Nosso Segredo

Escrito por Gaby Mdrs | Revisada por Ponci

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Capítulo Único

  Os olhos do garoto não se desgrudavam um segundo da tela do computador à sua frente, estava tão concentrado no que lia que não percebeu a aproximação da garota ruiva.
  - O que é isso que você está lendo, ? – O menino teve um susto ao ouvir a voz da prima fazendo aquele questionamento. Por que, de todas as pessoas naquela casa, justo tinha de vir avisá-lo que o almoço já estava sendo servido? Este era o único motivo que encontrara para ela estar em seu quarto, quando sempre fazia questão de evitá-lo o máximo possível todas as vezes em que visitava a cidade.
  - Nada que te interesse – respondeu, fechando a guia em que o site estava aberto e virando sua cadeira giratória para que pudesse encarar a garota.
  - Grosso – ela o alfinetou. – Só vim avisar que tia Natalie já colocou os pratos na mesa.
  - Obrigado pela gentileza, . Já vou descer.
  Ela não dispensou mais nenhum olhar em sua direção. Apenas saiu, fechando a porta com a delicadeza com a qual fora criada para usar.
  Talvez não houvesse mesmo sido muito receptivo com ela, mas de que adiantaria mostrar-lhe o site magnífico sobre mitologia que encontrara, quando a prima não dava a mínima para o assunto e ainda menosprezava o interesse que ele tinha? Era mais fácil evitar os adjetivos negativos que sabia que ouviria sobre sua maior paixão.
  Abrindo novamente a página no navegador em que estava antes de ser interrompido, ele voltou a ler na parte em que havia parado. Faltava pouco, então não achou que tivesse se atrasado muito para a refeição. Fechou o site, depois de ter terminado a leitura e, após desligar a tela do computador, ajustou os óculos de grau no rosto, tentando deixá-los alinhados sobre o nariz, suspirando quando não conseguiu o resultado desejado. Algumas coisas insistiam em continuar não cooperando! Desistindo de tentar lutar contra a armação, saiu do quarto e desceu as escadas, seguindo o cheiro maravilhoso que vinha da sala de jantar.
  Guisado de frango. amava guisado de frango. Sua tia devia ter feito especialmente para ele. O garoto quis sorrir diante dessa perspectiva, mas não chegou a concluir a tentativa. Todos já estavam sentados à mesa quando chegou, sua mãe não gostaria nenhum pouco de seu atraso. Prova disso, era o olhar nada amigável que estava lhe dirigindo. Ele nunca conseguia fazer nada direito. Era o garoto imperfeito, que só se interessava por coisas ilusórias e nada concreto. A decepção da família.
  - Desculpem o atraso – murmurou ele, antes de puxar a única cadeira vaga para se sentar, que era justamente ao lado de . Porque ele era sortudo assim.
  - Tente chegar na hora da próxima vez – disse sua mãe, abrandando um pouco o tom, pois havia visitas em casa. Se não fosse por isso, ele certamente receberia uma bronca pior, acompanhada de um discurso de como ele não estava fazendo nada de útil com o seu tempo ao ler tantas “baboseiras”.
  Estranhamente, , que não perdia uma oportunidade de caçoá-lo, não pronunciou uma palavra. Apenas continuou a comer. Não dedicando um segundo pensamento a isso, colocou comida em seu próprio prato e começou a comer em silêncio.

*** * ***

  Havia uma inquietação em , algo que a impelia a ir para onde ela não deveria; para onde não queria mais ir. Só podia haver algo de errado com ela, pois não era normal essa vontade louca que sentia de estar em contato com a água. Nunca sentira isso antes, em nenhuma das outras vezes em que estivera na cidade. Então, o que estava acontecendo?
  A garota balançou a cabeça, tentando se livrar deste tipo de pensamento. Contudo, sua tentativa foi inútil, pois, durante o movimento que fizera, obteve um pequeno vislumbre do mar, pela janela da cozinha, brilhando sob o sol forte. estremeceu. Odiava o mar. Odiava qualquer lugar em que houvesse uma quantidade de água maior que a necessária para beber. Nunca pensara que pudesse nutrir um sentimento tão negativo por algo que amava, mas isso era o que um trauma poderia fazer com uma pessoa. Ou era algo neste sentido que sua terapeuta havia lhe dito durante as sessões que fizera logo após o incidente. Por isso, esse clamor todo de seu corpo por algo que não gostava mais não fazia sentido.
  Talvez fosse apenas a falta de costume, uma vez que estava habituada a frequentar a praia, e tudo o que esta tinha a oferecer sempre que vinha a Winter Harbor. Porém, não mais. Não desde o ano passado.
  Se fechasse os olhos ainda conseguia sentir a água invadindo suas vias respiratórias, a sensação de estar afundando e não poder fazer nada para evitar, cada vez mais sendo puxada para baixo. Ela não deveria ter se aventurado naquela parte profunda, não depois de ter bebido como fizera. E aquele dia poderia ter terminado de uma forma bem mais trágica. poderia ter morrido. Não fosse pelos bombeiros terem chegado a tempo, ela poderia não estar ali agora. E era por isso que passara a evitar chegar perto de locais com água.
  - O que está fazendo, querida? - Ela ergueu o olhar ao ver a mãe entrar na cozinha e deu um meio sorriso.
  - Nada de mais, apenas pensando – respondeu.
  - Bem, sua tia Natalie queria saber se você gostaria de acompanhá-la até o centro. Ela vai comprar algumas coisas para a festa de hoje à noite, então...
  - Sim, eu quero ir sim. Tia Natalie precisa do meu toque para fazer uma decoração mais moderninha. – Forçando uma risada que soou falsa até para seus próprios ouvidos, se levantou da cadeira em que estava sentada e começou a caminhar em direção às escadas para que pudesse se ajeitar. De modo algum sairia de casa com um visual desleixado.
  No quarto que estava dividindo com a filha de sua tia Angelina, dona da casa onde toda a família estava reunida para as comemorações de 4 de julho, pegou sua bolsa de cosméticos e colocou em cima da cama o necessário para dar um aspecto mais saudável em sua pele, que nos últimos dias andava muito ressecada.
  - Nada pode ser perfeito, não é mesmo – murmurou para seu reflexo no espelho, após terminar de aplicar a maquiagem. Havia conseguido encobrir as marcas em seu rosto, mas o cabelo parecia uma palha quebradiça. – Droga de água salgada!
  Prendendo os fios avermelhados em um rabo de cavalo, pegou algum dinheiro na bolsa e colocou no bolso frontal do macaquito jeans que vestia.

*** * ***

  - Madden, preciso da sua ajuda aqui em baixo!
  Não havia um segundo de paz naquela casa, para que ele pudesse ler, era impressionante. não se importava que praticamente toda a família estaria ali naquela noite para assistirem os fogos. Ele queria continuar a pesquisa que estava fazendo.
  - Já vou, mãe! – Gritou em resposta, largando o livro, que o site sobre mitologia recomendara, em cima da cama.
  Ao fechar a porta do quarto, deu de cara com .
  - Whoa! O que você quer aqui no meu quarto? – Questionou, desconfiado, ao encarar os olhos pálidos da garota, que agora parecia acanhada.
   não sabia se tomara a melhor decisão, mas essa ideia vinha lhe rondando a mente desde o início do dia, e era sua última alternativa. Se havia uma pessoa que entendia de fatos estranhos era seu primo, e ela necessitava desesperadamente de ajuda.
  - Preciso da sua ajuda – disse em um tom quase inaudível.
  - O que você disse? Eu não entendi.
  - Eu disse que preciso da sua ajuda, idiota! – Ela não sabia se fora provocação ou não, mas se irritara. Estar ali era uma má ideia. com certeza iria querer se vingar de todas as vezes que debochara dele. Era melhor sair enquanto era tempo. Não importava o quanto estivesse angustiada em busca de respostas. – Quer saber de uma coisa? Esquece! – Começou a se afastar, mas ele segurou seu braço.
  - Espere só um segundo, . – a encarou seriamente. – Se você, que mal me dirige a palavra, disse que precisa da minha ajuda é porque algo grave aconteceu. Então me diga o que é.
  - ! – Angelina gritou enfurecida no andar de baixo.
  - Faz assim, me procura quando todos estiverem entretidos com a queima de fogos. Eu nunca participo mesmo. Se eu puder te ajudar, independentemente de qualquer desavença entre nós, eu vou.
  - Tudo bem – ela coaxou.
   correu para atender ao chamado da mãe, mas com a mente no estranho encontro com . Em que ela precisaria de sua ajuda?

*** * ***

  Ela só podia estar ficando louca. Todos os estranhos acontecimentos tinham que ter culminado em loucura, porque só assim conseguiria explicar o fato de estar sentada na cama do parente mais lunático que possuía, prestes a contar o que vinha lhe atormentando nos últimos dias.
  - Eu não sei mais o que fazer – confessou. – Você é a minha última esperança de conseguir explicar o que está acontecendo comigo.
  - Bom saber que sou sua última opção – rebateu, do lugar em que estava sentado na cadeira da mesa do computador.
  - Não enche, ! Eu já estou enfrentando problemas para me abrir com você, será que dá para não piorar a situação?
  - Não está mais aqui quem falou! - Ele ergueu as mãos em sinal de rendição. – Pode falar, eu não vou julgar. Afinal, quem sou eu para julgar alguém, não é mesmo?
   respirou fundo e passou as mãos sobre a pele áspera dos braços. As luzes coloridas dos fogos de artifício queimando pela janela iluminaram o aspecto feio que tivera de encarar pelas últimas horas. Sua situação estava piorando, no entanto ela não queria ter que contar para a mãe. Pelo menos não agora, pois não queria voltar ao médico. Muito menos se entupir de remédios.
  - Há algum tempo eu venho me sentindo esquisita. – Ela engoliu em seco. – Começou com algo pequeno, como a necessidade de me hidratar constantemente, mas logo isso não foi suficiente, não importa quanta água eu beba, sempre estou com sede, sentindo minha garganta seca. Até aí, não achei nada de anormal, mas desde que cheguei aqui no começo da semana para passar as férias, isso piorou. Minha pele está extremamente seca e sensível. Em alguns lugares está até mesmo descamando.
  - , eu não entendo como eu poderia te ajudar. Não sou médico – O garoto disse, antes mesmo que ela terminasse o relato.
  - Você não entende! – esbravejou, erguendo-se da cama e jogando os braços para cima. – Há algo de anormal em mim! Meu corpo parece ter vida própria querendo me puxar em direção à praia, clamando pelo mar. E para completar, de uma hora para outra, meus olhos resolveram mudar de cor!
  - O quê?! – Questionou ele, estupefato.
  - Imagine minha surpresa quando tirei meus óculos escuros e notei que estavam diferentes!
   pegou uma lanterna na mesinha do computador e apontou para a prima - como ninguém podia saber que eles não estavam lá em baixo, tiveram que deixar as luzes do quarto apagadas -, sendo surpreendido por não encontrar seu habitual olhar azul, mas sim um brilho mais claro. A íris estava quase translúcida.
  Ele já lera um pouco sobre isso antes. A prima com certeza não acreditaria em suas suspeitas. Não que ele mesmo acreditasse em tamanha surrealidade.
  - Eu vou pesquisar sobre isso. Me comprometo a ir amanhã na biblioteca pegar uns livros para me informar, mas independentemente do que estiver acontecendo com você, saiba que seu segredo está seguro comigo. Prometo te ajudar a descobrir.
  - Promete mesmo?
  - Esse será nosso segredo. Pode voltar para a festa tranquila agora.

Fim?



Comentários da autora


  Nota da autora: Primeiramente, eu gostaria de pedir desculpas à minha amiga secreta. Não consegui escrever algo com o qual sentisse conexão. Foi um atropelo de compromissos, somado a um bloqueio criativo. Contudo, para não deixar passar em branco esta data tão especial, como considero o dia do amigo, e para cumprir um compromisso que assumi com toda esta equipe sensacional que compõe o EC, escrevi este pequeno conto.