Nervous
Escrito por Nicole Manjiro
Sentei no café a espera de um momento de paz. Desde os Fosters, é difícil encontrar um lugar onde eu possa apreciar a população, sem a população vir até mim.
Mas naquela Starbucks em particular, eu conseguia. Havia um lugar estratégico no mezanino, logo atrás de um enorme vaso que abrigava uma alta samambaia. Um lugar para uma única pessoa, que queria a privacidade no meio do caos. Aos domingos, se eu chegasse no momento certo, não haveria problema em aproveitar a minha solitude no meio das pessoas.
O som da porta soou e a ventania do inverno pode ser sentida até mesmo por mim. Observei a pessoa que entrou, rodeada em neve. Bateu três vezes os pés no chão, e tirou a touca amarela da cabeça.
– Se aquilo lá fora não é nevasca, então não sei o que é. - ouvi a voz da pessoa comentar com o atendente. – Um London Fog.
– Estamos em Fort Lauderdale. Nós não temos nevasca.
– Então eu realmente não sei o que é. - ela respondeu, me fazendo rir.
Enquanto ela esperava o pedido ser feito, a vi remexer em sua bolsa e tirar a franja que insistia em cair em seu rosto com um rápido movimento das mãos. Pagou ao receber o valor do atendente e então deu alguns passos para o lado, a fim de esperar pelo seu pedido ficar pronto.
Observei por um longo tempo os hábitos que ela tinha de olhar para o estado da roupa, mesmo estando impecavelmente arrumada, e a mania de jogar os longos cabelos castanhos para trás.
Apoiei meu rosto na mão, e o cotovelo na mesa em que estava, e passei a prestar atenção com mais afinco. Me perdi na maneira como ela olhava o relógio e então conferia algo em seu celular. Em como olhava para os lados quando ouvia alguém chamar alguém, e quando o funcionário chamava por um nome que não era o dela.
– Mary!
Sorri, pois ela tinha cara de Mary. Na época de natal, o que pode-se associar da expressão “Merry Christmas”, é que ‘Merry’ é ‘Feliz’, enquanto ‘Christmas’ é ‘Natal’. Ela parecia ser uma garota alegre, que servia de ponto de felicidade na vida de muitas pessoas.
– A cafeteria está lotada! - ela disse ao telefone, para alguém. – Não acho que conseguirei uma mesa. – Fiquei surpreso pela qualidade de minha audição. No meio de tanta gente, não tive problema algum em ouvir todas as palavras com clareza de Mary. – Mezanino?
Foi então que aconteceu. A magia do Natal, digo.
Ela olhou para cima, e se havia algum som naquele café… bem, não havia mais.
Nossos olhares se encontraram por uma fração de segundo. Talvez tenha sido três minutos. Ou cinco. O suficiente para fazer meu coração aumentar a quantidade de batidas por segundo, minha boca secar e minhas mãos tremerem, de modo que me obriguei a segurar o copo da bebida já morna com mais força.
– Não, não há lugar. - ela respondeu e desviou o olhar de mim.
Admito ter sentido um pouco mal. Ela pode não ter me visto, já que meu maior esforço até há pouco, era para me manter afastado dos olhares de todos que olhassem para cima, mas o fato de ter sido ignorado me deixou um ligeiramente chateado. Mary poderia ter me visto, não poderia?
~*~
Na semana seguinte, foi uma loucura sem fim.
Primeiro, com o lançamento de um dos filmes que fiz na Netflix, meu número de seguidores pulou de um número com sete dígitos, para oito. Segundo, que minha agenda antes já lotada, agora estava mega-super-lotada, sem um mísero espaço para eu poder fazer uma de minhas programações esquisitas, como me esconder na Starbucks e observar as pessoas passarem por ali.
No entanto, houve um dia, especificamente o sábado, em que eu estava livre e um dos meus amigos me chamou para uma festa.
– É da faculdade, mas aberto para absolutamente todo mundo. Inclusive atores globais como você.
– Você precisa seriamente parar de me tratar como uma celebridade. - disse, pegando carona em seu carro. – Eu sou eu.
– Para mim, sim. - Jordan, meu melhor amigo, disse. – Para o resto das pessoas, não. Uma das garotas da minha turma na faculdade viu meu Instagram e descobriu que sou o seu melhor amigo. Agora eu sou, tipo, o Deus das garotas na faculdade.
– Você quer dizer que é um meio para chegar até mim. - ri, vendo-o erguer os ombros.
– Tudo depende da maneira como você enxerga, meu caro. - ele virou em uma rua, onde dezenas de carros estavam estacionados.
Fort Lauderdale nunca foi uma cidade do interior, mas sempre agimos como se estivéssemos nele. Devido à quantidade de turistas que visitam diariamente a cidade, o local acaba sendo muito mais moderno do que as cidades vizinhas, mas não chega aos pés de Miami. Além disso, ainda há muitos locais vivendo por lá e mantendo o charme local, para que a globalização não destrua com tudo. Essa é uma das coisas que mais gosto na cidade.
Chegamos na rua da baía, onde eventualmente daria em um píer. Por ser o maior ponto turístico da cidade, vive praticamente 24 horas lotada, mas não o lado oposto, em um canto bem esquecido, com um restaurante que funcionou até cerca de cinco anos, quando o proprietário faleceu e os filhos deixaram o negócio do pai de lado para seguir suas próprias carreiras. Era lá que a maioria dos jovens da cidade faziam suas reuniões. A polícia costumava baixar, até que perceberam que, por mais que tentassem nos pegar, nunca conseguiam.
– Existe essa garota que fez muitas perguntas sobre você. - Jordan disse. – Ela é uma das garotas mais legais da universidade inteira, cara.
– E você quer que eu fale com ela por você?
– É claro que não. Eu confio no meu charme, seu mané. - recebi um tapa. – Eu estou querendo dizer para você conhecer ela de mente aberta, sem achar que ela é uma fã maluca sua, mesmo sendo.
– Só porque ela é legal? - ergui uma sobrancelha, brincando. É claro que eu não me importava com a aparência da garota, se ela fosse o meu tipo, mas tive experiências ruins com fãs que fingiram não ser fãs no passado.
– Ela é uma gata, mas bem difícil. Talvez você tenha alguns pontos a mais com ela, tornando toda a coisa mais fácil.
– Em que sentido ela é difícil.
– Ela não vai beijar você, só porque você é o cara do filme da Netflix.
– E eu não vou beijar ela só porque ela é legal ou bonita.
– Legal E bonita, cara. E.
Balancei a mão e desci do carro. Haveriam outros amigos na área. Desde que minha carreira começou a crescer, recebi várias ligações de amigos que tentavam conseguir algo com suas garotas, mostrando que haviam contato comigo. Por serem meus amigos de infância, obviamente não fiz nada que os machucasse, mas quando eles me perguntavam o que achava, disse que se uma garota o usava para chegar perto de um ídolo, então elas não os mereciam.
Quando se vive no mundo das celebridades, é possível ceder com facilidade à tentação de ficar com várias pessoas bonitas. Às vezes só bonitas. Outras, bonitas e legais. No entanto, é muito mais fácil manter uma amizade saudável e continuar focando na carreira, como eu faço.
– Você é um frouxo. - Jordan disse. – Poderia ter qualquer garota que quiser.
– Que bom, então, que não quero nenhuma. - sorrio. – Preciso focar no meu trabalho. Você sabe, agora é o momento para crescer.
– E ficar rico.
– Muito rico. - e rimos.
- Ali está ela. Mary!
Fechei a boca e olhei na direção que Jordan havia apontado. Eu já havia ouvido aquele nome antes, e apesar de não ser um nome exótico, mas sim comum, eu só havia me deparado com ele uma vez na vida.
Desviei meu olhar para a garota que acenava para Jordan. Era ela. Mary do Starbucks. Meu milagre de natal, sem estar exatamente no natal.
Fiquei parado feito um tolo, de modo que Jordan foi obrigado a trazer Mary para perto de mim e nos apresentar. Ela tentou não parecer nervosa, mas quando segurei sua mão, pude sentir um leve suor recém chegado.
– Sigo o seu trabalho. - ela sorri, sem graça. – Você é muito bom no que faz.
– Obrigado. - sorrio. – Que bom saber que existe alguém que pode comparar os meus papeis.
– Mary, com certeza, pode. - Jordan disse, sorrindo.
Ele inventou uma desculpa qualquer e sumiu do nosso caminho pelo resto da festa. Eu e Mary permanecemos juntos o evento inteiro, não parando nem para pegar uma bebida.
Isso não quer dizer que o rolê tenha sido produtivo. Muito pelo contrário. Ela parecia tão nervosa quanto o eu, o que me deixou um pouco sem graça, afinal, ela tinha um motivo para se sentir assim, já eu…
– Você precisa ficar com meu carro. - Jordan me disse, bêbado, mas nem tanto; por outro lado, parecia completamente desesperado, a ponto de ignorar Mary ao meu lado, interessada no novo assunto. – Ivy quer ficar comigo. – apontou para uma garota loira bonita, com o uniforme de líder de torcida do time de futebol americano. – Meu sonho é ficar com ela. Se eu tiver sorte, consigo passar o final de semana inteiro fazendo você-sabe-o-quê.
– Claro, cara. Não precisa me dar detalhes. - pego a chave de sua mão. – Você pode passar em casa quando o seu sonho acabar. - dei dois tapinhas em seu ombro, pouco antes dele fugir de mim, como se eu fosse desistir de conseguir ter uma chance de dar carona para Mary. Olhei para ela, que ria, ainda observando Jordan chegar em Ivy, a beijando e sendo retribuído.
– Ele claramente será bem feliz essa noite.
– Eu espero que sim. - coloquei as mãos nos bolsos. – Ele costuma ser insuportável ao receber o fora de uma garota legal.
– Ela não é legal. Só é bonita. Muito bonita.
– Muito bonita não significa muita coisa. - senti seu olhar em mim. – Quer dizer…
– Está tudo bem, mas só porque você está certo. Há rumores de que ela é péssima na cama.
– E quem inventou isso?
– Talvez eu, porque gosto de criar fofocas de todo mundo.
Damos risadas juntos e voltamos, mais uma vez, ao silêncio constrangedor que nos rodeou na conversa inteira, nas três últimas horas.
– Quer uma carona? - balanço a chave de Jordan em meu dedo, decidindo que seria essa a maneira que quebraria o silêncio.
Parabéns, Noah.
~*~
Mary mora em uma pequena república de cinco garotas. Três delas havia voltando para casa, a fim de passar os feriados de final de ano com a família ou namorado. Outra estava na festa e foi deixada para trás quando ofereci carona para Mary.
– Na verdade, ela já havia me dito que não voltaria. Está ficando com Paul Cavinsky.
– Do time de futebol americano?
– É. Mas não é um quarterback.
– Essa é, mesmo, uma informação muito importante. - ressalto, fazendo-a rir.
Jordan deveria ter consertado o problema de seu rádio há duas semanas, pelo que me falou. No momento em que ouvi a reclamação (ou desculpa), não dei importância nenhuma para o fato. Contudo, no momento, me sinto um idiota por não ter oferecido ir com o meu próprio carro com a rádio funcionando. Quem sabe dessa maneira eu não passaria pelo apuro de pensar em N assuntos para manter a conversa com Mary.
– É aqui. - apontou para um apartamento grande, aparentemente luxuoso.
Estacionei o carro em uma vaga próxima e desliguei assim que terminei a baliza. Mary não falou nada, mas também não saiu do carro. No momento em que o som do motor nos deixou em um silêncio ainda pior que o anterior, minha mente começou a trabalhar ainda mais em ter um assunto e postergar a saída de Mary para longe de mim. Eu deveria, pelo menos, conseguir terminar a noite com o telefone dela e, quem sabe, um beijo.
– Você passará o natal sozinha?
– Eu volto para casa no dia 24. Sou de Miami.
– Beach?
– Não, city. Você é de lá também, não é?
– Sou, moro em uma das pequenas ilhotas a caminho de Miami Beach.
– Ah, sei. Você tem um iate?
– Não, sou meio ruim com essas coisas. Meu pai gosta.
– O meu também. Ele prefere gastar grana com um iate, do que com nossa casa. Ainda bem que é minha mãe quem manda em tudo.
Mary começou a falar de sua família. De como eles são harmoniosos, mas ao mesmo tempo, turbulentos. Falou da irmã mais velha, formada em administração, ajudando a mãe nos negócios vindos da família dela. O pai, gerente de um hotel, não costuma permanecer em casa, principalmente nas épocas festivas, mas isso pelo menos garante um dinheiro extra no final do ano. O irmão do meio estava terminando a faculdade de engenharia naval e trabalhava na área portuária de Miami, um grande feito para a família. Comentou também dos dois cachorros que tinha, e como foi ter um casal de hamsters na infância.
Durante esse tempo, foi como se eu estivesse no mezanino da Starbucks e ela estivesse no térreo. Passei a observá-la falar com diversas expressões, dependendo da história que estivesse contando. Vi pela maneira como ela faz uma careta com a boca, que ela se dá muito melhor com sua mãe e irmã mais velha, do que com o pai e o irmão do meio.
Foi no momento em que ela parou de falar, que percebi que ela me observava. Eu não havia percebido que estava perplexo, encarando seus olhos, até vê-la me encarar fixamente.
Limpei a garganta, sem graça, e endireitei da maneira que dava dentro do carro, a minha coluna.
– Você quer tomar um café antes de ir? - ela olhou em seu relógio de pulso. – Eu acho que falei demais. Sou um tédio, não é?
– Eu estava muito interessado em como você conseguiu ressuscitar um hamster e não decidiu por medicina veterinária, mas sim, um café seria bom. Ou um copo d’água.
– Posso te ajudar bem com isso. Venha.
Era a primeira vez que eu entrava na casa de uma garota que havia acabado de conhecer, e ela era alguém que vivia sozinha e tinha responsabilidades pelos seus próprios atos. Uma coisa é você entrar na casa de alguém que mora com os pais, outra, é na casa de alguém que é uma das proprietárias do imóvel.
Assim que as portas do elevador se abriram, dei dois passos para o corredor com quatro portas.
– É a 704. - ela apontou para a porta da direita, a única não enfeitada com uma guirlanda natalina, ou um tapete indicando boas vindas. – Nem todas nós comemoramos o nascimento de Jesus. Religião e tal.
Assenti, me sentindo absurdamente nervoso. Não era como se eu nunca tivesse saído com uma garota antes. Ou uma garota que gostasse. Já gostei de outras pessoas antes e saí bastante com elas, então o que é que Mary tinha, que a diferenciava de todas as outras com quem já saí?
– Você vai desistir? - ela perguntou com um pequeno sorriso, me esperando com a porta aberta.
Fiquei observando ela, pensando em uma resposta para minha própria questão. Olhei para seu porte físico, talvez de maneira descarada até demais, já que seu pé direito posicionou-se para trás, em uma pose de defesa.
Talvez fosse a maneira como nos demos bem desde o começo. Como eu já sentia que ela era uma garota legal. Quem sabe fosse Jordan, que fez uma boa propaganda de mim, para ela, e vice-versa. Um amigo consegue fazer esse tipo de combinação.
Ou talvez fosse, mesmo, um milagre de natal, que me fez enxergá-la de uma maneira especial. Especial o suficiente para querer vê-la amanhã. Para querer lhe mostrar o meu lado comum. O Noah, amigo de Jordan. Não o artista da televisão.
– O que você faz depois do natal? Quero dizer, depois de cearem e trocarem os presentes?
– Assim, de repente? - ela se referiu à pergunta. Ao ver que era isso mesmo e eu não comentaria nada até ouvir uma resposta, disse: – Eu costumo ir dormir.
– Se eu te chamar para sair comigo, você aceitaria?
Os nós de seus dedos ficaram brancos ao apertarem a porta aberta.
– Como um encontro?
– Sim. - sorri. – Para você conhecer o Noah.
– O Noah?
– É. O verdadeiro.
– O que está parado na minha frente não é o verdadeiro?
– Não, é o artista. - sorrio, me divertindo por ela entrar na brincadeira.
– É mesmo, e qual a diferença entre os dois?
Dei um passo para frente, sem entrar, de fato, no apartamento dela. Parei a centímetros de distância, percebendo quão mais alto eu era, comparado à ela.
– O Noah Centineo todos conhecem. Muitas pessoas. Milhões, se for considerar o Instagram dele.
– E o Noah?
– Esse eu vou mostrar para você agora. - abaixei meu rosto na altura do dela, e disse: – Mas só se você guardar segredo.
Ela olhou em meus olhos como havia feito dentro do carro de Jordan. Ficou minutos me encarando, até dizer:
– É uma promessa.
Abri um sorriso e, dessa vez sem nervoso algum, entrei em seu apartamento e fechei a porta atrás de mim.
FIM
Nota: Mari, foi a primeira vez que escrevi nesse fandom, tive que ter uma ajudazinha do Adote uma Song, mas espero que tenha gostado! Foi de coração! Feliz natal! <3