Jogo de Aparências
Escrito por Caterina Pesce | Revisado por Virginia
Capítulo único
Era um dia como outro qualquer, o barulho do lado de fora do apartamento me obrigava a acordar. Manhattan nem sempre é um bom lugar pra se viver, isso eu te garanto. Sentei na cama e fechei os olhos, tentando achar uma forma de meditação que me fizesse parar de ouvir toda a gritaria diária da cidade. Sem resultado, optei por tomar um banho de banheira.
Só de entrar no banheiro me sentia mal, olhando para o espelho e pensando “é por isso que nenhum homem me quer”. Maldito lugar, malditos pensamentos... Pior ainda é dividir o apartamento com uma modelo francesa e outra australiana. Todos os homens que passam por nós transbordam luxúria só de olhar para elas, e eu sou apenas um enfeite no cenário.
Tenho 23 anos, sou designer gráfica e vim pra Nova Iorque depois de uma oferta de emprego de uma agência de Marketing me contratar. Já estive em Nova Iorque antes, mas morar aqui é diferente. As pessoas se comportam diferente, os olhares, a correria... É tudo uma enorme mistura de sentimentos que me fazem sentir deslocada. “Capital da Moda” uma ova! As pessoas são completamente superficiais, pensam que usam as roupas, mas na verdade as roupas que estão lhe usando, viram meros acessórios.
Talvez, eu esteja com ciúmes de todos os olhares nas minhas colegas de quarto e não em mim, mas isso só me deixa pior. Todo esse pensamento, toda essa fragilidade, nada disso é saudável. Levanto da banheira e vou me arrumar para o trabalho. Antes mesmo de poder colocar a roupa me olho no espelho e penso “o que tem de feio em pesar 76 kg?”. Fico presa nesse pensamento até chegar num café ali perto. Peço meu latte e um croissant, na tentativa de me animar um pouco, mas o lugar está cheio e não tenho onde sentar.
- Eu não estou esperando ninguém, pode se sentar aqui, se quiser, senhorita. – disse uma jovem entre os 25-30 anos, cheia de tatuagens e piercings – Não vou te sequestrar ou nada do tipo.
- Não pensei que iria, desculpe se passei essa impressão. Estou tendo um dia ruim.
- Mas já? O dia mal começou... Meu nome é Lindsay, mas todos me chamam de Pringles. Apelido de infância.
- Melissa.
Foi quando eu percebi os olhares sobre a nossa mesa. Claro, também não conhecia a Pringles – estranho falar esse apelido – o suficiente, mas ela não parecia ser nada do que aparentava. Comecei a me sentir mal, aqueles olhares julgando-a por ter uma aparência diferente dos outros era ainda pior do que eu mesma me julgando assim que acordei.
- Eu já nem ligo mais. Pros olhares, quero dizer. As pessoas acham que eu sou de um jeito, mas na verdade, sou mais sensível que todos aqui juntos.
- Eu entendo. Às vezes, também recebo uns olhares meio tortos, mas não podemos fazer com que não olhem, certo?
- Infelizmente, não. Bom, eu tenho que ir trabalhar. Apesar do que pareço, sou professora de artes naquele centro logo ali atrás. É um ótimo lugar pra ficar, as crianças gostam da minha aparência, tentam criar mais tatuagens para eu fazer. Foi um prazer te conhecer, Melissa.
- Igualmente, Pringles.
Aquilo tudo só me deixou com ainda mais raiva. Ela parecia ser uma pessoa muito boa e só o que ganhava era olhares de medo e pessoas atravessando para não passarem por ela no mesmo lado da rua. A que ponto chegou à sociedade, julgando todos, baseado em algo tão superficial? E qual o problema se você não consegue ver minhas costelas ou o osso do meu quadril?
Todos continuavam olhando para mim, até que eu ouvi um comentário “Ela devia estar comprando drogas daquela mulher”. Foi à gota d’água.
- Desculpe, mas eu ouvi direito? Você realmente disse que acha que eu estava comprando drogas daquela mulher só pela aparência dela? Todo mundo aqui, parem e me ouçam! – gritei para todos no café ouvirem – Eu estou cansada disso. Você tem um par de olhos por um motivo, e não é pra julgar as pessoas. Você pode ver a pessoa mais bonita da face da terra, ainda assim, ela pode não prestar. Só porque uma pessoa pinta o cabelo, bota piercings, faz uma tatuagem ou só porque é gordinha ou gorda, não quer dizer que você seja superior a ela! Se quer continuar sendo ignorante a ponto de se preocupar mais com como uma pessoa se veste a como ela se comporta e pensa, tudo bem. Mas não venha falar besteiras sobre mim na minha frente.
Algumas pessoas estavam chocadas, outras aplaudiam. Saí dali e fui trabalhar. Nunca havia me sentido tão bem em toda a minha vida. Percebi que eu não vivo olhando rótulos, em todos os sentidos da palavra, nem ao menos me preocupando contando cada caloria do que como, e por isso eu vivo. Vivo cada momento com a preocupação de ser feliz e saudável. Gastar meus dias olhando no espelho frustrada porque não pareço com minhas colegas de quarto? Não, obrigada. Elas são felizes no mundinho delas, mas sempre dizem que falta alguma coisa. Eu digo que é chocolate, mas tem outras possibilidades.
Quando sentei na minha cadeira no trabalho, vi um bilhete em cima do teclado do computador dizendo “Você está ainda mais bonita hoje”. Lembrei-me de quando acordei me sentindo um lixo. Às vezes, pensamos que somos uns monstros, que ninguém nos acha bonita ou nos aprecia, mas alguém em algum lugar desse escritório pensa o contrário. Aquilo me fez sorrir ainda mais.
Manhattan, a cidade mais superficial do mundo, a capital da cultura de controle aparente, hoje está mais calma. Um sorriso no rosto e um sentimento de liberdade, tudo o que achei que não fosse conseguir aqui. É fácil olhar no espelho e ver tudo o que não lhe agrada, mas o difícil mesmo é entender que quanto mais se importar com os defeitos, maior e mais forte o muro entre você e a vida fica. Eu derrubei esse muro, pelo menos por hoje, e posso sentir que cada vez mais o espelho fica menos importante.
FIM...