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#012 Temporada

911
Ellise



O Amigo de Infância

Escrita por Sara Miguel

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  – Como ela está?
  – Não houve sinais de melhora no quadro desde a última vez que veio, sr. Brahan.
  Suspirei, apenas pela força do hábito. A esperança que estava acesa em minhas cinco primeiras visitas não havia se apagado, apenas diminuído, porém, o desânimo, sim, havia surgido.
  Observei o corpo quase que inerte, se não fosse pelos cabelos ao vento atrapalhando sua visão, fazendo com que de vez em quando ela mexesse neles.
  – Ele veio?
  – Não, senhor.
  Minhas mãos se fecharam em punho. Maldito desgraçado.
  – Alguém veio?
  – Só um oficial.
  Não precisei olhar para o médico, para saber que ele não aprovava a visita dos oficiais da justiça.
  – Eles confundem a cabeça dela. Sei que é o trabalho deles, mas para uma paciente com o diagnóstico dela, o que eles esperam?
  Eu também era contra. Era contra qualquer coisa que pudesse atrapalhar o tratamento dela.
  Monica. A causa de sua perdição foi o amor.

  2 anos antes.
  – Você não precisa dele, Monica.
  – Cale a boca, Jordan. - ela me olhou feio. – Você não sabe de nada. Você nunca se apaixonou, como poderia saber?
  As palavras machucaram exatamente como deveriam. Monica jamais falaria coisas que machucassem alguém. Mas ela já não era mais a garota de antes, a mulher que conheci quando éramos crianças. Agora ela era Monica, a namorada de um político corrupto, que a enchia de presentes e mentia sobre sua profissão.
  Ela vivia uma mentira.
  Tantas, que virou motivo de piada entre os amigos e aqueles que mal a conheciam.
  Monica, a tola.
  E não foi por falta de aviso. Por falta de conversa.
  Tentei de N formas. Diretas, indiretas. Mas quem não quer enxergar, não irá. Ela queria acreditar que Paul era exatamente como ele se mostrava para ela, e foi nessa crença que ela se agarrou.
  Ele, por outro lado, não parecia ter nenhum remorso em mentir. Se mentia para o povo, o que era uma moça que estava apaixonada por ele?
  – Monica. - ouvimos sua voz chamá-la.
  O brilho voltou a seus olhos e o sorriso surgiu. Ela nem se despediu. Virou as costas e saiu correndo para o carro de luxo que a esperava, com seu querido Paul na direção.
  Troquei olhares com ele. Recebi um sorriso de deboche. “Eu venci”, ele queria dizer. “Ela é minha”.

  Dias atuais.
  Eu nunca mais a vi, até receber uma ligação de sua irmã mais nova.
  – Monica está machucada!!! Jordan, venha até em casa, por favor!!!
  Corri como se fosse a minha vida que estivesse em jogo. Quando cheguei na residência que Monica dividia com Brienne, sua irmã mais nova, a última me arrastou direto para o banheiro do quarto da mais velha. Os paramédicos corriam contra o tempo para salvá-la.
  Havia sangue para todos os lados. Um enorme corte em seu pulso e o som do chuveiro ainda aberto.
  – O que aconteceu?
  – Ele não veio. - Brienne disse, entre lágrimas. – Paul disse que viria vê-la, mas pelo contrário, ele não veio.
  – Tudo isso porque ele não veio?
  Brienne mexeu a cabeça desesperadamente.
  – Ele terminou com ela na semana passada. No dia seguinte, a polícia veio. O nome dela estava envolvido em vários casos de lavagem de dinheiro. Ela ligou para Paul, que disse que viria para cá e resolveria tudo. Mas ele não veio. Quando ela me contou, tentei procurá-lo, mas ele sumiu. Tudo dele sumiu. O escritório, a casa, o carro…
  Olhei para Monica desfalecida na banheira. Os paramédicos começaram a transportá-la para a maca, onde logo levaram para a ambulância. No hospital, ela quase morreu. Mas Monica não queria morrer. Ela queria ver Paul de novo.
  Ele havia usado ela e várias outras mulheres com quem estava “namorando” para conseguir lavar dinheiro, disse o oficial. Seria muito difícil provar que elas estavam sendo manipuladas. A polícia não queria saber se elas foram tolas. O dinheiro havia sido roubado, famílias estavam passando por necessidades.
  O quadro da saúde de Monica começou a melhorar, mas não seu psicológico. Este piorou de tal forma, que foi inevitável.
  – Ela precisa ser internada em uma clínica.
  Os advogados disseram que por pior que isso parecesse ser para Monica, auxiliaria no caso do processo. Conseguindo o diagnóstico dos médicos de que ela não estava em condições mentais e que Paul havia se aproveitado disso, alguma coisa poderia melhorar, se não ser resolvida em seu total.
  Minha razão não queria concordar com isso. Monica havia feito tudo por vontade própria. Tomou suas decisões e era muito lúcida.
  Olhei seu corpo debilitado na cama do hospital. Ela parecia estar dormindo. Como quando éramos mais novos e eu perdia muitas horas da minha noite durante o acampamento, a assistindo dormir. Era como um anjo da guarda. Suas amigas diziam que ela roncava, mas não era verdade.
  – Faça isso. - disse aos advogados. – Resolvam isso logo.
  Ao médico, dei-lhe a permissão de transferi-la para a clínica. A melhor clínica. Onde ela poderia ser bem cuidada e eu poderia acompanhar sua evolução.
  No início, ela parecia melhorar. Fazia algumas perguntas, mas continuava com o olhar perdido no rosto. Até que parou de falar.
  – Existe algo que se possa fazer para voltar a melhorar? A receber reações? Algo que lhe dê um choque, pelo menos. Para os neurônios não se perderem.
  – Eu te dei uma opção, senhor Brahan. - o médico me respondeu tranquilamente. – Será doloroso para ela, mas este é o melhor lugar para ela perder o controle, caso ainda tenha vitalidade para isso.
  Apertei meus lábios. Eu não queria descontrolá-la. Ela já havia sofrido o suficiente.
  – Os advogados nos enviaram material, como o senhor havia permitido, para avaliarmos e começarmos, aos poucos, mostrar para Monica. Ela ficará perturbada. Conturbada. Mas teremos reações e nossos psiquiatras poderão fazê-la falar, reagir e, no melhor das hipóteses, fazê-la raciocinar.
  Respirei fundo enquanto a vi virar seu rosto para uma criança sorridente que passava para visitar um dos pacientes dali. Sem reação.
  – Faça, mas aos poucos. Não a machuque demais.
  – Esse não é o nosso objetivo, senhor Brahan.
  – Acompanhe pessoalmente o tratamento.
  – Sim, senhor.
  – Doutor? - uma voz soou atrás de nós. O médico virou para trás e disse:
  – Pois não?
  – Oficial Collins. Desculpe retornar tão cedo, mas se for possível, tenho algumas perguntas a fazer à senhorita Burges.
  Vi o olhar do médico virar em minha direção, como se esperasse que eu dissesse algo.
  – Se quer a permissão, oficial, é melhor que pergunte ao responsável dela antes. - o médico disse.
  O oficial se aproximou de mim, até entrar em meu campo de visão.
  – Senhor…
  – Brahan. - lhe respondi. – Quais são as perguntas?
  – Elas são confidenciais.
  – Não para o responsável dela.
  – Apenas os advogados…
  – Eles são meus advogados.
  O oficial se calou.
  – Acha que ela tem condições de contratar e orientar advogados? - desviei meu olhar para o homem, um pouco mais baixo que eu, mas com um olhar penetrante, como deve ser.
  – O que o senhor é dela? - ele perguntou.
  Voltei a olhar para Monica, que erguia a mão para tocar uma borboleta que rodeava a poltrona onde estava sentada.
  Abri um pequeno sorriso, ao ver um resquício de sua inocência. Logo, respondi:
  – O amigo de infância.

FIM