Namorado de Emergência

Escrita porRay Dias
Editada por Natashia Kitamura

Capítulo 1 • O Retorno do Ex

Tempo estimado de leitura: 17 minutos

Sofia já tinha desenvolvido a habilidade rara de se atrasar mesmo quando não tinha absolutamente nada marcado. Era quase um dom. Naquela tarde, por exemplo, não havia reunião, cliente ou prazo urgente… ainda assim, ela corria pelo apartamento como se estivesse atrasada para salvar o mundo.
0
Comente!x

  — Cadê minha blusa azul? — resmungou, abrindo a porta do guarda-roupa como se fosse possível encontrar um portal mágico escondido entre os cabides.
0
Comente!x

  A blusa não apareceu, mas sim um vaso de planta tombado no chão. Sofia suspirou, pegou o vaso e o colocou de volta na prateleira. “Talvez eu devesse comprar menos plantas”, pensou, pela milésima vez. E, como sempre, ignorou o pensamento.
0
Comente!x

  Enquanto equilibrava uma pilha de roupas no braço, ouviu a campainha. Tocaram de novo, insistente. Ela correu, tropeçando na própria pantufa, e abriu a porta.
0
Comente!x

  — Você parece que perdeu uma guerra — disse Miguel, o vizinho de porta, encostado na parede do corredor com um sorriso preguiçoso. Ele segurava uma câmera pendurada no ombro, cabelo bagunçado de quem tinha acabado de voltar de um trabalho. — E aí, florestinha, precisa de ajuda pra domar essa selva aí dentro?
0
Comente!x

  Sofia revirou os olhos. Ele a chamava de florestinha porque o apartamento dela parecia um viveiro clandestino. Miguel entrou no apartamento notando a pilha de roupas, que estavam separadas para passar, atrás da porta.
0
Comente!x

  — É só um pequeno contratempo, obrigada. — Ela tentou parecer digna, mas uma meia caiu e ficou no chão entre eles. Miguel a pegou, ergueu como se fosse prova de um crime e riu.
0
Comente!x

  — Pequeno contratempo, claro. Parece que você tá se preparando pra fugir do país.
0
Comente!x

  — Engraçadinho. — Sofia tomou a meia de volta e fechou a porta com mais força do que deveria.
0
Comente!x

  Miguel foi entrando por seu apartamento e ela caminhou até seu quarto a fim de terminar de organizar o que estava fazendo antes, apesar de organização não ser bem a questão.
0
Comente!x

  Sofia ainda estava rindo sozinha quando o celular vibrou na mesa. Ao ver o nome na tela, o sorriso sumiu.
0
Comente!x


  Mensagem de Camila (a amiga fofoqueira de plantão):
0
Comente!x

  Notícia bomba: adivinha quem voltou pra cidade?
0
Comente!x


  Sofia franziu o cenho e digitou de volta:
0
Comente!x


  Quem?
0
Comente!x


  A resposta veio rápida, cruel, quase cinematográfica:
0
Comente!x

  Seu EX. Vai estar na festa da Letícia sábado. Preparada?
0
Comente!x

  O coração de Sofia despencou. Preparada? Claro que não estava preparada. Nem sabia como reagir ao imaginar o sorriso convencido de Leonardo, aquele mesmo que tinha terminado com ela com a desculpa “o problema não é você, sou eu” — e, dois dias depois, estava namorando outra.
0
Comente!x

  A mão tremeu um pouco enquanto ela largava o celular na mesa. Respirou fundo. Ok, sem pânico. Ela era adulta. Uma mulher independente. Forte. Segura.
0
Comente!x

  — Droga. — Sentou-se no sofá e enfiou a cara na almofada.
0
Comente!x

  Alguns minutos depois, alguém bateu à porta de seu quarto, leve. Sofia abriu sem pensar, e lá estava Miguel outra vez, segurando um pote de macarrão instantâneo.
0
Comente!x

  — Fiz dois, quer um?
0
Comente!x

  Ela piscou, surpresa.
0
Comente!x

  — Você sempre aparece com comida quando eu tô prestes a ter uma crise existencial, sabia?
0
Comente!x

  — É meu sexto sentido. — Ele ergueu o pote como se fosse um troféu. — Vem, me conta. Quem morreu?
0
Comente!x

  Sofia hesitou. Mas quando o cheiro do macarrão com molho artificial bateu em seu nariz, ela decidiu que precisava de apoio. Sentou-se ao lado dele no tapete, e em cinco minutos já tinha despejado tudo: Leonardo, a festa, o desastre que seria encontrar o ex de novo.
0
Comente!x

  Miguel ouviu em silêncio, mastigando. Quando ela terminou o relato, ele soltou um assobio baixo.
0
Comente!x

  — Então você tá em pânico porque não quer chegar sozinha e parecer… sei lá… a perdedora que ainda não superou o cara?
0
Comente!x

  — Obrigada pela delicadeza. — Sofia bufou. — Mas é isso.
0
Comente!x

  Miguel sorriu de canto, aquele sorriso irritantemente tranquilo que ele usava quando estava prestes a dizer alguma besteira.
0
Comente!x

  — Fácil de resolver. Eu posso ser seu namorado.
0
Comente!x

  Sofia piscou, confusa.
0
Comente!x

  — O quê?
0
Comente!x

  — Seu. Namorado. De mentirinha. — Ele disse pausadamente, como se fosse a ideia mais lógica do mundo. — A gente chega junto na festa, dá as mãos, sorri pros seus amigos. Leonardo vai engasgar no próprio ego.
0
Comente!x

  Sofia abriu a boca, fechou, abriu de novo. Não tinha certeza se ria ou se chorava.
0
Comente!x

  — Miguel, isso é ridículo.
0
Comente!x

  — É brilhante. — Ele deu de ombros. — Além disso, você sabe que eu ficaria incrível no papel.
0
Comente!x

  Ela respirou fundo. Aquilo não fazia sentido algum… mas, quanto mais pensava, mais parecia a única saída.
0
Comente!x

  E foi assim que, entre um pote de macarrão e uma gargalhada nervosa, Sofia aceitou a ideia mais absurda de sua vida: transformar o vizinho bagunceiro em seu “namorado de emergência”.
0
Comente!x

N A M O R A D O • D E • E M E R G Ê N C I A •

  Sofia nunca se esqueceu do dia em que Miguel apareceu no prédio. Era uma tarde abafada de verão, ela tinha acabado de voltar do trabalho exausta, sonhando apenas com o banho e o ventilador no máximo, quando se deparou com uma cena caótica no corredor do quarto andar.
0
Comente!x

  Um rapaz, alto, magro e de camiseta preta suada, tentava equilibrar três caixas enormes empilhadas nos braços. O problema é que as caixas estavam prestes a desabar, e a cada passo ele batia em uma parede ou tropeçava no próprio pé.
0
Comente!x

  — Cuidado! — Sofia gritou, instintivamente.
0
Comente!x

  Era tarde demais. Uma das caixas escorregou, acertando em cheio o pé dela.
0
Comente!x

  — Ai, caramba! — Sofia pulou para trás, quase derrubando a própria bolsa.
0
Comente!x

  O rapaz largou tudo no chão, arregalando os olhos.
0
Comente!x

  — Droga, me desculpa! Eu juro que não costumo atacar vizinhas inocentes logo no primeiro dia.
0
Comente!x

  Sofia, sentindo o latejo no dedão, não conseguiu decidir se ria ou se chorava. O jeito atrapalhado dele, o cabelo desgrenhado e a cara de pânico eram tão caricatos que a dor perdeu força diante da cena.
0
Comente!x

  — Você é o novo morador? — perguntou, tentando se recompor.
0
Comente!x

  — Sim. Miguel. — Ele estendeu a mão, hesitante, como se pedir desculpas com um aperto fosse compensar o acidente. — Destruidor de pés às vezes, aparentemente.
0
Comente!x

  Sofia riu, aceitando a mão.
0
Comente!x

  — Sofia. Vítima oficial do quarto andar.
0
Comente!x

  Eles acabaram rindo juntos, e foi naquele instante que algo se encaixou. Uma naturalidade difícil de explicar, como se fossem vizinhos há anos. Nos dias seguintes, a amizade foi se costurando aos poucos: um “oi” no elevador, uma xícara de açúcar emprestada, uma conversa rápida no corredor que se estendia por horas.
0
Comente!x

  Miguel era fotógrafo freelancer, sempre com a câmera pendurada no pescoço e histórias improváveis de ensaios em lugares bizarros. Sofia, recém-formada em design, trabalhava de casa e, por isso, era comum que os dois se encontrassem em horários aleatórios. Às vezes ela levava pizza, às vezes ele trazia cerveja barata, e logo os apartamentos se tornaram extensão um do outro.
0
Comente!x

  Mas nem todos viam essa amizade com bons olhos.
0
Comente!x

  Na época, Sofia namorava Leonardo. Ele era bonito, confiante, um tanto controlador. E desde o primeiro encontro com Miguel, algo azedou.
0
Comente!x

  Lembrava bem da cena: estavam em um barzinho, Sofia havia levado Leonardo para conhecer o novo vizinho. Miguel chegou atrasado, como sempre, esbaforido, com a camisa meio amarrotada e um sorriso aberto.
0
Comente!x

  — Finalmente conheço o famoso Leonardo! — disse Miguel, estendendo a mão com entusiasmo.
0
Comente!x

  Leonardo apertou, mas não sorriu.
0
Comente!x

  — Famoso?
0
Comente!x

  — Claro. A Sofia só fala de você. — Miguel piscou, sem perceber a sombra de ciúme que passava pelos olhos do outro.
0
Comente!x

  A noite seguiu entre piadas de Miguel, gargalhadas de Sofia e silêncios cada vez mais longos de Leonardo. Ele não suportava ver como Sofia relaxava ao lado do vizinho. Miguel sabia das manias dela, terminava suas frases, tirava sarro de suas obsessões com séries. Era uma cumplicidade que Leonardo não entendia — e, pior, não conseguia competir.
0
Comente!x

  — Não sei por que você precisa dele pra tudo — resmungou Leonardo, mais de uma vez, depois que ficaram sozinhos. — Parece que não consegue respirar sem o Miguel por perto.
0
Comente!x

  — Ele é só meu amigo, Leo. — Sofia sempre suspirava, cansada da ladainha. — Você está exagerando.
0
Comente!x

  Mas ele não acreditava. Sempre que encontravam Miguel em grupo, as farpas apareciam. Leonardo fazia questão de diminuir alguma piada, criticar discretamente, ou ignorar a presença do vizinho. Miguel, por outro lado, não revidava com agressividade. Pelo contrário: respondia com ironias leves, aquelas que não soavam ofensivas, mas que deixavam Leonardo vermelho de raiva.
0
Comente!x

  — Você devia relaxar mais, cara. — Miguel dissera uma vez, quando Leonardo insistiu em uma discussão sobre futebol. — Não é competição.
0
Comente!x

  — Pra você tudo é piada, né? — Leonardo retrucou, azedo.
0
Comente!x

  Sofia estava no meio, dividida entre a leveza de um e o peso do outro. Até que, pouco depois, Leonardo terminou com ela de forma abrupta, alegando não estar “pronto para algo sério”. Dois dias depois, ele aparecia nas redes sociais com uma nova namorada.
0
Comente!x

  Foi doloroso, mas Sofia sabia que, no fundo, Miguel sempre tinha razão: Leonardo nunca gostou de dividir espaço, nem mesmo com uma amizade.
0
Comente!x

  E foi Miguel quem apareceu na porta do apartamento dela naquela noite de choro, trazendo um pote de sorvete barato e uma caixa de lenços.
0
Comente!x

  — Eu não vou dizer “eu avisei”. — Ele sentou-se ao lado dela no sofá, estendendo a colher. — Mas vou ficar aqui até você rir de novo.
0
Comente!x

  Ela riu em meio às lágrimas, aceitando a colher. E desde então, Miguel se tornou parte inseparável da sua rotina, tão natural quanto as próprias plantas que ocupavam seu apartamento.
0
Comente!x

N A M O R A D O • D E • E M E R G Ê N C I A •

  Sofia piscou algumas vezes, tentando afastar as lembranças da tarde de verão em que conheceu Miguel. A memória ainda trazia calor ao coração, misturado com uma pontada de saudade e um riso reprimido — mas a realidade a puxou de volta com força. Ela estava sentada em uma das mesas do café da esquina, o vapor do café ainda subindo do copo, e a tarde já começava a cair em tons dourados sobre a rua movimentada.
0
Comente!x

  À sua frente, Camila gesticulava freneticamente, como se cada movimento pudesse dar mais peso às suas palavras.
0
Comente!x

  — Gente, sério! — exclamou, inclinando-se sobre a mesa. — Vocês não estão entendendo! O Leonardo vai estar lá, óbvio, e se você aparecer sozinha, Sofia… você vai ser o prato principal da fofoca da cidade inteira!
0
Comente!x

  Sofia suspirou, apoiando o queixo nas mãos.
0
Comente!x

  — Obrigada pelo apoio moral, Camila. É sempre bom ser lembrada de que minha vida amorosa é tema de novela.
0
Comente!x

  Miguel, sentado ao lado dela, cruzou os braços e se recostou na cadeira com aquele sorriso dele, meio preguiçoso, meio desafiador, que sempre a deixava irritada e divertida ao mesmo tempo.
0
Comente!x

  — Olha, eu já falei: problema resolvido. Eu vou com você. Fingimos ser um casal, todo mundo acredita, você salva a sua reputação, ele engasga no próprio ego, todo mundo feliz.
0
Comente!x

  Camila arregalou os olhos e bateu palmas com entusiasmo exagerado.
0
Comente!x

  — Perfeito! Perfeito! Exatamente isso que eu estava dizendo! Você tem que aceitar, Sofia, é a oportunidade da sua vida!
0
Comente!x

  — Não. — Sofia falou firme, embora sentisse a garganta seca e o coração bater um pouco mais rápido do que deveria. — Isso é ridículo. Eu não posso simplesmente… inventar um namorado.
0
Comente!x

  — Ridículo é deixar aquele cara achar que você ainda tá sofrendo, que ele ainda tem algum poder sobre você — rebateu Camila, com um sorriso meio malicioso. — Olha, pensa bem: você vai chegar na festa linda, confiante, de braço dado com alguém incrível… quem vai reparar em mais alguma coisa?
0
Comente!x

  Sofia mordeu o lábio, pensativa. Havia lógica naquilo, mas a ideia de fingir um namoro com Miguel ainda parecia absurda. Por outro lado… era Miguel. Sempre que estava perto dele, o mundo parecia mais fácil, e uma parte dela já sabia que a presença dele na festa não seria apenas conveniente, seria estranhamente… reconfortante.
0
Comente!x

  — E como é que vai funcionar? — perguntou, a voz mais baixa, quase tímida. — A gente… treina? Você sabe, ensaia o casal perfeito?
0
Comente!x

  Miguel deu de ombros e sorriu, provocando como sempre.
0
Comente!x

  — Claro que sim. Vamos precisar de ensaios estratégicos: caminhar de mãos dadas sem tropeçar, olhar nos olhos sem parecer um serial killer, sorrisos naturais e, claro, beijos fingidos convincentes. Fácil, né?
0
Comente!x

  — Fácil? — repetiu Sofia, arqueando uma sobrancelha. — Você só quer isso pra zoar.
0
Comente!x

  — Talvez — admitiu ele, rindo. — Mas também pode ser muito divertido.
0
Comente!x

  Camila, impaciente, bateu na mesa.
0
Comente!x

  — Olha, gente, deixa eu resumir: pros da Sofia, os prós são: humilhar o ex, ter companhia elegante na festa, ganhar pontos de simpatia com amigos, fotos lindas… E o contra? Só um risco mínimo de vocês acabarem gostando de verdade um do outro.
0
Comente!x

  Sofia se encolheu, franzindo o cenho.
0
Comente!x

  — Praticamente impossível, então.
0
Comente!x

  — Eu só disse “pequeno risco” — retrucou Camila, com a expressão de quem adora drama. — Mas vamos combinar, Sofi: a química entre vocês é óbvia desde que ele chegou nesse prédio, lembra? O que se eu não me engano, aliás, conta como mais um ponto a favor para a humilhação do seu ex, já que ele sempre sentiu ciúmes dessa coisa bem bolada que existe entre você e o Miguel.
0
Comente!x

  Sofia baixou os olhos, mordendo o lábio. Lembrou-se das incontáveis tardes em que Miguel aparecia no momento exato em que ela precisava de uma mão, de um sorriso, de companhia. Ele conhecia todos os cantos de sua bagunça, todas as suas histórias embaraçosas, e ainda assim, continuava ali, rindo com ela, não dela. Aquilo, de repente, parecia mais do que amizade — mas era exatamente aí que estava o perigo do plano.
0
Comente!x

  Miguel, percebendo seu silêncio, deu um leve toque na mão dela, casual, mas que enviou pequenas faíscas percorrendo seu braço.
0
Comente!x

  — Tá pensando demais — disse ele, sorrindo com aquela tranquilidade irritante. — Vai ser divertido. Ponto final.
0
Comente!x

  Sofia lançou um olhar de reprovação, mas não conseguiu segurar a risada.
0
Comente!x

  — Tá bem, mas se a gente fizer isso, é só pra uma noite, entendeu? Nada de drama, nada de sentimentos complicados.
0
Comente!x

  Camila sorriu triunfante.
0
Comente!x

  — Isso é ótimo! Já temos enredo perfeito pra novela da vida real.
0
Comente!x

  Miguel assentiu, piscando para Sofia.
0
Comente!x

  — Só uma noite, prometo. Mas posso avisar desde já… que às vezes uma noite é suficiente pra bagunçar tudo.
0
Comente!x

  Sofia engoliu em seco, tentando ignorar o friozinho no estômago. Ela não tinha dúvidas: aceitar o plano significaria entrar em território desconhecido. Mas de algum modo, saber que Miguel estaria ao seu lado fazia tudo parecer mais seguro… e estranhamente emocionante.
0
Comente!x

  E assim, entre risadas, provocações e cafés, o trio passou a tarde traçando a estratégia, inventando histórias, ensaiando olhares e planejando cada detalhe da farsa que prometia virar a maior confusão das vidas deles — com Leonardo assistindo, sem saber que aquele “namorado de emergência” poderia ser o começo de algo muito mais complicado.
0
Comente!x
Capítulo 1
0 0 votos
Classificação do artigo
Inscrever-se
Notificar de
guest
0 Comentários
mais antigos
mais recentes Mais votado
Feedbacks embutidos
Ver todos os comentários
Todos os comentários (0)
×

Comentários

Você não pode copiar o conteúdo desta página

0
Adoraria saber sua opinião, comente.x