Lorde Piña Colada

Escrito por Maraíza Santos | Revisado por Duda

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Capítulo Único

  Londres, 2005.

  Eu estava entediada de um nível tão alto que comecei a ler classificados do jornal do dia. Não sabia o que procurava, mas talvez fosse bom achar um emprego para aquele mês de férias.
  Com que finalidade alguém tira férias se vai ficar em casa fazendo absolutamente nada?
  Não sei, mas eu o fiz.
  Depois de ler e marcar um anúncio de babá para três crianças no subúrbio da cidade, encontrei um classificado estranho abaixo:

  Ontem fiz um teatrinho
  Com dois personagens
  E um deles era você
  Você era um chuchuzinho
  E eu um marionete de tevê

  Eu adoro os Beatles
  E você o Mcfly
  Mas isso não importava
  Nada disso é demais

  Mas se caso a história mude
  e eu queria realizar
  mudaria pra um "sim" seu
  após lhe convidar para escapar

  Porém não vou me humilhar
  nem mesmo insistir
  mas por favor vamos
  eu só quero fugir

  Soltei uma risada ao terminar de ler. No final estava assinado como Lorde Piña Colada, uma referência a uma música do Rupert Holmes. Seja lá quem fosse o escritor daquele classificado peculiar, eu me interessei por ele. Apesar de ter certeza que aquele poema tinha endereço certo, imaginei o que mandaria em resposta.
  ㅡ Querida, onde está minha jaqueta?
  Comecei a escrever no papel uma rima capenga imaginando como Lorde ia sentir-se ao ler o classificado. Tentei imaginar como ele era, embora não tivesse informações suficientes para ter uma imagem real.
  ㅡ , eu vi a jaqueta em cima do sofá faz menos de meia hora.
  Ele deveria ser aquele tipo de pessoa que aparentava ser padrão, mas fugia dos estereótipos. Imaginei-o vestir-se como nerd e possuindo uma péssima postura, mas a língua afiada e charme de um jogador de basquete.
  ㅡ É aquela de couro, . A que sempre uso.
  Lorde Piña Colada também seria cheio de piadas inteligentes. Com certeza tinha uma risadinha cética e sussurraria “Sim, querida , sim.”
  ㅡ ? Terra chamando .
  Demorei alguns segundos para voltar a órbita e senti meu rosto esquentar como pimentão quando meu marido começou a estalar os dedos em frente a meu rosto. Pus o jornal atrás de mim rapidamente escondendo a prova do crime.
  ㅡ Você viu a minha jaqueta? ㅡ repetiu ele arrumando os óculos.
  ㅡ Deve estar na cozinha, já olhou lá? ㅡ respondi em seguida. Ele assentiu fazendo com seus cabelos já grandes balançarem. ㅡ Acho que está na lavanderia, pensei que estava suja.
   saiu apressadamente e soltei um suspiro aliviado; e depois, claro, senti a consciência pesar.
  Há um mês eu e completamos dois anos de casados. Encontramo-nos em um dos shows em um bar que ele tocava junto com sua banda e a paixão foi arrebatadora de forma que em seis meses fomos a Las Vegas e nos casamos sóbrios.
  Eu amava e nunca duvidei disso, no entanto nosso casamento se transformou em uma rotina enfadonha. Apaixonei-me pelo pela forma como ele me fazia sentir; com ele o mundo era uma grande aventura, tudo era novo e interessante. Por diversas vezes durante nosso primeiro ano de casamento ele saia de madrugada comigo para cidades vizinhas sem rumo. Uma vez fomos para Brighton à noite e passamos a madrugada sentados no capô do carro olhando para o céu e conversando asneiras.
  Embora ainda tivesse a criatividade de uma adolescente, nós dois amadurecemos demais no último ano. Com a gravação do segundo álbum de forma independente de sua banda e seu trabalho como telemarketing cada vez mais cansativo, passou a ser um homem mais reservado e a deixar o cansaço lhe vencer. Eu, como consequência, também estava atolada de trabalho na empresa de publicidade e tentava conseguir uma promoção que deixaria-nos mais confortáveis para pagar as contas.
  Escutei o barulho da porta do apartamento sendo fechada e soltei um suspiro enquanto olhava para o jornal na minha mão. Não era do meu feitio viajar na maionese daquele jeito, mas sentia uma vontade descomunal de conhecer a pessoa por trás daquele poema.

  Depois de passar a tarde escrevendo e reescrevendo minha resposta, liguei para Perry, minha amiga jornalista, e pedi para que fosse publicado o poema — depois de resistir às minhas perguntas sobre a identidade do Lorde Piña Colada. Ela pareceu desconfiada, mas acatou meu desejo assim que ofereci um pouco mais de dinheiro do que o necessário para publicar minha resposta.
   chegou um pouco antes das sete naquele dia. Eu estava deitada no sofá, enrolada no cobertor e lendo um livro chamado Filhos do Exílio de David Brin. Ele parou na minha frente e apontou para sua mão.
  — Trouxe pizza.
  Enquanto comíamos, ele indagou como foi meu dia e eu fiz o mesmo. era um homem bonito e ficava deslumbrante quando falava sobre suas aspirações e anseios em relação a banda. Por um momento lembrei-me do homem que me apaixonei.
  Nossa noite terminou com ele tocando violão na sala e eu indo me deitar mais cedo. Meu peito doía enquanto pensava que estávamos nos afastando cada vez mais e vivendo como desconhecidos na mesma casa. Compartilhávamos a cama, mas não trocávamos beijos faziam meses. Não lembrava a última vez que usei palavras de carinho para ele, nem quando o vi tocar em mim com mais intimidade.
  A culpa não era só dele, eu confessava. Assim que se distanciou, eu o imitei como se fosse algo saudável de se fazer em um relacionamento.
  Esses pensamentos ainda martelavam minha cabeça quando encontrei meu poema nos classificados do dia seguinte assinado por Lady Maionese.

  Sou espírito livre
  Apaixonada por atuar
  Mas não sei sozinha
  Preciso de alguém para me acompanhar.

  Adoro música
  Seja ela antiga ou atual
  Para mim não muda nada
  A não ser o visual

  Seria ousadia sua perguntar
  E uma honra minha responder
  Se eu o procurar
  Teria alguém para nos deter?

  Passei o dia roendo unhas e tentando pensar se a resposta viria. Será que Lorde Piña Colada leiria? Será que ele ia gostar?
  Mal consegui me concentrar na leitura que naquele dia; diversas vezes tive que reler parágrafos para entender o que aquela ficção científica queria passar para mim.
  Durante a noite apareceu com um dos seus colegas de banda para assistir futebol sem me avisar. Não que não gostasse de receber visitas ou mesmo de seu amigo e vocalista da banda; a questão é que eu gostava de ser avisada sobre essas coisas. apenas me deu um sorriso ladino e disse que havia trazido os lanches, então não era preciso cozinhar nada para eles. Senti-me posta de lado e meu interesse para ver o jogo caiu de zero para menos um.
  Sai para caminhar um pouco tentando pôr os pensamentos em ordem. Andei pelas ruas do meu bairro até um posto de gasolina e comprei um café. A caminhada era longa, logo, antes de chegar em casa, já havia o bebido todo o copo.
  Eu precisava ao menos tentar falar com sobre nosso relacionamento, mas só de imaginar em ter que encará-lo minha barriga fazia um nó. Não entendia como alguém que sempre fora meu maior confidente se tornou um desconhecido por mim.
  Embora estivesse pronta para ter uma D.R. séria assim que cheguei em casa, encontrei sozinho no sofá dormindo. Com um sorriso eu o cobri com um cobertor e beijei sua testa. Disposta ou não a deixá-lo, ele ainda era o homem que eu amava.

  Acordei mais tarde na manhã seguinte. Sozinha, corri até a cozinha e encontrei o jornal em cima da mesa como sempre. Apressada, procurei na secção de classificados a resposta que esperava:

  Se gosta de sushi
  Não tenha medo de vir
  Levarei-a para o lugar
  que você pode chamar de lar

  Tudo que eu preciso é conhecê-la
  Seja você quem for
  Me encontre de meio-dia no O’Malley’s
  e descobrirá a identidade desse autor

  Viveremos
  Na 26 nos encontraremos
  Amaremos
  E fugiremos

  Tinha duas horas para chegar no O’Malley’s e conhecer a identidade de Lorde Piña Colada. Apressada, vesti-me casualmente e fiquei passando os canais da TV impaciente. Passei trinta minutos olhando para o relógio como se ele fosse andar mais rápido pela força da minha mente e, então, deu o horário certo para ir.
  De casa para o restaurante eram dez minutos de carros, porém tive o azar de ir por uma rua parada por causa de um grupo de manifestantes ambientalistas. Em dias normais eu apoiaria a causa e esperaria graciosamente, mas a pressa e a ansiedade não me davam trégua. Gritei e buzinei diversas vezes como se fizesse o trânsito liberar de alguma forma. Havia dado meio-dia em ponto quando finalmente consegui sair daquele barulho e confusão que tinha se instaurado e estava perto de chegar no meu destino.
  Entrei no O’Malley’s ofegante, apesar de ter corrido no máximo cinco metros do carro até a porta, e fui interceptada por uma garota jovem me perguntando se tinha alguma reserva.
  Com um sorriso e o coração martelando, falei:
  — Acho que meu acompanhante já chegou. — pensei um pouco — Ele está na mesa vinte e seis.
  Seu rosto brilhou em reconhecimento e ela assentiu dizendo que me levaria à mesa.
  A caminhada até lá parecia um filme em slow-motion em que tudo que você podia ouvir era o som do pulsar do peito e a respiração do protagonista. Foi então que percebi que ainda usava minha aliança e parei um pouco antes da mesa 26. Deveria eu tirá-la? Eu estava fazendo algo amoral em ir a um encontro com um homem?
  Minha consciência pesou. Provavelmente estava em casa para almoçar tentando saber para onde diabos eu tinha ido. Era certo está ali obcecada por um desconhecido?
  — Senhora?
  — ?

  Olhei para a mesa 26 a dois metros de mim e não contive a surpresa a ver quem era meu misterioso acompanhante. Aquele rosto bem desenhado e a pele de oliva eram reconhecíveis para mim em qualquer lugar.
  Eu conhecia Lorde Piña Colada e era casada com ele.
   olhou para mim perdido, mostrando-se tão confuso quanto eu.
  Sentei-me em sua frente atônita tentando entender aquela situação.

  — Você sabia esse tempo todo? — indaguei.
  Ele negou balançando a cabeça.
  — Não fazia ideia. — sorriu — Não sabia que gostava de atuar. Você sempre pareceu mais complementada a desenhar e ler.
  Dei os ombros olhando para o cardápio em cima da mesa.
  — Você não sabe muitas coisas sobre mim. — Murmurei.
   baixou o olhar e soltou um suspiro cansado. Segurei a sua mão e apertei. Ela era quente e macia; desde que eu o conheci, carregava produto para as mãos no bolso. Nunca entendi sua fixação com isso, mas gostava de sentir seus dedos lisos na minha pele.
  Meu corpo sentia falta do seu toque.
  — , nosso casamento está em uma crise, mas podemos resolver isso juntos. — Falei.
  — Eu não quero perdê-la, . — Disse ele levando minha mão até seus lábios — Vou melhorar, eu juro! Aliás, eu tinha escrito a rima para você, mas não esperava que fosse ler. Quando vi a resposta pensei que fosse outra pessoa. Percebeu que me interessei por você duas vezes? Se isso não é uma mensagem, não sei o que é.
  Ri sentindo a barriga revirar com uma sensação gostosa.
  — Sim, sim. — Hesitei quando olhei para sua mão esquerda e vi a sua aliança.
  De alguma forma aquilo me fez querer abraçá-lo e nunca mais soltar. Mirei meu esposo e meu peito esquentou com a ternura antiga, amadurecida, mas ainda assim intensa.
  Eu o amava.
  — Peça o que quiser, pois hoje quero conhecê-la de novo. — Ele deu seu melhor sorriso que me fazia derreter — Tenho que ir ao trabalho, porém ainda estou disposto a fugir com você.
  — Ótimo, pois vou pedir piña colada hoje.

Fim



Comentários da autora

Nataly, olá! Espero que tenha gostado da sua história. Ela foi escrita com muito carinho e dedicação. Te achei muito fofa e qualquer dia desse quero bater um papo com você! <3 Baseei na música Escape do Rupert Holmes e espero que tenha curtido a ideia.
Quero agradecer também ao mozão, vulgo meu melhor amigo Weslley, que me ajudou a rimar nos poemas. Sou péssima nesse tipo de texto, mas ele é fausTOP com poesias.
Obrigada aos leitores que entraram aqui e deram uma chance a história. Deixe seu comentário, é muito importante para mim! :)
Até mais!