Just In Time

Escrita porNatashia Kitamura
Revisada por Natashia Kitamura

1

Tempo estimado de leitura: 7 minutos

Eu podia ouvir o som das gotas caindo da torneira mal fechada há vários metros do meu quarto. Parecia alto o suficiente para manter meus olhos abertos, piscando a cada vez que a solução tocava o metal da pia. Já não era a primeira e nem a centésima vez que eu perdia o sono naquele mês. Frascos laranjas vazios de Neozine jaziam em meu criado mudo. %Jay% havia dito que ele era mais forte do que qualquer outro remédio para dormir, apesar de estar relacionado a disturbios psicológicos. Eu poderia muito bem culpar um pouco de seu psicológico. Eram o que as pessoas faziam, afinal, culpavam seus sentimentos, culpavam o outro.
0
Comente!x

  Mas eu sabia que a culpa era minha. Sempre fora.
0
Comente!x

  Eu nunca fui a pessoa mais sociável e sorridente do mundo, ou alguém que poderia um dia conquistar alguma pessoa. Mas eu conquistei. Conquistei a garota mais adorável e linda que alguém irá conhecer na vida. Pode-se dizer que qualquer um sentiria o poder de seu sorriso assim que ele se abrisse. Seus olhos doces e sua voz aveludada, parece até que Ele a criou para trazer a paz. Pois paz era o que sentia quando ela estava por perto. Quando eu sabia que ela viria até mim. Dentre todas as míseras coisas boas que realizei em toda minha vida até agora, fazê-la sorrir ainda estava no topo. Soa clichê, mas isso é tudo o que tenho de clichê em minha vida.
0
Comente!x

  Aprendi a sorrir quando deveria, aprendi a me entrosar nos lugares que nunca visitaria se não fosse por ela. Não posso dizer que aprendi tudo em vão. Este tudo está cuidadosamente guardado em uma caixa lá no fundo do meu coração. Junto com todos os bons momentos que passei com ela durante os quatro anos que permanecemos juntos. Junto com suas palavras, seus sorrisos, seu amor. Meu amor. Tentei ser o que eu não seria nunca. E o que eu aprendi foi que na verdade, eu sempre fora um fracassado. Aquele momento fora apenas uma felicidade passageira que Ele enviou para que eu não reclamasse de uma vida injusta.
0
Comente!x

  Mas quem sou eu para julgar minha própria vida? Dizem que só se pode julgar quando é conhecido do assunto. Mal me conheço.
0
Comente!x

  O teto descascando parecia como um quebra-cabeças já montado. Eu já havia decorado cada rachadura e manchas que ali jaziam. Sabia onde ocorria os vazamentos, por onde as formigas faziam seu caminho no verão. Sabia a hora que o caminhão de lixo passava de madrugada e a hora que o jornal era jogado em minha porta pelo garoto com sua motocicleta.
0
Comente!x

  Todas as noites me recordava da maneira que ela terminou tudo. Da maneira digna de dizer que fora realmente ela quem terminara comigo.
0
Comente!x

  Fora há quatro meses e quatorze dias atrás...
0
Comente!x

  - Podemos conversar? - ouvira sua voz ansiosa atrás de mim. Estava jogado em nosso sofá. Dividíamos o apartamento fazia mais de um ano e meio, podíamos chamar aquele lugar de lar. Lembro-me de ter estranhado aquele tom de voz ser usado para com minha pessoa. Rapidamente abaixei o volume da televisão e olhei para trás. Eu sabia que havia algo errado desde o momento em que a vi ali encolhida, seus dedos brincando ou guerreando com o outro. Me endireitei lhe dando toda minha atenção, o que a fez hesitar.
0
Comente!x

  Milhares de coisas passavam por minha mente. Milhares de erros provavelmente cometidos, mas nenhum tão grave a ponto dela usar aquele tom comigo.
0
Comente!x

  - Eu... - meus globos oculares se mexeram, mostrando que eu estava de volta em órbita. Eu não conhecia aqueles movimentos, aquelas posições dela. Durante todos os quatro anos que convivemos juntos eu sabia, sabia de tudo dela. Todos os seus sorrisos e as ocasiões que ela o usava. Os verdadeiros, os falsos. Eu havia estudado seu corpo e movimentos. Mas pela primeira vez eu a vira encolhida daquele jeito, como se tivesse medo de mim. Como se tivesse medo que eu fizesse algum mal à ela.
0
Comente!x

  Mal à ela. Eu faria tudo, menos isso. E não estou sendo metafórico.
0
Comente!x

  - O que você faria se... encontrasse alguém... - ela dizia num impasse. Sua hesitação atrapalhava seu raciocínio, e sem pensar, ela havia me contado que conhecera uma outra pessoa. Um outro homem. Alguém com um futuro promissor, talvez não tanto quanto o meu, afinal, eu já estou com uma carreira feita. Mas eu sabia, sabia pelos olhos dela, que ele era melhor que eu. Ele era mais que eu. Era o que ela merecia.
0
Comente!x

  Me limitei a ficar calado. Eu não era e continuo não sendo o tipo de pessoa que não quer ouvir a verdade por ela ser dolorida. Eu queria ouvir para voltar à minha realidade.
0
Comente!x

  Ouvi cada palavra, cada letra de que formaram a frase que eu não me esqueço até o dia de hoje. A frase que descrevia aquele que a conquistou. Que a tirou de mim. Que a está fazendo feliz. Ouvi ela dizer que queria tentar. E em nenhum momento ela disse que me amava. E continuei esperando pela frase que nunca veio.
0
Comente!x

  Abro meus olhos ao perceber que os mantinha fechados. Já estava claro. A luz sendo ofuscada pelas cortinas brancas que %Bridget% adorava. Aquelas que mesmo com uma fraca brisa, dançava como se fosse um vendaval. Que era transparente para não deixar o quarto na escuridão. O quarto nunca estaria na escuridão, pois lá havia uma lâmpada e energia para ligá-la e desligá-la. A única coisa realmente escura ali era eu. Minha energia fora passada para uma outra casa. Uma casa que na verdade, já omitia luz própria.
0
Comente!x

  Sento-me e passo as mãos pelo rosto. Espero meus olhos se acostumarem com a claridade e faço minha higiene matinal. Tinha o dia livre. A semana, para dizer a verdade. O temporal no sul do país nos fez voltar para casa e aproveitar o período de shows cancelados. Era o quarto dia e nada demais acontecera.
0
Comente!x

  - Oh you, oh you left just in time... - toco alguns acordes de Just In Time no violão. Qualquer um podia cantar aquela música. Afinal, ela foi criada para este fim. Era uma música para todos e qualquer um. Todos e qualquer um cantar.
0
Comente!x

  Olho para nossa foto em minha cabeceira. %Maika% dizia ser loucura eu ainda ter aquilo em meu quarto. Mas ele não sabia que aquilo era tudo o que me restara de um indício de que um dia eu senti tudo o que senti por ela e fui retribuído. Diversas vezes ele e %Christian% com a ajuda de %Jay% me diziam que eu tinha de sair daquela. Tinha que parar de me iludir achando que um dia ela iria voltar.
0
Comente!x

  Mas ela voltaria. Porque se não fosse para ela voltar, ela não teria vindo pela primeira vez. Só há retorno algo que uma vez se fora. E apenas é caso perdido aquilo que é causado pela morte.
0
Comente!x

0 0 votos
Classificação do artigo
Inscrever-se
Notificar de
guest
0 Comentários
mais antigos
mais recentes Mais votado
Feedbacks embutidos
Ver todos os comentários
Todos os comentários (0)
×

Comentários

Você não pode copiar o conteúdo desta página

0
Adoraria saber sua opinião, comente.x