Ira

Escrito por Nyah | Revisado por Jubs

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Capítulo 1

III. Wrath; people who fly into a rage always make a bad landing.

  O uísque barato descia amargo em sua garganta, o álcool queimava e desmanchava o nó da mágoa em forma de grossas lágrimas salgadas que escorriam insistentes de seus olhos cansados. Olhou em volta, estava sozinho naquele apartamento úmido e acabado de um cômodo só, na pia louça acumulada, em uma cadeira velha roupas sujas empilhadas, dos poucos móveis a desgastada cama de solteiro o observava amarga, quase podia ouvi-la rangendo: Culpado! E de fato era como se sentia, culpado.
  Son Hyunwoo sentia o peso da dor e da solidão, em toda a sua vida sempre foram ele e o pai, seu destemido e paciente “pai de alma”, quem o acolheu quando o resto do mundo virou as costas para o garotinho órfão aos nove anos, quem o educou quando toda a sociedade só queria que desaparecesse do sistema, quem estava lá e comemorou cada pequena e insignificante vitória. Viveram juntos pelos últimos 15 anos, sendo o suporte um do outro, mantendo na linha um ao outro, sendo a alegria um do outro pois apesar de todas as dificuldades foram felizes.
  O senhor Son foi um conhecido mestre de Taekwondo e repassou todo seu conhecimento para o filho adotivo, e embora fossem um dojo pequeno eram muito populares por seu estilo mais tradicional, de modo que conseguiram pagar suas contas e viver bem por muitos anos. Hyunwoo deveria ter entrado para a equipe nacional mas nem tudo na vida são flores. Aos 50 anos o senhor Son foi diagnosticado com câncer de próstata, o tratamento quimioterápico o impossibilitou de continuar instruindo no dojo e Hyunwoo, na época com 21 anos, precisou assumir todas as turmas e abandonar sua bolsa na faculdade e a possibilidade de se tornar um atleta olímpico.
  Com o tempo as dividas com o hospital tornaram-se uma bola de neve, sempre eram necessários mais e mais gastos com o tratamento, e pai e filho não conseguiam administrar bem o dinheiro que entrava e saía, aos poucos se desfizeram de todos os seus bens para poder arcar com todos os custos. Primeiro foi o carro, foi fácil; depois algumas joias que o senhor Son possuía de herança de sua mãe, doeu um pouco por que eram preciosas lembranças; em seguida foi a vez da casa, alugaram um lugar pequeno onde o filho dormia no chão e o pai pouco confortável em uma cama estreita, isso foi humilhante, mas aguentaram bem; o pior e mais difícil de tudo foi vender o espaço onde ficava o dojo, onde estava tudo o que representava a ambos, sua identidade, tudo o que os definia como homens úteis para este mundo.
  A juventude de Hyunwoo era consumida no trabalho, passava um turno em uma pequena escola de artes marciais tão genérica como qualquer outra, e outro numa empresa de instalações elétricas, além de bicos como segurança vez ou outra. Tudo para que pudesse para salvar a vida do pai. Era difícil, mas era jovem, forte e determinado o suficiente para suportar qualquer coisa. Até que um dia seu pai piorou, precisava mudar o tratamento e passar mais tempo no hospital e isso custaria muito mais caro, um dinheiro que Hyunwoo não sabia de onde tirar. Foi a primeira vez que se desesperou, era um jovem de 24 anos sozinho, desamparado e precisava salvar o pai. Foi quando recebeu uma proposta indecorosa e naquela noite chuvosa enquanto era julgado pelos parcos móveis de sua miserável moradia ele se arrependia profundamente por tê-la aceitado.
  Álcool, arrependimento e muita raiva circulavam em sua corrente sanguínea ocupando parte do volume das hemácias que deveria estar preenchido por oxigênio, estava tonto e cego, irracional, não estranhou quando escutou a doce voz fazendo a segunda pior proposta de sua vida que ele aceitou sem hesitação. Não havia o que ponderar, apenas vendeu sua alma a troco de uma pequena vingança. O demônio que o encarava e sorria era belo, se materializou lentamente e o beijou, um beijo sensual e indecente, infernal.
  Son Hyunwoo sentiu seu corpo ser tomado pela ira, sentiu o poder em suas entranhas sendo consumido pelo fogo do inferno em que havia se metido. Sentiu ódio. Em sua mente raiva, vingança, poder, sangue, morte. Naquela noite chuvosa alguém iria morrer.

Capítulo 2

  Son Hyunwoo era um homem bom, nunca havia se envolvido com nada ilícito, bebia pouco e em raras ocasiões, antes porque era um atleta, agora porque era responsável pela vida de seu pai, nunca havia usado drogas, nunca havia traído nenhuma das poucas namoradas que teve e nunca fez amizades com pessoas ruins, mas sabia muito bem como o mundo funcionava, era bom não idiota. Em seus bicos de segurança em várias boates pode observar como o tráfico de entorpecentes funcionava naquela cidade, não precisava ser nenhum investigador para saber. O país era dominado pelo Sol Negro, uma organização mafiosa que tal qual um polvo possuía braços em vários setores do crime, o narcotráfico era controlado pelo X-Clan, era possível conhecer até seus membros mais proeminentes, pois eles viviam em baladas, boates e bares promovendo seus “negócios”.
  No dia em que foi notificado pelo hospital sobre os novos valores do tratamento do pai Hyunwoo estava como segurança na “Fantasia”, uma das mais famosas boates da cidade, lotada de jovens bêbados e drogados, e ele não estava com a menor paciência para nenhum deles, quando uma garota reclamou de um assediador não pesou duas vezes ao arrastar o idiota para os fundos do estabelecimento e descontar nele toda sua raiva, só parou quando seu colega o segurou.
  - Ei cara, tá maluco, se esse filho da puta te denuncia a gente tá fodido!
  Shin Hoseok era mais baixo e entroncado, forte o suficiente para meter medo em qualquer um, mas era seu senso de responsabilidade e seu olhar sincero que o tornavam tão respeitável, era o mais próximo que tinha de um amigo, e foi por isso que Hyunwoo parou e verificou o estado do rapaz jogado na sarjeta ao lado da lixeira onde era seu lugar, o desgraçado estava tão drogado que nem parecia sentir dor. Foi quando Hoseok xingou que Hyunwoo notou que estava sendo observado.
  Era um homem jovem de olhos ferinos e cabelos vermelhos, devia ter mais ou menos a sua mesma idade, talvez menos, usava roupas largas e escuras e um coturno grosseiro, na mão esquerda a tatuagem de um pequeno sol negro sobre um X entregava a quem pertencia, era um dos filhos do Sol Negro, fazia parte do X-Clan. Ele sorria maldoso e era até engraçado como suas bochechas redondas possuíam covinhas adoráveis contrastando com a aura assustadora que emanava enquanto soltava lentamente a fumaça do cigarro que tragava.
  - Não se preocupem, vaso ruim não quebra, esse aí em dois tempo levanta e vai embora, eu sei do potencial do bagulhos que eu vendo.
  A voz era grossa e o tom zombeteiro, jogou a bituca do cigarro no chão e o apagou com a ponta do coturno pesado, passou pelos dois seguranças e antes de entrar na boate deu um sorriso presunçoso em direção a Hyunwoo, naquela momento, mesmo que Hoseok não tivesse falado, sabia que estava muito ferrado.
  No fim do turno às cinco da manhã Hoseok estava esgotado por ter passado a noite toda segurando o amigo para não fazer besteira, odiava servir de babá para um marmanjo daquele tamanho, sem brincadeira ele tinha 1,85 m devia no mínimo ter juízo, sentaram no bar e pediram a Hani um último drink enquanto a barista fechava as contas, quando estava prestes a questionar o que diabos estava acontecendo com ele, o mesmo homem com a tatuagem do sol negro apareceu e o chamou para conversar.
  - Não vai, você sabe que é furada, sabe que tipo de gente ele é não sabe? - Hoseok tentou argumentar mas foi deixado para trás ao lado da barista, ambos perplexos.
  Talvez devesse ter ouvido o amigo, se Hyunwoo pudesse dizer o momento em que tudo começou a dar errado podia apontar a maldita hora em que entrou na porcaria do carro de luxo daquele homem e sentou a seu lado no banco carona, não pode deixar de notar era a porra de um impressionante jaguar azul, sentiu uma ponta de inveja, jamais seria capaz de ter um carro daqueles, mas ele nem queria ter um carro daqueles, só queria salvar a vida do pai.
  - Você bate bem - Foi a primeira coisa que o homem disse - Me chamo Jooheon, e acho que tenho um trabalho pra você Hyunwoo.
  Era simples, o trabalho pagava bem, muito bem para falar a verdade, e ele até poderia ter um contrato caso se saísse bem no primeiro mês; a máfia era um lugar com hierarquias bem definidas e uma lógica empresarial muito bem panejada, nada de balbúrdia e desordem; só precisava bater, simples assim, bater, intimidar e ameaçar todas as pessoas que Jooheon quisesse, sem questionar nada.
  - Eu preciso de muita grana o mais rápido possível, tem algum trabalho assim?
  Hyunwoo sabia que estava sendo ambicioso mas estava desesperado, mais do que seu senso de moral podia julgar, o outro homem então riu. Sim, ele tinha um outra proposta sim. E sim, Hyunwoo aceitou como o bom miserável que estava se tornando.

Capítulo 3

  Pegar a mala no aeroporto de Kuala Lumpur, Malásia.
  Embarcar no avião.
  Trocar a mala em Seoul.
  Não era um trabalho complexo devia admitir, mas era muito arriscado. A política anti narcóticos do país era uma das melhores do mundo, a segurança do aeroporto e os policiais eram todos muito bem preparados, mas era justamente por ser perigoso que pagava bem, não é mesmo? Jooheon era um dos comandante do X-Clan e havia garantido que a droga estaria bem escondida, Hyunwoo só precisava carregá-la de um país para outro, e ele era perfeito para isso porque segundo o traficante tinha cara de “o vizinho do lado de casa”, não seria notado, mesmo com seu porte físico avantajado passaria despercebido no meio de tantas outras pessoas.
  Hyunwoo visitou o pai na UTI numa sexta-feira e garantiu ao hospital manter o pagamento em dia e que deviam começar com o melhor tratamento possível, avisou que estaria fora durante o final de semana por isso pediu para ser avisado sobre qualquer mudança no quadro do pai, o velho Son estava mal pela demora no início da nova terapia. Naquele dia se despediu normalmente porém em casa quando quando arrumava a pouca bagagem em uma mochila sentiu um aperto no peito, talvez devesse ter ficado um pouco mais com o pai, talvez estivesse com medo do que poderia acontecer, já havia recebido metade da grana mas se fosse pego não pegaria mais nada e o pai ficaria sozinho e sem tratamento e seria mandado para casa e morreria sofrendo sozinho e sem amparo, o rapaz sacode a cabeça para espantar o sentimento, precisava manter o foco, precisava fazer com que tudo desse certo.
  Na madrugada de sábado quando embarcou no avião fingiu, tentando enganar mais a si mesmo que a qualquer um, tratar-se somente de uma viagem para aproveitar o fim de semana em um dos lugares mais bonitos do mundo, um turista jovem aproveitando a vida. Era simplesmente errado que sequer tentasse “aproveitar” a vida, não era?
  Ficou hospedado em um hotel barato, foi tudo o que os subordinados de Jooheon ofereceram e Hyunwoo realmente não se importava, dormiria apenas uma noite ali e já estava acostumado a dormir no chão duro, aquele lugar barato era até mais confortável que seu próprio apartamento.
  A capital da Malásia era deslumbrante, e para evitar que o medo e a tensão inundassem de vez seu coração, decidiu se manter no personagem e aproveitar o que pudesse daquela viagem. Visitou o Museu Têxtil, a Merdeka Square e a noite explorou a região do Bukit Bintang , onde pela primeira vez em muito tempo flertou e se deixou ser seduzido, acabou passando a noite com outra turista longe de seu próprio quarto e não pode reclamar de nada, nem notou quando recebeu uma importante chamada de Seoul no celular descartável que o X-Clan havia fornecido, perdeu todas as chamadas realizadas, talvez aquele foi o segundo momento em que tudo começou a desandar.
  Seu voo de volta estava marcado para o domingo às 15hs, descartou o celular ainda em Kuala Lumpur antes de chegar ao aeroporto, fez o checkin cedo, pegou a mala como combinado e embarcou. Estava com muito medo, e embora tentasse não demonstrar nada sabia que estava suando muito, e seu estômago se revirava como se tivesse vida própria, precisava se acalmar, inspirar e espirar, seria uma viagem de três horas com uma única escala, precisava retomar o controle do próprio corpo caso contrário seria pego.
  E no fim das contas deu tudo certo, Jooheon tinha razão Hyunwoo passava despercebido no meio da multidão, e mesmo que tenho visto duas pessoas sendo levadas para interrogatório, ele mesmo conseguiu passar sem problemas. Deixou a mala onde havia combinado, porém não pode ficar para vigiá-la, o celular tocou, era do hospital, seu pai estava mal.

  1 - Pontos turísticos famosos em Kuala Lumpur.

Capítulo 4

  Hyunwoo não entendia muito bem o que havia acontecido, assim que desembarcou no domingo deixou a mala onde devia e correu para ver o pai, foi uma das piores noites de sua vida, por sorte conseguiram estabilizá-lo, somente na segunda-feira a tarde o jovem finalmente pode se dirigir até sua casa a fim de tomar um banho e comer alguma coisa, contudo mais uma vez não conseguiu chegar lá.
  Esperava por um ônibus na parada vazia quando um furgão estacionou em sua frente e antes que pudesse correr dois brutamontes desceram e rápidos de mais para qualquer chance de reação, renderam o jovem. Sentindo o corpo mole pelo cheiro do clorofórmio em suas narinas, Hyunwoo mergulhou para a escuridão, antes de apagar conseguiu ouvir “Pegamos o cara!”.
  Enquanto recobrava a consciência, Hyunwoo lentamente se dava conta de seu estado, estava com os braços imobilizados presos por cordas em suas costas, o tronco amarrado costas de um cadeira estreita de alumínio, podia sentir o cheiro de ferrugem misturado ao suor, seus pés estavam presos um ou outro por cordas grossas. Girou a cabeça e notou que estava em um galpão pequeno, era sujo, fedido e úmido, o chão estava manchado de sangue provavelmente, a parca luz que entrava através de frestas no telhado alto e desgastado não permitiam que adivinhasse que horas eram mas parecia ainda ser dia. Alguém notou que ele havia despertado e saiu resmungando algo sobre a diversão poder começar.
  Pouco tempo depois reconheceu pelo andar característico a silhueta apressada de Jooheon e em poucos segundo recebeu o primeiro golpe. O soco acertou sua bochecha esquerda, ardeu como o inferno. Depois veio outro golpe e mais outro e outro todos no rosto, forte o suficiente para quebrar algo mas não para desacordá-lo outra vez. Estava muito fodido.
  Jooheon gritava com ele sobre não ter cumprido o acordo, que se tivesse atendido a porra do celular saberia que tinham mudado a última etapa e que agora por culpa da falta de responsabilidade e competência de Hyunwoo um importante carregamento estava perdido. Ninguém brincava com X-Clan, ninguém, por isso ele iria pagar com a vida.
  Hyunwoo nunca foi religioso, nem era muito ligado a vida, mas naquele momento enquanto era espancado por Jooheon ele rezou, não para si, pedia pelo pai, se ele não sobrevivesse quem cuidaria de seu pai? Ele rezou com fervor sem endereço certo, talvez da forma errada, se por anjos ou demônios ele não se importava, só queria ser ouvido. E foi. Quando o brilho da faca nas mãos de Jooheon o cegaram ele realmente acreditou que era o fim. Sentiu o aço perfurar a carne sobre suas costelas e gritou, não como os gritos de antes que expressavam somente a dor física infringida, dessa vez foi um grito desesperado, um grito do fundo da alma, que saiu arrastado da garganta já gasta, veio junto com saliva e lágrimas, sem dignidade nenhuma, cheio de dor e lamentação. Inumano. E então veio a salvação.
  O barulho alto das sirenes anunciavam a chegada da polícia, e Jooheon e os dois companheiros do X-Clan que o acompanhavam fugiram deixando Hyunwoo para a morte, ele perdia tanto sangue que era impossível sobreviver, não havia o risco de contar nada para ninguém, e sobre o corpo, quem liga para um zé ninguém?
  Jooheon estava errado, alguém ligava, alguma coisa na verdade, as preces do jovem foram ouvidas e um demônio estava ali para atendê-lo.
  Kihyun era um demônio pequeno e de traços delicados, com seu terno negro adornado com pedras preciosas e bordados de ouro parecia muito irreal, intocável como uma celebridade. Estava fascinado pela dor na prece do homem que morria amarrado à cadeira, sentia todo o potencial da ira que ele carregava, e não estava nem um pouco arrependido de tê-lo escutado e ir conferir de perto o dono das suplicas, mesmo machucado o homem ainda era impressionante. Kihyun gostava de companheiros maiores que ele, era tentador aquele corpo ali, só mais um pouco e seria seu.
  Curou o homem bonito sem pressa, afinal a polícia nunca chegaria, sequer passavam por perto. Ficou ainda mais admirado com a beleza dele e vasculhando seu coração pode notar o quanto estava perto de possuí-lo.

Capítulo 5

  Hyunwoo acordou sentindo os raios de sol em sua cara, a janela basculante ficava estrategicamente posicionada no pior lugar possível em direção a cama onde seu pai costumava dormir, não conseguia lembrar muito bem do dia anterior, mas tinha certeza de que havia sido torturado pelo X-Clan, embora estranhamente seu corpo estivesse intacto, sentado na cama ele tentava forçar o cérebro a emendar os fragmentos de lembranças que possuía, mas algo nublava o quadro todo, a única certeza que tinha era que não pegaria mais grana nenhuma de Jooheon. Sentiu o peito doer mais uma vez, o que faria com seu pai? Deixou o desespero e o medo tomarem conta de si e chorou.
  Passou a semana toda tentando desesperadamente conseguir um empréstimo sem sucesso, não tinha ninguém qualificado para servir de fiador, tentou conversar com Hoseok mas o amigo era tão fodido quanto a si mesmo, nenhum banco iria considerá-lo. Trabalhava com medo de Jooheon ou de qualquer um do X-Clan aparecer, mas para sua sorte por algum motivo o traficante de bochechas grandes e covinhas havia esquecido sua existência. Muitas vezes se questionava com quem estaria a tal mala, porém tinha coisas mais importantes para ocupar a mente: seu pai, dinheiro e um rosto novo, por algum motivo seus sonhos estavam sendo invadidos por um homem de roupas caras, rosto bonito e voz de veludo, talvez fosse um anjo, mas não acreditava muito nisso, afinal os sonhos sempre terminavam quentes demais para uma figura imaculada.
  Quando o final de semana chegou Hyunwoo achou que talvez, só talvez, a vida pudesse dar certo, bastava continuar trabalhando, fazendo mais bicos e tinha certeza que conseguiria manter o pai no tratamento, ele estava cada vez mais debilitado era essencial que se mantivesse sobre cuidados. Mais uma vez estava errado, com o atraso na segunda parte do pagamento, seu pai foi transferido novamente para um quarto mais básico e um atendimento menos rigoroso, com menos privilégios, no domingo só pode vê-lo por um curto período e só para pedir desculpas, era muito doloroso vê-lo naquele estado, e saber que o máximo que podia fazer ainda era muito pouco.
  A cada dia ele sentia mais e mais a raiva crescendo em seu peito, se Jooheon mantivesse o combinado seu pai teria muito mais chances, que culpa Hyunwoo tinha se o idiota receptor da mala não havia parecido? Que culpa tinha de ter perdido a porra da ligação na noite anterior ao voo? Que culpa tinha do pai estar doente? Que culpa tinha de ser um fodido na vida e sempre tudo dar errado para ele? Ele não tinha cupa de porra nenhuma, o mundo era uma bosta, e tudo era culpa desse mundo de merda!
  Foi no meio da semana durante uma aula com a turminha infantil que ele se deu conta pela terceira vez que tudo havia dado errado. Desde o despertar às seis da manhã sentia no ar uma tensão, a sensação de que alguma coisa muito ruim estava para acontecer, o ar estava abafado e o tempo parado, tinha medo de ser encontrado pelo X-Clan, porém quem o encontrou foi a morte. Quando o hospital ligou ele largou os alunos no meio da aula e saiu da academia ainda de dobok , entrando no primeiro táxi que viu sem nem saber se teria ou não dinheiro o suficiente para pagar pela corrida.
  O senhor Son morreu sentindo muita dor, não foi nada bonito de ver, foi muito bom que seu filho não estivesse lá naquela hora. Depois do fim, estava em paz, seu rosto magro e fundo pelos anos convivendo com a doença estava sereno, antes de morrer desejou do fundo de seu coração que seu filho pudesse ser feliz sem nenhum peso na consciência. Mas não foi deus quem o ouviu, pelo menos não só ele, havia uma divindade muito mais próxima e interessada em tudo. O pequeno demônio Kihyun estava lá e ouviu. Também estava lá quando Hyunwoo chegou usando uma roupa estranha e se jogando sobre o corpo do pai desesperado, viu o quão desamparado estava quando chorava sozinho, o quão humilhado sentiu-se ao assinar alguns documentos para que o governo arcasse com os custos do funeral do pai, presenciou a dor e a raiva escaparem de seu corpo em forma de lágrimas copiosas e soluços desafinados. Acompanhou o rapaz pelos próximos dias, não trabalhava, só bebia agarrado a um retrato do finado pai, recebeu uma única visita de outro interessante rapaz chamado Hoseok, e Kihyun definitivamente ficaria de olho nele. Foi paciente e soube exatamente em que momento tomá-lo para si.
  Era uma noite de chuva intensa, relâmpagos cruzavam o céu e os trovões assustavam o suficiente para manter a maior parte das pessoas daquela grande metrópole dentro de suas próprias casas. Hyunwoo estava tão imerso em sua dor que aceitou prontamente a proposta de Kihyun, que não se arrependeu nenhum pouco do beijo desnecessário que deu na hora de selar o pacto, e estava sedento por repeti-lo incontáveis vezes.
  Hyunwoo era agora uma força poderosa movida pela ira, estava sofrendo e com raiva e já havia escolhido o alvo para descontar toda a sua fúria.

  1 - Quimono do Taekwondo

Capítulo 6

  Saltou sobre o telhado tal qual um gato em um passeio noturno, ainda chovia forte, os trovões ribombavam no céu escuro, ele estava encharcado da cabeça aos pés, usava apenas uma calça de moletom mas não sentia frio, na verdade seu sangue fervia, sentia a raiva aquecer sua pele, a visão avermelhada, em sua mente um único objetivo. Matar.
  Era uma grande mansão onde Jooheon se escondia com o X-Clan, ele não sabia disso apenas seguiu o rastro, por algum motivo podia sentir a presença de sua alma podre, agora não era hora para questionar-se sobre isso, não respostas queria vingança. Entrou por uma das janelas no segundo andar do imóvel e que dava para um cômodo que parecia ser um escritório, a presença de Jooheo ali era incontestável, devia passar muito tempo ali, mas não agora. Era um lugar bem arrumado com uma mesa de madeira de lei e uma cadeira de couro cara, além de muitos livros nas prateleiras, Hyunwoo duvidava que Jooheon houvesse lido ao menos um quarto deles, ignorou o lugar e saiu pela porta sem se preocupar se seria ou não visto, não tinha um plano traçado, apenas o desejo por vingança.
  Explorou ainda mais dois cômodos antes de ser notado, havia entrado justamente em uma sala de jogos, havia uma mesa de sinuca e outra de pimbolim, uma grande televisão com videogame e um sofá de couro. Dois integrantes do X-Clan jogavam algum jogo idiota no playstation, e se assustam com a aparição repentina, um deles saca a arma e dispara.
  Três tiros.
  Pá. Pá. Pá.
  Apenas um acertou a perna esquerda.
  Hyunwoo esperava sentir dor, mas não havia nada, a bala atravessou e não havia nada, nem sangue ou dor, apenas um buraco na pele. E nesse momento se dando conta de seu poder ele sorriu, um sorriso diabólico assustando os outros homens que pularam do sofá para atacá-lo, seguindo seu instinto ele saltou sobre os dois como uma cobra dando um bote. A luta corporal foi rápida e acabou quando usou a arma do que havia atirado primeiro para matá-lo e quando torceu o pescoço do segundo, deixando sua cabeça em um ângulo esquisito.
  Foi a primeira vez que matou em sua vida. E foi muito bom, sentiu o poder aumentar ainda mais. Estava admirando um dos corpos inertes em seus braços quando ouviu passos. Os tiros atraíram outras presas. Três homens apareceram na porta, entre eles Jooheon, Hyunwoo sentiu seus olhos brilhando de satisfação e enquanto dois deles tentavam capturar o intruso, Jooheon correu.
  O líder do X-Clan sabia que havia algo errado, ele mesmo deixou aquele homem para a morte, era impossível que sobrevivesse, tinha certeza disso, o que diabos estava acontecendo, como ele havia entrado ali? Como ele havia o encontrado? Que diabos eram aqueles olhos vermelhos? Estava dentro do carro, dirigindo em direção a saída quando sentiu o baque. Impossível! Hyunwoo pousou sobre o teto do extravagante jaguar azul, havia saltado sobre um carro em movimento, Jooheon não pode conter o grito, estava apavorado, perdeu a concentração e freou tarde de mais para evitar bater o carro no portão bonito que dava acesso à saída mansão escondida entre as árvores de um pequeno bosque, era impressionante que houvesse sido encontrada por um qualquer.
  Hyunwoo estava de pés em frente ao carro, para Jooheon parecia a imagem do próprio demônio, abriu a porta com violência enquanto o outro tentava sair pelo outro lado, tarde de mais. Hyunwoo agarrou Jooheon e segurou com as duas mãos em ambos os lados de seu rosto amassando as bochechas fofinhas, não pode evitar o grito de pavor e a urina nas calças. Hyunwoo ria, um sorriso sádico com seus olhos diabólicos, não havia nada de humano ali, e antes de ter o pescoço quebrado Jooheon sentiu que mergulhava no próprio inferno.
  Apareceram ainda outros homens atraídos pelos gritos de seu superior e Hyunwoo acabou com todos eles, não sabia porquê fazia aquilo, mas era bom de mais para questiona-se, se entregou à ira, se deixou ser consumido por ela pois era um alívio grande de mais para uma existência tão ordinária quanto a dele tinha sido até então. Depois de esgotar toda a sua energia ele apagou no meio da grama, coberto por sangue que não era seu.
  Kihyun assistia tudo de longe, nunca esteve tão feliz com um escolha, estava plenamente satisfeito com seu novo brinquedinho, era excitante vê-lo em ação, e era tão bonito que seria perfeito para exibir por aí, outros demônios cairiam de inveja. Kihyun era um demônio de muita sorte, sorriu com malicia antes de finalmente tomar o que lhe pertencia.

Prólogo

  Son Hyunwoo despertava de um terrível pesadelo, ainda podia sentir o cheiro forte e férrico de sangue em suas mãos, os gritos das pessoas que havia matado eram assustadores, mas por saber ser um sonho não sentia remorso, na verdade se sentiu muito bem, Jooheon merecia e os outros eram todos bandidos que levavam drogas para jovens idiotas demais para recusá-las, se aquele tipo morresse não fariam falta, seria um favor para a sociedade, certo? Era o que tentava se convencer enquanto abria os olhos de maneira letárgica.
  “Onde estou?”
  Levantou em um salto, se encontrava em uma gaiola dourada, com o chão acolchoado e várias almofadas bonitas, pelas grades mal passava seu braço, seu coração devia estar saltando pela boca mas ele não sentia nenhum movimento no peito, olhou para baixo para se tocar, e notou vergonhosamente que usava apenas uma calça de couro. Sentiu o pescoço apertado e passando a mão soube estar usando uma coleira.
  Ele gritou. Gritou por socorro. Pediu ajuda por horas, até se cansar e se jogar no chão macio de sua prisão. Estava quase dormindo quando ouviu passos. Ele andava com elegância, estava bem vestido, parecia muito irreal, tão bonito quanto uma ilusão, com sua pele perfeita e seus cabelos alinhados, a boca rosada e fina delineava um sorriso sínico.
  - Olá, meu Shownu, me querido Ira!
  E mesmo sem entender o porquê Son Hyunwoo soube que sua vida agora pertencia àquela criatura, soube que agora era Shownu, e por mais idiota que fosse não sentia medo e sim excitação, uma parte sua dizia para gritar e fugir, mas outra muito maior e mais forte só queria pertencer e obedecer.

FIM!



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