Losses

Escrito por Danielle Aquino | Revisado por Mariana

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Prólogo

  “Não importa que desafios venham a nos separar, sempre encontraremos um caminho de volta para o outro.”
  - Para Sempre.

PART 1: BAD NEWS

  Cinco anos se passaram desde a temporada que passei na França. Aqueles nove meses que mudaram completamente a minha vida, que foram tão apavorantes no início e que terminaram de uma forma muito melhor do que algum dia fui capaz de calcular. Agora, e eu dividimos um apartamento pequeno em Los Angeles, na Califórnia, para onde nos mudamos quando fomos aceitos na Universidade da Califórnia.
está cursando o quarto ano de medicina e eu concluirei o curso de jornalismo no final do ano.
  Minha vida se transformou numa rotina constante da qual eu só reclamo quando estou cansada dela. Todos os dias estudo das oito às duas da tarde, e da faculdade vou para o estágio, que me toma quatro horas por dia escrevendo colunas para uma revista direcionada ao público feminino. Quando não estou na frente do computador, portanto, estou em alguma reunião servindo de lacaio para algum dos meus superiores – e, como a pobre estagiária que sou, basicamente todo mundo é superior a mim no escritório.
  Saio da revista de segunda a sexta e vou para o cubículo que divido com o amor da minha vida. Essa sempre é a melhor parte do dia, a menos que ele tenha decidido passar a noite na biblioteca estudando. Hoje é um desses dias, então começo o drama pelo telefone assim que vejo a mensagem de texto enviada por ele dizendo que eu não preciso esperá-lo acordada, o que acontece logo que cruzo a soleira da porta de casa.
  - Você vai mesmo me deixar dormir sozinha em plena sexta à noite? – pergunto fazendo bico para o celular.
  - Eu tenho dois testes na segunda, amor – adoro a forma como ele diz o meu nome, mas não posso negar que gosto quando ele substitui pela palavra “amor”. – Ou eu passo hoje à noite estudando ou amanhã.
  - Então vem pra casa agora e amanhã você vai praí estudar.
  - Você não vai me deixar sair amanhã, .
  Ele tem razão, provavelmente eu não deixaria. Penso em protestar, mas não faço isso porque sei que estou sendo carente e boba demais.
  - Tudo bem, posso esperar até amanhã – suspiro. – Bons estudos, meu bem.
  - Estarei em casa antes que você sinta saudades de mim.
  - Mentiroso. – murmuro e ri.
  - Eu te amo. – ele diz e respondo exatamente o mesmo antes de desligar o telefone.
   provavelmente jantaria na universidade, então, depois de um banho, faço um hambúrguer para mim e assisto a um filme qualquer na TV até pegar no sono no sofá mesmo. O que me desperta é meu celular tocando. Olho o número no visor antes de atender, e tanto o telefone desconhecido quanto o horário – são quatro da manhã - me deixam alarmada.
  - Alô – atendo finalmente.
  - Senhora ?
  - Sim?
  - Você está entre os contatos que localizamos na carteira no senhor . A senhora sabe de quem se trata?
  - Sim, é o meu namorado. – respondo com a voz falha e os olhos já se enchendo de lágrimas.
  - Sinto informar, mas seu namorado sofreu um acidente automobilístico. Ele está no Centro Médico St. Vicent neste momento.
  - Ele está bem?
  - Está vivo. Mas a situação é um tanto... grave.
  - Estou a caminho. – digo e desligo o telefone.
  As lágrimas escorrem pelo meu rosto fartas e constantes enquanto procuro meus sapatos e minha bolsa pelo apartamento.
está vivo e isso é tudo o que importa, . É o que repito para mim mesma enquanto desço as escadas de dois em dois degraus esperando conseguir dirigir até o Centro Médico St. Vicent.

********

   está em coma há quatorze dias.   Durante todo esse tempo, não comi nem dormi direito. Portanto, quando passei na farmácia aquela manhã e conferi meu peso, não fiquei alarmada por estar sete quilos mais magra. Eu já sou magra no peso normal... Sete quilos a menos certamente tinham a ver com meus olhos parecerem mais fundos e as minhas costelas estarem aparecendo.
  Entro no hospital e tomo o remédio para ansiedade que a médica havia me receitado desde que minha mãe bateu o pé para que eu consultasse porque ficar sem me alimentar e sem dormir me mataria aos poucos, e eu preciso estar aqui para quando acordar. Então me dirijo à área da CTI do local, embora ainda falte algum tempo para o horário de visitas.
  Já conheço quase toda a equipe médica da CTI por nome. Portanto, assim que me aproximo da recepção do Centro de Terapia Intensiva, Betty, uma das enfermeiras intensivistas, corre na minha direção.
  - ! – ela diz ansiosa e é apenas o sorriso em seu rosto que me faz pensar que nenhuma tragédia aconteceu. – Você não vai acreditar! Seu namorado francês acordou hoje. Até o fim do dia o médico deve liberá-lo para ir para o quarto.
  Meus olhos se enchem de lágrimas, mas diferentemente dos últimos dias, minhas lágrimas são de felicidade. Então não pergunto se ela sabe se ele acordou com alguma sequela, se perguntou pela família, o que foi a primeira coisa que falou... Não questiono nada, não imagino nada. Por enquanto só penso que está bem, está consciente, e abraço Betty mais feliz do que nunca estive na vida.

  Um milhão de coisas se passa pela minha cabeça enquanto estou aguardando autorização para adentrar o quarto para o qual meu namorado fora transferido. Penso em como passamos nove meses das nossas vidas vivendo de mal entendidos e sonhando acordados um com o outro enquanto os dois na verdade queriam exatamente a mesma coisa. Penso em como foi maravilhoso ouvir dele que seus sentimentos por mim sempre foram tão intensos quanto os meus foram por ele. Penso no quanto a ideia de trair me atormentou e no quanto ela reagiu bem até demais quando soube o que sentia por mim e eu da mesma forma por ele...
  Minha história com pode ser brevemente resumida assim:
  No meu último ano do colegial, meu pai teve a brilhante ideia de me enviar para uma escola interna de alunos americanos em Paris, na França. Por quê? Bom, acho que a coisa teve mais a ver com aparecer para os magnatas que faziam parte de um universo com o qual meu pai ainda estava se acostumando a pertencer do que com a minha educação propriamente dita. O caso é que pareceu um grande pesadelo quando me arrancaram da realidade que eu costumava encarar em Atlanta para me mandarem para um lugar onde eu não conhecia absolutamente ninguém.
  Mas, se eu pudesse dar um beijo no meu pai todos os dias por ter tido a ideia de me mandar para a França, eu faria isso. Foi graças àquela temporada na Europa que eu conheci a melhor pessoa do mundo e passei a viver então os melhores dias da minha vida. Na ocasião em que nos conhecemos, namorava , que veio a se tornar minha melhor amiga. Travei uma luta ética interna por longos meses até descobrir, pouco antes de voltar para a Califórnia, que , na verdade, não me via só como amiga – o que de fato acabamos nos tornando com a convivência. Tudo teria desmoronado, é claro, se não tivesse vindo para Berkeley, na Califórnia, que fica a vinte minutos da minha antiga casa. Felizmente, ele teve de se mudar pela mãe, embora me dissesse sempre que teria vindo de qualquer jeito por minha causa. Eu acreditava nisso, é claro. Acredito, na verdade. é muito melhor do que qualquer príncipe encantado. Ele ganha disparado em qualquer quesito, principalmente na parte de ser real e de não ser perfeito. Ele tem defeitos, como qualquer pessoa de carne e osso, mas cada uma de suas peculiaridades só faz com que eu o ame mais a cada dia.
  - Senhorita ? – uma enfermeira cujo nome não sei provavelmente porque trabalha em um setor que estou visitando pela primeira vez, me chama acordando-me das minhas recordações e pensamentos.
  - Sim? – digo colocando-me de pé. Até então estava sentada em uma das cadeiras do corredor, destinadas às pessoas que aguardam para verem seus familiares ou falar com médicos.
  - Já pode entrar. O restante da família dele já foi comunicada? – a senhora, que calculo ter uns quarenta anos de idade, pergunta gentilmente.
  - Sim, já avisei a mãe dele. Obrigada.
  A família de se resume basicamente a sua mãe, que vive e trabalha em Berkeley. Seu pai não é uma das pessoas mais agradáveis do mundo e os dois nunca tiveram uma relação muito boa. Surpreendentemente, porém, o senhor voou para Los Angeles para ver o filho no hospital assim que recebeu a notícia. Já está de volta à França, mas talvez apareça novamente quando o avisassem sobre ter acordado do coma. Porém, espero que a mãe de dê essa notícia ao homem, não eu. Não sou a pessoa favorita do mundo para ele.
  Reluto um instante antes de girar a maçaneta da porta do quarto onde está. Esperei tanto por este momento que minhas pernas tremem muito. Então decido parar de ser boba e adentro calmamente o quarto de hospital do meu namorado. Ele está com os olhos fechados, os cabelos estão bem curtos ainda.
   não quebrou nenhum osso no acidente. O que aconteceu foi que o carro dele estava parado no sinal fechado e algum maluco bateu com muita força em sua traseira.
não estava usando o cinto de segurança, de modo que seu corpo atravessou o vidro do carro e ele foi lançado sobre o capô do veículo Resultado: um traumatismo craniano grave. O cabelo dele foi raspado porque precisaram drenar um hematoma que se formou entre uma membrana que reveste o cérebro, a duramáter, e a caixa craniana. Devido ao inchaço no cérebro, os médicos o colocaram em coma induzido até que ele estivesse bem o bastante para acordar.
  Portanto, não sei bem o que vou encontrar quando ando a passos lerdos até a beira da cama de . Ainda não pude conversar com um de seus médicos, por isso não sei qual foi a extensão dos danos.
  - Bom dia... – murmuro bem baixinho porque não quero assustá-lo. Ele vira a cabeça lentamente na minha direção e abre os olhos.
  - Bom dia. – responde. Quando ouço sua voz sinto as lágrimas se formarem de novo. Ainda não consigo acreditar que ele está bem. - Você é uma das minhas médicas? – ele pergunta.
  - Não, eu... – começo a falar confusa, pensando que talvez seja um efeito normal em alguém que acabou de acordar de um coma de vários dias.
  - Bom dia... – a mãe de entra no quarto falando. – Meu amor! Você acordou! – ela diz chorosa indo em direção ao leito onde o filho está.
  - Oi, mãe. – responde e sorri. Os dois se abraçam por um instante e a mãe dele começa a depositar beijos no alto de sua cabeça. – Fiquei desacordado por muito tempo? – ele pergunta confuso.
  - Sim, meu amor. Mas você está bem agora, isso que importa. – ela responde. – Você tinha acabado de entrar, ? – pergunta para mim.
  - Sim, eu... – começo a dizer, mas não sei como continuar porque ainda não consigo assimilar tudo o que está acontecendo.
  - Vocês devem estar com saudade um do outro e eu estou aqui atrapalhando. – ela diz. Abro a boca para falar, mas se pronuncia antes:
  - Como assim? Acho que essa moça trabalha aqui no hospital, mãe. Eu não a conheço.
  - Querido, esta é a , sua namorada há uns cinco anos.
  - Não, a minha namorada se chama . – responde. – E não estamos juntos há tanto tempo.
   olha para mim e nos encaramos por um instante. Não sei se minha expressão é tão preocupada quanto a dela, mas certamente algo no meu semblante deve indicar o quanto estou mais desesperada e preocupada a cada minuto que passa.
  - Vamos conversar com os médicos. Nós voltamos daqui a pouco, filho – sugere e me pega pela mão.
  Não quero sair dali, não quero perder de vista. Mas não tenho outra alternativa. Então, deixo a mãe dele me arrastar pelo corredor atrás dos médicos que talvez pudessem nos dar alguma resposta sobre o que está acontecendo agora. Se tudo isso é um pesadelo, já estou pronta para acordar.

*******

  Depois de alguns dias de exames, e eu nos reunimos com a equipe médica responsável pelo caso de .
  - O que conseguimos diagnosticar com os testes foi que o senhor sofreu uma amnésia retrógrada dos últimos aproximadamente seis anos, de acordo com as informações que vocês nos forneceram. Não sabemos se isso é definitivo ou temporário, se as informações voltarão daqui uma semana, um mês, um ano ou em algum ponto da vida dele. – o neurologista começa explicando.
  - Não há nenhum tratamento que ele possa fazer pra isso? – pergunta.
  - Recomendamos sim um tratamento psicológico e faremos exames constantemente. Seu filho será acompanhado, senhora . Mas não podemos assegurá-las de que haverá alguma melhora neste sentido. – o mesmo especialista responde.
  - Vocês devem se lembrar de que sequelas eram esperadas no caso dele. Felizmente não houve nenhum dano ainda mais grave. – uma das médicas completa. - Em se tratando do cérebro humano, diversos desfechos são possíveis.
   coloca uma de suas mãos sobre uma das minhas e me olha com a piedade impressa em cada um de seus traços. A vontade que tenho é de desaparecer porque não sei de onde vou tirar forças para lidar com isso.

   só receberá alta do hospital daqui dois dias. Como método preventivo, os pacientes recebem uma terapia de antibióticos antes de irem para casa, para evitar a instalação de infecções hospitalares. Portanto, o tempo a mais no local se deve a isso.
  Ao longo da última semana, durante o período que passaram fazendo tomografias, ressonâncias e testes neurológicos com , continuei visitando-o. Levei fotos para ver se ele se lembraria de algum episódio nos primeiros dias, mas percebi que isso estava fazendo com que ele se sentisse pressionado a se lembrar de mim. Assim, passei a visitá-lo apenas para conversar. Ele respondeu melhor a isso, mas parecia um pouco relutante em ter qualquer conversa comigo.
  No dia anterior à reunião com a equipe médica, conversou com pelo telefone. Ela disse que os dois eram apenas amigos agora e que ela estava morando na Itália desde que fomos embora da França. Ele concordou com tudo, mas parecia cada vez mais perdido. Minhas esperanças? Não morreram e jamais morreriam, mas confesso que estavam tendo seus limites bem testados.
  Depois da reunião com os médicos de , vou com para a cantina do hospital, onde nos sentamos para tomar um café.
  - Acho melhor ele ir para a minha casa em Berkeley por enquanto, . – ela diz um tanto cautelosa, já esperando que eu proteste contra isso, o que obviamente faço.
  - Ele precisa continuar a vida de onde parou. Os médicos deixaram claro que a perda de memória só envolve episódios que ele viveu nos últimos anos. As informações técnicas da faculdade de medicina ainda estão na cabeça dele. Então se ele continuar vivendo como vivia antes, pode ser que se lembre de tudo de novo... – sinto que meus argumentos estão parecendo mais um grito desesperado da minha mente a cada palavra que pronuncio.
  - , você escutou os médicos... Pode ser que ele não recupere essas memórias nunca.
  - Então vou fazer com que ele se apaixone por mim de novo. – falo decidida. – Se ele não vai se lembrar do que já aconteceu, formaremos novas memórias.
  - Querida... – começa com um tom condescendente.
  - Me deixe tentar, . Por favor. Se ele quiser ir para a sua casa depois, tudo bem. Mas preciso tentar antes.
  Ela assente e ficamos em silêncio pelos próximos minutos.
  Tenho vinte e quatro horas para me recompor o bastante para receber em casa. Sei que ele não se lembra que existo, que junto com cada momento que vivemos juntos que ele perdeu, os sentimentos relacionados a isso se foram também. Mas está vivo, afinal. Eu não o pedi. E isso é o que me faz reunir forças suficientes para estar disposta a reconquistá-lo se preciso for. Ele foi capaz de amar esta uma vez, então será capaz de fazer isso de novo, certo? Não sei, mas a única coisa que me resta é tentar.

PART 2: ATTEMPT

   é quem diz a que ele vai para nossa casa comigo, então não sei como ele reage à notícia, não sei se sua mãe precisa dizer algo para convencê-lo ou algo do tipo. Só sei que quando ele chega à sala de espera, onde estou aguardando, recebo um sorriso inseguro de sua parte e um “vamos então?”. De repente, já quase posso imaginar nossa vida de antes se refazendo.
   não deixa que eu carregue sua pequena mala de objetos pessoais, os poucos que foram permitidos no hospital. Assim, seguro as chaves de casa com as duas mãos enquanto estamos subindo os três lances de escadas até o terceiro andar de nosso prédio em um bairro razoavelmente próximo à universidade que frequentamos.
  Assim que cruzamos a soleira da porta ele examina a pequena sala com cuidado. dá alguns passos e encara a pequena estante que contém nossos livros e um porra-retrato de nós dois juntos em Paris. A foto foi tirada um dia antes de virmos para os Estados Unidos, cinco anos atrás.
  - Eu me lembro deste livro – ele recolhe o exemplar na estante. Fecho a porta atrás de mim e olho por sobre seu ombro na esperança de que talvez fosse algum dos livros que eu lhe dera de presente ou alguma aquisição feita por ele nos últimos seis anos. É claro que o livro é Código Da Vinci e tem uma dedicatória escrita por na primeira página.
  - Deste aqui você se lembra? – pergunto tirando da estante O Grande Gatsby, que fora lançado há bem mais de seis anos, mas que ele apenas conheceu porque lhe dei de presente três Natais passados.
  - Lembro que já ouvi falar do título, mas não me lembro de possuí-lo. – responde. Na segunda folha se depara com a dedicatória que escrevi, mas diferentemente de ler como fez com a mensagem escrita por em O Código Da Vinci, ele fecha o livro antes de ter tido tempo de concluir a leitura do que escrevi para ele. Isso me magoa profundamente. Ele se lembra do que escreveu, mas não sabe o que eu escrevi. Por que terminou de ler a mensagem dela e sequer se deu o trabalho de ler a minha então? Reprimo a vontade de chorar por causa disso e sigo através do pequeno corredor para o nosso quarto.
  - Bom, faz sentido eu estar na faculdade. Vinte e três anos é alguma coisa.
  - Você não apenas está na faculdade como é um dos primeiros da sua turma de medicina. – digo orgulhosa e pego o crachá de acesso ao campus dele na mesinha de cabeceira. encara o crachá por um longo tempo, com certeza assimilando a dimensão daquilo. O crachá era a prova material do que eu dizia.
  - Em que ano estou?
  - No quarto ano. No próximo semestre você já estará estagiando no hospital universitário da UCLA.
   arqueia as sobrancelhas.
  - Você também faz faculdade, ? – é a primeira vez que ele fala meu nome desde que acordou, então meus olhos brilham de felicidade quando escuto a forma perfeita com que ele pronuncia .
  - Faço jornalismo na mesma faculdade que você estuda.
  - Mmm... – ele murmura.
  - Você está cansado? – pergunto.
  - Pra ser sincero, não. – responde e sorri. – Me diga uma coisa... Onde vou dormir? Só tem uma cama.
  Certo, eu não tinha pensado nisso.
  - Eu posso dormir no sofá por enquanto. – arrumo a solução subitamente. - Nós dormíamos juntos antes, naturalmente. Mas entendo que você prefere dormir sozinho por enquanto.
  - Eu fico com o sofá então. É a sua cama.
  - É a nossa cama, . – digo, mas então me lembro que ele não se lembra que eu o chamo de só quando estou nervosa com ele, então não faria diferença chamá-lo de . – Este é nosso apartamento. Eu sei que você não se lembra e que não é sua culpa, mas tente se acostumar a morar aqui porque esta é a sua casa. Você não é um convidado ou um estranho.
  - Me desculpe, ok? Parece que eu dormi e acordei a cabeça doendo em outro país, outro continente, em outra vida. A minha mãe estava com câncer e aparentemente agora está curada e bem. A minha namorada era uma garota atlética apaixonada por futebol e agora... – a voz de é um pouco esgoelada e desesperada quando ele diz tudo isso, mas quero que ele termine a sentença.
  - E agora o quê?
  - Estou namorando uma garota que nunca vi na vida. Nem seu nome completo eu sei. Ok, nós estamos juntos há muito tempo. Sei que as fotos que você e minha mãe me mostraram não mentem, que meus objetos na sua... na nossa casa, não mentem. Mas eu não me lembro de você. Me desculpe. – as palavras dele doem, mas sei que não está falando nada para me machucar; apenas está constatando nossa atual realidade. No lugar dele, não sei como reagiria também.
  - Eu entendo tudo isso. Mas eu me lembro de você. E eu te amo. Muito. Então, se você estiver disposto a me conhecer novamente, prometo que a primeira coisa que vou lhe contar é meu nome completo – sorrio para ele encarando seus olhos que me encaram de volta e fazem com que meu coração dispare instantaneamente, uma reação reflexa.
  - Certo.
  - Vou fazer nosso jantar. Você pode tomar um banho enquanto isso, se quiser. Sua parte do guarda-roupa é a parede do lado esquerdo – falo abrindo a porta do closet.
   entra no cômodo destinado a armazenar nossas roupas, sapatos e acessórios e assovia.
  - Uau, quanta organização.
  - Você costuma dizer que tenho TOC e que você adora isso. – pisco para ele. ruboriza levemente. Tenho vontade de abraçá-lo com força e cobri-lo de beijos, mas me seguro porque estamos indo relativamente bem e não quero estragar tudo.
  - Certo. – ele assente.
  Peço licença para me retirar e estou saindo do quarto quando chama meu nome.
  - Sim? – respondo.
  - Qual é o seu nome completo mesmo?
  - .
  - Memorizado. – ele faz um gesto indicando a cabeça e sorri para mim, aquele sorriso lindo que sou imensamente grata por ter de volta.

*******

  Os dias seguintes são os mais estranhos da minha vida.
  Primeiro porque não divido a cama com o meu namorado, o que estou acostumada a fazer a tanto tempo que dormir em qualquer outro lugar parece errado. Ele insiste para que revezemos as noites – um dia eu durmo no sofá, no outro ele dorme -, mas não concordo. Dormir no sofá da sala certamente não combina com o objetivo de se sentir em casa.
  - Você quer ir para a universidade comigo hoje? – pergunto no quarto dia se em casa. Nos primeiros três dias, ele passou o dia vendo TV e conversamos um pouco, mas todo assunto que vinha a baile parecia deixá-lo constrangido e perdido. A cada duas frases eu tinha que atualizá-lo sobre alguma coisa de sua vida agora.
  - Acho que não. Não tenho certeza se vou conseguir terminar esse semestre.
  - A médica disse que memórias procedurais, quero dizer, as de procedimento, você ainda tem. Acho que você conseguiria sim. – incentivo. – Além do mais, voltar à sua rotina normal é a melhor opção agora. Foi o que a neuropsicóloga disse.
  - Eu estava na conversa com a neuropsicóloga, , eu sei o que ela disse. – a voz de é dura quando ele me responde isso. – Mas não estou preparado para encarar o quarto ano de uma faculdade de medicina para a qual eu nem me lembro de ter entrado. Eu mal sei andar nesta rua sozinho... Isso aqui não é nada como a França. – ele balança a cabeça em negação e pressiona os indicadores nas têmporas.
  - Tudo bem. Quando você se sentir bem para ir, eu te levo até lá. Até mais tarde. – digo e saio de casa com uma puta vontade de chorar.
  Estou me esforçando para levar essa situação numa boa, mas acho que para é um pouco difícil de perceber isso. Claro, para ele eu sou apenas uma estranha que diz ser sua namorada e tem uma porção de fotos para comprovar isso.
  Então, enquanto dirijo no modo automático para a UCLA, penso na possibilidade de ele não recuperar sua memória nunca. De passarmos mais algum tempo debaixo do mesmo teto nos comportando como dois estranhos, enquanto tento desesperadamente fazer parte de uma vida que ele não se lembra de ter e se recusa a adotar. Tudo isso só contribui para o meu desespero, é claro, e saio do carro com os olhos vermelhos porque obviamente choro por causa disso tudo. Um mês atrás nossas vidas eram perfeitas, éramos um casal perfeito... Por que nosso romance adolescente cuja maior preocupação cinco anos atrás era o fato dele ter namorada e essa namorada ser minha amiga agora tinha que ter se transformado nisso?
  - ? – Phoebe chama de algum lugar do estacionamento da universidade.
  - Oi, Phoebe. – respondo. Ela se aproxima para me abraçar.
  Phoebe é uma das três amigas que fiz na universidade durante os últimos quatro anos. Fazemos jornalismo juntas e ela estagia na revista masculina que faz uma espécie de “casal” com a revista feminina na qual trabalho. Meus chefes na revista foram bastante compreensíveis com o acidente de . Eles adiantaram meus 30 dias de férias para que eu acertasse a minha vida, e pensar que esse prazo está quase se esgotando me deixa preocupada com mais este detalhe.
  Como a boa amiga que é, Phoebe me telefona ou me manda mensagem todos os dias oferecendo seu ombro amigo. Tento parecer otimista a maior parte do tempo não apenas para não preocupá-la, mas porque quero ser otimista, quero acreditar que a memória de voltará no dia seguinte e tudo será lindo como era antes.
  - Você está de volta? Ou veio resolver alguma pendência? – ela pergunta.
  - Estou de volta. Vou ver as aulas hoje. disse que ainda não está pronto para encarar a faculdade, mas que não quer que eu atrase a minha vida.
  - Isso parece com o .
  - É verdade – suspiro cansada.
  - Como ele está?
  - Está tentando... Eu acho. Não sei se ele quer se lembrar da vida que tinha nos últimos cinco anos. Acho que o passado conhecido é mais reconfortante. Mas não sou psicóloga, não posso dizer isso com certeza. E nunca vivi o que ele está vivendo, então estou tentando evitar julgar a forma com que ele está lidando com isso.
  - E como você está lidando com isso? – Phoebe afagou o meu braço.
  - Eu não vou desistir. Eu o amo... E ele se apaixonou por mim antes sem precisar que eu tentasse. Se tudo der errado, eu vou reconquistá-lo de novo. – tento parecer a pessoa mais confiante do mundo ao dizer isso e dou um sorriso amarelo para Phoebe, o máximo que posso esboçar no momento.
  - Vocês vão ficar bem. E nós, seus amigos, vamos ajudar.
  - Como assim?
  - Bom, você me disse outro dia que ele precisa ter contato com a vida de antes. Nós, os amigos de vocês, fazemos parte dessa vida...

**********

  A ideia de Phoebe parece totalmente inofensiva para mim. Portanto, chego em casa na hora do almoço e saio com para mostrá-lo os lugares que costumamos frequentar no bairro e para pegarmos alguns alimentos no supermercado.
  - Eu malho? – pergunta assustado quando mostro a academia que ele costuma frequentar.
  - Três vezes por semana. Segundas, quartas e sextas das cinco da tarde às sete da noite.
  - Isso explica porque estou vestindo roupas maiores do que antes e meu corpo é até legal.
  - Seu corpo é super legal, amor. – falo automaticamente e afago a perna dele mantendo ao outra mão no volante do carro. – Desculpe.
  - Tudo bem – ele sorri para mim. – Faculdade de medicina, academia... Parece que eu estava indo bem.
  Respondo a essa sentença com um sorriso porque estou feliz em saber que ele está gostando de descobrir alguma coisa sobre sua vida de agora. Então paro o carro no acostamento e entramos no supermercado para pegar os alimentos.
   escolhe várias besteiras que um adolescente de 18 anos escolheria e o cara de 23 que ele costumava ser nunca pegaria porque é um estudante de medicina preocupado até demais com desenvolvermos diabetes, obesidade ou “acumular colesterol nas artérias” – palavras de sempre que vamos ao mercado juntos e quero encher a geladeira de bobagens. Não protesto quanto ao que ele quer comer porque não quero assustá-lo mais do que ele já está e empurrar por sua goela abaixo as escolhas que ele próprio fez com o tempo.
  Voltamos para nosso apartamento no horário que combinei com Phoebe. Assim, quando entramos em casa, nossos amigos da faculdade nos recepcionam com um grito de “SURPRESA!”. Uma faixa com os dizeres “Bem vindo de volta, ” está pendurado à frente da TV embutida na parede. Nossa mesa da copa conjugada com a sala está cheia de coisas, e o apartamento todo está decorado com balões. Alguém liga o som assim que entramos e todos das 20 pessoas presentes se encaminham para abraçar .

**********

  A festinha surpresa dura menos do que nossos amigos esperavam, mas chega a cerca de duas horas. O motivo para ter terminado antes é que depois de socializar um pouco com seus amigos da faculdade, pede licença e vai para o quarto. Quarenta minutos depois de ele ter feito isso, percebo que a ideia da festa não foi tão boa quanto pensei a princípio.
  - Desculpe se causamos algum problema - Phoebe pede pela centésima vez. Ela namora Andrew, o melhor amigo de de sua turma de medicina, e está com o rapaz em seu encalço.
  - Tudo bem, Phoebe, você só tentou ajudar.
  - Pensamos mesmo que era uma boa ideia, . – Andrew diz.
  - Eu sei, Drew. Quem pede desculpas sou eu. – falo e abraço os dois. – Vejo vocês... depois. – concluo porque realmente não sei como as coisas ficarão dali em diante.
  Então, tendo dispensado todos os convidados, vou para o quarto e encontro sentado à escrivaninha olhando seu e-mail. Felizmente a o login e a senha estavam memorizados em seu laptop, então foi mais uma prova da vida que ele tinha nos últimos cinco anos.
  - ... Me desculpe. Eu sei que...
  - Não, , você não sabe – ele me interrompe. – Não passou pela sua cabeça que um dos motivos para que eu não quisesse ir para a faculdade é porque eu não sei quem conheço ou quem não conheço e não saberei como me comportar com as pessoas quando cruzar com elas nos corredores da faculdade? – a voz dele sobe algumas oitavas para dizer isso porque ele está verdadeiramente com raiva de mim.
  - Eu realmente não tive a intenção de pressionar você. A médica disse...
  - Caramba, eu sei o que a médica disse sobre eu viver minha vida normalmente! – ele grita para mim e se levanta. – Mas eu não sei como é minha vida normal. Eu poderia rever essas pessoas, talvez uma de cada vez. Mas uma festa surpresa cheia de desconhecidos é tudo o que eu não preciso agora!
  - Me desculpe – murmuro louca para chorar, mas não faço isso.
  - Minha cabeça está doendo. Você pode se retirar? Preciso dormir.
  A única coisa que me resta é assentir e me arrastar para o banheiro, onde terei privacidade suficiente para chorar até estar tão cansada que conseguirei finalmente dormir.

**********

  No dia seguinte, preparo o café da manhã e saio para correr.
  O exercício ajuda a me dar algum ânimo e a organizar melhor as ideias. O dia de Ação de Graças está se aproximando e geralmente vamos para a casa da minha mãe em Atlanta. Mas como tudo está totalmente atípico este ano, imagino que teremos que modificar os planos.
  Chego em casa trinta minutos depois de ter saído esperando que já esteja acordado. Vou até a cozinha tomar um copo de água e escuto sua voz vinda do quarto. Me aproximo em direção ao pequeno corredor e percebo que ele está falando ao telefone.
  - Você vai para casa para o dia de Ação de Graças? diz em um tom de voz bem humorado. – O que acha de passar comigo e o meu pai? – as palavras dele não fazem o menor sentido para mim porque a briga entre ele e seu pai é antiga. Tenho certeza de que os desentendimentos datam de muito antes dele me conhecer. – Eu sei, mas preciso voltar para a França, .
  Paro de escutar a conversa neste instante porque não quero mais ouvir. está tão magoado que pretende voltar para a França e a primeira pessoa a saber disso é ?
  Sento-me à mesa com meu copo de água ainda em mãos e tento parecer normal quando ele adentra o cômodo e me cumprimenta.
  - Preciso conversar uma coisa com você – diz e beberica seu café.
  - Precisando de alguma coisa? – pergunto.
  - Não exatamente. É que... Eu vou voltar para a França. Já conversei com o meu pai e ele disse que sou bem vindo para ficar uns dias em sua casa.
  - ...
  - Eu sei o que você vai dizer. Que já não nos entendíamos antes de eu conhecer você e que preciso manter minha rotina normal se quero recuperar a minha memória. Mas meu pai melhorou nos últimos anos, pelo que pude perceber. E eu realmente preciso voltar para a vida que eu tinha antes para tentar descobrir porque as coisas mudaram tanto.
  - Você não quer recuperar a sua memória. – constato por fim.
  - O quê?
  - Se você quisesse, teria retomado de verdade as coisas como elas são por aqui. Teria pelo menos entrado no campus no qual você passava 18 horas por dia e do qual eu raramente era capaz de te tirar de dentro. – falo com traços de desespero no meu tom de voz, mas cansada de tentar convencê-lo a ficar ao meu lado.
  - , tente se colocar no meu lugar...
  - Não, tente você se colocar no meu lugar – eu o interrompo com a voz trêmula porque estou nervosa e desesperada demais para falar normalmente. – Eu recebo uma ligação no meio da madrugada. Um policial me diz que meu namorado sofreu um acidente. Eu passo quatorze dias te olhando do vidro da UTI esperando que você acorde. E quando você acorda, você não se lembra nem que existo. Eu me desdobro para fazer com que você se sinta confortável, eu vou até os limites da minha capacidade mental... E a única coisa com que você se preocupa é com você mesmo. Isso tudo é difícil pra mim também, ! Muito difícil. – deixo algumas lágrimas escaparem porque não sou mais capaz de lidar com isso.
  - Eu não estou tentando te machucar, . – ele diz triste. – Me desculpe.
  - Eu sei que você não está. – enxugo meu rosto com as mãos antes de continuar: - Quer voltar para a França? Fique à vontade. Espero que você encontre o que procura por lá. – falo por fim e saio de casa de novo. Correr certamente não seria de muita ajuda agora, mas é tudo o que sou capaz de fazer.

**********

  Volto para casa depois do almoço e a chave está debaixo do tapete. Engraçado como não se lembra de nada, mas algumas manias continuam exatamente as mesmas. Ele sempre deixava a chave ali para mim quando sabia que eu havia saído sem a minha.
  Ele não levou embora todas as coisas que tinha, mas boa parte delas não estão mais em sua parte do closet. Tomo um banho longo e visto um de seus moletons. Depois preparo um macarrão instantâneo para o almoço e me esparramo na nossa cama para ver TV. Os lençóis estão com o cheiro de , então é ali que eu fico pelo resto do dia.
  Lembro-me de como eu costumava dizer que se estávamos juntos, estávamos em casa. Que nosso lar não era um lugar, era alguém. Mas como ele poderia se lembrar disso se todas as memórias que tinha sobre o assunto não existem mais? Provavelmente eu voltaria correndo para Atlanta se acordasse de um coma em Paris e descobrisse que meus pais me mandaram para lá, para um colégio interno. Eu não reagi bem a isso na época... Talvez fosse o mesmo para agora.

  Os dias se passaram e a vida continuou. Voltei para a universidade com o objetivo de correr atrás do tempo perdido. Consegui recuperar minha posição de estagiária colunista, que faz toda a redação, mas cujo nome nunca aparece no final do artigo publicado – o direito a isso se reserva a quem corrige e aprova o que escrevo, e esta pessoa é claro que é uma das minhas inúmeras superiores.
  O dia de Ação de Graças veio e passou. Atualizei minha mãe sobre – ela sabia desde sempre do acidente e algumas coisas sobre a amnésia, mas só soube da história completa quando lhe visitei. Ela tentou me consolar, é claro, e tentei fingir que estava bem para não preocupá-la tanto.
  Há dias mais difíceis e dias mais fáceis. Os dias que decido viver no modo automático e realizar minhas tarefas, ocupando a maior parte da minha mente nisso, eu fico bem. Os dias que são impossíveis de não ligar a cada coisa que vejo na rua são mais complicados de encarar. Ele ficou com um espaço vazio de seis anos quando perdeu a memória; eu fiquei com uma ferida de seis anos aberta, que pulsava a cada segundo e doía mais a cada dia.

PART 3: RESUMPTION

  Um ano depois

  Sábado de manhã levanto para minha corrida matinal. São apenas seis e meia, mas perdi o sono e, para mim, revirar na cama tentando adormecer de novo é quase auto flagelo. Não me permito pensar demais desde que foi embora, voltando para a França, tendo decidido viver o passado a partir de onde sua mente diz que ele parara, embora todos que faziam parte de sua vida não estejam naquela página mais. As pessoas seguem em frente, afinal.
  Liguei para , que ainda é minha amiga, embora nos falemos raramente, alguns dias depois de ter me deixado. Ela disse que ele realmente ligou para ela, mas me tranquilizou dizendo que não tinha a menor intenção de deixar o namorado italiano jogador de futebol profissional para reviver um romance adolescente com uma pessoa que não passava de um velho amigo.
  - Eu jamais faria isso com você, com ele e principalmente comigo mesma, . Não se preocupe. – dissera na ocasião.
  Falei que não estava preocupada com isso, que a conhecia bem e sabia que ela não reataria se ele tentasse algo assim. Era mentira, é claro, porque eu estava me borrando inteira de medo que e voltassem. Eu não queria a minha vida de seis anos atrás de volta. Eu estava perfeitamente feliz até o dia que meu namorado sofreu aquele acidente. Não preciso dizer que minha vida de hoje, um ano depois de ele ter partido, também não é a vida que desejo para mim.
  Mas continuei vivendo. Agora sou formada em jornalismo e trabalho como repórter para um jornal local. Faço transmissão de notícias aleatórias que surgem pelo estado da Califórnia. Não viajo pelo país fazendo matérias a nível nacional, mas de vez em quando faço alguma transmissão de eventos em San Diego, San Francisco ou outro lugar da Califórnia. Sou feliz no meu emprego. Faço 24 anos de idade daqui algumas semanas e já conquistei muita coisa, afinal.
  Não moro mais no apartamento que dividia com . Não fazia sentido entrar naquele lugar todos os dias e me sentir péssima ali dentro porque ele não estava lá para dividir o sofá, a cama ou o chuveiro comigo. Portanto, consegui um lugar um pouco menor do que habitava antes em outro bairro. Phoebe, Summer e Heather, as minhas três amigas que formaram na UCLA comigo, moram por perto e estamos sempre fazendo coisas juntas. Phoebe ainda está com Andrew – os dois estão noivos agora. Imagino se e Drew teriam combinado fazer o pedido na mesma época, se e eu ainda estivéssemos juntos.
  Pois é, a vida continua. Chorei e ainda choro de saudades de . Todas as coisas que ele deixou para trás quando voltou para a França continuaram aqui. Não me envolvi com ninguém durante esse tempo, nem pretendo fazer isso tão cedo. Talvez não faça nunca, afinal, se ele recuperar a memória algum dia quero estar disponível para continuarmos de onde paramos.
  - Você não pode parar a sua vida por causa dele, . Eu sei que tem a possibilidade de ele recuperar a memória. Mas e se isso não acontecer nunca? – Phoebe disse em uma das ocasiões que nos reunimos na casa dela para uma noite de garotas.
  - Não quero dormir com ninguém por enquanto, Phoebe. Eu estou bem assim, de verdade. – ela abriu a boca para falar, mas prossegui: - Pode ser mesmo que ele não recupere a memória mais. Se um dia eu sentir vontade de sair por aí e conhecer pessoas novas, farei isso. Por enquanto, está bem assim.
  Phoebe assentiu e não tocou mais no assunto desde então.
  Ainda não tenho vontade de conhecer outras pessoas. Ainda acho que estou danificada demais para me colocar por completo em outro relacionamento. Mas agora já consigo encarar a possibilidade de não ver nunca mais sem morrer de desespero ou me debulhar em lágrimas. As feridas ainda estão aqui, mas agora elas já não doem de uma forma tão aguda.

**********

  Estou atrasada para a minha aula de violão, então saio do estúdio da WWN às pressas. Estou girando a chave na ignição quando ele bate no vidro da porta do meu carro. Dou um pulo de susto - primeiro porque fui pega de surpresa, segundo porque ele é a última pessoa do mundo que espero ver.
  - É-? – gaguejo tão chocada quanto se estivesse vendo um fantasma.
  - Sim, sou eu – ele sorri. Tiro o cinto de segurança e desligo o carro. Respiro fundo uma vez e consigo destravar a porta depois de três tentativas.
  - O que você está fazendo aqui? – é a primeira coisa que pergunto quando consigo sair do veículo.
  - Estou de volta a Los Angeles. Vou fazer uma prova na UCLA para tentar retomar o curso de medicina. Passei os últimos meses estudando pra isso.
  Estou tão chocada que não sei o que dizer.
  - Isso é... Isso é muito bom. – pigarreio porque minha voz falha duas vezes na mesma frase. - Quando você voltou?
  - Há duas semanas mais ou menos. Minha mãe me ajudou a conseguir um apartamento próximo a UCLA.
  - E como estão as coisas na França?
  - Completamente diferentes – ele desvia os olhos do meu rosto para seus pés, um sinal claro de que estava sem graça. – Eu não devia ter voltado. De onde saiu a ideia de morar com o meu pai, pelo amor de Deus?
  Dou uma risada. Este sim parece o que conheço.
  - Isso que te fez decidir voltar? – pergunto.
  - Também – ele responde e me encara por tanto tempo que sinto meu rosto ruborizar. Já estou com o coração batendo tão rápido que chega a ser quase doloroso. Minhas mãos já estão molhadas nas palmas e minha respiração entrecortada. Não consigo acreditar que ele está de volta!
  - Você recuperou alguma memória? – questiono tentando não ficar esperançosa durante os segundos que ele demorasse para me responder.
  - Não, na verdade não – faz uma careta. – Mas eu realmente gostaria de ter recuperado.
  Assinto uma vez com a cabeça e coloco uma mecha de cabelo atrás da orelha.
  - , eu não sei por que você diria sim a isso, mas vou tentar – diz e ri. – Você quer tomar um café comigo?
  - Hã... Sim. Tudo bem. – falo um tanto sem graça.
  - Eu já descobri porque escolhi vir para a Califórnia e porque decidi fazer medicina. Agora eu gostaria de saber por que me apaixonei por você. O que você acha disso? Vou entender se quiser que eu desapareça da sua vida de uma vez por todas. Eu sei que não te fiz nada bem e provavelmente teria sido melhor para você se eu tivesse morrido naquele acidente. – diz com um pedido de desculpas estampado na cara.
  - Se você repetir isso é que vou pedir que não me procure nunca mais. – respondo ultrajada. – Eu jamais desejaria que você tivesse morrido, . – minha voz indica o quanto a besteira que ele disse me ofendeu.
  - Certo, certo. Me desculpe – ele levanta os braços como quem se rende. – Acho que é o nome que você usa quando está brava comigo, né?
  - Tem certeza de que não recuperou mesmo a memória? – digo e ele ri.
  Pego minha bolsa dentro do carro e ativo novamente o alarme.
  - Como você descobriu onde eu trabalho? – pergunto enquanto andamos em direção a Starbucks mais próxima.
  - Minha mãe me disse.
  E assim se inicia uma conversa que dura as próximas horas.

  Não sei como teria sido nossa história se tivéssemos nos conheço desde o início aqui na Califórnia, quando ambos já fôssemos adultos e ele não tivesse namorada. Mas sei que recomeçar daquele jeito foi perfeito, de uma forma que eu jamais teria calculado, imaginado ou pedido a Deus.

**********

   agora responde por . Está com 42 anos de idade e tem dois filhos com o médico neurologista .
   nunca recuperou a memória.

FIM



Comentários da autora


N/A:“Tem certeza que isso é uma shortfic??” Provavelmente é a pergunta que vocês querem me fazer agora. Sim, eu sei, ficou GIGANTE essa história. Pois é, eu tentei resumir as coisas, mas realmente não deu. Passei a tarde toda passando essa história da minha cabeça para o computador, então espero que vocês tenham gostado pelo menos um pouco (se é que alguém conseguiu chegar até o final). O resultado dessa fic foi passar o domingo vendo Channing Tatum em Para Sempre e tentando ressuscitar tudo o que me lembrava de Anna e o Beijo Francês - livro este que li há tempo demais para conseguir lembrar tantos detalhes e que mesmo 20 dias nas férias não foram suficientes para reler (confesso que acho a história um pouco enfadonha, então a preguiça e a protelação reinaram aqui).
Bom, é isso. Me diverti escrevendo a fic, então obrigada de novo,All Time Fics, por me ajudar a tirar as teias de aranha da minha imaginação e a criar alguma coisa, mesmo que a ideia não seja exatamente minha.
Um beijo para as lindas que leram a fanfic até o fim. Querem garantir o lugarzinho no céu de uma vez por todas? Comentem então também, sim? <3