New Angel

Escrito por Gabriela D. P. | Revisado por Lelen

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  Entrei em meu quarto e lá estava ela, seminua, usando apenas uma calcinha preta e em seu pescoço uma das minhas gravatas preferidas. Sorri e me aproximei da cama e ela me puxou para perto e me roubou um beijo intenso e quente, me abraçou pela cintura como se não quisesse me perder nunca mais.
  - Gostou da surpresa, meu amor? – sussurrou em meu ouvido. Em seguida a puxei pela gravata e selei nossos lábios em mais um beijo ardente.
  Afastou meu paletó para trás me fazendo tirar, deixando cair no chão logo atrás de mim. Ela levou suas mãos ao meu pescoço e me olhou por um tempo.
  - O que foi? – perguntei ainda perdido no seu olhar.
  - Eu te amo... – Com a voz melosa ela respondeu.
  - Eu também te amo, .

  O barulho do despertador ecoou pelo meu quarto, me resgatando das minhas lembranças.
  Hoje completou quatro meses e meio que e eu terminamos, não sei se o termo “terminamos” seria o mais adequado, afinal ela me traiu com meu ex-chefe. Então nosso relacionamento havia terminado antes, eu só não havia sido informado. Eu flagrei meu chefe “comendo” no tapete do escritório. Nem preciso dizer que depois disso pedi demissão.
  Tudo que eu queria é que essa mulher saísse dos meus pensamentos. Respirei fundo, todas as minhas horas se resumiam a lembrar dela, estou ficando louco. Eu nem devia sequer gastar um segundo pensando em , mas ando brigando com a minha razão e emoção. “Meu Deus, , parece que você esquece de tudo que ela te fez passar.”
  Eu já estava um pouco atrasado, só peguei minha pasta, chaves do carro e saí de casa. No caminho parei rapidamente no “Coffee shop” que tinha na esquina do prédio do escritório. Pedi o meu café de sempre e um bagel. Enquanto aguardava meu pedido ficar pronto, ouvi o sininho da porta tocar quando alguém entrou, ao me virar, meu corpo congelou, era . Ela fez o seu pedido e eu fiquei totalmente sem reação quando ela começou a vir em minha direção.
  - Oi, . – Ela parou ao meu lado. – Como você está? – Perguntou um pouco acanhada.
  - Ótimo. – Meu maxilar travou e eu respirei profundamente. “Flashes” dela em cima do Sr. Smith, no tapete do escritório, bombardearam a minha mente.
  - . – A atendente chamou, aproveitei para dar as costas e pegar meu pedido logo.
  - Foi bom te ver. – Ela teve a cara de pau de falar.
  - Não posso dizer o mesmo. – Respondi quando passei apressadamente por ela e cruzei aquela porta o mais rápido que pude. Um nó havia se formado em minha garganta, até minha respiração estava curta. Corri até o prédio e sem olhar para os lados entrei no elevador e apertei no décimo andar. Eu estava sentindo o ar se extinguindo do ambiente, assim que as portas se abriram, sem nem cumprimentar ninguém, passei direto para o meu escritório. Larguei o pacote com o café em cima da mesa, afrouxei minha gravata e comecei a respirar bem fundo. Andei de um lado para o outro, tentando me acalmar. Como ainda doía e muito.
  O telefone do escritório começou a tocar. Respirei mais umas três vezes bem profundamente e atendi.
  - Sim?
  - Sr. , sua cliente das dez horas ligou pedindo para remarcar para amanhã, o mesmo horário, pode ser?
  - Pode sim. Vou aproveitar para revisar outros processos, aproveita e remarca o das onze também que vou dar um pulo no Fórum daqui a pouco.
  Ver essa manhã foi como ter recebido uma marretada na cabeça. Eu não estou conseguindo nem me concentrar. Eu preciso urgente de uma nova distração, estava na hora de tirar definitivamente dos meus pensamentos.
  Eu havia dito para Shawn que não iria para o seu aniversário hoje à noite, mas mudei de ideia. Peguei o celular e digitei uma mensagem para ele, se ainda estava em tempo de confirmar minha presença. Ele logo respondeu que sim, que iria deixar meu nome na lista para hoje à noite, na Oxygen Club.

(...)

  A música rolando, o lugar realmente era incrível, já estava lotado. Shawn liberou bebida para todos nós. E lá eu estava procurando esquecer tudo em uma noitada. As horas iam passando, mas era como se cada segundo se resumisse a e todo meu pensamento está envolvido em torno dela. Peguei meu celular e acabei olhando o Instagram dela, em seus Stories, ela estava em uma foto sorridente e em outra um jantar à luz de velas e uma marcação estava presente, era Isac. Não sei por que ainda me torturo vendo isso. Aproveitei aquele momento para bloquear, eu não queria e nem tinha o porquê em saber mais nada da vida dela.
  - Vai beber mais um pouco para se soltar, . – Jason me alcançou mais um copo.
  - Parece que nem o álcool mais faz efeito em mim. – Peguei o copo da mão dele e virei um longo gole.
  - Eu tenho umas amigas pra te apresentar.
  Jason vivia tentando me apresentar alguém desde quando comecei a namorar . Ele e Shawn chegaram a me alertar algumas coisas sobre , mas não dei ouvidos.
  - Essa é Cindy e a amiga dela, a Naomi. E esse é meu amigo .
  - Prazer. – Cumprimentei educadamente as duas.
  Começamos todos a conversar, mas não demorou para meu amigo sumir junto com a tal Cindy, me deixando de repente em um silêncio constrangedor com a Naomi.
  - Então... – Eu sorri.
  - Jason me disse que você é advogado. – Ela puxou a conversa.
  - Sim, eu sou. E você?
  - Não sou. – Ela riu e eu fiquei um pouco sem jeito. – Eu sou oftalmologista.
  - Ah, legal. – Eu havia perdido todo o jeito de conversar com as mulheres pelo visto. E novamente um silêncio se instaurou, eu não conseguia manter a conversa, o que havia acontecido comigo? Uma mulher tão linda na minha frente e o nome não para de rodear a minha cabeça? – Quer um drink? Eu vou lá buscar para você.
  - Eu aceito sim. – Ela sorriu e sentou-se mais confortavelmente no sofá.
  - Qual você quer?
  - Piña Colada. – Ela respondeu. Só pude pensar, o preferido da .
  Desci e segui até o bar. Pus os cotovelos sobre o balcão, esperando o bartender preparar uma bebida para outro cliente que estava sentado em um banco do meu lado direito. Não estava com pressa, afinal ainda não sabia nem que assunto puxar com a Naomi assim que entregasse a bebida a ela.
  Talvez essa Naomi seja o que eu esteja precisando, nem que seja por essa noite. Mas eu não levava muito jeito nessa vida de pegador, quero ter alguém pra chamar de minha, pra proteger, abraçar, cuidar. Alguém para me acordar pela manhã e dizer que me ama, sim sou muito piegas.
  E naquele exato momento tudo que eu queria era esquecer, toda a mágoa de uma traição covarde da mulher que eu realmente achava que tinha sentimentos reais por mim, assim como eu tinha por ela, mas nem sempre tudo é como a gente espera.
  O bartender terminou de servir o líquido no copo e entregou para o cliente ao lado de forma casual e virou-se para me atender.
  - Eu vou querer um Dry Martini e... – Pensei e lembrei do drink preferido de . – Uma Piña Colada. – Elas terem o mesmo drink preferido seria um mau presságio? Pensei comigo mesmo.
  - Certo. – Ele seguiu até a geladeira, para pegar alguns ingredientes. Em pouco tempo ele preparou os dois drinks e os deixou a minha frente no balcão.
  - Obrigado. – Agradeci. Bebi aos poucos meu Dry Martini antes de ir levar o drink da Naomi.
  - Adorei esse canudinho enfeitado. – Uma moça que parou ao meu lado comentou. – Eu vou querer um igual. – Ela gritou para o bartender. – Como é o nome desse drink? – Devido à música alta, ela pediu próximo ao meu ouvido.
  - Piña Colada. – Respondi alto e tomei o último gole do meu drink.
  O bartender já tinha ouvido da primeira vez e logo alcançou o mesmo drink a ela.
  - Um brinde? – Rindo, ela sugeriu para mim.
  Fiquei sem muita reação e acabei brindando com ela. Ela bebeu um gole e fez uma cara feia.
  - Ai que ruim! – Ela largou de volta o drink no bar e naquele momento foi inevitável eu rir. – Que foi?
  - Ai... Desculpa... Mas é que você fez uma careta tão engraçada. – Respondi dando uma última risada. Ela revirou os olhos, mas não conteve um sorriso.
  - Culpa sua, que estava aí com esse drink todo bonito. Nunca mais bebo essa tal da Piña Colada.
  - Não mesmo, a culpa foi sua, pediu pela aparência, olha aí o resultado. – Ri novamente, mas lembrei que ainda estava segurando aquela bendita Piña Colada.
  - Achei que você tinha cara de alguém confiável e como você também pediu. – Ela ergueu uma das sobrancelhas, intrigada.
  - Verdade. – Olhei para o drink na minha mão. – Mas não é para mim.
  - Ahhhh! Entendi. Você está acompanhado, desculpe. Que vergonha. Eu aqui tomando seu tempo. Vou ali pedir um outro drink, que não envolva abacaxi.
  - Não... – em um impulso a segurei pelo braço. – Eu... – Fiquei sem palavras de repente. – É para uma amiga. – Não sei por que senti a necessidade de me explicar para um estranha.
  - A sua amiga deve estar aguardando você levar o drink, então. – Soltou um risinho e balançou a cabeça. Ela deu as costas e voltou ao bar. Eu fiquei alguns minutos apenas a observando, então lembrei que realmente a Naomi estava esperando o drink. Subi rapidamente e ao chegar, Naomi não estava mais ali.
  - Está procurando a Naomi? – Shawn perguntou e eu afirmei com a cabeça. – Ela já foi embora, saiu com um carinha aí que veio buscar ela.
  Larguei aquele maldito drink na mesa de centro e desci mais uma vez, quem sabe encontraria de novo a moça que conheci no bar. Como eu era um estúpido, nem o nome dela eu fui capaz de pedir.
  Voltei até o bar e não a vi mais por ali, as luzes piscando dificultavam um pouco para enxergar bem. Mas já que estava no bar, aproveitei que mais uma vez lembranças da invadiram minha mente, notei que a quantidade de álcool que eu tinha bebido ainda não era suficiente para me livrar dessas memórias, me virei para o bartender e pedi o drink mais forte que ele tinha e assim ele o fez.
  Assim que finalizei o primeiro copo, já senti a pancada. O que será que tinha nesse drink? Sentia minha língua amortecida e tudo já estava girando, não estava conseguindo me erguer do banco do bar.
  A música martelava dentro da minha cabeça e todas as pessoas estavam girando à minha volta. Meu banco está afundando? Pensei comigo mesmo. De repente senti alguém me segurar pelo braço, tudo girou mais uma vez e apaguei.

(...)

  Meu despertador parecia estar tocando dentro do meu cérebro. Eu realmente tinha que trabalhar hoje?
  Com a cabeça batendo feito um tambor e com aquele gosto amargo na boca, fui praticamente me arrastando até o chuveiro.
  Tomei uma aspirina, junto com meu café, peguei minha pasta e as chaves do carro. Agora comecei a lembrar de certas coisas de ontem a noite, foi o Shawn quem me trouxe para casa. Nossa, ainda estou tentando descobrir o que tinha naquele drink, porque ainda sinto que estou um pouco zonzo.
  - Bom dia, Margot. – Cumprimentei minha secretária, sem ainda tirar os óculos escuros, entrei em meu escritório e me joguei na minha cadeira. Aproveitei enquanto a minha cliente das dez horas ainda não chegava e tirei um leve cochilo ali sentado mesmo.
  Dei um pulo da cadeira quando bateram na porta. Rapidamente joguei os óculos escuros na mesa e fui ver quem era. Era meu chefe, Antony, e ao seu lado estava alguém que me fez paralisar na porta. Era ela, a moça que conheci no clube ontem à noite.
  - , quero apresentar a nova advogada da firma, essa é a . E esse é o , faz quatro meses que ele trabalha conosco.
  - Prazer... – Ela estendeu a mão para me cumprimentar, mas pelo olhar que ela lançou ficou tão surpresa quanto eu.
  - Seja muito bem-vinda, . – Eu sorri.
  - Obrigada.
  Depois que fechei a porta da minha sala, fiquei sem acreditar. Pensei na coincidência louca.
  A tarde foi corrida, não cheguei a ver a no escritório o dia todo. Quando finalmente terminei tudo, peguei minhas coisas e a encontrei esperando o elevador.
  - Mundo pequeno, não? – Puxei assunto com ela.
  - Desculpa, ainda estou um pouco envergonhada, por ontem. – Ela riu e colocou a mão no rosto.
  - Não tem nada do que se envergonhar. – Eu ri com ela. – Pelo menos agora eu sei seu nome.
  - É que na minha cabeça eu já tinha te dado até um apelido, apesar de que no final da noite eu fiquei sabendo seu nome.
  - É mesmo? Qual?
  - Sr. Piña Colada. – Ela riu timidamente, chegou até ficar com o rosto vermelho. – Apesar de que depois você estava tomando um outro drink, acho que se chamava “fire bomb” algo assim.
  O elevador chegou e eu segurei a porta para ela entrar.
  - Como assim depois? Como ficou sabendo meu nome? – perguntei assim que a porta se fechou. Essa parte eu não estava lembrando.
  - Eu fui até o bar buscar uma água e você me chamou de “” e disse que tinha tomado um tal de “Fire Bomb” e depois eu falei que não era essa , você começou a fazer perguntas como: “por que o amor dói tanto?” e “por que as mulheres traem?” e “seu eu já havia me apaixonado alguma vez.”
  - Meu Deus! Eu te chamei de “”? – E ela não se parecia nada com ela. - Nossa, eu falei todas essas coisas? – Arregalei os olhos. Eu não lembrava nada disso, mas agora que ela mencionou, alguns flashes eu sentado próximo ao bar conversando com alguém me vem na memória. – Agora quem está envergonhado sou eu! – Passei a mão pelo cabelo.
  - Tá tudo bem, você não falou nada demais, você estava só desabafando, eu entendi que você tinha passado por alguma decepção e foi aí que te perguntei se você tinha terminado um namoro ou algo assim e você me contou o que houve.
  - Não acredito, fui um bêbado chato, desculpa mesmo eu ter ficado me lamentando pra você.
  - Não tem problema, não achei ruim, gostei de te ouvir. – Ela sorriu de canto.
  - Agora estou feliz por meu apelido não ser “o bêbado chato”.
  - Não te achei chato, Sr. Piña Colada. – Ela riu.
  - Está bem, se você diz. E depois de toda essa lamentação o que eu fiz?
  - Aí você começou a ficar cansado e se escorou no bar e um amigo seu chegou e te levou embora. Só isso, mas antes me certifiquei que eram seus amigos mesmo, você estava muito mal. Fui até o estacionamento e eles me mostraram que aquele era o seu carro e até fotos com você eles me mostraram. – Ela riu.
  Eu quase nem conseguia olhar para ela, tamanha era a minha vergonha.
  - Eu estraguei sua noite... Não estou acreditando que eu fiz isso. Ficou lá no bar escutando as minhas baboseiras. – Encarei o chão. – Por que você ficou lá me ouvindo, devia ter me deixado lá caído no bar mesmo.
  A porta do elevador se abriu assim que chegou no andar do estacionamento. Saímos e eu ainda estava evitando olhar para ela.
  - Não conseguiria, eu percebi que você não estava bem, que estava magoado, senti que era diferente dos caras chatos e bêbados que tem na balada. Só tentei ajudar.
  - Pena? – Olhei para ela, enquanto andávamos pelo estacionamento.
  - Não! – Ela respondeu com prioridade. – Só senti que você precisava alguém pra te ouvir e depois eu queria que você chegasse bem em casa, só isso. – Ela explicou com sinceridade.
  - Obrigado, , de verdade. Poucas fariam o que você fez, sério. – A olhei nos olhos dessa vez e ela ergueu seu olhar dando um sorriso tímido e corou novamente. Achei essa cena tão encantadora, o contato do olhar foi quebrado com um barulho de carro saindo do estacionamento.
  - Meu carro está logo ali. – Ela apontou.
  - E o meu é esse aqui. – Destravei as portas com o controle.
  - Até amanhã, .
  - Até, ... Espera. Seria muito inconveniente tomarmos um café amanhã, quando sairmos do escritório? Não quero que você fique com aquela impressão do bar.
  - Um café. – Ela pensou. - Tudo que não envolva abacaxi, eu aceito. – Ela deu uma gargalhada gostosa.
  Me despedi dela com um abraço bem caloroso, era como se já nos conhecêssemos mais do que apenas uma noite.
  Fui o caminho pensando no jeitinho da , até o cheiro do perfume dela ficou preso em mim. Era muito estranho o modo que eu estava me sentindo. Mas admito que estava curioso sobre , ela já havia escutado sobre a minha pior parte, mas eu ainda não sabia quase nada sobre ela, mas queria saber.
  Pela primeira vez nesses quatro meses, passei quase um dia todo sem ter as lembranças de .

(...)

  Eu tive muitos clientes fora na parte da tarde, vi de relance, mas combinamos de nos encontrar no “coffee shop” da esquina, que eu frequentava de vez em quando.
  Tomamos um café e desde então as conversas se tornaram diárias e assim nos encontramos mais uma vez e foi rolando tudo naturalmente. Em meio a todas as conversas que tivemos ela me contou que foi noiva e um dia antes do casamento o noivo dela foi embora, para outro país, simplesmente deixou um bilhete e há poucos meses ela teve notícias que ele estava na Austrália e casado com outro homem. Agora eu não era o único que havia compartilhado as desilusões amorosas que teve.
  Os dias passaram e o clima do escritório estava agitado, devido a um grande caso que havíamos pegado, mas finalmente obtivemos a vitória.
  - Hoje tem comemoração na Oxygen. – Antony avisou a todos.
  - Que comemoração? - perguntou.
  - ganhou o caso das empresas Nortons.
  Todos aplaudiram e foi inevitável notar o sorriso radiante de , certos detalhes nela a cada dia me chamavam mais atenção.
  - Você vai, não é mesmo? – perguntei me virando para ela, na tentativa de finalmente marcarmos mais que um café depois do trabalho.
  - Claro... Temos muito para comemorar. – Ela respondeu.
  - Te pego às oito horas?
  - Seria um encontro, Sr. ? – Ela brincou.
  - Sim. – Respondi sem rir e ela me olhou surpresa. Realmente estava na hora de dar um passo adiante. – Quero muito ir comemorar esse momento com você. Posso passar e te pegar, então?
  Pela primeira vez em tempos, deixei sem palavras, ela apenas concordou com a cabeça e mais uma vez ela ficou com as bochechas vermelhas, eu achava aquilo encantador.

(...)

  - Vamos brindar. À vitória de hoje à tarde. – Sugeriu Antony ao erguer sua taça.
  Brindamos e conversamos um pouco junto com nosso chefe, mas a música alta impedia muita conversa e depois de alguns drinks Antony resolveu ir embora porque sua esposa havia ficado em casa. Ficamos apenas e eu.
  - E estamos aqui, onde nos conhecemos. – Mencionei para ela lembrando da noite em que a vi pela primeira vez.
  - Mais especificamente ali naquele bar, não é mesmo, Sr. Piña Colada? – apontou e riu. Ela tinha uma risada gostosa e eu não conseguia tirar os olhos dela.
  - Sabe... – Tomei coragem e continuei falando próximo ao seu ouvido, devido à música alta. – Que eu adoro a sua companhia... – Fiz uma pausa. – E esse teu sorriso anda me encantando cada dia mais.   Ela abriu outro sorriso e mesmo com as luzes piscando pude notar que ela tinha ficado vermelha e agora era eu que não conseguia mais parar de sorrir.
  Aproximei-me mais de , ela me olhou nos olhos e tudo aquilo era real, eu a queria e muito. Pousei minhas mãos em sua cintura e a puxei mais perto de mim, subi a mão direita até parar em sua nuca e a trouxe para mais perto, nossas respirações passaram a se confundir em uma só, até que selei nossos lábios, fechei meus olhos e reagi ao toque sutil de seus lábios nos meus, logo fui correspondido em um beijo intenso e urgente. envolveu seus braços em minhas costas trazendo meu corpo ainda mais junto ao dela. Terminei o beijo mordiscando de leve o lábio inferior dela e por último dando um selinho, para recuperarmos o fôlego.
  - Às vezes parece que eu já sonhei com isso, com você... – Comentei, pois, a conexão que senti ao nos beijarmos foi incrível.
  - Eu sei exatamente o que você quis dizer. – Ela sorriu, voltou a erguer um pouco seu rosto e beijou a ponta do meu nariz. Mesmo de salto ela ainda era um pouco mais baixa que eu.
  Enquanto dançávamos, entre algumas risadas, trocávamos, carinhos e beijos. Como era bom estar ao lado de .
  Eu sentia que não queria mais soltá-la, de repente, estávamos dançando e alguém esbarrou na , derramando bebida em seus pés.
  - Desculpa. – A moça pediu a ela, quando foquei meu olhar em quem estava se desculpando, me deparei com Sarah, a melhor amiga de .
  - Sem problemas... - balançou os pés.
  E quem estava logo atrás dela? . Meu corpo paralisou nesse momento e meu coração acelerou, essa era a reação que ela ainda me causava.
  - Oi, . – Sarah me cumprimentou e assim também fez .
  - Oi. – Respondi seco.
  E elas passaram adiante.
  - Você... Conhece? Conhece Stafford? – Ela me olhou absolutamente surpresa ou assustada, quase não consegui distinguir. – Essa é a...
  - Sim. – Fui monossilábico nessa hora e meu olhar continuou seguindo até a mesa onde ela parou com suas amigas, eu estava sentindo um misto de emoções, mas de repente me dei conta que nunca havia mencionado o sobrenome dela para .
  - Como você sabe o sobrenome dela? – Voltei minha atenção à .   - Ela foi minha vizinha, dois anos atrás, quando eu dividia apartamento com uma colega que era bem conhecida dela. – Ela explicou.
  - Ah... – Meu olhar correu mais uma vez até a mesa de . Eu ainda sentia muita raiva dela e naquele momento queria mostrar que eu estava acompanhado, quando notei que ela retribuiu meu olhar, puxei para mais um beijo, só que dessa vez a beijei com mais urgência, mas a minha mente estava longe, ou melhor dizendo, estava três mesas à direita da minha. Queria de certa maneira que sentisse o mesmo que eu senti quando a peguei com meu ex-chefe, eu só conseguia pensar nisso durante todo o beijo.
  Até que rompeu o beijo e me olhou, podia dizer que até com uma certa desconfiança, seu olhar não era o mesmo de antes.
  - O que foi? – perguntei, tentando disfarçar que eu estava distante dela.
  - Eu que pergunto, você ficou frio em questão de alguns minutos.
  - Como assim? – Eu não conseguia controlar e meu olhar intercalava entre e .
  - Nada... – Ela balançou a cabeça negativamente e olhou para trás, diria que para a mesa de . – É melhor eu ir para casa e... – Ela pegou a bolsa que estava pendurada na banqueta.
  - Está bem. – Respondi desatento. – Como assim? – Voltei minha atenção a ela, quando me dei conta do que ela tinha dito. – Vamos ficar mais um pouco.
  - Cenas para fazer ciúmes não são comigo. – Ela respondeu friamente.
  - Como? – Fiquei sem entender do que ela estava falando e foi inevitável mais uma vez meu olhar se voltar para a mesa de .
  - Pode ficar aí. Eu vou pegar um táxi. – Falou e eu voltei a olhá-la.
  - Eu te levo... Espera.   - Eu vou sozinha, é melhor. – Ela deu as costas. Caminhei alguns passos atrás dela, mas notei que estava me cuidando e aquilo me fez parar. Fiquei que nem um idiota só olhando ir em direção à saída do clube. Parecia que meus pés estavam colados ali.
  - ! – Senti um toque em meu ombro. Um toque extremamente familiar e meu corpo reagiu. Me virei e lá estava ela, com aquele decote que me enlouquecia toda vez.
  - . – Meu coração doía, parecia que eu ia ter um infarto. Minha boca chegou a ficar seca só de pronunciar seu nome. E quando ela sorriu, mais uma vez flashes dela rindo e chamando pelo nome “Isac” ecoaram pela minha mente, mesmo assim não conseguia sair de perto dela.
  - Você parece muito bem. – Ela se aproximou do meu ouvido para falar, devido a música alta. A sua voz me causou arrepio, lembranças de quando namorávamos bateram forte nessa hora, ela parecia ter um domínio sobre mim.
  - Estou... – Engoli seco. – Muito bem. – Continuei respondendo o necessário, totalmente imóvel.
  - Fico feliz. – Ela continuou com sua voz suave ao meu ouvido, me deixando sem rumo. Sutilmente ela passou a mão pelo meu rosto, deixando uma trilha quente do seu toque. E lentamente ela virou meu rosto bem de frente para o dela e eu não conseguia reagir, apenas me deixei dominar e quando ela encostou seus lábios nos meus, consegui dar um passo para trás e a encarei com raiva.
  - Eu só senti saudades. – Ela falou e meu corpo tremeu ao ouvir isso.
  - E o Isac? – Relutante falei o nome dele.
  - Ele não precisa saber de nada. – Ela deu um risinho e pousou sua mão em meu ombro. – Você não sente a minha falta, também?
  - Não... – Aquela palavra saiu rasgando pela minha garganta, afinal eu queria o gostinho de poder me vingar dele também, mas até onde isso seria uma vingança, ela estaria me fazendo de trouxa mais uma vez. Passei as mãos pelos cabelos e sem olhar para trás fui até o bar, precisava beber algo, minha boca estava seca, e meus pensamentos e sentimentos estavam embaralhados.
  - Um “Fire Bomb”. – Pedi ao bartender, eu precisava de algo que realmente anestesiasse toda essa dor e confusão que eu estava sentindo.
  Ao tomar o primeiro gole, o flash de lembrança que tive não foi de e sim de , meu peito se encheu de culpa, como pude deixar ela ir para casa sozinha? Eu a havia convidado para um encontro, como sou um estúpido mesmo. Larguei o drink, nem quis terminar e saí o mais rápido que pude daquele clube, precisava falar com a .

  Apertei o botão do interfone diversas vezes, demorou um pouquinho e ela atendeu com a voz abafada.
  - Quem é?
  - Sou eu, o .
  - Vai pra casa, já é muito tarde.
  - Eu preciso falar com você.
  - Amanhã a gente conversa, está bem?
  - Por favor, deixa eu subir, é rápido, eu prometo. Por favor? Eu vou ficar tocando até você abrir.
  Ela ficou em silêncio alguns minutos, pensei até que tinha desligado, mas de repente ouvi o barulho dela liberando o portão de entrada para eu subir. Abri a porta e corri até o elevador. Assim que o elevador se abriu no andar, já me deparei com de roupão na porta do seu apartamento.
  - São duas e meia da manhã. – Ela estava nitidamente chateada.
  - ... Posso entrar? – Não queria conversar no corredor e sem dizer nada ela cedeu passagem, permitindo-me entrar. Em seguida fechou a porta, mas permaneceu em pé, próxima à porta. – Eu sei que estraguei nosso encontro.
  - É... – Ela apenas concordou.
  - Eu não sei o que me deu e... Eu já tinha contado como foi difícil meu término com a e eu juro não foi de propósito, mas a , ela...
  - Não, ... – Ela me interrompeu. – Chega, não quero ouvir sobre a . Além do mais eu a conheço muito bem e... Não quero tocar nesse assunto. – Ela desviou o olhar por alguns instantes. – E você ficou lá... – Ela respirou fundo.
  - Ela só veio falar comigo... Eu quero você, .
  - Vou ser bem sincera. – Sua voz deu uma leve falhada. – Eu estou gostando muito mesmo de você, mas não quero ser apenas um “tapa buracos”, entende? Eu quero ser aquela que te deixa com as mãos suando frio, aquela que você tem raiva de ver com outro, aquela que faz você perder todo raciocínio... Entende?
  - Sim. – Concordei com a cabeça. – Mas a ... Eu quero que você a tire da minha cabeça. – Passei as mãos pelo rosto.
  - Isso só você pode fazer. É melhor você ir... – Ela pediu com a voz a fraca.
  - Mas, ...
  - Eu entendo que vocês tiveram um término conturbado, mas se você não está certo sobre seus sentimentos comigo, é melhor a gente parar por aqui, antes de sairmos extremamente machucados. Eu não quero viver nessa incerteza, de que a qualquer momento você cure essa mágoa e acabe voltando pra ela. É ela ou eu, não posso ir nesse caminho. – Ela fungou e estava nitidamente magoada e doía demais vê-la daquela maneira, mas naquele instante minha cabeça estava a mil, não conseguia raciocinar direito e nem falar as coisas certas.
  - Não, ... – Fiquei bem próximo a ela e peguei a sua mão, mas ela soltou em seguida.
  - Está tarde... É melhor você ir. – Ela insistiu. – Amanhã conversamos.
  - Está bem... – Respirei fundo e ela abriu a porta. – Até amanhã, .
  - Até, . – Fechou a porta.

(...)

  Cheguei em casa, desnorteado, me joguei no sofá do jeito que eu estava mesmo. Tudo que aconteceu nesta noite, me arrebentou por dentro e eu não sabia como consertar a situação, cada vez que eu fechava os olhos eu via , correndo livremente, sorrindo e essa imagem me perturbava. “, você é um idiota. Qual o seu problema? Aquela mulher te destruiu em pedaços, te fez de trouxa sem se preocupar com seus sentimentos e ela parece um fantasma rondando seus pensamentos sem parar?”
  Comecei a lembrar de quando estava com , eu me sentia sufocado nos últimos meses. Já notava que tinha uma namorada fria, distante e muitas vezes cruel e cuja felicidade era ver séries no celular ou sair com as amigas, mas infelizmente eu ainda tinha sentimentos por ela, vê-la na Oxygen acabou mexendo comigo. Eu não conseguia ver claramente toda a situação, eu estava extremamente confuso. Eu sentia raiva, mágoa, isso estava acabando comigo. Eu não sei o que é o melhor para mim.
   me encantava a cada dia mais e sentia em seu olhar e atitudes que seus sentimentos eram verdadeiros e nunca havia conhecido uma mulher como ela, a conversa entre nós fluía facilmente, as ideias batiam e quando a beijei foi incrível, mas essa maldita fagulha, chamada , ainda está acesa dentro de mim. Era como um pequeno bloqueio que não me permitia estar por completo com . Sou um estúpido mesmo. Minha cabeça parecia que iria explodir.
  A manhã chegou e praticamente nem dormi, tirei apenas um cochilo. Fui para o banho rápido, tomei meu café e pensei em passar em uma floricultura, talvez eu devesse levar flores? Não, tão clichê e ela nem gosta disso. Uma cesta de café da manhã? Mas e se atrasar ou ela sair antes de casa? Melhor outra coisa, algo mais simples, mas que chamasse a atenção dela.
  No caminho para o trabalho, passei pela livraria e vi um livro que ensinava vários drinks, lembrei que ela sempre falava o quanto queria aprender alguns para não pedir mais o drink errado na balada e foi esse que comprei. Como cheguei mais cedo no escritório, aproveitei para deixar um bilhete dentro, onde continha a receita de Piña Colada e colei em cima, afinal sabia que era o drink que ela não gostava, ela odiava abacaxi. Ri sozinho lembrando disso. Escrevi e colei em cima, na página:
  , você é quem tem escutado sempre meus desabafos, minhas risadas. Atura minhas crises quando perco um caso, ou as reclamações dos clientes chatos. Você que tem feito eu acordar com vontade de seguir em frente. É você que sempre diz “Fica tranquilo, estou do seu lado” e eu acredito nisso. Saiba que eu preciso de você e quero você ao meu lado. Me desculpe por ontem, mesmo eu não merecendo. Vacilei mesmo. Me dá uma chance?
  Fiz reserva para nós dois naquele restaurante de comida peruana que você adora, no Lhama Inn. Quero muito conversar com você. Eu não vou estar de tarde no escritório, estarei no tribunal, se você me der essa chance, te espero lá às 19 horas. Se você não aparecer eu vou entender a sua resposta.”

(...)

  Eu estava um pouco nervoso, os minutos passavam lentamente e já eram quase 19 horas. “Ela não vem...”, pensei. Assim que meu olhar voltou para a porta do estabelecimento, entrou.
  Me arrumei melhor na cadeira e ela se sentou à minha frente.
  Antes que pudéssemos começar a conversar o garçom se aproximou para atender nossos pedidos.
  Resolvemos pedir um ceviche de entrada. O garçom se afastou e aproveitei para quebrar o silêncio.
  - , eu queria me desculpar por ontem.
  - , o que você ainda sente pela ? – Eu esperava ela me pedir qualquer coisa, menos isso.
  - Como? Nada... N-não sinto nada. – Dei uma leve gaguejada. – Raiva, não sei.
  - Era o que eu temia. – respirou fundo e baixou seu olhar direto para suas mãos que estavam sobre a mesa.
  - O que você quer dizer?
  - Você ainda não esqueceu dela. – voltou a me olhar. E admito que eu não estava gostando da maneira como eu estava me sentindo naquele momento.
  - Eu esqueci sim... – busquei por sua mão que estava pousada na mesa e ela afastou. – Eu... – Eu não tinha o porquê mentir para ela, sempre conversamos sobre tudo. – Olha, eu nem sei explicar o que aconteceu ontem. Eu não vou mentir, eu a vi e fiquei sem reação, mas eu quero ficar com você.
  - Será que só querer basta? – ela questionou. – Isso não anula sentimentos que estão aí dentro. Não tem como competir com isso e com a estonteante e inesquecível .
  - Não fala assim. – A repreendi. - Eu sei que eu errei ontem, mas foi a primeira vez que a vi desde o término e eu fui pego de surpresa e não agi com a razão. Eu queria mesmo te pedir paciência comigo, não quero que você se afaste e queria realmente te pedir uma chance, vou te dar tudo o que resta de mim e te mostrar que eu não sou esse idiota preso em uma ex. – Ri um pouco nervoso. - Só continue fazendo tudo que está fazendo, juro que passei a tarde lembrando de você, esse teu jeitinho, sabe? E senti uma sensação de liberdade, porque lembrar de você, das nossas conversas, dos nossos momentos, me traz paz, algo que eu havia perdido. Talvez esse bloqueio todo ainda seja medo, não sei... Mas o que eu sei é que quero que você me dê essa chance, quero recomeçar com você, mas vou entender se você não quiser, prometo, não vou insistir. – Lancei o meu melhor olhar de cãozinho perdido.
  - , se você está disposto a fazer essa tentativa, tem que se entregar e ser sempre você mesmo. Não tente se esconder, não estou aqui pra te culpar por você ter agido daquela forma, mas te culpo sim por ter feito eu gostar de você, mais do que devia e... Eu já tive meus problemas com a no passado, mas quero colocar uma pedra em cima. – Ela respirou fundo.
  - Do que você está falando?
  - Nada importante, mas talvez por ser ela, isso tudo tenha me afetado bem mais do que devia, não sei, mas só te peço sinceridade sempre. Eu quero confiar em tudo isso que você me disse.
  - Pode acreditar sim... – Insisti. – Eu quero ficar com você, quero a gente de certo juntos, só preciso de uma chance.
  Ela pensou por alguns instantes, respirou fundo.
  - Estou disposta a te dar uma chance, mas sem mentiras, não quero enrolação, não quero quebrar a cara mais uma vez. E nesse momento tem uma voz chatinha aqui dentro que me diz, dá uma chance pra esse Sr. Piña Colada... – Ela deu uma risada gostosa.
  O nosso pedido chegou e era diferente de outros ceviche que comemos porque o restaurante não o serviu com batatas fritas para empilhar o ceviche; em vez disso, eles nos deram duas colheres grandes e nós as usamos para comer o prato gostoso da tigela.
  A conversa fluiu naturalmente e estávamos jantando e tinha música ao vivo, a cantora começou um cover da música “Never Gonna be Alone”, do Nickelback.
  - Você gosta dessa música? – perguntei ao ver cantando junto, baixinho.
  - Sim.
  - Eu que pedi pra tocarem pra você.
  - Sério? – ela indagou surpresa.
  - Sim... – Fiz uma pausa e ri envergonhado. – Mentira... mas na próxima vez eu preparo uma surpresa para você. - E ela fez uma careta e mostrou a língua. Depois continuou acompanhando a música. E eu parecia um bobo admirando , pousei minha mão sobre a dela, fazendo carinho com o polegar.

(...)

  Dois meses passaram e é incrível o quanto um sentimento pode crescer de um dia para o outro. E tudo parecia tão fácil ao seu lado, se um não gostava de alguma coisa no outro, seja uma ação ou omissão, tinha liberdade para falar. Parecia um completar o outro e de certa forma, me sentia melhorar como pessoa ao lado dela.
  Estava tudo tranquilo, era muito compreensiva, só ela mesmo para ter tanta paciência com um idiota como eu.
  Peguei o jornal que estava na minha mesa e comecei a folhear, matando tempo até a chegada da próxima cliente. E de repente me deparo na página da coluna social e uma foto chamou a atenção:

“Foi luminosa e romântica a última celebração de casamento do ano. Os protagonistas foram Stafford e Isac Smith, casaram-se numa bela cerimônia na quinta-feira passada, dia 20 de novembro, emocionaram familiares e amigos ao dizer o sim, durante cerimônia realizada ao ar livre. O celebrante Craig Lincoln, conduziu a solenidade com o ritual do vinho, uma emblemática significação do projeto de vida do casal. Após a solenidade, os convidados foram recepcionados nos salões do Villa Basílico numa recepção assinada por Martina Pertz, que criou um lounge de antepastos com menu mediterrâneo, para esperar a chegada dos noivos para o banquete oficial. Os noivos após a cerimônia receberam os cumprimentos de todos. Depois foi servido coquetel e jantar, tudo regado ao som de DJ e um buffet completo. Felicidades ao casal!”

  Aquele “Felicidades ao casal” foi tão indigesto de ler, não consigo entender como isso ainda me afetava tanto. Peguei o jornal, amassei e joguei na lixeira. Cada vez que eu ficava assim por causa da eu me sentia péssimo, por causa da . Respira fundo, , isso vai passar. Que raios de fixação é essa na ? Você está feliz agora, . Bati a cabeça contra a mesa duas vezes, quem sabe assim tomava consciência da mulher incrível que eu estava agora.
  - O que você está fazendo? – entrou bem nesse momento.
  - Nada. – Esfreguei a testa, depois das pancadas que dei. – Uma nova preparação antes de atender clientes difíceis. – Eu ri e me levantei.
  - Esse método não vou aderir. – Gargalhou. – Vim te chamar que o Antony quer falar com você sobre a próxima cliente.
  Fiquei de frente para ela e agarrei sua cintura a impedindo de sair.
  - Pensei que já estava com saudades. – Perguntei fazendo a maior cara de cachorro que caiu da mudança.
  - Também... Um pouquinho. – Ela disse envolvendo seus braços em meu pescoço.
  - Vai lá em casa hoje? – Dei um beijinho em seu ombro.
  - Não posso. Aquele caso, da magnífica celebridade, lembra? – Ela rolou os olhos. - Vou virar a noite.
  - Lembro... Talvez eu também passe a noite trabalhando, afinal se o Antony quer falar comigo.
  - Mas amanhã prometo fazer aquela macarronada que você adora. – Ela deu um beijo rápido no meu rosto. – Ah, a Nancy me convidou para um congresso que vai ter em Filadélfia, no sábado. E quer ficar até domingo, pra visitar o Museu de Arte, só pra subir as escadas igual o Rocky Balboa. – Ela riu.
  - Esse final de semana? Pensei que você quisesse passar o final de semana comigo. – A excitação me invadiu e um certo nervosismo. Eu tinha planejado uma surpresa para ela nesse final de semana, não podia me entregar. Completaremos dois meses de namoro e ainda não havíamos conseguido passar um final de semana todo realmente juntos, foram tantos casos, muito trabalho acumulado que precisávamos desse tempo a dois. E agora final de ano, tudo havia se acalmado e neste final de semana havíamos conseguido uma folga antes das festas de fim de ano.
  - Como eu sou cabeça dura, vou avisar a Nancy... Nosso final de semana que estamos de folga. – Ela sorriu e afirmou com a cabeça. – Vou adorar passar o final de semana com você. - A segurei mais firme pela cintura e dei um selinho demorado. Há poucos minutos eu estava me sentindo péssimo, é incrível essa sensação de bem-estar que ela me traz.

(...)

  Cheguei em casa com caixas e diversas pastas para estudar melhor o caso da Sra. Allenberg. Esse era o último do ano. Larguei tudo na mesa da sala e fui comer alguma coisa e depois tomei um banho, vesti apenas um calção e finalmente estava pronto para mergulhar nessa papelada.
  Notas, registros telefônicos, eu já estava ficando um pouco zonzo. Larguei tudo e fui até a cozinha, preparar mais um sanduíche e tomar um energético. Abri o armário e havia deixado a caneca dela aqui outro dia, sorri sozinho, lembrando dela. Realmente estou me apaixonando cada vez mais pela . Preparei meu sanduíche e ao dar a primeira mordida, escutei a campainha tocar.
  - Nossa, onze e meia, quem será? – Mastiguei o pedaço que tinha na boca, larguei o prato no balcão e fui até a porta. - ? – Meu corpo congelou, ao vê-la parada diante da minha porta. – O que você está fazendo aqui? – Eu estava tenso até o momento que notei que ela estava com os olhos vermelhos, era nítido que havia chorado.
  - Posso entrar? – falou baixo e fungou.
  Fiquei em silêncio por alguns instantes, eu estava sem reação.
  - Por favor... – Ela insistiu. Hesitante eu abri mais a porta e a deixei entrar.
  - Você mudou o sofá de lugar. – Ela comentou ao sentar-se.
  - Sim. – Fui monossilábico, ainda estava em transe. Aquilo nem parecia real, no meu apartamento. Meu corpo estava trêmulo.
  - , eu... – Ela respirou fundo e eu permaneci em pé, apenas olhando para ela. – Ai, nem sei por onde começar. – Ela passou as mãos pelos cabelos. – Eu estou arrependida pelo que aconteceu, o que eu fiz você passar e... – Uma lágrima rolou pelo seu rosto e tudo que eu conseguia nesse momento era ouvir. – Eu nem sei o que dizer direito, mas percebi a besteira que fiz quando... – Fungou. – Quando te troquei pelo Isac. – Sua voz saiu falha.
  Ao pronunciar o nome dele, foi como um estalo na minha cabeça, lembrei da nota que li no jornal e finalmente consegui falar algo.
  - Você não se casou com ele há poucos dias?
  - Ai, ... – Ela caiu no choro e ao vê-la assim tão frágil, foi como em um impulso, sentei-me ao seu lado para consolá-la. – Peguei ele com outra hoje... – Continuou a chorar. - Como... – Ela soluçava. – Ai, como eu não vi que você era o cara certo para mim? – Ela ergueu seu olhar. Seus olhos estavam mais azuis que o normal e eu engoli seco, aquela proximidade estava se tornando perigosa.
  - É melhor você ir... - Eu estava passando por um teste de autocontrole, lutei contra o tremor de meus braços, reconhecendo a minha vulnerabilidade perante ela, com certa relutância consegui me desvencilhar de , mas ela me segurou pela mão.
  - Não... – Ela continuou segurando firme minha mão e inclinou seu corpo, ficando extremamente próxima, consegui sentir seu hálito quente contra o meu rosto. – Eu não quero ir, eu senti a sua falta. – Delicadamente ela encostou seus lábios contra os meus e não consegui me afastar, ela tinha certo controle sobre mim. Iniciou um beijo calmo e logo ela me beijou de uma maneira afobada e algo aconteceu, aquele beijo já não era mais tão quente e não me causava aquele êxtase de antes. Ter os lábios dela mais uma vez colados aos meus era o que eu andava sonhando há tempos, mas agora não é mais como eu lembrava. Todo aquele desejo esfriou e assim que tentei afastar , um barulho de vidro estilhaçando pelo chão, fez a nossa atenção ir em direção à porta.
  - ! – exclamei, ainda um pouco ofegante. Olhei para ao meu lado no sofá e vi com os olhos cheios de lágrimas. Perdi o chão nesse momento. – Espera! – gritei quando ela deu as costas e correu porta afora.
  Corri até a porta, mas ela havia descido pelas escadas, não tive forças de ir atrás dela. Ainda estava atordoado com tudo que havia acabado de acontecer.
  Dei a volta onde estavam os cacos de vidro, tinha massa espalhada pelo chão e a chave que eu tinha dado a ela também estava ali.
  - ...
  - Tudo bem, ela vai entender.
  - Vai entender o quê, ?
  - Essas coisas acontecem, às vezes ex-casais voltam a ficar juntos e...
  - Do que você está falando?
  - Nós... Eu vou acabar tudo com o Isac, entrar com o pedido do divórcio e...
  - Espera aí, , não existe mais “nós” desde o momento que você resolveu cavalgar em cima do Sr. Smith em pleno escritório. – Me senti como alguém que acorda de um pesadelo naquele instante, consegui falar sem sentir tanto ódio, mas sim como um desabafo. – Nós? Nem sei se isso chegou a existir algum dia... Era sempre você e você, eu que era um idiota que não enxergava e sempre fazia as suas vontades.
  - Mas ... - Ela se levantou e veio mais perto de mim. – Não é verdade, eu te levava nas festas das minhas amigas, íamos nos shows das nossas bandas preferidas.
  - Não, das suas bandas preferidas, os seus filmes preferidos, as suas amigas... Meu Deus! Como eu nunca havia me dado conta disso? – Passei meus dedos pelos cabelos. - , acabou! – Falar essa palavra foi libertador, era como se um peso tivesse saído das minhas costas. – Acabou, volte para o Isac ou sabe-se lá pra quem você quiser, mas não me procura mais. Acabou mesmo. – Nunca tive tanta certeza em todos esses meses, como se uma venda dos meus olhos tivesse caído.
  - Mas eu estou arrependida...
  - Ótimo, era isso que eu precisava ouvir, mas não quero voltar, eu... Eu amo a... . – Naquele instante me dei conta disso. Como eu era um estúpido mesmo, eu amo a e ainda não tinha conseguido dizer essas palavras diretamente a ela. – Por favor, , vai embora. – Pedi firme.
  - Está bem, se você realmente quer isso... – Ela foi até o sofá e pegou sua bolsa. – Não adianta vir rastejar depois atrás de mim. – Proferiu zangada.
  - Quero sim. E não se preocupe, não irei. – Estava tudo tão claro na minha cabeça.
  - Adeus, . – Ela bateu a porta com força.
  Eu me abaixei para pegar meu celular que estava caído ao lado do sofá. Antes de tentar ligar para , vi que tinha uma mensagem dela.

“Hey, babe. Vou dar uma pausa aqui e vou passar aí pra te levar uma surpresinha. Beijo.”

  Se eu tivesse lido essa mensagem. Balancei a cabeça e liguei para ela, chamou até cair na caixa de mensagens. Insisti mais uma vez, mas em seguida ela desligou o aparelho, pois na terceira tentativa, a chamada caiu direto no correio de voz.
  Esse silêncio da parte dela é a pior coisa, enchi ela de mensagens e nenhuma foi respondida. Estava tão seguro com , que vacilei, todo esse tempo eu estava com ela pela metade. Bem feito, , vai perder ela por ter sido um completo idiota. Como eu vou fazer para reparar isso? Não consigo nem me concentrar nesses documentos, será que eu devia ir até a casa dela? Melhor não, vou deixá-la esfriar a cabeça e aí tento me explicar.
  Acordei com alguns papéis colados na minha testa. Acabei pegando no sono aqui na sala mesmo. Recolhi alguns papéis, corri para escovar os dentes, troquei de roupa, peguei minha pasta e as chaves do carro e voei até o escritório.
  Passei pela sala da e ela ainda não havia chegado.
  Mas Antony e a Sra. Allenberg já estavam me aguardando na sala de reuniões. A reunião durou toda a manhã, saí para o almoço e quando retornei ainda não estava no escritório, lembrei que ela tinha uma audiência durante a tarde, esse dia custou a passar.
  Eu não ia aguentar mais um dia, resolvi esperar na porta da casa dela, eu tinha a cópia da chave também, apenas usei para entrar no prédio, pois estava muito frio, mas a esperei no corredor.
  Fiquei sentado, com as costas contra a sua porta, de frente para o elevador. Checava o celular a cada minuto, aguardando a sua chegada. Até que o elevador parou no andar e senti um frio no estômago.
  O mais estranho foi que quando ela saiu, foi como se eu a visse pela primeira vez, a ponto de sentir meu coração pulsar mais forte. Ela me lançou um olhar de decepção que me rasgou por dentro.
  - O que está fazendo aqui? – ela pediu friamente.
  - Eu quero explicar o que aconteceu. – Levantei-me.
  - E existe explicação perante o que eu vi? – Ela retirou as chaves da bolsa.
  - Sim, existe. – Insisti.
  - Então explique. – Ela cruzou os braços e parou na minha frente.
  - Vamos entrar, por favor?
  - Pode ir pra sua casa, . Eu estou muito cansada para ouvir desculpas pelo seu “remember” com a sua ex. – Ela descruzou os braços e colocou a chave na fechadura.
  - Só preciso que você me ouça, por favor. Não tem nada de “remember”, por favor, . – Implorei.
  - Eu sou humana, eu tenho raiva, ciúmes e meus próprios traumas... – Sua voz falhou. – E mais uma vez a . Olha, vamos deixar assim, eu... – Era nítido que ela estava se controlando para não chorar e tudo que eu queria fazer no momento era abraçá-la, mas eu havia causado isso. – Parece que eu estava esperando esse dia se repetir. – Ela destrancou a porta e a abriu.
  - Como assim se repetir? – Não estava entendo muito bem o que ela estava dizendo.
  - É difícil pra mim, mas chega, , não precisa mais forçar um relacionamento comigo.
  - Para com isso... – A segurei pelo braço. – Não é verdade. Não é o que você pensa, me escuta, por favor.
  - Eu nunca vou conseguir competir com a . – Ela deu um passo para dentro do apartamento e segurou a porta me mantendo do lado de fora. – Juro, estou tentando me manter o mais madura e controlada nesse momento, mas a minha vontade é outra.
  - Se você me der cinco minutinhos eu te explico tudo, por favor, não faz isso comigo.
  - Vocês e o “eu posso explicar, não é o que você está pensando...”. , estou cansada.
  - Não fala assim, é sério... Não é exatamente como você está pensando que aconteceram as coisas...
  - Não tem nem o que pensar, eu vi. Acabou, . – Sua voz saiu trêmula.
  - Não... Mas ... – Ela fechou a porta na minha cara. Aquilo não podia ser o fim. Escorei minha testa contra a porta e uma lágrima correu pelo meu rosto, dói e não é pouco, não estou conseguindo nem respirar direito. Não senti isso nem quando peguei me traindo.
  Dirigi sem rumo, até minha visão estava turva, não conseguia conter as lágrimas que vinham. Até que depois de várias voltas, decidi ir para casa.
  Antes de me deitar, eu estava decidido, não podia perder ela assim, por uma besteira. Ela era importante demais para mim e ela precisava saber disso.

(...)

  Sexta ela não havia aparecido no escritório e estava ignorando todas as minhas mensagens e ligações e assim se passou mais uma semana, me evitando, no máximo nos cruzávamos pelo corredor, mas hoje a noite na festa de Natal da empresa, talvez eu teria uma chance. Longe de qualquer correria do escritório eu teria uma oportunidade de falar melhor com ela.
  Antes de ir para casa, passei pela sala dela e estranhei sua mesa totalmente vazia e resolvi perguntar para a secretária dela.
  - E as coisas da , Lindsay?
  - Ela já levou tudo embora.
  - Embora? – perguntei espantado.
  - Sim, hoje era o último dia dela. Ela conseguiu uma oferta melhor em Boston, parece que hoje na festa vai ser a despedida dela. Ela pediu segredo pro Antony, mas como hoje já levou as coisas embora, acho que não é mais segredo. E você já devia saber mesmo.
  - É... – Fiquei meio sem palavras, não estava acreditando no que acabara de ouvir. – É... Sabia. – Nem mentir direito eu sabia.
  E hoje a noite sentia que seria minha última chance.

(...)

  Não sabia que as festas de Natal do escritório eram assim, Antony resolveu dar a festa do ano pelo visto, o clube estava cheio, até um DJ ele havia contratado.
  Tinha canapés e bebida à vontade. A festa já estava rolando há um tempo, eu demorei para chegar, pois fiquei na dúvida se devia ou não fazer a minha última tentativa, afinal ela estava me evitando todo esse tempo e ignorou todas as minhas tentativas de aproximação. Eu sei que devia respeitar, mas eu não aguentava mais a falta que ela estava me fazendo.
  Peguei uma taça de champagne que os garçons estavam oferecendo e andei por entre as pessoas, até que meu olhar pairou nela. O modo como ela dançava, eu estava hipnotizado, as luzes na pista, eu estava nervoso, não tinha coragem de tentar me reaproximar de .
  Larguei a taça e tomei coragem para me aproximar.
  - , posso falar com você? – Ela se virou e me olhou, hesitou só por alguns segundos e resolveu me acompanhar.
  Seguimos em direção à algumas mesas, afastado da música, onde poderíamos conversar melhor. Puxei uma das cadeiras para ela se sentar e em seguida sentei-me de frente para ela.
  - , você vai mesmo embora?
  - Sim, daqui dois dias. Eu... – Ela começou a falar, mas parou. Então eu resolvi começar a falar.
  - Eu queria fazer a minha última tentativa de me desculpar com você. Aquele dia nada aconteceu, foi tudo um mal entendido. A apareceu e... – Respirei fundo. – Eu fui estúpido em deixar ela entrar, mas eu fiquei em choque, não esperava. E... Ela me beijou. – Passei os dedos no cabelo. – E eu não senti nada por ela, era isso que eu precisava te dizer. Me ouvindo falar, soa até ridículo, mas... Realmente é você que eu quero, sempre quis, e noto o quanto o medo me fez vacilar com você. – Ela me ouvia atentamente.
  - Sabe, , eu sei que agi de forma imatura em te evitar todos esses dias, eu até poderia te desculpar da boca para fora, mas eu estaria mentindo para mim mesma. E ainda estou muito magoada com a cena que eu vi, mas ao mesmo tempo noto que talvez se eu também tivesse sido mais sincera com você, não estaríamos nessa situação agora... Não sei. – Ela respirou fundo. – Infelizmente, não consigo acreditar que realmente esteja arrependido. Eu só espero que talvez eu consiga esquecer tudo que passamos juntos um dia. – Sua voz tremeu.
  - Não fala isso. Antes eu estava cego de raiva, mas agora vejo tudo com clareza, essa lembrança insistente que eu tinha da , era um medo estúpido a que eu estava agarrado, confundindo com algum outro sentimento. Sou um idiota mesmo, com a felicidade nas minhas mãos, mas ainda agarrado em uma mágoa que não me levava a lugar nenhum. Talvez até seja tarde, mas eu tenho uma pontinha de esperança de que eu tenha aberto os olhos em tempo de não te perder. – Tudo começou a sair de dentro do meu peito, tudo que eu queria dizer a ela.
  - Eu não vou fingir que não estou machucada, tentando bancar a forte. Acho que o que dói mais é que por um tempo acreditei que eu não era a sombra da .
  - Você nunca foi a sombra dela, não fala assim.
  - Todo esse tempo essa mulher ainda comandava sua vida... – Ela respirou profundamente.
  - Eu admito que tenho minhas falhas e não tenho como voltar no tempo e evitar com que ela entrasse no meu apartamento, mas acho que isso foi necessário, para um ponto final de vez, acabar com aquela ilusão e fixação que eu tinha, eu fui apaixonado por alguém que não existiu e acabei magoando alguém real, alguém que eu tenho sentimentos verdadeiros e muito mais forte que ainda não tinha notado. Eu não posso aceitar que esse medo me fez afastar quem mais eu amo. – Nesse momento encheu os olhos de lágrimas. – Eu sei que esse não foi o melhor modo de eu perceber isso, mas eu te amo.
  - ... – Sua voz saiu trêmula mais uma vez. - Palavras apenas não bastam. O amor não é dito, ele precisa ser sentido, senão não resiste a nada.
  - Mas... – um nó formou-se em minha garganta.
  - Sinto muito, eu não posso te dar essa resposta agora... – Ela levantou-se. – Eu não quero tomar a decisão errada e voltar a me machucar. Eu estaria traindo a mim mesma se te perdoasse agora e fingisse que de agora em diante tudo estaria bem entre nós. Eu sinto que preciso de um recomeço, novos ares, .
  - ... – Minha voz saiu falha. – Não faz isso comigo. – Levantei-me também e parei diante dela.
  - Não estou fazendo nada, eu só não quero continuar um relacionamento de mentira, eu mereço algo real. – Embora ela estivesse tentando se manter firme, algumas lágrimas caíram pelo seu rosto. – É melhor assim e...
  Ao vê-la assim tão próxima de mim mais uma vez eu não resisti e a calei com um beijo firme, logo ela se entregou, segurou em meu pescoço e aprofundou o nosso beijo, senti meu corpo arrepiar e meu coração encher-se de um sentimento tão bom, matando uma saudade reprimida. Mas ao mesmo tempo aquele beijo tinha um gosto de despedida, o que me fez segura-la mais forte pela cintura, não queria que aquele momento terminasse. Nossos lábios por fim se separaram e ela olhou profundamente nos meus olhos, como se dissesse um “Adeus”. Senti um aperto no peito naquele instante e respirei fundo, engolindo a vontade de beijá-la mais uma vez.
  - Eu só vim para me despedir de todos. Tchau, . - Vi mais uma lágrima correr em seu rosto. Ela virou as costas e saiu de cabeça baixa. Eu não consegui nem ir atrás dela, apenas a vi ir embora.
  De repente tudo ficou cinza, todas aquelas pessoas ao redor estavam me atordoando, tudo deixou de ter sentido e ter graça. Eu havia perdido de vez.

(...)

  Eu cheguei a ir ao apartamento de no dia que ela iria embora, para poder me despedir de verdade, mas ela não estava mais lá.
  E cá estou eu mais uma vez na fossa, cada música que me lembrava ela me fazia chorar, e cada casal que eu via na rua dava vontade de pular da ponte. Isso tem que passar e agora noto que nem pela eu fiquei assim tão arrasado, eu tinha adquirido uma obsessão por ela, não era um sentimento real, eu tinha criado uma vontade de me vingar, só isso, mas com foi diferente. Sinto falta da sua companhia, do seu perfume, das suas risadas, do jeitinho que ela fica vermelha quando estava envergonhada. E eu ainda me culpava. Como não apreciei cem por centro todos esses momentos, vidrado em uma fixação maluca, que hoje não faz mais sentido algum. Eu precisava me perdoar e seguir em frente, e aprender a não repetir o mesmo erro.
  Passaram-se quase três meses e certo dia conversando com Nancy ela me contou algo sobre e o porquê que ela tinha esse “trauma” com a . Contou que já foi muito amiga de por conta de uma colega que as apresentou e ela acabou criando um laço grande de amizade ao ponto de confidenciar tudo para ela. Até o dia que a amizade se desfez, porque primeiro a acusou de roubar um colar dessa colega, sendo que ela nunca mexeu em nada que não fosse dela, fez ela ficar sem o apartamento e virou a cabeça de todos, mas não satisfeita, no dia que estava se mudando, seu namorado na época veio para ajudá-la a pegar algumas caixas, enquanto ela estava trabalhando. E quando ela chegou lá para buscar o resto, encontrou sem roupa, com seu namorado.
  E só então consegui entender as palavras soltas que falava em relação à .
  - Meu Deus, Nancy... Eu sou um estúpido mesmo.
  - Sim, é... – Ela concordou e fez uma cara feia. – Eu sei que ela é quem devia ter te contado, mas só te falei porque andei te observando esses últimos tempos e até sua aparência está péssima. É nítido que você sente falta da . E eu não devia me meter, mas como às vezes converso com ela... Sei que também sente a sua falta, mas ela jamais vai admitir isso, essas histórias envolvendo já a machucaram demais. Eu a conheço um pouco antes de ela vir para esse escritório, inclusive fui eu que consegui para ela vir trabalhar aqui.
  - Ela devia ter me contado tudo isso, Nancy... Sempre falávamos sobre tudo. Você tem o endereço dela em Boston?
  - Tenho, mas ela me mata se souber que eu passei pra você.
  - Por favor, eu prometo que eu não vou mais ser tão estúpido a esse ponto de magoá-la mais uma vez... Quero fazer de tudo pra consertar a merda que fiz, por favor, preciso da sua ajuda.
  - Ai, ... Não sei, porque se você a decepcionar de novo, quem não vai se perdoar sou eu.
  - Eu dou a minha palavra, é sério mesmo. Eu ainda estou loucamente apaixonado por ela e vou fazer de tudo pra ela ser feliz, você vai ver.
  - Espero que sim, você sabe que eu faço parte do clube de tiro, não é mesmo?
  - Eu sei. – Dei um riso nervoso. – Pode confiar.
  - Está bem... Minha intuição diz que eu devo te dar essa forcinha. – Ela puxou um papel que tinha sobre a minha mesa e pegou uma caneta. Pegou seu celular da bolsa, copiou tudinho e me alcançou o papel.
  - Obrigado mesmo, Nancy! – Dei um beijo estalado em sua bochecha e corri para a porta.
  - Você vai aonde, seu maluco? – ela perguntou gritando.
  - Tenho que falar com o Antony. – E sai pela porta correndo.

(...)

  Uma semana se passou desde que peguei o endereço com a Nancy.
  Finalmente estava dentro do avião rumo à Boston, precisei tratar de algumas coisinhas antes. Eu estava decidido e em paz com a minha decisão.
  Só larguei minhas malas no hotel e corri para pegar um táxi, antes de chegar ao endereço, senti um certo nervosismo, lembrei que não cheguei a perguntar se tinha conhecido alguém nesse tempo e se eu chegasse lá e ela estivesse acompanhada? É melhor nem pensar nisso.
  O táxi parou no endereço indicado, paguei e saí do veículo. Aqui o vento parecia mais gelado que Seattle. Olhei para o grande prédio à minha frente, chequei meu celular mais uma vez o número do apartamento, tomei coragem e caminhei até o portão. Eram oito horas da noite. Espero que ela esteja em casa, toquei e aguardei. Não obtive resposta e toquei mais uma vez e foi quando um senhor de meia idade saiu do prédio com um cachorro.
  - Com licença... – O chamei. – O senhor conhece, a , do apartamento 504? – Fiz a tentativa, o prédio era alto, muitos andares, talvez ele nem a conhecesse.
  - Sim, minha vizinha da porta da frente. Se mudou não faz muito. – Ele respondeu, super simpático.
  - Eu toquei e ninguém atendeu.
  - Ela ainda não deve ter chegado em casa, às vezes nos cruzamos no corredor ali pelas nove horas, hoje que resolvi levar o Newton pra passear mais cedo. – Ele riu olhando para o cachorrinho.
  - Muito obrigado, então. Eu volto mais tarde. – Agradeci àquele senhor tão amigável, que seguiu seu caminho para passear com seu cachorro. Eu estava com muita sorte, encontrar justo o vizinho de porta dela. Aquilo me encheu de esperança.
  Olhei ao redor e vi um bar no outro lado da rua, resolvi ir até lá para aguardar.
  Pedi um Dry Martini e sentei-me na banqueta próxima ao balcão, na tela acima do bar estava passando o jogo Phildelphia Eagles contra New York Giants. Embora eu tentasse prestar atenção na partida, de pouco em pouco eu olhava as horas no meu celular. Alguém se aproximou do bar, ao meu lado.
  - Jake, me vê um Tequila Sunrise... – Essa voz era totalmente familiar e ao me virar meu coração pulsou mais rápido.
  - ?
  - Eu te vi quando entrei. – Ela respondeu, transparecendo não estar mais chateada comigo. Mesmo esses três meses afastados, parecia que apenas um dia tinha se passado. E ela conseguia estar mais linda do que a última vez que a vi. O bartender alcançou o drink a ela. – Pode pedir, você vem sempre por aqui? E eu vou responder sim, quase todas as noites depois de um longo dia de trabalho. – Ela riu, aquela risada gostosa que eu sentia falta. Eu estava tão nervoso antes de ela chegar e o seu astral me contaminou tão rápido que eu já estava tranquilo, ver que ela não tinha mais raiva de mim.
  - E nem te oferecer um drink eu posso, você já pediu. – Eu ri.
  - Claro, vai que você ia me oferecer uma Piña Colada... – Riu mais uma vez.
  - Nossa, senti saudade disso. – Assim que terminei de falar, ela ficou com o rosto corado. Se ela soubesse que cada vez que ela fica assim eu fico mais encantado por ela.
  - É... Eu também. – Baixou o olhar e tomou um gole de seu drink.
  - Eu não quero enrolar, afinal eu vim até aqui e...
  - Posso me desculpar antes? – ela pediu, me causando um certo espanto.
  - Você se desculpar?
  - Sim, eu... – Ela tomou mais um gole. – Eu fui muito injusta, quase não quis te ouvir e semana passada eu fui até Seattle, precisei resolver um caso que estava pendente ainda e em um “coffee shop” acabei encontrando a . Ela insistiu em falar comigo, mesmo eu não querendo ouvi-la, mas ela me contou que havia mudado, porque descobriu que estava grávida de Isac e praticamente implorou pelo meu perdão por uns assuntos passados e... Ela me pediu desculpas por aquela noite no seu apartamento e me contou exatamente o que tinha acontecido. Por isso te peço desculpas, por não ter ouvido.
  - Você não teve culpa, não tinha como adivinhar... – Olhei bem em seus olhos. - E definitivamente é hora de colocarmos uma pedra em cima de qualquer assunto que envolva , não acha? Eu vim, porque quero recomeçar...
  - Eu também, mas... Sabe, semana passada eu fui até o seu apartamento depois que soube de tudo, mas você não estava, já imaginei que tinha seguido adiante. Lembrei que comigo aqui em Boston, não daria certo de qualquer jeito. Pensei bem e mesmo tudo esclarecido eu estou muito bem aqui, por isso não te procurei mais. Eu não pretendo mais voltar para Seattle.
  - Que ótimo, ainda bem que você disse isso.
  - Como assim? - me olhou intrigada.
  - Realmente relacionamento à distância não dá certo. – Respondi e ela me olhou tristeza.
  - É você tem razão... – Bebeu mais um gole de seu drink e baixou o olhar.
  - Sabe por que você não me encontrou semana passada no apartamento? Provavelmente foi o dia que eu tinha ido para o hotel, recém estava colocando meu apartamento à venda. E eu não contei isso pra ninguém, só para o Antony é claro, pois precisei pedir demissão. Eu também tenho meus contatos e consegui um outro escritório aqui em Boston.
  - Eu não acredito, , mas o que isso quer dizer? – Ela se fez de desentendida.
  - Quer dizer que eu larguei tudo em Seattle pra provar que eu estou disposto a ficar com você, se você me der mais uma chance, é claro.
  - Sim... – Ela respondeu e abriu um amplo sorriso, me causando uma imensa alegria. – Sim e sim... – Ela saltou da banqueta em que estava sentada e envolveu seus braços ao redor do meu pescoço e distribuiu vários beijos pelo meu rosto e na ponta do nariz, até que a segurei pela cintura e a puxei bem próximo de mim e a beijei, tive tanta saudade desses lábios, tanta saudade dela. Meu coração batia tão forte que podia jurar que o bartender estava ouvindo.
  - Tive tanta saudade sua. – Falei, rompendo o beijo, acariciando sua bochecha.
  - Eu também. – Respondeu sorrindo. – Acho que devemos subir pro meu apartamento, não acha? – Ela olhou discretamente para o lado, vendo que tínhamos plateia.
  - Também acho. – Eu ri e gentilmente entrelacei nossos dedos e saímos do bar, finalmente como um casal.

(...)

  Acordei e fiquei admirando-a dormir, o cabelo dela fora do lugar, o modo como alguns raios de sol refletia em sua pele, tudo isso a deixava com um ar angelical. Eu a amava, estava certo disso. E essa foi uma das melhores noites da minha vida, eu estava cem por cento com ela. Corpo e alma e agora agradeço por não termos conseguido ter dado esse passo no nosso relacionamento antes, agora sim pude sentir que ela era minha e o quanto eu tinha sorte em tê-la ao meu lado.
  - Por que está me olhando? – Lentamente ela abriu os olhos.
  - É que eu descobri uma coisa...
  - Que eu não ronco? – Ela riu.
  - Também. – Ri junto com ela. – Mas você é aquela que me deixa com as mãos suando frio, que fico maluco só de pensar que você estava com outro, aquela que me faz perder todo meu raciocínio... – Citei algo que agora sinto cada vez que estou com ela, algo que ela havia me dito há algum tempo.
  - Ai, , eu te amo.
  - Eu também te amo... Você é tão... – beijei sua testa. – Linda. - Então olhei em seus olhos e vi a doçura com que ela me olhava.
  É uma felicidade que não se explica, quantas vezes eu pensei em um toque de outra pessoa para me salvar de mim mesmo. E agora tenho o que eu mais precisava, “my new angel”.

Fim



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