Kiss Me Like It's Christmas

Escrito por Mah Carvalho | Revisado por Mah

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  Morava em Londres há três anos e há três anos não passava o natal em Phoenix com a família. Colocava algumas roupas na mala; digamos que o Natal em família era chato, mas sentia falta daquela chatice familiar. Desde que deixei o que mais amava lá e nunca mais o vi, não tem graça voltar para aquele lugar. Não sabia mais de seu paradeiro, nunca mais nos falamos, mas ele tinha uma banda, que certamente faria sucesso, pois era muito boa. Coloquei meus casacos, que já estava acostumada a usar, botas, meias e mais blusas. Digamos que Arizona era calor no verão, e muito frio algumas noites, no inverno.

  Home, sweet home. Pisei em Phoenix e logo vi meu primo (quase irmão) me esperando no saguão.
  — Tá cada dia mais branca. Volta pra Phoenix no verão pra pegar uma cor. — Ele falou me abraçando.
  — Sangue britânico, meu amor. Daqui a pouco vão falar que nasci lá. — Falei e ele pegou minhas malas. Fomos conversando sobre o que aconteceu durante o ano que passei fora.
  — This Century chegou agora pouco. — Ele falou.
  — O que é This Century? — Perguntei.
  — Nada. Você verá. — Ele falou e não liguei.
  Chegamos em casa e a festa começou cedo por causa da minha chegada. Isso que fazia apenas um ano que tínhamos nos visto. Mas confesso que senti saudades da família. Tudo pra eles era motivo de festa, o que me deixou feliz. Depois de falar com todo mundo, contar como tinha passado aquele ano e ouvir as fofocas da cidade, fui tomar um belo banho. Peguei uma roupa qualquer para colocar depois. Nada melhor que um banho, na sua verdadeira casa, na sua cidade, no seu país. Me troquei e saí para andar um pouco pela cidade. Não nevava e nem fazia muito frio. Peguei as chaves de casa e saí, sozinha. Olhando todas as casas que eu conhecia tão bem. Tudo estava como quando tinha ido embora. Parei na frente de uma casa que eu bem conhecia. A casa que eu mais entrava, depois da minha. A casa dele. Tinham luzes acesas, mas provavelmente ele não morava mais lá. Depois de um tempo voltei a andar, pois alguém percebeu minha presença e ficou me olhando pela janela. Ok, fiquei um pouco assustada e acabei saindo andando. Fui até o centro, comi o brownie que eu amava, vi alguns amigos e pessoas conhecidas, conversei com algumas delas, balancei no balanço que brincava quando pequena e vi uma pequena aglomeração em volta de um rapaz.
  Não dei muita atenção. Alguma bandinha que tocava na escola da cidade. Me lembro bem da fama que elas tinham. Naquela época, namorava o vocalista de uma banda. Digamos que uma das causas de eu ter ido embora foi ele. E meu trabalho. E minha faculdade. Sou jornalista e escritora. Fui embora porque descobri que ele tava me traindo com uma loira peituda que era a vadia da escola, e eu a odiava na época. Hoje ela trabalha comigo na redação do Daily Mail em Londres e mora comigo. Sim, somos melhores amigas e ela está quase se casando. Se ferrou, Joel. Ele era o amor da vida da maioria das meninas da escola onde estudávamos. Todas morriam de amores por ele e nós duas fomos as escolhidas para viver uma noite com Joel Kanitz. Eu tive mais sorte, fui mais que uma noite. Foram dois anos. A outra foram alguns meses. Os meses em que me preparava para me mudar e já não dava mais atenção para ele, porque estava ocupada com a viagem. Voltando à rodinha de pessoas, no centro dela estava um menino loiro, que eu parecia conhecer, mas não lembrava de onde. Só me lembrava alguém familiar. Muito familiar.
  Decidi voltar pra casa. Pendurei meu casaco próximo da porta e subi pro meu antigo quarto. Coloquei meu iPod no amplificador e liguei no shuffle, tocando uma música qualquer baixinho. Liguei o aquecedor e joguei toda minha roupa em cima da cama, começando a arrumar tudo, terminando a arrumação umas quatro e meia da manhã. Coloquei meu pijama e deitei na cama. Comecei a me lembrar de quando morava aqui. Da escola, dos amigos. De Joel. De quando descobri que ele me traía com a menina dias antes de ir embora. Não dava mais a atenção que ele achava que merecia por causa da viagem e fui trocada. Me lembrei da nossa briga, que antecedeu meu embarque para Londres. Dele correndo e gritando meu nome no saguão enquanto eu ia para a sala de embarque. Me lembro de ter chorado o voo inteiro e mais alguns dias depois de chegar lá. Comecei minha faculdade de jornalismo e achei um lugar pra ficar, e algum tempo depois consegui meu tão sonhado estágio. Não era pra qualquer um entrar no Daily Mail enquanto cursava os primeiros anos de faculdade. E enquanto pensava em tudo isso, acabei adormecendo. Acordei só no dia 23 ao meio dia.
  — Bom dia, Bela Adormecida — meu primo, Bryan, falou enquanto jogava vídeo game. Ele vivia mais com a minha mãe do que na sua casa, já que era órfão e minha mãe o pegou pra criar. Hoje mora sozinho, mas vive mais em casa do que na sua casa, como já falei.
  — Bom dia, maninho. Acordou cedo pra me encher? — Falei da cozinha. Ele mandou o dedo do meio e me sentei no sofá com algumas torradas e leite; depois disso passamos o dia jogando vídeo game, até minha mãe aparecer com a primeira parte das coisas que fariam parte da ceia de natal. Ela me mandou montar a árvore.
  Aí você se pergunta: mas por que ela ainda não foi montada? Seguinte, minha mãe tem uma preguiça que não sei de onde vem pra montar a árvore, e essa é a parte que eu mais amo do natal. Montar a árvore de natal. Fui até o porão com Bryan e ele me ajudou a levar as coisas pra sala. Comecei a operação montagem da árvore e terminei uma hora depois, me gabando do meu belo trabalho. Depois de montá-la, fui ajudar minha mãe com algumas coisas na cozinha e quando vi já era meia noite. Fui me deitar porque o dia 24 seria agitado.
  Acordei cedo e saí com minha mãe em busca dos últimos presentes e o que faltava pra ceia. Chegamos em casa, almoçamos e começamos a fazer a ceia, terminando quase sete da noite. Fui me arrumar e acabei escolhendo um vestido vermelho, meia calça fio quarenta preta, e um par de Louboutins, que eu tinha me dado ao luxo de comprar depois de quase três meses de salário guardado. Trabalhei muito para tê-los. Eram meus xodós. Fiz uma maquiagem leve e deixei meus cabelos soltos.
  Desci já eram oito e meia, vendo que a casa já estava cheia de pessoas. Familiares que eu pensei que já tinham partido dessa para melhor, pessoas que eu não gostava, tias que perguntavam se eu já tinha me casado com algum milionário britânico, primos correndo pra lá e pra cá, pessoas que eu até gostava e pessoas que eu nem sabia que faziam parte da família. Depois de toda essa babação de ovo fui pra cozinha (de novo) ajudar minha mãe com a finalização da ceia. Não costumávamos esperar até meia noite para comer. Minha família era do contra. Dez e meia já tava todo mundo comendo. Não que meia noite não fossemos comer de novo, mas todos estavam famintos. Algum tempo depois estávamos na sala para a troca dos presentes e foi nessa hora que eu senti um grande, imenso aperto no coração.
  Exatamente há cinco anos, Joel me mandava uma mensagem, pedindo para eu sair no jardim; ele queria falar comigo. Aquela data dói; foi a data do nosso primeiro beijo e do presente que ele me deu. Uma corrente que ele usava e que eu até hoje uso. Virou uma parte de mim. Lembro-me até hoje do frio na barriga, as mãos suando, por mais que estivesse nevando. As famosas borboletas no estômago e foi nesse momento que meu celular realmente começou a tocar. Era uma mensagem. Olhei no relógio, 23h45. Me lembro bem daquela hora.
  “Muito tarde pra você vir aqui no jardim da sua casa? X”
  Estava sentada próxima à janela e olhei através da cortina. Um rapaz alto, de touca e casacos, congelando do lado de fora, na neve. Tomei um susto, mas me levantei, meio receosa. Peguei meu casaco, que estava na porta, e minha mãe me chamou.
  — Aonde você vai? Daqui a pouco chega a sua vez. — Ela falou.
  — Lembra de cinco anos atrás? — Eu perguntei e peguei no cordão.
  — Pode ir. — Ela falou com um sorriso.
  — Não tenho certeza, mas acho que é ele. — Eu falei. Ela me abraçou e eu abri a porta, recebendo um jato de ar frio e neve. Fechei o casaco e tomei cuidado para não cair, já que estava de salto e o chão estava liso, devido ao acúmulo de neve. — O que quer? — Perguntei.
  — Pode pelo menos abaixar suas armas e me ouvir? — Ele perguntou. — Eu não vim até aqui pra congelar e voltar pra casa sem uma resposta.
  — Desculpa. — Ele sabia que aquilo era apenas um jogo meu; não queria mostrar, mas sentia sua falta e ele sabia disso.
  — Há três anos venho tentando entender o porquê do fim. Por que Londres? Por que terminar tudo? Por quê? — Ele perguntou e eu me segurei para não deixar as primeiras lágrimas caírem. A conversa nem tinha começado, mas eu já estava assim. Queria não responder nada e apenas abraçá-lo.
  — Não tinha escolha. Você me traiu e eu já tinha meus planos. Não podia voltar atrás. — Falei.
  — Todos os dias quando vou pegar minha carteira, olho sua foto e me pergunto como você está. Se casou, se mudou de Londres. Se me esqueceu. — Ele falou secando uma lágrima que caiu. — Vejo que ainda usa o cordão. — Ele falou, apontando pro cordão no meu pescoço.
  — É a minha forma de não te esquecer. Como se fosse possível. — Falei. Ficamos um tempo sem nos falar, não nos importando com o frio.
  Não aguentei muito tempo e o abracei, sentindo falta de tudo aquilo. Enquanto estávamos abraçados, ele cantou o que pareceu o refrão de alguma música.
  — Kiss me like it's Christmas, hold it til we're breathless, 3000 miles shouldn't ever bring us down, so kiss me like it's Christmas, ‘cuz I don't wanna miss us, ‘cuz when you're here everything turns around. — Ele cantou e me afastei, olhando em seus olhos. Os mesmos olhos que me faziam sonhar todas as noites. E o beijei. O beijei como se fosse natal. Até ficarmos sem fôlego, até esquecermos tudo o que tinha acontecido e a distância de Phoenix até Londres.
  — Então você é o cara que tava na praça anteontem e tem uma banda. E ela se chama This Century? — Eu perguntei, lembrando do que Bryan tinha me falado. Eu tinha me esquecido o nome da banda. Detalhes.
  — Sim, sou eu. — Ele falou meio tímido. — Me fala que recebeu a carta.
  — Não. — Eu falei e ele fez uma careta.
  — Essa carta era uma música que tinha esse refrão. — Ele falou. — Eu queria voltar naquele natal e te beijar, como nos beijamos naquele natal.
  — Como conseguiu meu celular? — Perguntei.
  — Tenho minhas fontes. — Ele falou e piscou.
  — Eu te amo, Joel. — Falei lhe abraçando.
  — Eu te amo, . — Ele falou e me senti feliz.
  Olhei pra casa e minha mãe olhava pela janela. Ela tinha um sorriso no rosto. Olhei para Bryan, que acenou com cabeça e piscou. Ok, ele tava por trás de tudo isso. O abracei ali mesmo, no meio da neve. O sino da igreja tocou doze badaladas. Joel me beijou de novo.
  — Feliz natal. — Ele falou colocando um anel em meu dedo. Me senti como naquele natal, há cinco anos atrás.



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