Love It All

Escrito por Laís Dórea | Revisado por Natashia

Tamanho da fonte: |


  Eu era feliz.
  Sim, eu era. Não era rico, não era a pessoa mais popular e adorada. Mas vivia bem com meu cabelo bagunçado, meu par sujo e apertado de All Star e meu velho violão. Na verdade, eu tinha uma banda. Em início de carreira, era algo que tinha começado como brincadeira no High School, mas, quando eu e meus 3 melhores amigos acabamos o colégio, vimos que queríamos realmente a banda ao invés de faculdades e doutorados. Aliás, eu sei porque era tão feliz. Eu não colocava minha felicidade em coisas como carros, dinheiro e fama, não corria atrás disso nem me preocupava. E, acredite, quando você não se preocupa, você consegue as coisas, querendo ou não.
  Minha vida se baseava na banda, nos caras... e nela.
  A menina com algumas sardas na bochecha, que se gabava de ser nossa roadie, e que largara o desejo da faculdade para nos seguir. A menina enigmática, que não ligava para cabelos, unhas e roupas, mas conseguia ser a mais bonita e arrumada. . Ela era nossa melhor amiga, vivia para cima e para baixo conosco. Ela sabia de todos os segredos malucos de cada um de nós 4, e nós ainda pensávamos nela como um quebra cabeça a ser desvendado. Ela nunca estava triste, apenas calada durante alguns dias... Era fofa e doce, e ainda exalava um sex appeal que deixava todo mundo louco.
  Começou naquele dia nublado em Nova York, onde nós estávamos no sótão da cobertura alugada em que eu morava com o Chris - na verdade, era um apartamento infiltrado e pequeno no último andar do prédio esquisito e longe do centro, com um sótão quase mais velho que o próprio apartamento, mas era mais barato, já que o prédio era do tio de Chris. Estávamos nos lamentando por não poder ir para uma festa do outro lado da cidade, já que a chuva estava tão forte que não permitia ninguém botar o pé para fora do prédio. Charlie, como sempre, estava quieto e pensativo e fumando um cigarro de maconha descompromissado. Não era viciado, ou "usuário frequente", mas quando ficava chateado arrumava alguns. Charlie era sempre quieto, o que o dava uma aura meio sábia, só o víamos se exaltar quando tocava maravilhosamente sua bateria. Eu estava encostado em algumas caixas de alguma velharia, alisando os cabelos ondulados de , que estava no meu colo, contando mais uma história obscura sua, de quando tinha 12 anos e beijou uma menina pela primeira vez no acampamento de verão, mas foi pegada pelo diretor. Chris, estava sentado em cima de algum sofá rindo alto, seus olhos quase fechando com o movimento do rosto, as covinhas nas bochechas exaltadas. Ele era o mais velho de nós, o baixista, e não sei se era por isso ou por seu sorriso e seu físico bom, as mulheres caíam por ele. De fato, estava olhando maravilhada para as suas covinhas, enquanto contava sua história, o que diminuiu minhas risadas, confesso. Charlie já estava apagando seu cigarro quando a gente ouviu um barulho de caixas caindo, e um grito alto:
  - Estou perdido! Cadê vocês? - deu uma risada alta, denunciando onde estávamos, e Adam apareceu do nada, entre umas caixas, molhado. Estava animado, como sempre. Adam era o mais novo de nós, tinha 17 anos, enquanto nós tínhamos 20 (o Chris tinha 22). Sim, éramos jovens aproveitando a vida no maior estilo Carpe Diem, e o Adam parecia ser nosso mascote. Ele era primo de Charlie - um o completo oposto do outro -, e seus dedos rápidos na guitarra enganavam totalmente sua idade para quem o ouvia.
  - Hey, dudes, olha o que eu achei! - ele ergueu um cartaz meio molhado, parecendo que tinha sido arrancado de algum muro ou poste, que anunciava "AUDIÇÕES", em letras garrafais. Charlie arrancou o papel da mão do Adam, olhando com mais atenção, e o papel foi passando entre nós. Eram chamadas para audições de uma das maiores gravadoras mundiais, e as audições iriam ser na sede, em Londres, daqui a um mês. Chris fez um muxoxo.
  - Não vai dar. É em Londres - ele olhou para Adam, que parecia terrivelmente triste com a frase de Chris - desculpa cara, mas... quer dizer, nós não somos os mais ricos do planeta. Tem as passagens, e a hospedagem, um monte de outras coisas.
  Ele pegou o cartaz de Charlie e jogou em algum canto entre as velharias. Adam me olhou, abismado:
  - ...!
  Eu balancei a cabeça, em negativa. Queria muito, muito mesmo, não estar fazendo aquele gesto, poder ir para as audiências, mas não dava.
  - Ah, Adam. Talvez isso não era para nós, mesmo. Vai ter outra oportunidade. - falei, mas de algum modo, aquilo piorou tudo, e Adam saiu terrivelmente chateado do sótão, e nós pudemos ouvir a porta batendo.
  Ficamos, ali, em silêncio, até que murmurou, ainda do meu colo:
  - Então... eu vou para casa. Tenho trabalho hoje de noite. - ela fazia uma espécie de estágio em uma editora, escrevendo uma coluna sobre música para o site de uma das maiores revistas da companhia, o que não a dava tanto dinheiro. Chris se levantou, estendendo a mão para ela, algo comum, já que eles eram melhores amigos.
  - Eu te levo lá embaixo, . - levantou e se abaixou depois para me dar um leve selinho, saindo logo após.
  Sim, sim, nós tínhamos um caso, e todo mundo sabia disso. Mas não era um namoro, não gostava de pessoas dando satisfação a ela da sua vida, tampouco gostava disso, odiava a pressão de relacionamentos e todas as formalidades. E eu, claro, estava bem com isso. Não era um namoro, mas eu sabia que ela não saía com ninguém além de mim, e tampouco em fazia isso.

-x-

  Já faziam três dias desde aquilo, e Adam ainda estava chateado, como uma criança que não ganha presente. No começo nós tentamos o consolar, mas depois desistimos. Todos - até , que não era da banda - estavam chateados, mas nem por isso voltávamos aos cinco anos de idade. Naquele dia, eram 10 da manhã e eu ainda estava desmaiado na cama, quando meu celular tocou estridente do meu lado. Abri os olhos, irritado com a claridade da manhã, e passei os olhos pelo quarto cheio de pôsteres nas paredes e CDs jogados em todos os cantos, até que encontrei um Chris zangado, do lado da minha cama, só de boxers, com meu celular na mão e um controle de XboX na outra.
  - Cara, tocou umas 10 vezes, até que me desconcentrou no jogo e eu trouxe - ele jogou o celular na minha cama - é a .
  E saiu do quarto, me deixando confuso, sentado na cama, olhando pasmo para o celular. não era do tipo insistente, e ela sabia que antes das 11 horas era muito difícil me encontrar, e que fosse em outro horário, ou alguma coisa assim, não costumava ficar ligando insistentemente até ser correspondida. Estava tão preocupado pensando no que poderia estar errado que nem percebi que o celular ainda tocava. Atendi, preocupado.
  - ?
  - ! Até que enfim - sua voz estava chorosa, e quando eu atendi o telefone, pensei ter ouvido um soluço - , por favor... preciso encontrar você.
  - Claro, . Pode ser na Starbucks aqui perto. O que foi?
  - Não dá tempo de falar agora. Depois.
  Ela desligou o telefone na minha cara como sempre, mas algo na conversa toda me deixou mais confuso ainda. Levantei, vesti uma calça jeans com uma camisa qualquer e meus All Stars, coloquei algum dinheiro no bolso, peguei a chave e o celular e saí de lá apressadamente, indo em direção à Starbucks, que não estava muito cheia. Fiquei sentado na última mesa por uns 10 minutos, até que apareceu. Ela estava com uma calça jeans, All Stars idênticos aos meus e um sobretudo. Ao entrar na loja, ela o tirou, revelando uma camisa do The Killers. Ela atravessou a loja e se sentou na minha frente, apreensiva. Seu cabelo estava meio bagunçado - o que só a deixava mais adorável - e suas bochechas rosadas de frio. era a pessoa mais friorenta que eu já conhecera, qualquer chuva que dava ela já ficava com as bochechas vermelhas. Ela veio andando até mim, e não pude deixar de notar os olhares de um grupo de amigos que estavam em uma mesa próxima a minha. Jogou a bolsa e o casaco do outro lado do banco e pediu um café, apoiando o queixo sobre a mão esquerda, colocando a direita em cima da mesa. Olhou para um ponto qualquer atrás de mim. Coloquei minha mão sobre a sua, instigando-a a olhar para mim. E ela olhou, mordendo o lábio inferior nervosa. Levantei uma sobrancelha.
  - O que foi ? - seu lábio inferior tremeu, e eu quase tremi de medo. Nunca havia visto chorar. Ninguém nunca havia visto-a chorar. Era quase um consenso: não chorava. Ela sempre estava ali para ajudar todo mundo. De algum modo, pensar que poderia chorar me aterrorizou. Passei a mão no seu rosto frio, e ela fechou os olhos, suspirando.
  - Meus pais, . Hoje eu fui no banco sacar o meu salário, e tinha 5 mil dólares na minha conta. - a olhei, perplexo, e ela deu um sorrisinho irônico - eu achei que fosse um engano, já ia falar com o gerente, mas aí eles me ligaram. Querem que eu use o dinheiro para dar entrada em uma faculdade. Eles dizem que eu ainda poso entrar na Yale.
  Olhei para ela, quase com pena. Os pais de eram ricos empresários de Los Angeles, mas ela fugiu de casa, porque eles não entendiam o seu jeito. nunca quis seguir os negócios dos pais, herdar a empresa, mesmo sendo uma das melhores alunas do seu colégio. Eu lembro que uma vez ela contara que, por pressão dos pais, quando terminou o High School ela fez umas entrevistas para faculdades, e passou em quase todas, inclusive a Yale, o que deixou toda a família feliz, mas ela não quis entrar, e fugiu de casa, cruzando o país e vindo morar com uma amiga em New York.
  - O que eu vou fazer com esse dinheiro? Devolver a eles?
  Sorri, uma idéia brotando na minha cabeça.
  - Não. Vamos nos rebelar, como sempre. - peguei na mão dela e a levantei. Joguei algumas moedas na mesa e saímos do Starbucks. - vamos, . Gastar o dinheiro da forma que mais irritaria os seus pais.
  E assim passamos o dia. Primeiro, começamos a dar partes do dinheiro a crianças na rua. Depois, almoçamos quase o cardápio inteiro do nosso restaurante favorito. À tarde, teve a brilhante idéia de fingirmos ser turistas, e aí fomos. Conseguimos entrar em um ônibus com pessoas de vários países. Paramos em vários pontos turísticos de Nova York, conhecemos um monte de estrangeiros, a maioria quase não falava inglês. Compramos mil souvenirs de New York. Depois fomos ao shopping, e compramos várias roupas, CDs, livros. Os 5 mil pareciam não acabar nunca.
  Acho que nunca vira tão feliz, parecia uma criança feliz. Nós íamos passando pelos lugares e vitrines, e ela toda hora começava a bater no meu ombro, excitada com o que via.
  - ! Eu amo isso! - era o que toda hora ela falava, e acabou virando uma brincadeira nossa - ! Eu amo a Estátua da Liberdade. Amo os Strokes, amo esses sapatos, amo essa bolsa, amo essas canecas!
  Eu já estava vermelho de tanto rir, até que em uma das lojas a atendente não parecia gostar tanto da brincadeira quanto nós, e decidimos voltar para casa.
  Estávamos no ponto de ônibus. Tínhamos nos dado ao luxo de pagar um taxista apenas para levar as comprar para minha casa, já que lá tinha o Chris para pegar, mas decidimos andar mais um pouco, pegando um ônibus depois. Esperávamos há quase uma hora, e já era noite. Eu estava quieto, observando as pessoas passando, cantarolava baixinho uma música que havíamos aprendido com um turista angolano. De repente me senti cansado e encostei a cabeça no ombro dela. Ambos agora usávamos camisas de I LOVE NEW YORK. Ela passou a mão pelo meu cabelo, fazendo-me sorrir.
  - Hoje foi boom - falei baixinho, ainda no seu ombro, ouvindo uma risada de com meu tom de voz infantil. Vi com o canto do olho ela pegar o celular, olhando a data.
  - Eu amo o dia 13 de março de 2010! - ela falou, quase gritando, e ambos rimos, agora alto. Levantei a cabeça e a olhei, maravilhado. Ela colocou os pés para cima do banco, apoiando o queixo nos joelhos.
  - Você ama tudo, né, ? - Ela me olhou com os olhos brilhando, e deu um sorrisinho de canto, ficando com as bochechas rosadas, desta vez não de frio. Sorri junto, colocando os pés em cima do bando, na mesma posição dela, quando de repente ela falou, tão baixo que eu quase duvidei que estivesse falando comigo:
  - , eu amo você.
  Quase caí do banco, assustado. A olhei com os olhos arregalados, mas não falei nada. Nunca havia falado isso para ninguém, e creio que ela também não. Conhecia havia 3 anos, e não duvidem que eu não gostava dela. Gostava muito dela, de um jeito tóxico. Mas amor...
  Não falei nada, apenas sorri, internamente muito assustado para falar alguma coisa. O ônibus chegou, numa hora muito oportuna, e entramos. Passamos todos os 30 minutos lá dentro calados, virada para a janela. Quando estávamos quase chegando no meu apartamento, ela pegou o celular e ligou para Adam e Charlie, chamando-os para uma pizza. Depois ligou para Chris, falando para ele pedir.
  E continuava silenciosa.
  Apenas no elevador do prédio eu ouvi a sua voz depois daquela frase. Ela continuou cantando a música da Angola, e depois reclamou que não a conseguia tirar da cabeça.
  E então, quando estávamos nós 5 na sala, jogando Left for Dead e comendo pizza, ela conversou, normalmente. Como se nada tivesse acontecido.
  Já era 1 hora da manhã, e os meninos, depois de rirem com a história da nossa tarde, decidiram ir dormir. Quando vimos que já passara de meia noite, decidimos que iriam todos dormir no meu apartamento naquele dia. Eles já estavam indo para o terceiro quarto da casa, quando levantou.
  - Hey, hey! Eu tenho um presente para vocês. - a olhei, com as testas franzidas, e ela correu até a porta, onde tinha deixado sua bolsa, e tirou de lá uns papéis retangulares. Ela jogou um para cada. Olhei para eles. Passagens. Para Londres.
  - ! - Chris falou, abraçando-a tão apertado que a tirou do chão - Como?
  - O dinheiro dos meus pais - ela sorriu largamente, e Charlie sorriu quase mais do que ela, o que era algo raro, ele sorrir.
  - Mas vocês não gastaram tudo hoje?
  - Não. Eles me mandaram 12 mil. Depois que eles me ligaram hoje de manhã, eu soube que tinha que comprar as passagens. O resto do dinheiro, que sobrou, 3 mil, vou dar para vocês usarem com hospedagens, e essas besteiras todas.
  - ! - Adam gritou, com lágrimas nos olhos. Nunca havia visto o little Adam tão feliz, e ele a abraçou forte.
  Enquanto todos comemoraram ali, eu me senti horrível. A passagem parecia pesar mil quilos na minha mão. Eu tinha sido a pior pessoa com ela, e ela a melhor conosco. Dando-nos uma oportunidade incrível, que nunca teríamos sem ela. Os três ficaram ali, brindando, sorrindo, até que foram dormir com sorrisos nos rostos. Olhei para ela, sorrindo de lado.
  - ... Eu realmente não sei como agradecer por isso tudo. Desculpa por hoje mais cedo. - ela sorriu, o que fez me sentir pior. Andou até mim e colocou a passagem, que estava no meu colo, do outro lado do sofá. Sentou no meu colo, colocando uma perna de cada lado meu corpo, botando as mãos na minha nuca.
  - , eu nunca iria exigir nada de você, você deveria saber disso - ela abriu mais o sorriso e encostou a testa na minha, fechando os olhos. Passei a mão pela lateral do seu corpo, sentindo-me mais aliviado. Então lembrei de alguma coisa, e afastei meu rosto do dela.
  - Mas... você vai com a gente?
  - Não, o dinheiro não deu.
  - Você poderia ter usado o que a gente gastou hoje.
  - Mesmo assim, eu tenho trabalho aqui - ela falou, e eu dei um suspiro. Ela mordeu meu lábio inferior, sorrindo contra ele - Acho que, já que eu não vou, você vai ter que aproveitar cada segundo comigo aqui, .
  Sorri com a voz maliciosa dela, passando as mãos por dentro da sua blusa de I LOVE NEW YORK. Levantei do sofá, já a beijando rapidamente, e, com no meu colo, fui até o meu quarto, pronto para ter uma das melhores noites da minha vida.

-x-

  2 meses haviam se passado desde que viemos para Londres. Para resumir, a vida aqui estava boa. Eram quase 90 bandas concorrendo, de todos os países imagináveis, as audiências duraram 3 dias, em várias filiais da empresa. Fomos selecionados para as finais, junto com 10 outras bandas, e passamos, junto com outra. Obviamente, o dinheiro que nos dera já havia acabado, mas a gravadora assumiu todas as nossas despesas. Fomos para um apartamento grande, que a gravadora comprou para nós. Era em um bom lugar no centro de Londres, muito mais caro e maior que o nosso antigo em New York. Já estávamos acostumados com Londres, já tínhamos vários amigos - incluindo os 5 caras da outra banda que moravam um andar acima de nós. Fizemos vários shows em locais pequenos, abrindo shows de outras bandas maiores da gravadora. Não éramos mundialmente famosos, claro, mas na Inglaterra e em alguns locais nos Estados Unidos já estávamos ficando bons. Estávamos produzindo um CD, que seria lançado daqui a 5 meses, se tudo desse certo.
  Vivíamos a base de festas. Chris cada dia vinha para casa com uma menina diferente, Adam estava tímido demais para isso, Charlie havia arrumado uma namorada - que ele ainda resistia em afirmar "Ela não é minha namorada!" -, uma inglesa, uma loirinha simpática chamada July, que parecia falar por ele - o que não é muito difícil, devido ao jeito calado do Charlie. E eu estava sozinho. Quer dizer, eu tinha . Aliás, quase não tinha mais . Nos primeiros dias em Londres, nós nos falávamos todo dia, mas foi ficando mais raro, até que, agora, dias se passavam sem que a gente se falasse, e o meu trabalho ficava cada dia maior.
  Estávamos em uma das maiores festas. Gente famosa, garotas lindas. July contava uma piada qualquer, mas eu estava muito distante para prestar atenção em alguma coisa. Fazia dias que eu pensava em , quase em tempo integral. Meu coração doía de saudade. Da risada histérica dela, dos olhos penetrantes, do sorriso calmante. Quando percebi que estava deitado no pequeno sofá da festa, com a cabeça apoiada nele e os olhos fechados, repassando as memórias dela na minha cabeça, eu me assustei. Precisava sair dali, daquela fossa toda. Levantei, sem nem dar tchau, e entrei na pista de dança, sendo empurrado por várias pessoas dali, até que alguma coisa puxou meu braço. Era uma menina morena, de uns 19 anos, que me olhava de cima a baixo. Ela sorriu, maliciosa:
  - Como eu não te vi aqui antes?
  - Eu estava... - sorri sem-graça. Ainda não estava acostumado com... garotas me querendo desse jeito.
  - Ó! Você tem sotaque. Americano?
  - Sim... - coçei meu pescoço, nervoso.
  - O que veio fazer aqui, americano tímido?
  - Eu vim para a audiência de uma gravadora... acabei passando, e estou aqui, trabalhando.
  - Ó! Uma banda! - já estava me irritando com os "ós" dela, mas, quando uma sorridente pulou para minha mente de novo, eu puxei a menina para fora da pista.
  - Meus amigos estão aqui perto, vamos ficar lá, tomando alguma cerveja. Mais calmo, - expliquei, sorrindo enquanto a puxava pela mão.
  Mas, quando chegamos na mesa, não havia mais ninguém lá. Bufei, a levando de novo pela mão para fora da festa, que era em uma casa meio abandonada fora de Londres. Fomos ao imenso jardim da frente, onde algumas pessoas bebiam, se drogavam e se agarravam. Me encostei em uma árvore do lado da casa, e fiquei ali, apenas conversando com a menina, que descobri se chamar Victoria. Ela dava em cima de mim repetidas vezes, e eu me esquivava delicadamente. Mas, uma vez, ela se afastou um pouco de mim, e eu olhei pela primeira vez o seu corpo. Era lindo. Coxas fartas, bom seios, bom quadril. E eu estava rejeitando aquilo. Então a verdade me atingiu como um soco bem dado.
  Eu estava apaixonado por . Só isso faria me faria negar uma garota como aquela. Ainda meio pasmo, me aproximei dela, deixando nossos rostos a centímetros de distância. Eu precisava sentir algo de novo, me desinfetar de toda a melancolia que a lembrança de trazia. Precisava sentir os lábios e o corpo de alguém de novo.
  Puxei Victoria pela cintura. A beijei. Violentamente. Senti sua língua na minha, seu gosto de álcool. Não era bom. Aliás, era bom, mas não era como . Percebi que, mesmo que eu beijasse cem garotas, e mesmo que todas fossem tão ou mais bonitas que ela, eu não iria me contentar se não tocasse de novo. Mas eu não gostava daqueles sentimentos, então beijei Victoria de novo, com mais luxúria, até que ouvi uma exclamação abafada perto de nós, e separei o beijo.
  Chris estava ali, me olhando com a cara mais julgadora possível. Sorri de lado para ele. Claro, o protetor de , me julgando como sempre. Mas então seu rosto ficou assustado, quase temeroso, e ele olhou para algo atrás de mim. Virei, puxando Victoria junto com a minha mão na sua cintura.
   estava ali. Bem na minha frente, me olhando sem fôlego. Ela vestida um casaco preto com uma caveira prateada na frente, e eu podia ver umas duas blusas por dentro. Usava uma calça jeans e o All Star de sempre, e segurava uma sacola de uma loja qualquer. Suas bochechas estavam mais vermelhas que nunca, seu cabelo mais longo. Ela me olhava profundamente, depois seu olhar passou para Victoria, analisando o corpo da mesma, então ela abaixou os olhos para baixo, como se avaliasse o próprio corpo. Ela se aproximou de mim, com lágrimas nos olhos, e apontou para os meus pés.
  - Você está usando tênis novos - sua voz saiu falha, como se todo o seu rancor se resumisse ao meu novo All Star. Então ela olhou para Victoria com desprezo, depois para mim, com raiva - Você realmente não sabe como agradecer, .
  Ela jogou a sacola em mim, e saiu correndo, para fora da casa, pela rua. Chris foi atrás dela. Abri a sacola, ignorando Victoria, que gritava algo como "quem ela pensa que é? Quem é essa?", do meu lado. O que era para ser um presente engraçado, agora era terrivelmente irônico. Dentro havia uma camisa branca, com simples dizeres escritos.
  I LOVE LONDON.

-x-

COLOQUE PARA CARREGAR LOVE IT ALL

  Se algum dia me perguntassem como seria meu futuro, eu apenas responderia vagamente, com uma cara de interrogação que deixaria claro que eu não sabia nada sobre o mesmo. Agora eu ria desse pensamento. Minha vida estava ótima, perfeita. Lançamos o CD, e fez um sucesso, indo parar nas paradas da Inglaterra e dos Estados Unidos - afinal, tínhamos influência dos dois países. Posso dizer que estávamos bem famosos, agora em escala maior, mundial, posso me atrever a dizer. Havíamos amadurecido, não éramos apenas jovens de vinte e poucos anos fazendo música no sótão por divertimento, tocando em bares sem compromisso. Fazíamos turnês próprias pelos países, dávamos entrevistas em vários programas diferentes, aparecíamos constantemente nas revistas. E ainda nos impressionávamos pela nossa sorte. Quer dizer, passamos na audição, lançamos um CD, que deu incrivelmente certo. E as fãs... Sim, tínhamos até fãs, alguns rostos familiares em vários shows, pessoas que insistiam em tentar uma resposta nossa na internet, que pediam autógrafos e coisss assim. Havía fãs e groupies.
  Mas algumas coisas nunca mudariam. O Charlie ainda namorava Julie, agora mais firme, o Chris ainda encantava uma boa parte das fãs com seu jeito charmoso ou simplesmente por ser mais velho, o Adam ainda era o fofo e pequenininho indefeso da banda - imagem que ele ainda não fazia questão de mudar por render-lhe muitas garotas apaixonadinhas -, eu ainda era conhecido por ficar com várias, e por, desde a banda ter começado, ser o único que ainda não havia aparecido com alguém mais sério.
  Não sei o por quê disso. Talvez eu não estivesse pronto para algo assim, talvez eu ainda só quisesse curtir minha vida de famoso. Claro que ainda havia a terceira opção, mas eu não me deixava pensar nisso. Havia passado um ano desde aquele incidente com a , desde que eu havia recebido notícias dela. A única coisa que eu sabia era que ela voltou para os Estados Unidos um dia após me ver com a menina, da qual nem lembro o nome. Eu sabia que o Chris ainda falava com ela. Na verdade, várias vezes o peguei atendendo uma ligação animado e saindo de perto de mim para conversar com alguém misterioso, mas que todos nós sabíamos exatamente quem era. Não era nada demais, quando isso acontecia, nós nos restringíamos a não prestar atenção nele, continuar conversando. A única coisa mais anormal disso tudo era que eu estava morrendo de curiosidade em saber o que a menina excêntrica estava fazendo da vida, mas nunca reuni coragem suficiente para perguntar. Claro que os outros sabiam também da vida dela, mas mesmo assim nunca quis saber de mais nada.
  Estávamos ali, no avião indo para os Estados Unidos. Íamos fazer uma série de 5 shows no país - Nova York, Los Angeles, Seattle, Phoenix e Las Vegas -, e eles estavam bem animados com a volta, mesmo que por pouco menos de 3 semanas. Antes da série de shows, íamos fazer um acústico, do qual não cobramos nada, para a Instituição de Caridade da Universidade de Yale, recém-criada, no qual todo o dinheiro arrecadado com os ingressos seria convertido para a Instituição. Era um show médio, no auditório da faculdade, apenas para umas 400 pessoas - das quais, muitas eram restritamente convidadas.
  Os meninos estavam bem animados com o retorno, e estavam brincando ali, causando certo tumulto no avião, já que Adam estava do meu lado - ocupando as duas poltronas vazias do lado do corredor - e Chris e Charlie estavam atrás, rindo com as babaquices do Adam.
  Eu estava olhando pensativo pela janela, vendo apenas nuvens e mar lá embaixo. Não sei se era a volta aos Estados Unidos, mas pela primeira vez em muito tempo eu estava realmente pensando em . Quer dizer, eu constantemente pensava nela, quando via alguma coisa que a lembrava, coisas assim. Mas daquela vez eu estava REALMENTE pensando. Revirando um baú de memórias dos anos que passamos juntos... todos os momentos, bons e ruins. Eu tinha que confessar que, ali, voltando para o meu país, mesmo que só por algum tempo, uma parte de mim lá no fundo queria que eu esbarrasse sem querer com ela. Afinal, se eu estava naquele avião, com aquela fama e aquelas fãs e groupies, era por causa dela.
  Suspirei e adormeci, afundando no banco do avião. Adormeci apenas para, pela primeira vez em mais de um ano, sonhar com .

  5 horas depois, estávamos no auditório, por detrás das cortinas, cada um em seu lugar. Faltava 10 minutos para começar, e Jared, nosso manager, estava repassando conosco a playlist. O ruivo de 30 anos estava especialmente nervoso hoje, já que era nossa estréia nos Estados Unidos, o evento anual iria ser bastante comentado, e havia outras 4 bandas famosas lá. O nervosismo parecia acentuar o sotaque britânico dele, que não parecia perceber que nós já sabíamos de cor a maldita playlist. Iríamos tocar 5 músicas nossas e dois covers.
  Um tempo depois, ele foi embora, e as cortinas se abriram. Nós ainda não havíamos nos acostumado com toda aquela atenção sobre nós, então, como sempre, no começo nós conversamos um pouco com a platéia, e aí começamos a tocar. No público havia muitas estudantes de Yale, cantando de cor nossas músicas e nos lançando olhares não muito religiosos, mas havia também gente mais velha, que eu supus ser professores, diretores e gente da alta classe que fazia parte do círculo social de Yale. Então eu vi aquilo.
  Enquanto tocávamos, meus olhos zarpeavam em meio ao público, à medida que eu ia ficando mais calmo. Então, algo aconteceu no fundo, algo mínimo. A porta, que estava fechada desde o início, se abriu, o que atraiu a atenção de algumas pessoas que estavam sentadas mais atrás, mas as outras pouco notaram. Alguém entrou, mas estava tão longe que eu apenas pude classificar como uma garota, de calças jeans. Ela entrou, fez um pouco de esforço para fechar as portas imensas, mas logo depois que fechou alguém entrou, um segurança. Ela retirou um ingresso dos bolsos e deu para o homem, que saiu, e, pelo que eu notei, meio emburrado. A menina apenas entrou no meio de alguns estudantes que estavam em pé perto da porta, se adentrando ali. Eu sorri durante a música. Alguma coisa naquela garota me lembrava . Quase ri com o pensamento de em um auditório refinado, em um show apenas para estudantes de Yale e grandes sócios e membros da faculdade.
  Já estávamos indo para a última música quando meus olhos se bateram de novo na garota qualquer. Eu percebi que ela havia chegado um pouco mais para a frente, e o jeito dela... O modo de se apoiar nas pernas, de cruzar os braços e se balançar com o ritmo da música.
  .
  Senti meu rosto relaxar com o susto, senti-me ficando sem expressão. Meu coração gelou daquele jeito maluco, de quando tomamos um susto ou temos alguma experiência estranha, e quando voltou ao normal, estava acelerado. Senti o violão quase escorregar, mas segurei-o. Adam estava falando alguma coisa, como uma introdução ao próximo cover, mas eu não prestava atenção, realmente. Olhei para o Chris, e percebi que ele também a havia notado. Seus olhos, antes estancados em com um sorriso de canto, viraram para mim, e o sorriso sumiu, seus rosto ficando sério, como se eu estivesse estragando alguma coisa.
  De repente algo veio de dentro de mim. Eu vi, com certo pânico, que não poderia deixá-la ir embora. Não outra vez. Não suportaria vê-la andando para fora daquele auditório, para nunca mais voltar. Eu soube, naquele momento, que a amava. Soube simplesmente que sem ela não seria a mesma coisa, na verdade não seria nada. Não no sentido romântico de "não vivo sem ela", ou pelo menos não totalmente nesse sentido. Mas eu vi que, sem ela, quem iria me julgar, me fazer rir com as maiores idiotices, não sair do meu lado quando estivesse doente? Uma idéia surgiu na minha cabeça, e eu falei no microfone com um sorriso, quando vi que os outros já se preparavam para tocar Juicebox, dos Strokes:
  - Mudança de planos, gente.
  Fui rápido aos outros e contei o que pretendia fazer. Cantar outra música. Não expliquei que era para ela, mas o olhar do Chris me fez entender que, mesmo ele não entendendo o sentido completo da música, sabia que tinha a ver com . Então, voltei ao meu lugar, e começamos a tocar Love it all, do The Kooks.

See I've got this woman here
She loves me all the time
No need for excuses
No pressions in my mind

And she said love it all, love it all, love it all
And she said love it all, love it all, love it all

My heart was living down
And I've been pushed over the line
But on your hand, it'd be broken
And I'll be all over this time

And she said love it all, love it all, love it all
And she said love it all, love it all, love it all
And she said love it all, love it all, love it all
And she said love it all, love it all, love it all...

Love it all, Love it all, love it all
And she said love it all, love it all, love it all

  A música acabou, e ouvimos vários aplausos entusiasmados. Nós éramos a última banda a tocar. Colocamos os instrumentos de lado, e levantamos, indicando que havia acabado, e as pessoas bateram mais palmas ainda, levantando-se. As cortinas se fecharam. Não vi mais nada, apenas estava na minha mente. Ignorei as cortinas abertas, e saí correndo do palco. Senti Chris tentando me segurar pelo pulso, Jared já vindo do backstage para gritar por termos trocado a última música, algumas pessoas tentando me parabenizar pelo show. Corri até chegar no fim do auditório, a alguns passos de distância de , que me encarava sem expressão. Ela estava de calças jeans e All Stars, os mais brancos e limpos que já havia visto. Estava com uma camisa xadrez vermelha. Percebi que ela carregava uns três livros nos braços, e uma mochila nas costas parecia conter mais ainda. Seu cabelo estava mais repicado que nunca, em várias pontas que iam para fora no seu cabelo, acentuando seu charme rebelde. Na linguagem de , aquilo provavelmente significa "estou estudando em uma universidade cara por conta de meus pais, mas ainda não estou totalmente dependente deles". Cheguei perto dela, que ainda me encarava com a mesma expressão - ou falta dela -, e falei a coisa mais idiota que poderia falar:
  - Gostou do show? - ela me olhou confusa, depois deu uma risada irônica baixa.
  - Sim - ela sorriu de lado - acho que eu não estava errada sobre o talento de vocês, não é?
  Ficamos em um silêncio constrangedor, enquanto algumas pessoas ainda viam me cumprimentar. Então, para minha surpresa, ela pegou meu pulso, e chegou seu rosto perto da lateral do meu rosto, murmurando um pouco alto devido ao barulho da movimentação das pessoas que se encaminhavam para fora do lugar:
  - Quer ir para outro lugar? - eu apenas assenti, e deixei que ela me puxasse em meio às pessoas, mas quando descemos a escadaria do lugar, ela me soltou e saiu andando à frente, eu indo um pouco atrás, ainda no silêncio constrangedor. Andamos durante uns 5 minutos pelo imenso campus da faculdade, entre os prédios, até que chegamos em uma espécie de campo, onde alguns professores jogavam golfe, alguns alunos conversavam, e onde tinha um imenso lago. Ela continuou andando pela margem deste, até que chegamos no que parecia ser a lateral do lago, um pouco longe do campo, onde só tinha 3 amigos fumando algo suspeito a uns 40 metros de nós, e de lá podíamos ver todo o campus. sentou à margem do lago, tirando os all stars e ficando descalça, colocando a mochila e os livros do lado. Apenas sentei do seu lado e perguntei algo que estava na minha cabeça há um tempo.
  - Está estudando aqui? - ela se virou para mim, e agora que estávamos realmente perto um do outro, e em um lugar muito mais calmo, percebi sem fôlego que ela estava mais bonita, se isso era possível.
  - Estou. Jornalismo. Sabe, quando vocês foram embora, eu continuei trabalhando, então depois daquilo em Londres... - ela fez uma pausa, como se estivesse tentando achar palavras para o "incidente" de um ano atrás, deixando-me sentir totalmente culpado e desconfortável - depois daquilo, eu voltei para Nova York, mas a vida lá parecia tão chata sem vocês... Então eu voltei para casa, e entrei na faculdade de jornalismo, aqui.
  Ficamos em silêncio. Eu sabia que ela poderia até estar feliz lá, mas antigamente, quando vivíamos em Nova York, ela estava muito mais feliz. Mexi inquieto na grama, sentido-me culpado por tudo aquilo. As coisas haviam mudado tanto de um ano para cá. Chris ainda era meu melhor amigo, mas quando o assunto era , sua outra melhor amiga, ele me tratava como um canalha qualquer. A própria parecia estranha, não havia mais toda a intimidade e felicidade de antes, e eu sabia que não podia culpá-la por tudo isso. E, o que mais me aterrorizava: se as coisas haviam mudado tanto, será que ainda tinha volta? Então, ela me pegou de surpresa, falando:
  - Minha vida tem sido tão horrível sem vocês - ela olhou para o chão, com um sorriso no rosto, como se achasse graça naquilo - engraçado, porque eu nunca pensei que sentiria tanta falta. Só depois que vocês foram embora, que eu notei. Eu acordava todos os dias, e pensava "vou passar na casa dos meninos para fumar alguma coisa" ou então "vou chamar o para comer pizza". Foi ficando tudo vazio, até que passei a viver como um robô, acordando, trabalhando e dormindo apenas, aí eu decidi entrar logo na faculdade.
  Eu olhei para ela, que ainda evitava meu rosto.
  - E eu vim pro show. Eu lembro que assim que o Chris soube que vocês iriam tocar aqui, ele me ligou, porque ele sabia que eu estava cursando a Yale. Eu comprei o ingresso, fui a primeira a comprar. Mas eu não sabia se vinha - eu estava pasmo. Ela queria que eu me sentisse pior? Mas, como ver falando qualquer coisa sobre os seus sentimentos era no mínimo raro, eu a deixei continuar - eu decidi não vir, não queria mesmo ver você. Mas faz três dias que eu não consigo dormir, e hoje eu vomitei duas vezes, então eu decidi vir, de última hora.
  Eu a olhei, então peguei na sua mão. Ela olhou para mim, surpresa, e eu me virei para ela.
  - , me desculpe. Por favor, por favor. Aquele dia, com aquela menina, eu estava para enlouquecer de saudade de você. Eu nunca havia sentido algo daquele jeito, não achei que gostava tanto de você. Eu tinha que provar para mim mesmo que não estava apaixonado. Então eu fiquei com ela, mas não senti nada, nada. - ela me olhava profundamente, com lágrimas nos olhos, quase caindo - e esse tempo todo depois daquilo, eu não senti nenhum prazer em nada, mesmo tendo ficado com várias, mas justamente para tentar sentir algo. Os meninos ficam se deliciando com todo o dinheiro, a fama e as mulheres, mas eu me sinto alheio a tudo isso, como se o prazer fosse algo inalcançável.
  Ela continuou me olhando. Eu olhei para baixo, e falei o que há muito tempo deveria ter dito.
  - Eu te amo.
  Eu senti uma movimentação do meu lado, e quando eu ergui os olhos para ver, lá estava , erguendo a mão para limpar uma única lágrima, para não me deixar vê-la chorar algum modo, me deixou feliz. Ela se importava. Eu senti uma dor no peito, um calor. Uma imensa saudade. Eu sabia o que queria. A puxei pela cintura, num impulso. Queria sentir aquilo que me faria voltar à vida. Colei nossos lábios, e foi como se eu voltasse de um coma, ou alguma coisa assim. Ela colocou as mãos no meu rosto, enquanto eu colocava as minhas na sua cintura, apertando-a e puxando-a contra mim de um jeito que eu nunca achei que fosse capaz. Logo o beijo se aprofundou, e eu senti a língua dela na minha, suas unhas indo para a minha nuca. Sem separar do beijo, deitei na grama, fazendo-a se deitar em cima de mim. Minhas mãos, já ensaiavam entrar na sua blusa, então lembrei de uma coisa, e parei o beijo, olhando-a, ambos com um sorriso bobo no rosto.
  - A última música... Foi para você - ela me olhou e riu, dando-me um selinho demorado. Depois apenas disse:
  - Eu sei.
  E, de algum jeito surpreendentemente feliz, enquanto eu a puxava para mais um beijo, eu percebi que ela sempre iria saber de tudo.



Comentários da autora


  Não deixe de comentar! xx