seria capaz de fazê-lo morrer tanto quanto isso.
O amor é uma via de mão dupla. Você ama e será amado de volta. Mas se você trai e escurece o coração dessa pessoa, o amor puro e genuíno deixa de existir. Resta ali, naquele coração, apenas um amor ressentido e luxurioso. E um coração traidor jamais consegue doar-se a alguém, pois ele é egoísta, frio e mentiroso. Marissa morreu duas vezes. A traição foi sua primeira morte, porque seu amor por Albert era toda a sua vida.