Moments - Decisions
Escrito por Danielle | Revisado por Paulinha
“Todo mundo vai te decepcionar, sabia? Sua mãe, seu pai, seu marido, sua amiga, seu vizinho. Todo mundo um dia vai fazer uma merda federal e ferrar com tudo que você sonhou. A gente tem tantos sonhos, tantas verdades floridas e bonitas. Meu Deus, como eu queria uma vida cheia de cor. Meu Deus, como eu queria uma realidade mais doce. Mas não. A vida é meio amarga, azeda, meio de verdade. Isso assusta, mas a gente precisa ser forte.” – Clarissa Corrêa.
Eu andava vagarosamente pelo corredor do hotel abandonado, uma pistola cenográfica posicionada nas minhas duas mãos, um colete azul com a escrita FBI estampada em letras grandes, meus sapatos preparados para não fazer sequer um ruído. Eu precisava me concentrar naquela cena, lembrar-me que naquele momento eu era uma agente federal, preparada para lidar com uma situação daquelas, corajosa o bastante para enfrentar quem quer que estivesse no final daquele corredor.
O problema era que eu estava com a minha mente em minha própria vida e nada mais parecia ser capaz de me distrair do que havia acontecido apenas dois dias atrás.
Flashback On
- Ainda não acredito que você está aqui. – Beatriz disse oferecendo-me um suco. Eu também não acreditava ainda que havia conseguido reunir coragem suficiente para procurá-la. Depois de ter passado tanto tempo evitando não só à Bia, mas também a todos os amigos que John e eu pudéssemos ter em comum, eu esperava que ela nem me deixasse subir quando eu tocasse o interfone. No entanto, ela parecia muito empolgada e genuinamente feliz em me ver.
- Eu me mudei de volta pra Los Angeles. – anunciei e beberiquei o refresco de laranja.
- Jura?! Essa é uma ótima notícia, Anna! Conseguiu algum trabalho por aqui?
- Sim. Eu recebi uma proposta pra participar da nova temporada da série Criminal Minds. Você conhece?
- Conheço sim, e adoro. É uma série com um ótimo público. Será excelente pra sua carreira.
- É verdade. Acho que eu estou à procura de algo diferente também. Só atuei em romances nos últimos tempos... Provavelmente vai ser uma variada interessante.
- Bom, as meninas ficarão radiantes quando souberem que você veio para ficar!
- Espero que sim, Bia. – respondi não tão esperançosa quanto ela. – Mas me conte as novidades! Como está o seu trabalho, a vida amorosa...?
- Eu me tornei âncora do Los Angeles News, o principal jornal da noite daqui, há alguns meses.
- Caramba! Isso é fantástico! Parabéns, flor. – coloquei o copo de suco na mesinha de centro e me estiquei no sofá para abraçar Beatriz. Chegar ao topo da carreira aos 25 anos é realmente impressionante. E, embora soubesse que minha amiga tivera alguma sorte por causa dos contatos com os quais já nasceu contando, eu sabia que ela não teria ido tão longe se não fosse boa de verdade no que fazia.
- Obrigada. – ela disse correspondendo ao meu abraço de cumprimento. – E sobre a vida amorosa... O Zack me pediu em casamento. – Beatriz completou indicando a aliança devidamente posicionada em seu dedo anular direito. Senti meu queixo cair automaticamente.
- Meu Deus, eu não sei o que dizer! – falei perplexa. – Eu pensei que você e o Zack tinham terminado...
- Sim, nós terminamos por um tempo. Voltamos a namorar há uns três meses. Ele fez o pedido algumas semanas depois que reatamos. – Bia explicou-me. Zack provavelmente estava pedindo-lhe em casamento quase no mesmo instante em que John me confirmava que havia seguido em frente. Balancei a cabeça de um lado para o outro como se isso fosse me ajudar a esquecer aquela noite, e então abracei minha melhor amiga novamente. Zack e ela faziam um casal maravilhoso, os dois eram pessoas incríveis e eu torcia de verdade para que fossem mesmo felizes para sempre.
Beatriz e eu passamos a próxima hora conversando sobre amenidades. Ela me contou em detalhes como Zack havia lhe pedido em casamento, atualizou-me sobre as vidas de Mariana – que estava na Suíça desfilando e só voltaria para os Estados Unidos dali alguns meses - e Summer – que havia assumido a empresa do pai e era preciso conversar com a sua secretária para marcar um horário se quiséssemos vê-la. Depois, Bia decidiu fazer brownies e eu fui com ela para a cozinha no intuito de ajudá-la.
- Quer dizer que você agora entende alguma coisa sobre culinária? – minha amiga perguntou surpresa com a minha destreza ao picar as nozes.
- Eu fiz um curso para interpretar uma chef de cozinha em um seriado no ano passado. Daí tomei gosto e passei a cozinhar de vez em quando. Mas não se engane. Brownie é um dos cinco pratos que eu realmente sei fazer. – respondi. Beatriz, a verdadeira mestre cuca que eu conhecia, riu de mim e então foi atender ao interfone.
- Oi... Hoje é o dia dos milagres!... Suba logo, menino. – escutei Bia dizer. – Você não vai acreditar em quem acabou de chegar. – ela disse e andou até a porta da sala.
- Quem? – perguntei seguindo-a, mas ela já havia aberto a porta e o visitante se revelou antes que Beatriz pudesse me responder. A faca que eu estava usando para picar as nozes para o brownie caiu das minhas mãos no mesmo instante que o olhar de John cruzou com o meu.
- Senti sua falta, seu idiota! – Beatriz disse enquanto o abraçava e eu pegava a faca do chão para colocá-la no balcão da cozinha.
- Também senti a sua falta, Bia. – ele respondeu forçando um sorriso.
- Sério, qual a chance de Annabelle Parker e John O’Callaghan aparecerem na minha casa no mesmo dia? Isso só pode ser o destino!
- Oi, Annabelle. – John acenou para mim sem graça; eu fiz o mesmo respondendo-o com outro “oi”. Se era mesmo o destino que estava fazendo com que nos cruzássemos com tanta frequência, eu não sabia dizer. Mas alguma coisa muito forte parecia decidida a não me deixar esquecer John tão cedo.
Flashback Off
Acordei das minhas lembranças quando o barulho de alguma coisa caindo fez com que eu me assustasse. Atirei em direção ao ruído automaticamente e comecei a correr ainda com a arma posicionada e preparada para que eu puxasse o gatilho novamente. Meu diretor dizendo “corta!” foi o que me fez parar.
- Excelente, Anna! Pausa de dois minutos para continuarmos. – Paul disse e então as maquiadoras e cabelereiras vieram até mim para retocar os detalhes do meu figurino.
- Está tudo bem, Anna? – Mathew, um dos meus colegas de elenco, perguntou assim que a equipe me deixou sozinha e enquanto eu olhava o roteiro do episódio que estava sendo gravado.
- Sim, tudo certo. – respondi automaticamente e forcei um sorriso.
- Você parece chateada com alguma coisa.
- Impressão sua, Matt. Mas obrigada pela preocupação. – falei tentando usar um pouco dos meus dons como atriz para dar alguma credibilidade às minhas palavras. Felizmente, o diretor nos chamou para darmos continuidade à gravação. Agora minha maior preocupação deveria ser me concentrar no trabalho e tentar tirar da cabeça John ou o que quer que o envolvesse.
Xx
Parei o carro na minha vaga dentro do condomínio e me arrastei até a entrada para pegar o elevador até o sétimo andar, onde meu apartamento vazio, mas aconchegante, me esperava. Liguei a secretária eletrônica enquanto tirava os sapatos e uma mensagem deixada por Beatriz fez com que os acontecimentos que eu estava tentando afugentar no fundo de minha mente viessem todos à tona, um por um.
Flashback On
- Mas a única coisa que deixei o Zack decidir até agora foram as bandas. Como ele tem vários amigos músicos, teremos todo tipo de atração no casamento, e convenhamos, ele trabalha com música, então eu não poderia mesmo impedi-lo de dar algum palpite nisso. Não que eu não tenha tentado... – Beatriz disse enquanto comíamos brownie à mesa de seu apartamento. John riu provavelmente fazendo um quadro mental das discussões de Bia e Zack sobre o que faria parte de sua cerimônia de casamento ou não. Eu também teria rido se não estivesse tão desconfortável com aquela situação.
- The Maine com certeza será uma dessas bandas. – ele comentou afagando a mão de nossa amiga. O celular de Bia tocou de algum lugar da sala, então ela se desculpou e pediu licença para ir atender. Um silêncio perturbador pairou sobre mim e John então.
- Como você está? – ele perguntou com os olhos na comida.
- Bem. E você? – devolvi também sem ter coragem de olhá-lo dentro dos olhos.
- Também. E o trabalho em L.A? Já começou a filmar?
- Sim. Começamos há alguns dias. Você está aqui a passeio?
- Estamos gravando um novo álbum, então estou ficando na cidade a maior parte do tempo.
- Hmm. Legal.
Assim, acabou-se nosso repertório de assuntos. Era tão triste que eu gostasse tanto dele, mas não pudesse me permitir demonstrar sequer um milésimo disso...! Mas o que eu poderia fazer, não é mesmo? John e eu tomamos caminhos diferentes, e eu ainda me perguntava como não havia conseguido engolir isso de uma vez por todas.
Para nosso alívio, Beatriz não demorou a voltar. No entanto, quando fez isso, ela chegou desculpando-se porque precisava ir até o trabalho resolver um imprevisto.
- Bom, então acho que vou indo... – falei recolhendo os pratinhos da mesa.
- Me desculpe mesmo por isso, Anna. Juro que vou te ligar para sairmos com mais tempo e compensar isso. – Bia disse me abraçando.
- Não se preocupe, Beatriz.
- E você, John, fique aqui esperando o Zack. Quero a lista de convidados dele pronta hoje ainda e você é minha única esperança para que isso aconteça. – ela falou caminhando até a porta.
- Relaxa, Bia.
- Tchauzinho, pessoal. Beijo!
Coloquei os pratinhos de sobremesa e os copos na lavadora, e me apressei em pegar minha bolsa para ir embora o mais rápido possível. Lá estava eu novamente, fugindo como a covarde que era.
- Então, foi bom te ver, John. Até mais! – sorri para ele sem jeito, sem saber se deveria abraçá-lo ou algo do tipo. Decidi que seria melhor manter distância de seu cheiro maravilhoso, e já estava com a mão na maçaneta da porta quando ele chamou meu nome.
- Eu não quero mais que fique esse clima horrível entre a gente. – John disse andando na minha direção e me fuzilando com aqueles olhos verdes perfeitos.
- Que clima horrível? – eu ri fazendo-me de boba.
- Olha, Anna, eu sei que essa é só a primeira vez que nos falamos desde que você esteve em Tempe. Eu sei que você ainda está com raiva de mim...
- Eu não estou com raiva de você. – falei interrompendo-o e suspirei alto. – Eu não tinha o direito de te cobrar nada. Você está certo em seguir com a sua vida, ser aberto a novas coisas. Eu deveria ter feito o mesmo.
- Eu não diria que estou assim tão certo porque eu não fui honesto nesse tempo todo. Eu ainda não esqueci você.
- É mesmo? – eu ri sem humor algum. – E a Melissa? – questionei lembrando-me da moça que estava na casa dele no Arizona, quando tive a ideia idiota de devolver a carteira que encontrei na calçada da Five para seu dono. É claro que se eu soubesse que esse dono era John, não teria sequer pensado em fazer essa entrega pessoalmente. Mas não é assim que a vida funciona. Ela é sádica e cruel o bastante para te jogar neste tipo de situação porque, aparentemente, é só quebrando a cara que o ser humano aprende alguma coisa.
- Ela não é minha namorada. É só uma amiga de infância.
Essas frases curtas e simples foram o bastante para regar minha esperança de tal forma que ela cresceu e floresceu instantaneamente dentro de mim. Quando eu disse a John que Melissa significava que ele havia mesmo me obedecido quando eu o mandei não se apaixonar por mim, ele não negou que tinha alguma coisa com ela. No entanto, ele também não confirmou que eles tinham de fato um relacionamento.
Mil e uma coisas atormentavam minha mente, e tudo só ficou mais confuso quando John aproximou-se de mim o bastante para que ficássemos a poucos centímetros de distância. Ele pegou minhas mãos e me deu um longo beijo na testa. A próxima coisa de que me lembro é de seus lábios tocando os meus novamente e da sensação enorme de alívio que me invadiu quando isso aconteceu. Parecia que eu havia vivido os últimos três anos apenas para chegar finalmente naquele momento.
Flashback Off
Passava das duas da manhã, então eu não podia retornar à ligação de Bia, mesmo que ela tivesse dito que eu poderia fazer isso o horário que quisesse. Por isso, limitei-me a requentar um pedaço de pizza no micro-ondas e tomar um banho, antes de cair na minha cama completamente exausta e apagar pelas próximas horas. O que me despertou foi o interfone do meu apartamento tocando no dia seguinte. Kevin, meu porteiro, anunciou que Beatriz Hastings pedia permissão para subir.
- Claro, Kevin. Diga a ela que estou esperando.
Coloquei um roupão por cima do pijama, lavei meu rosto e pus a cafeteira para funcionar. Beatriz tocou a campainha assim que terminei de colocar a água dentro do eletrodoméstico.
- Oi, Bia. – cumprimentei-a com um abraço.
- Fiquei preocupada com você, moça!
- Ah, mas não era preciso. Eu estou bem. – fiz meu sorriso de tapetes vermelhos e Premieres para ela.
- Eu sou jornalista, Anna. Eu sei reconhecer um sorriso político. – Bia rolou os olhos. – Vamos, me conte o que aconteceu para que você tenha ficado tão alterada na última vez que conversamos.
- O John não te contou? – perguntei odiando quando minha voz falhou ao pronunciar o nome dele.
- Não consegui falar com ele ainda.
Encarei Beatriz por um instante sentindo as lágrimas encharcando meus olhos. Então, repassei os últimos acontecimentos, novamente desejando poder entender o que havia em John que ele simplesmente desligava minha capacidade de racionar quando estava perto de mim. Provavelmente, nem se eu vivesse mil anos conseguiria compreender de verdade isso.
Flashback On
- Nós estamos na casa da Beatriz, John... – murmurei sem querer de verdade parar o que estávamos fazendo.
- Eu dou pra ela um sofá novo se você quiser. – ele tirou os lábios do meu pescoço um instante para responder, e então voltou a mordiscar ao pé da minha orelha.
Uma de suas mãos apertava com força a minha cintura, ao passo que a outra acariciava uma das minhas pernas. Nossas blusas jaziam no tapete da casa de Bia, e embora algo me dissesse que era errado dar uns amassos com um dos amigos dela em sua sala, não encontrava uma forma de fazer isso.
John cobriu minha boca com a sua novamente, e enquanto nos beijávamos deslizei minhas mãos pelo seu abdome até chegar à fivela de seu cinto. Ele soltou um barulho estranho que me fez sorrir no meio do beijo, e não sei exatamente como, mas no segundo seguinte eu quem estava por cima dele, sentindo suas mãos agarrarem a minha bunda com força. O telefone da casa de Bia tocou, mas não nos interrompeu. Desta vez, fiz como John e ignorei de bom grado enquanto o aparelho soava freneticamente até cair na caixa postal.
Beatriz, aqui é a Melissa. O John me disse que estaria na sua casa a essa hora, mas pelo visto ele ainda não chegou. Bom, ele não atende ao celular e eu realmente preciso falar com ele... Então, se puder me fazer um favorzinho e dizer ao meu namorado para ele me ligar, eu realmente agradeceria. Um beijo!
Saí de cima de John e catei minha blusa no chão enquanto ele me encarava provavelmente pensando em uma mentira para inventar.
- Anna...
- Então a Melissa é só uma amiga de infância? – perguntei encarando-o de volta.
- Desde o dia em que você me procurou eu tenho tentado terminar com ela... – aquelas palavras doeram mais que um tapa na cara. Andei a passos rápidos até a porta da casa de Beatriz, pegando minha bolsa que estava em um divã ao lado. John segurou meu braço assim que coloquei a mão na maçaneta.
- Me solta, John. – pedi com os dentes cerrados, sem saber qual sentimento mais me dominava: raiva dele ou ódio de mim mesma por ser tão estúpida.
- Você precisa me ouvir, Annabelle.
- Para quê? Para você mentir de novo na minha cara? – praticamente gritei e puxei meu braço para me livrar da mão dele.
- Eu não estou realmente com a Melissa. Nós estamos dando um tempo desde o dia que você esteve na minha casa. Eu só não terminei com ela ainda porque eu vou ser padrinho de casamento da Bia e a Mel foi convidada para ser madrinha porque é minha namorada. A Melissa sabe que nós não vamos continuar juntos.
- E você acha mesmo que isso importa? Acha mesmo que alguma coisa que você vá me dizer agora mudará o fato de que você mentiu pra mim?
Ele não respondeu. Depois de um segundo olhando nos meus olhos, John desviou o olhar também, parecendo finalmente ter se dado conta do que havia feito.
Flashback Off
- Então eu fui embora. – eu disse terminando de contar o que havia acontecido para Beatriz. Ela me encarava com o choque estampado na cara.
- Meu Deus, o que deu no John pra fazer uma coisa dessas?
- Você sabe se ele realmente está mal com a Melissa?
- Bom, ele me disse que você esteve na casa dele, e eu mesma o aconselhei a conversar com a Mel se ele estava em dúvida sobre os sentimentos que tem por ela. Mas eu não sabia que eles estavam tão mal. E acho que se ele pretendia empurrar as coisas com ela até o meu casamento, não me contaria mesmo, porque eu definitivamente faria o John dar um jeito nisso.
- Ai, Bia, como eu fui idiota! – lamentei novamente levando minhas mãos aos cabelos e desejando me enfiar em um buraco e permanecer dentro dele até que tudo aquilo se tornasse uma lembrança vaga, que não me incomodasse mais.
- Não pense assim, Anna. A culpa foi toda do John. – ela disse afagando minhas costas. – Ele provavelmente pretendia sair dali e ir correndo terminar com a Melissa.
- Mas isso não mudaria o fato de que ele mentiu pra mim.
- Eu sei que não, querida. – Beatriz disse e então o silêncio pairou sobre nós novamente.
Se antes não havia esperanças para John e eu, agora sim elas estavam totalmente extintas. O John que eu pensava que conhecia jamais teria feito isso – mentido para mim, traído a namorada. Talvez eu estivesse apaixonada pela pessoa que eu pensava que ele era, não pelo John que de fato existia agora.
- Anna? – Beatriz falou acordando-me de meus pensamentos.
- Sim?
- Você já parou para pensar que talvez esteja vivendo no passado? – Desviei meus olhos dos dela quando suas palavras me atingiram como uma ducha fria depois de um porre. – Me desculpe dizer isso, flor, mas não deveria ser assim tão complicado. É evidente que o John teve alguma importância na sua vida. Mas talvez agora seja hora de você olhar para frente.
- Você tem razão. – suspirei alto. E, no fundo, eu sabia que ela realmente tinha.
Xx
As semanas se passaram e eu vivi a minha vida, porque não havia formas de simplesmente desligar o relógio do mundo e colocar meus pensamentos em ordem antes de fazer isso. Assim, fiz o que sempre fazia quando estava perdida emocionalmente e completamente confusa sobre como agir em seguida: foquei no meu trabalho, a coisa mais estável da minha vida, embora eu fosse uma atriz que nunca sabia quando estaria empregada de novo depois que um contrato se encerrava.
Pensei que John me ligaria ou procuraria saber onde eu estava morando para ir atrás de mim. Mas ele não fez isso. Beatriz disse que o havia proibido de se aproximar de mim até resolver seus problemas com a namorada, então deduzi que ele ainda não sabia o que fazer sobre Melissa. E agradeci a Deus várias vezes por ele ter me deixado em paz por enquanto. Eu ainda não sabia o que faria se visse John na minha frente, embora soubesse o que deveria fazer – mandá-lo desaparecer da minha vida para sempre porque eu não era capaz de acreditar nele mais.
O casamento de Beatriz e Zachary finalmente chegou. A cerimônia e a recepção seriam realizadas ao ar livre, em uma das mansões da família de Bia nos arredores de Los Angeles. O dia estava maravilhoso, assim como a decoração perfeitamente arrumada no local. Coloquei o vestido cor-de-rosa longo que a própria Beatriz havia me ajudado a escolher, e fiquei com ela durante todo o tempo até às quatro da tarde, quando a cerimônia teve início.
O padre fez um pronunciamento relacionado à família e falou sobre como o casamento é uma união sagrada. Então, leu o texto de 1 Coríntios 13:4-8, que diz que o amor é ‘longânime e benigno, não é ciumento, não se gaba, não se enfuna, não procura seus próprio interesses, não leva em conta o dano. Não se alegra na injustiça, mas com a verdade. Suporta todas as coisas, acredita todas as coisas, espera todas as coisas, persevera em todas as coisas. O amor nunca falha.’ Beatriz derramou algumas lágrimas neste instante, e então o padre pediu que cada um dos dois fizesse a promessa de estarem lado a lado em todos os momentos, até que a morte os separasse.
Zack e Bia assinaram o documento de casamento, e depois de serem declarados marido e mulher, beijaram-se sendo ovacionados pelos mais de trezentos familiares e amigos ali reunidos.
Os padrinhos foram os primeiros a cumprimentarem o casal, sendo seguidos pelos pais e irmãos dos noivos. Para mim, não foi fácil ver John junto com Melissa, principalmente porque a mentira dele só pareceu ainda maior depois que vi o quanto sua namorada parecia feliz ao lado dele. Mas, pela primeira vez, eu tinha a raiva e o orgulho ao meu lado, e esses fatores pareciam ajudar a manter a tristeza e a infelicidade longe dos meus pensamentos.
- Cuide bem da minha amiga, Sr. Merrick. – eu disse abraçando Zack. Ele sorriu ainda mais largamente para mim e olhou para Bia que estava ao seu lado, divina num vestido de noiva branco maravilhoso, e o brilho em seu olhar confirmou que isso era tudo o que ele mais desejava fazer na vida.
- Sempre, Anna. Sempre. – Zachary respondeu.
Passei os próximos cinco minutos abraçada à Beatriz segurando-me para não chorar.
- Você está tão maravilhosa! – eu disse pela enésima vez naquele mesmo dia.
- Pare de falar essas coisas ou eu vou chorar de novo! – ela falou com a voz rouca indicando que já estava praticamente se debulhando em lágrimas.
- Eu nem disse ainda o quanto vocês são perfeitos um pro outro e o quanto eu desejo que sejam felizes...
- Chega, Annabelle! Alguém tire essa garota daqui, por favor! – Beatriz disse rindo e chorando ao mesmo tempo.
Os noivos continuaram cumprimentando a multidão de convidados, e procurei conversar nem que fosse um pouco com as pessoas que conhecia por ali. Festas grandes sempre me deixariam incomodada, por mais que eu estivesse acostumada a frequentá-las. Mas eu podia tentar boiar na água em vez de me afundar nela, certo?
Já eram mais de nove horas da noite quando me afastei um pouco da festa e decidi caminhar pelo jardim da casa. Tirei os sapatos que estavam torturando meus pés desde que os coloquei, às três da tarde, e andei pela grama descalça mesmo. O céu era tão estrelado e bonito ali, onde as luzes da cidade não atrapalhavam tanto, que eu poderia olhá-lo por horas e não enjoaria.
- Noite bonita, né? – John perguntou por detrás de mim. Meu coração deu o solavanco que sempre dava quando eu ouvia sua voz, minha garganta ficou seca e minhas mãos suaram nas palmas. Eu podia mandar o quanto quisesse nas minhas decisões de ficar longe dele, podia sentir a raiva que fosse. Mas eu jamais conseguiria controlar meu organismo a ponto de ser completamente indiferente à presença dele. Algumas coisas não tem botão de desligar.
- Uhum. – murmurei em resposta. John ficou em silêncio novamente.
- Algum dia você vai conseguir me perdoar? – ele perguntou depois de algum tempo.
Suspirei.
- Algum dia sim. Não hoje, mas com certeza algum dia. – falei sem ter coragem de me virar para encará-lo. John me obrigou a isso andando até mim, de modo que ficasse na minha frente, a uma distância segura de quase um metro, conforme meu cálculo mental.
- Eu fui conversar com a Melissa naquele dia, Annabelle. Juro que fui... – ele disse e então se interrompeu.
- Ok. – concordei incentivando-o a continuar com meu olhar, mas ele permaneceu calado. – E então? Acho que você decidiu continuar com ela, certo? – disse, por fim.
- Eu não posso terminar com a Mel.
Eu ri alto desejando ver alguma graça de verdade naquilo.
- Espero sinceramente que vocês sejam felizes, John. – falei e comecei a andar decidida a desaparecer de perto dele para sempre.
- Você não está entendendo. – ele falou me seguindo. – Existe um motivo de verdade pra isso.
Parei de andar abruptamente, o que fez com que John freasse a poucos centímetros de mim.
- Qual é o motivo então?
Ele abriu a boca três vezes para falar e então cobriu o rosto com as mãos. John parecia realmente atormentado, e isso me despertou um desejo absurdo de abraçá-lo na tentativa de fazê-lo se sentir melhor – desejo este que precisei de toda a minha força de vontade para reprimir.
- Eu não sei se devo te dizer.
A raiva voltou a queimar dentro de mim. Eu merecia uma explicação, não?
- Eu não entendo você. – quase gritei as palavras para ele. – Por que veio falar comigo então? Por que disse qualquer uma dessas coisas? Seja homem e admita de uma vez que você quer ficar com a Melissa, que você acha que ela é a pessoa certa pra você e que eu não significo nem nunca signifiquei nada na sua vida!
Esperei que ele me respondesse, mas John limitou-se a abaixar a cabeça e encarar os próprios pés.
- Eu estava errada, sabe? Eu amava uma versão de você que meu próprio cérebro criou. O John que eu pensava que conhecia nunca existiu de verdade. – eu disse e me afastei dele, colocando os sapatos enquanto fazia o caminho até onde os convidados de Bia e Zack dançavam.
Todos se reuniram em volta da garagem da mansão para despedirem-se dos noivos. Beatriz e Zachary abraçaram seus pais e os amigos mais próximos antes de entrarem no carro. Certifiquei-me com o motorista de que toda a bagagem deles estava no porta-malas, e fiquei mais próxima ao carro esperando para dar um último abraço no casal, como despedida – eles ficariam um mês na Europa em lua de mel.
- Obrigada por tudo, minha amiga. – Bia disse me puxando para um abraço; seu sorriso parecia transbordar toda a felicidade do mundo. – Vá até o meu quarto e procure um envelope com o seu nome na minha escrivaninha. Eu soube de uma coisa importante enquanto me trocava e não posso te contar agora, então escrevi num bilhete. – ela sussurrou no meu ouvido enquanto ainda me abraçava. Seu tom de voz era sério e isso me deixou preocupada instantaneamente.
- Algum problema, Bia?
- Não comigo, mas é importante. Veja lá. – ela completou e me deu um beijo no rosto. Zack copiou o último gesto da esposa e então abriu a porta do carro para ela.
- Façam uma excelente viagem! Amo vocês! – eu disse acenando, mas já era tarde demais. O carro já estava longe o bastante para que não me ouvissem.
O bilhete estava dentro da segunda gaveta da escrivaninha de Beatriz, contido num dos envelopes do convite de casamento dela e redigido no verso de um destes convites. Ela claramente havia escrito às pressas. Dizia:
A Melissa me disse que está com câncer. Parece que descobriram há algumas semanas um tumor maligno no cérebro dela e a situação já está bastante complicada. Era isso que ela tanto precisava falar com o John no dia que deixou aquela mensagem na minha caixa postal. Não quero piorar as coisas pra você, mas acho que você precisava ficar sabendo disso.
Pensei em correr até John e perguntá-lo se essa era a razão para que ele não tivesse terminado com Melissa. Mas e se ele dissesse que sim? Que não podia abandoná-la agora que ela estava passando por um problema tão difícil? Eu jamais teria coragem dizer a ele que não era sua obrigação ficar com ela “apenas” porque a garota estava doente. Pensar isso já fazia com que eu me sentisse o pior ser humano do mundo.
Sentei-me na cama do quarto de Beatriz e então senti o cansaço me inundar. Lembrei-me do que ela disse sobre as coisas entre mim e John serem tão complicadas, sobre eu ter que virar a página e tentar deixar o que havíamos tido no passado. Eu não sabia se um dia realmente conseguiria isso, dado este novo fato. Naquele momento, tudo o que eu conseguia pensar era no que teria acontecido se John tivesse me dito que iria terminar com a Mel antes de me beijar, se ela estivesse saudável e não houvesse chances dele se sentir preso a ela por alguma razão.
Com muito esforço, levantei-me da cama e fui até a janela do quarto, através da qual era possível ver todo o jardim da propriedade. E observar John dançando com Melissa foi o que me fez decidir que eu sairia de vez da vida dele, que as duras e injustas últimas palavras que eu havia lhe dito naquele dia seriam as últimas que trocaríamos. John e eu jamais ficaríamos juntos e já estava mais do que na hora de eu aceitar isso.
FIM
“Moments – Decisions” é a segunda parte de uma série de shortfics. (“Moments – The Five” é a primeira parte). Portanto, haverá uma continuação para esta fanfic.