Magic Shop - Parte I
Escrito por Julia Nakamoto | Revisado por Especial Criativo
caminhava pelas ruas da cidade com um sentimento de vazio dentro de si. Fazia algum tempo que aquela sensação o acompanhava. , o bem-sucedido homem de negócios - o que implicava também em sua conta bancária -, aquele conhecido como persistente e sujeito a conseguir qualquer coisa que quisesse… Se sentia um nada.
Suspirou enquanto andava e observava ao seu redor. Todas as ruas e vitrines que lhe eram tão familiares pareciam estar ali apenas existindo, sem um propósito. Até ele bater os olhos em uma vitrine peculiar que tinha certeza de nunca ter visto antes, e passava por aquela avenida praticamente todos os dias depois do trabalho. “Magic Shop” eram as palavras escritas na vitrine. Seriam artigos para mágica? pensou um tanto intrigado com o fato de no dia anterior não haver sequer vestígios de uma nova loja sendo aberta por ali.
Decidiu se aproximar um pouco mais para averiguar. “Magic Shop - o que você precisa na hora certa”. ergueu a sobrancelha e decidiu adentrar a loja para verificar do que se tratava. Parecia que Magic Shop era uma loja estilo “vendemos de tudo”, dezenas de prateleiras milimetricamente alinhadas e separadas por seções. O ambiente em si trazia um ar aconchegante e até relaxante. não percebeu que havia alguém ali dentro e levou um susto quando uma voz rouca surgiu ao seu lado.
— Seja bem-vindo. — Um senhor já com certa idade murmurou, a expressão serena e amigável. — Está procurando por algo? — perguntou sorrindo.
“Estamos todos procurando por algo, não é?” se viu pensar e soltou um suspiro.
— Não, eu só fiquei curioso. — O rapaz respondeu. — Eu sempre passo por aqui, mas nunca reparei neste lugar…
O senhor sorriu assentindo e saiu caminhando enquanto falava.
— Às vezes não prestamos atenção em certas coisas até ser a hora certa de finalmente as percebermos.
não tinha ideia do porquê, mas se viu acompanhando os passos do senhor que parou diante de um balcão e passou a examinar alguns objetos que estavam sobre ele.
— É impossível eu nunca ter visto esse lugar… — murmurou mais para si mesmo, mas o senhor também ouviu e apenas sorriu em resposta.
decidiu dar uma volta pela loja para saber o que ela vendia, passando por prateleiras com objetos de decoração até utensílios domésticos. se perguntou se estava assim tão ruim em medir espaços, já que a fachada do lugar indicava que o interior deveria ser bem menor do que realmente era.
voltou até o balcão e ficou observando o senhor endireitar pequenos enfeites em prateleiras. Ele não precisava de nada que aquela loja estava oferecendo, mas estava se sentindo mal em sair de lá sem levar algo. Num timing perfeito, o senhor soltou uma pequena gargalhada e se virou para .
— Rapaz, eu não espero que cada um que entra nesta loja compre algo. — O senhor riu parecendo se divertir. — Mas espero que levem algo consigo de qualquer forma…
não entendeu, mas o senhor caminhou para trás do balcão e estendeu um calendário de folhas para ele.
— Pegue, tenho certeza de que será útil.
estava prestes a retrucar e dizer que ele mantinha tudo organizado em sua agenda no celular e mal se lembrava de que calendários físicos existiam, mas decidiu se calar e apenas aceitar o “brinde” que a loja estava oferecendo.
— Obrigado… — Murmurou não querendo parecer mal-educado.
— Tenha um feliz Natal, rapaz. — O senhor disse sorrindo e saindo de trás do balcão para voltar a fazer suas tarefas.
Na verdade, mal havia se lembrado de que estavam na semana do Natal. Era dia 21 de Dezembro, mas ele andava tão focado no trabalho que épocas festivas acabavam passando quase que batido.
Ele levou algum tempo até chegar ao seu apartamento, mas caminhar de volta pra casa toda vez que saía do escritório acabou se tornando uma rotina que ele gostava de aproveitar. Era o momento em que ele podia se dar ao privilégio de não pensar em trabalho. A noite já tinha caído há algum tempo quando finalmente adentrou seu apartamento e se jogou no sofá, cansado. Ele pegou o calendário que havia ganhado na estranha loja que nunca tinha visto antes. Era um calendário simples com tema natalino, o que fez com que erguesse a sobrancelha. Na verdade, aquilo não parecia exatamente um calendário, já que a contagem dos dias se iniciava em 22 de Dezembro e parava no dia 25. Depois dessas folhas, estava tudo em branco.
— Aquele velho deve ser maluco… — murmurou para si mesmo rindo e deixando o “calendário” sobre a mesinha de centro e indo se preparar para tomar banho e dormir. Os dias seriam longos até a véspera de Natal na empresa…
Na manhã seguinte, bem cedo, Astoria, a empregada que ia cuidar do apartamento de três vezes na semana, surgiu pouco antes dele sair para o trabalho.
— Senhor, o que devo fazer com isso? — Perguntou ela segurando o calendário.
estava pronto para dizer para que ela jogasse aquilo fora, quando percebeu alguns escritos na data do dia 22 que ele tinha certeza de que não estavam ali na noite anterior.
— Hum… Deixa que eu cuido disso, Astoria. Obrigado. — Murmurou pegando o calendário que a mulher lhe entregava.
examinou o objeto com maior atenção. Nada havia mudado, a não ser a folha do dia 22 de Dezembro, que antes estava limpa como todas as outras, e naquele instante possuía um recado, como se alguém tivesse marcado algo importante que aconteceria naquele dia.
“Praça das Flores - 19:00”
Ele não fazia ideia de onde ficava aquele lugar e muito menos o que aconteceria às 19:00 na tal praça e ficou imaginando como aquela anotação tinha ido parar ali. Será que ele estava tão cansado na noite anterior que não tinha visto aquilo? Apesar de achar improvável, não seria impossível…
Às 8 da manhã saiu do prédio em que morava e adentrou o táxi que, como de costume, o esperava em frente à entrada e saída de carros. Mais um dia se iniciava.
-- * --
estava sentada no banco da praça observando a movimentação, um grupo de coral natalino estava se preparando para uma apresentação. amava a época do Natal onde todos pareciam se tornar a melhor versão de si e ela podia se permitir ter um pouco mais de esperança com relação à humanidade. Todos ali presentes pareciam estar na mesma sintonia, uma paz e alegria que contagiava a qualquer um.
Às 19 em ponto o coral começou a apresentação e sentiu-se preenchida de esperança e alegria, um sorriso imenso estampando seus lábios. Observou ao seu redor e teve que piscar várias vezes e até desviar o olhar para ter certeza do que estava vendo. Era sentado quase ao seu lado no banco da praça? , tecnicamente, o seu chefe? ficou encarando tanto tempo a figura triste e fora de harmonia do restante do cenário que acabou sendo flagrada encarando.
Um pouco desconcertada, ela desviou o olhar rapidamente. Ele não devia saber quem ela era apesar de todos os dias se encontrarem pelos corredores da empresa e provavelmente pensaria que ela poderia ser uma doida qualquer admirando a beleza que ele sabia que tinha. suspirou um pouco frustrada por ter sido pega encarando seu chefe, mas decidiu esquecer aquilo e continuar curtindo a cantata, apesar de sentir um pouco de… pena de seu chefe. Definitivamente aquele não era o humor que se esperava de alguém no Natal. E que tipo de pessoa ficava infeliz em um Natal? Bem, as que eram infelizes de fato…
-- * --
Na manhã do dia 23 de Dezembro não pôde evitar de verificar a folha no calendário. Por mais que nada de diferente tenha acontecido no dia anterior no local marcado, ele estava curioso para saber se por um acaso ele havia alucinado ou se algo realmente estranho acontecia com aquele calendário.
“Rua Kingsley - 18:30”
suspirou. O que haveria para ele naquela rua? Em algumas rotas que ele tomava de volta para casa ele passava pela Kingsley, então talvez ele esperasse por o que quer que fosse naquele fim de tarde.
-- * --
andava distraída enquanto tentava achar seu celular dentro da bolsa sem desarrumar todas as folhas de relatórios que precisava terminar de revisar. Depois de tentar por vários instantes, ela se deu por vencida e começou a cuidadosamente tirar a pilha de folhas de dentro da bolsa, tudo isso sem parar de caminhar e também sem prestar muita atenção. Foi então que percebeu que talvez tivesse esquecido o celular na empresa.
— Que ótimo, ! Maravilha! — Retrucou para si mesma parando e fazendo o caminho inverso ao que estava indo, ainda tentando arrumar toda a papelada de volta na bolsa.
Foi quando de repente, acabou trombando com alguém e, consequentemente, derrubando todos os papéis que ela tinha organizado cuidadosamente.
— Merda! — Deixou escapar enquanto se apressava para recolher tudo.
— Desculpe. — As duas pessoas que haviam se trombado disseram ao mesmo tempo.
estava ocupada demais pegando todas as folhas no chão - com a ajuda do desconhecido - para se dar ao trabalho de olhar para a pessoa com quem tinha trombado, mas quando ele disse “aqui, acho que pegamos todos”, ao estender o restante das folhas de relatório, não conseguiu segurar a expressão de surpresa ao levantar os olhos e concluir com toda a certeza de que era mesmo aquele com quem ela havia trombado.
— Você tá bem? — ele perguntou estendendo a mão para ajudá-la a se levantar, mas ela estava tão desconcertada com o que havia acabado de acontecer, que acabou ignorando a mão e se levantando sozinha.
— Tô sim… — Respondeu de forma automática. — Obrigada. — Ela quase deixou escapar um “chefinho” no final da frase, mas conseguiu se segurar a tempo. — Desculpe, preciso ir…
— Espera, eu não…
— Obrigada e me desculpe! — saiu correndo em direção à empresa de sem esperar por mais respostas. Ela estava atrasada E sem seu celular, pelo amor de Deus!
Quando chegou ao andar que dividia com e mais uma boa quantidade de pessoas, correu para a sua mesa que ficava bastante distante da que geralmente usava nos dias normais para trabalhar. O homem gostava de estar perto de toda a ação de seus empregados, e conhecia boa parte deles, ao menos dos que trabalhavam naquele andar. É claro que ela não havia tido esse privilégio de ter o nome lembrado pelo chefe, já que fazia pouco mais de seis meses que estava ali e dentro desses seis meses parecia cada vez mais distante e sem muita alegria - palavras de seu supervisor que trabalhava na empresa há mais de quatro anos.
não costumava chegar muito perto da mesa de , mas percebeu que ela era bastante… Neutra e sem muita personalidade de quem a usava. Se lembrou da expressão sem vida e infeliz de na noite anterior na praça e sentiu-se um pouco mal pelo chefe. Decidiu fazer o que ela pensou ser uma boa ação para ele.
-- * --
Era 24 de Dezembro, mas para era como se fosse um dia qualquer de trabalho, ele ainda precisava ir para a empresa e resolver pendências, mesmo na véspera de Natal. Com um suspiro, ele se levantou da cama e foi se arrumar. Em poucos minutos ele já estava pronto.
Como parte da rotina dos últimos dois dias, pegou o calendário que o senhor da tal Magic Shop havia lhe dado, com certa expectativa do que o dia lhe reservava e onde.
“Avenida Johnson - 10:30”
não pôde deixar de soltar um risinho de desdém. Dez e meia? Ele com certeza não iria a nenhuma Avenida Johnson às dez e meia da manhã. Ele tinha coisas demais para fazer e não tinha tempo para ir verificar o que aconteceria naquele lugar e naquele horário.
deixou o calendário de lado e saiu do apartamento para mais um dia qualquer.
O andar em que trabalhava estava completamente vazio. Lembrou-se de que a maioria dos seus funcionários estava livre naquela véspera de Natal. Como de costume ele caminhou para sua mesa e começaria a trabalhar imediatamente se não tivesse percebido os vários post-its coloridos espalhados pelo tampo de sua mesa.
— Mas o quê…? — murmurou enquanto desgrudava um e lia a mensagem.
Eram várias mensagens de Natal e de desejos de alegria, alegrias que ele não estava sentindo. soltou um risinho e depois de juntar todas as mensagens, as guardou dentro de sua gaveta. Ele não tinha ideia de quem havia feito aquilo, mas de alguma forma ele se sentiu um pouco amparado na situação em que se encontrava.
Passava pouco das dez quando ouviu a porta do elevador se abrir em seu andar, estranhou e prestou atenção em quem vinha. Era a garota da praça E com quem ele havia trombado no dia anterior?
— Ah, bom dia, senhor … — Ela murmurou sorrindo discretamente e caminhando para dentro do escritório até uma mesa nos fundos, bem distante da dele.
se sentiu confuso. Quem era ela? Ele permaneceu se questionando durante um bom tempo, até a moça voltar até sua mesa e colocar uma pilha de papéis à sua frente.
— Eu te vi ontem… — Ele murmurou baixinho, mas ela pôde ouvir.
A moça soltou um risinho discreto e então olhou para ele.
— Acho que já nos vimos no mínimo algumas dezenas de vezes, senhor. — Ela riu. — Trabalho aqui há seis meses. — Informou, o que o deixou terrivelmente desconcertado.
Certo, fazia um bom tempo que ele andava um pouco distante e desatento com as “novidades” no escritório… Mas seria possível que sequer reconhecer uma de suas funcionárias ele estava conseguindo? se sentiu envergonhado consigo mesmo, ele costumava ser conhecido como o tipo de chefe que conhecia e reconhecia seus empregados e agora não fazia ideia de que tinha uma funcionária “nova” e que por algum motivo estava trabalhando em plena véspera de Natal.
— O que faz aqui a uma hora dessas? Pensei que estivessem todos de folga hoje. — Murmurou tentando fingir que nada tinha acontecido.
— Ah… — Ela sorriu sem graça. — É que não consegui terminar de analisar alguns relatórios ontem, então…
assentiu.
— Mas e o senhor? — a moça perguntou encarando-o de forma curiosa e quase descontraída. — Não deveria estar aproveitando a véspera de Natal para fazer… Sei lá, os últimos preparativos da ceia?
— Hum… Vejo que você é realmente nova por aqui… — murmurou divertido.
— . — Ela completou.
— Certo, . Eu costumo trabalhar na véspera e às vezes até mesmo no Natal. — Informou e a reação que recebeu quase o fez rir.
fez uma expressão de indignação, como se algum tipo de lei universal tivesse sido quebrada ou que ele tivesse blasfemado de alguma maneira.
— Eu não acredito nisso! — exclamou no que deveria ser um tom baixo. — Senhor , não. — disse com firmeza. — O Natal é mágico e maravilhoso, não se pode estragar um dia assim trabalhando!
riu. A verdade é que já não ligava para o Natal fazia muito tempo…
Depois daquilo, continuou falando e falando sem parar coisas que não pareciam ter muito nexo para ele.
— E todo o esforço que fiz para te deixar uma boa mensagem! — Reclamou, mas logo se calou arregalando os olhos.
— Então é você a responsável pelos post-its coloridos na minha mesa… — perguntou erguendo a sobrancelha, fingindo seriedade.
ficou quieta, baixando o olhar constrangida.
— É só que eu pensei que seria uma boa coisa… — Ela murmurou sem olhar na direção de . — Aquele dia na praça você parecia tão…
— Tão…? — Ele a incentivou a continuar, levantou o olhar.
— Vazio… Triste.
encarou a moça um pouco surpreso. Ele de fato se sentia daquela forma, mas achou que tivesse aprendido a camuflar as aparências aos olhos dos outros. Aparentemente estava enganado.
— Sinto muito… — disse fazendo bico.
apenas balançou a cabeça e voltou seu olhar para o trabalho. A mulher se afastou, mas poucos minutos depois ela estava de volta.
— Você quer ir até um café comigo? — Perguntou simplesmente e, mesmo sabendo que os dois eram os únicos ali, olhou ao redor para ter certeza de que era com ele que estava falando. — Quer dizer… Para eu poder me desculpar devidamente… — Deu de ombros quando percebeu o leve levantar de sobrancelhas de .
O rapaz olhou para a tela do computador, eram 10:20 e ele ainda tinha muitas coisas para fazer, até estava tentado a aceitar, mas finalizar seus trabalhos na data certa era uma prioridade.
— Tá tudo bem, . — Disse por fim. — Não precisa se desculpar. Eu até me diverti lendo as mensagens nos post-its. — Sorriu tentando amenizar a situação estranha em que se encontrava.
apenas deu de ombros e assentiu, não insistindo mais e se despedindo, saiu do escritório, deixando sozinho novamente, como sempre havia sido nas vésperas de Natal dos anos anteriores.
-- * --
saiu do prédio onde trabalhava pensando como havia sido tão cara de pau para falar coisas ao seu chefe que mal se lembrava de que ela existia.
— Ah, bem… Agora com certeza você deixou uma bela impressão de lembrança para ele… — murmurou para si mesma revirando os olhos.
Ela caminhou por alguns minutos até chegar à Avenida Johnson, parando em um pequeno e aconchegante café onde pediu um chá e ficou sentada à uma das mesas do local, apenas observando o ir e vir das pessoas na rua. ficou pensando o que um homem bem-sucedido como teria para se sentir infeliz.
— Dinheiro e status não são tudo, afinal… — Retrucou antes de dar mais um gole em seu chá.
-- * --
Já eram quase cinco da tarde quando finalmente voltou para casa naquele 24 de Dezembro. Estava cansado e não tinha planos para fazer coisa alguma naquela noite, só queria poder dormir por um bom tempo e esperava que isso pudesse limpar a sua mente de todos os pensamentos ruins. Talvez uma boa noite de sono fosse o que era necessário para ele se sentir renovado.
Passava pouco mais das oito quando o celular de tocou. Era , seu melhor amigo.
— E aí, ! — a voz sempre animada do amigo soou. — Tem planos para hoje?
— Se deitar e dormir o máximo que eu conseguir for considerado um plano, então sim. — respondeu.
— Cara, é Natal… Você não tem uma ceia com a família para ir? — perguntou como se não soubesse a resposta.
— Você sabe que eu não comemoro mais o Natal faz um tempo, . — Resmungou indo para o quarto. já tinha tomado banho e posto seu pijama. Não sairia de casa naquela noite por nada.
— Por que não vem pra cá? A casa tá cheia, mas sabe como os amam um Natal lotado. — gargalhou. — Anda, cara. Troca o pijama e vem pra cá!
soltou um riso baixo. o conhecia bem demais desde sempre. Claro que ele sabia que estava de pijama pronto para dormir. E claro que ele tentaria convencê-lo a sair de qualquer forma.
— Vamos, cara! É o primeiro Natal da minha prima aqui, ela veio do Canadá e é a louca do Natal. Com certeza a alegria dela vai te contagiar. — soltou, mas sabia que o amigo sabia que não o convenceria.
— Desculpe. Vou passar dessa vez.
— Hum… — resmungou. — Como todas as outras vezes… — podia apostar que o amigo revirava os olhos naquele momento. — Pelo menos pode pensar em dar uma passada aqui amanhã pro almoço?
— Claro, vou pensar. — respondeu e ouviu um suspiro do outro lado, nada satisfeito, mas derrotado. — Agora se me der licença, tenho um encontro com a minha cama hoje.
— Vai lá… Feliz Natal, .
— É… Feliz Natal, .
E assim a ligação se encerrou.
25 de Dezembro. Nove da manhã. Finalmente era Natal… E não fazia a menor diferença para . Ele levantou da cama um pouco mais desanimado que o normal. Era Natal e aquilo significava nada de trabalho. Com um suspiro, ele decidiu dar uma olhada no calendário que tinha recebido daquele estranho senhor. Aquele dia, 25, era o último dia existente nele, o que será que estaria esperando por ?
“Casa dos - 13:00”
Ele ergueu a sobrancelha lendo aquela anotação e se colocou a pensar se deveria ou não ir até a casa de afinal. A vontade não era muita, mas enfim chegou à conclusão de que sair para almoçar na casa do amigo seria melhor do que ficar em casa o dia inteiro com tempo demais para pensar em bobagens e se sentir horrível, com vontade de ser outra pessoa.
se sentiu como se fosse uma criança. Estava ansioso para a hora de sair chegar, e então talvez, estando ao lado de e sua família super animada ele conseguisse finalmente desligar os pensamentos. Quando bateu onze e meia, decidiu que era um bom horário. Resolveu passar em uma delicatessen para comprar alguma coisa e não chegar de mãos abanando. Quando finalmente chegou à casa dos , era por volta das 12:20.
— , querido! — a mãe de foi quem atendeu a porta, logo que o reconheceu, o puxou para um abraço apertado. — Que saudades, meu bem!
— Pois é, senhora … — murmurou um pouco sem graça, sabia que havia sido um tanto negligente tanto com o amigo quanto com sua família.
— Vem, entra! Logo mais estaremos servindo o almoço. — A senhora de espaço para ele passar.
Depois de entregar os aperitivos que havia comprado para a mãe de e cumprimentar todo o restante da família, que diga-se de passagem não era nem um pouco pequena, finalmente conseguiu achar que durante aquele tempo havia estado no próprio quarto se arrumando.
— Caramba, é uma miragem? — perguntou quando avistou parado um tanto deslocado num canto da sala de estar.
— Filho! — a senhora ralhou.
— Sabe, eu não imaginei que você realmente viesse, embora tivesse uma pontinha de esperança.
riu e o amigo o acompanhou, cumprimentando-o com um abraço e o puxando para se sentarem em um canto do sofá que estava vago para conversarem.
Os dois conversaram por um bom tempo, até o velho relógio da sala bater 13 horas e no mesmo instante a campainha tocar. não se deu ao trabalho de ir atender a porta, já que dezenas de outras pessoas estavam mais perto e já estavam prontas para fazer isso. Houve uma comoção no hall de entrada com cumprimentos e risadas e vozes tagarelando.
As vozes vieram parar na sala, e quase não perceberia quem tinha chegado se uma voz um tanto conhecida não exclamasse:
— Senhor ?
voltou o olhar em direção a quem tinha falado e se surpreendeu quando deu de cara com o encarando com tanta surpresa quanto ele.
— Senhor ? — se intrometeu, completamente confuso. — Vocês dois se conhecem?
— Eu trabalho para ele… — murmurou apontando para .
— Quê? — perguntou incrédulo. — Pera, meu melhor amigo é o chefe da minha prima?
assentiu.
— Então ele é o chefe de quem você ficou com pena?
abriu a boca indignada, mas ficou envergonhada e culpada demais para fazer alguma coisa quando os olhos de pararam sobre ela.
— Eu não disse que fiquei com pena, ! — conseguiu retrucar finalmente.
— Não, não disse, mas realmente deveria ter.
— Hei! — exclamou encarando o melhor amigo, indignado.
— Cara, em pleno Natal você queria ficar em casa. E nem vou começar a falar dos outros anos em que você realmente ficou na sua casa sozinho.
desviou o olhar e ficou corada quando percebeu que a maioria dos convidados agora prestava atenção no que se passava com o trio no canto da sala.
— Desculpe, senhor … — Ela murmurou constrangida.
— Estamos fora do escritório e definitivamente não estamos falando de trabalho, então me chame de , por favor. — Foi a forma como ele conseguiu mudar um pouco o clima estranho que tinha se instalado ali.
ficou ali entre os dois olhando aquela interação estranha, mas sendo ele, simplesmente passou por cima da estranheza e voltou a falar.
— Priminha, por que não dá um pouco da sua animação natalina pro meu amigo?
ergueu a sobrancelha um tanto contrariada, já que o primo tinha a irritante mania de dizer que ela era fissurada demais no Natal, estava pronta para retrucar quando as mulheres na cozinha gritaram anunciando que era hora do almoço ser servido.
A família de era toda bem animada e o almoço tinha passado com todos conversando bastante e sem deixar ninguém de fora. Fazia muito tempo que não sentia uma alegria e um conforto tão grandes assim em um almoço de família, apesar de aquela não ser a sua família.
Depois do constrangimento inicial, conseguiu ter uma conversa decente com que se provou de fato uma grande amante do Natal. E estava certo, a animação da moça era contagiante, quase podia sentir-se animado com as festas.
-- * --
Já era meio da tarde quando conseguiu se aproximar de sozinho. Ele estava sentado num dos bancos do jardim da casa, o olhar perdido em um montinho de neve qualquer.
— Hei. — Ela se aproximou e se sentou ao lado de seu chefe.
— … — a cumprimentou com um sorriso mínimo.
Os dois ficaram em silêncio por alguns instantes, apenas admirando a paisagem quase completamente branca do jardim.
— Então, você não gosta mesmo do Natal? — ela perguntou voltando o olhar para , que suspirou.
— Eu só não tenho mais o espírito natalino comigo… — Ele deu de ombros.
O coração de apertou e ela se sentiu mal por . ela sabia que ninguém era obrigado a amar aquela data como ela amava, mas um pouquinho de alegria a mais todos sempre tinham naquela época do ano. Mas não .
— Seja lá o que esteja acontecendo… Tenho certeza de que você vai conseguir passar por isso. — deu uma leve cutucada no braço de , tentando ser descontraída.
— Às vezes eu queria ser outra pessoa… — murmurou de repente, pegando de surpresa. — Desaparecer, sei lá. Qualquer coisa…
olhou para , o homem que o mundo dos negócios admirava, que com pouco mais de 25 anos tinha feito seu nome e sua fortuna, que aparentava garra e fúria para correr atrás de seus ideais… Naquele instante ele parecia apenas um cara comum com medos comuns.
— Acho que todo mundo já passou por um momento assim. — murmurou pensativa.
— Até você? — soltou quase duvidando. A personalidade de era brilhante demais para ele conseguir sequer imaginar sendo ofuscada.
— Senhor … — murmurou balançando a cabeça e virando o corpo no banco para poder fitar melhor. — Ninguém está todo dia feliz e sempre existem aqueles dias que você só quer sumir. — Disse séria. — Quando eu vim do Canadá há nove meses, por exemplo. — Deu de ombros.
finalmente olhou mais diretamente para , uma certa curiosidade despertando.
— Eu não quero te dizer frases clichês como “vai ficar tudo bem”, ou “você é forte o bastante”... Pelo menos não agora. — riu de leve e voltou a olhar para o jardim. — Mas quero te dizer que você tem amigos que vão estar ali para te ouvir. E mesmo que eu não seja sua amiga, se precisar, eu também estou aqui pra te ouvir. Porque eu sei que às vezes é disso que a gente precisa. — Ela olhou de esguelha para e sorriu de lado.
estava pensando sobre tudo aquilo quando alguém dentro da casa gritou por , que logo se levantou.
— Aparentemente é minha deixa. — Ela riu. — Você sabe onde me encontrar se precisar. Tenha um feliz Natal, senhor . — Ela acenou um tchau e correu para dentro da casa onde a chamavam.
ainda ficou ali por alguns minutos, digerindo e processando a pequena conversa que havia tido com a garota da praça, que também era a garota com quem trombou na rua Kingsley, assim como a novata em sua empresa e a prima de seu melhor amigo. , pela primeira vez em um bom tempo, não estava se sentindo entorpecido. Ao mesmo tempo em que o coração parecia doer, também parecia aquecido. Ele precisava se lembrar de voltar àquela loja peculiar e agradecer ao senhor que lhe deu um calendário incompleto. Ele não tinha ideia do papel que representaria em sua vida, mas algo lhe dizia que seria importante, e aquele Natal seria o começo de tudo.
Aaah, eu não consegui desenvolver essa história da forma como eu queria, mas queria participar desse especial, então decidi fazer uma primeira parte e depois uma continuação para explicar melhor tudo e também linkar com a música Magic Shop que foi a que originalmente me deu a ideia que acabou casando com o filme "O Feitiço do Natal".

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