Insanity

Escrito por Pâmela Sabrine | Revisado por Mariana

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Capítulo 01

  Prometi à mim mesmo que não pensaria mais nela, mas a cada dia isso havia se tornando uma tarefa impossível, até mesmo pra mim, que nunca acreditei que isso pudesse acontecer... Sempre fui aquele tipo de pessoa que dificilmente muda de opinião quanto ao amor e relacionamentos, aquele tipo que endossa um compromisso profundo, mas ela acabou mexendo comigo de uma forma que eu desconhecia... E talvez isso não fosse tão estranho se ela não fosse minha cunhada.
   Tudo começou com o casamento de Bill e Kate... Lá estava eu, cumprindo meu papel de melhor amigo e irmão dele. Acho que nunca o vi tão feliz quanto naquele dia e, consequentemente, eu também nunca estive tão feliz por vê-lo assim... Ele finalmente havia encontrado o que tanto procurava, e todos falavam do quão sortudo ele fora por achar alguém como Kate.
   Nossos pais estavam felizes, nossa família sempre tão encantada com ela, e isso era perfeito pra ele, que sempre mereceu o melhor, e isso era perfeito pra mim também, que até esse dia havia sido o irmão que ele mereceu... Até esse dia eu fui o melhor irmão que eu pude ser, fui aquele que ele merecia. Aquele que esteve sempre ao seu lado, aquele que jamais o trairia, mas em um breve momento tudo isso mudou. Um momento sentido apenas por mim quando ficamos completamente sozinhos e então ela me olhou. Naquele momento tudo que eu senti foi um repentino tipo de urgência passar por meu corpo, tão poderoso quanto um veneno.
   Um veneno que acabou me trazendo um tipo de fascinação... A mesma que até agora se encontra em mim.
   Os meses foram passando e, com eles, esse estranho sentimento que foi crescendo aos poucos, agora já se fazia notar, apenas por mim, e, mesmo assim, eu não conseguia mais ser o mesmo quando estávamos perto um do outro. E a ideia de continuarmos morando no mesmo apartamento que Bill e eu dividíamos em Hamburgo já não era mais tão brilhante assim.
   Tudo em Kate era estranhamente encantador. Não havia um momento sequer em que eu não quisesse tocá-la ou quisesse beijá-la ou até mesmo tê-la para mim, sussurrando meu nome enquanto nossos corpos se encarregavam do resto.
   Eu havia me tornado um estranho em minha própria casa, e também para meu próprio irmão...
   Sete meses haviam já se passado e, a cada dia, me distanciar dela era um tipo de tortura. Tentava passar os dias inteiros no estúdio, só voltando à noite para casa porque sabia que ela já estaria dormindo e que me pouparia de seu beijo de boa noite. Cada momento que eu pudesse deixar passar seria melhor pra mim. Isso já havia se tornado loucura e talvez eu estivesse me sentindo meio doente. Afinal, o que eu podia esperar de tudo isso? O que mais ela poderia me dar além de sua amizade? Eles eram tão felizes juntos, e passar um tempo perto deles era como respirar amor, o mesmo tipo de amor em que eu tanto recusei acreditar um dia. E que agora era me negado da pior forma possível.
   Levantei-me naquele dia e fui até à sala, ainda de pijama. Eu sabia que ninguém estava em casa, Bill estaria no estúdio, ouvindo pela milésima vez o quanto sua voz estava ou não boa para o novo CD, e Kate deveria estar junto com ele... Claro.
   Eu ainda tinha um tempo livre até que eles chegassem e eu tivesse que tentar ignorá-la e fingir que estava tudo bem, mantendo nosso relacionamento de sempre. Eu tinha que fazer isso por Bill, de quem eu sentia muita falta, e eu tinha que fazer isso por ela porque, acima de tudo, eu a respeitava.
   Mas eu acreditava sinceramente que de tudo o que estava acontecendo, não poder contar à ele era a pior parte. Claro que ele sabia que havia algo errado comigo, mas ele não fazia ideia, eu não era tão transparente assim, até mesmo com ele, que era meu irmão gêmeo. Bem, pelo menos eu tentava não ser.
   Fui até à cozinha e abri a geladeira pegando algo para beber quando ouvi o barulho da porta sendo aberta, pelo som dos sapatos eu diria que era Kate, mas tendo o irmão que tenho, era também bem possível ser ele de saltos...
   - Tom? - Ouvi ela me chamar.
   Tentei ignorar e fingir que não ouvi, não seria boa ideia ficar sozinho com ela em casa, eu jamais tentaria algo, mas não era bom sentir sua presença quando tocá-la era impossível...
   Saí da cozinha tentando não passar pela sala e, por fim, cheguei ao meu quarto. Ela não entraria lá e, de certa forma, eu estava me protegendo e a ela também. Logo então ouvi a porta bater novamente, ótimo, ela havia saído e lá estava eu sozinho, como sempre nos últimos meses. Acho que estou ficando meio melancólico.
   O som da minha melancolia foi interrompido pelo barulho ensurdecedor da voz do meu irmão no telefone.
   - Sim, Bill? - Perguntei sem vontade alguma.
   - Você ainda está dormindo? Por que não veio pra cá? Você tem que passar o som no piano, esqueceu? - Ele gritava no meu ouvido.
   -Não! Eu não esqueci... Só estou um pouco cansado e não vou ao estúdio hoje, mas eu prometo que vou ficar treinando em casa e amanhã vai estar tudo bem. - Bill tinha o dom de me deixar nervoso.
   - Tudo bem! É melhor que esteja muito bem amanhã ou acho outro cara pra tocar esse piano. - Gritou ele rindo.
   - Se puder encontrar um melhor do que eu...
   - Agora sim estou falando com meu irmão, achei que seu ego estava dormindo, mas vejo que não... –Debochou.
   - Eu estava falando sério! Agora me deixa e vai cantar!
   Desliguei sem esperar sua resposta, que claramente viria acompanhada de outra e outra. Nosso pior defeito era de não saber calar a boca, mas hoje eu não estava a fim de falar.
   Fui até à sala onde estava o piano e logo encontrei as partituras da nova música em cima do mesmo. Comecei a tocar, tentando decorá-las para o próximo dia, mas logo outra música tomou conta de meus pensamentos. Não uma música qualquer, mas o som vindo de suas palavras...
   Virei-me, a encarando, e lá estava ela com seu sorriso terrivelmente encantador.
   - Você estava aqui o tempo todo? - Perguntou sorrindo.
   Acenei positivamente pra ela, tentando não deixar o momento tenso e fazer com que ela se fosse, mas foi exatamente ao contrario. Kate caminhou até mim, pedindo espaço pra se sentar ao meu lado, e eu deixei que assim fosse.
   - Música nova?
   - Sim! - Respondi sem olhá-la.
   - Se incomodaria de... - Ela parou de falar e eu quase decifrei seu rosto envergonhado.
   - The Ludlows? – Eu completei e ela sorriu... Eu sabia que era errado, mas naquele momento tudo que eu mais queria era poder beijá-la.
   - É minha música favorita e eu adoro quando você toca... - Eu sabia que ela gostava por isso eu tocava, mesmo odiando aquela música. Justamente por que ela me fazia pensar em Kate e isso me matava um pouco, todos os dias.
   E, então, sem responder, eu comecei a tocar... Aquele som que eu mais ouvi durante esses sete meses e que eu já havia decorado. Essa não era a primeira nem seria a última vez que ela me pedia pra tocar, mas eu não nunca havia feito com tanto gosto quanto neste momento.
   Eu a vi fechar os olhos enquanto eu tocava e, por um instante, pude senti-la encostar sua cabeça em meu ombro. Talvez tenha sido sonho... Ou meus pensamentos foram longe demais. Por mais cruel que isso fosse, eu sabia que voltaria à realidade em segundos, mas naquele momento ela era minha e, mesmo que inocentemente, eu iria aproveitá-lo.
   - Quer dançar? – Perguntei relutante.
   - Dançar? – Ela me olhou surpresa.
   - Sim. – Eu a encarei.
   - Eu adoraria dançar com você, Tom. – Respondeu sorrindo.
   Ela não havia quebrado esse momento, e, se ela não o fez, não seria eu a atrapalhar. Não poderia haver culpa, era apenas uma dança. O que havia de mal em uma dança? Sinceramente, eu espero que nada.
   Saímos de perto do piano e eu caminhei até o som, colocando novamente James Horner para tocar, só que agora o próprio e não meu mero solo ao piano.
   Caminhei até ao centro da sala e a olhei como se precisasse de uma permissão sua para unir nossas mãos... O que não demorou muito... Por fim nossas mãos se tocaram e eu bobamente olhei para elas por um tempo até que a voz de Billie ecoou pela casa me tirando do mundo que eu próprio criei. O mundo perfeito onde aquele sorriso que agora enchia meus olhos da visão mais privilegiada do mundo era todo meu e, por mais que isso fosse egoísta, neste mundo Kate era só minha.
   - Você está sério. – Ela me despertou.
   - Culpa do James. – Brinquei e ela então encostou seu rosto em meu ombro. Eu me curvei novamente, fechando meus olhos.
   Não... Não havia nada de mal em uma dança, mas sim no que eu estava fazendo, não só com meu irmão, ou Kate, mas também comigo, e eu estava ciente de que a partir deste momento tudo se tornaria mais difícil.
   - Tom? – Ela me olhou com os olhos marejados.
   - Sim. – Falei me afastando para que a pudesse olhar.
   - Eu preciso conversar com você. – Ela olhou para meus lábios e eu instintivamente os umedeci.
   O clima ficou estranho, ela já não me olhava mais, suas mãos agora envoltas nas minhas suavam e sua respiração era descompassada. Kate estava nervosa e eu não fazia ideia se era culpa minha ou não. E tão cedo eu não iria descobrir, porque enquanto a segurava, Bill nos olhava estranhamente perto da porta.
   - Oi? –Ele falou sem graça e quase pude sentir o ciúme em sua voz.
   Ela rapidamente saiu do meu lado e foi até ele, o abraçando.
   - Oi amor. - Ouvir aquilo era terrível.
   - James Horner, de novo? – Ele fez cara de nojo e ela sorriu.
   - É... De novo. - Esse fui eu tentando não ser ignorado.
   - Vamos almoçar? Eu comprei nosso almoço. - Bill perguntou quebrando por fim o clima tenso no ar.
   - Ainda bem, pensei que a Kate fosse cozinhar. – Falei recebendo um tapa dela como resposta.
   Sorrimos e logo fomos caminhando até à sala, aquele com certeza era um momento familiar do qual eu gostava. Kate sempre deixou claro que me queria por perto o tempo todo, e que não existia ela e Bill... Existíamos nós três e assim seriamos uma família... Pelo menos até eu formar a minha...

Capítulo 02

  Mais um dia havia se passado, mais um dia sem poder conversar com meu irmão sobre o que estava sentindo, e esse seria outro dia como todos os outros. Claro, infelizmente eu não poderia fazer nada para mudá-lo.
   Liguei para o Georg e marcamos de nos encontrarmos em sua nova casa, um lugar diferente, como ele próprio descreveu, um lugar para esquecer e se sentir livre de qualquer ameaça possível, e em nosso caso essa ameaça tinha o nome de paparazzi.
   Demorei um pouco a conseguir encontrar o lugar certo, mas quando avistei aquela estranha casa velha de vidro eu comecei a crer que Georg havia achado o lugar perfeito para se esconder, mesmo que esse parecesse realmente estranho à primeira vista.
   - Pensei que estivesse perdido. – Ele caminhou até mim, sorrindo.
   - Também pensei. - Brinquei.
   - E então? O que achou? – Viramo-nos os dois olhando atentamente para a casa.
   - Ela é... – Não sabia o que dizer.
   - Estranha? – Ele interrompeu.
   - Eu diria que é meio fria – O olhei novamente e Georg sorria, ele estava realmente encantado com aquele monte de vidro e eu não fazia ideia do motivo.
   Saímos em direção a casa, e tenho que dizer que a vista do interior me fazia mudar completamente de ideia.
   O lago ao fundo completamente congelado refletia o inverno forte, mesmo assim conseguia ser incrível, mas o que tornava aquele lugar perfeito era o som, porque simplesmente não havia som, apenas o silêncio, aquele tipo de silêncio que te permite ouvir a própria respiração e que também te permite sonhar e voar para qualquer lugar que você queira, mas que para mim só havia um caminho... E esse caminho levava-me até Kate.
   - Tom? – Olhei para o lado e Georg estava rindo, possivelmente de mim.
   - Onde você estava? Parecia longe. – Ele parou por um instante de rir e então me olhou.
   - Você vai achar que eu estou louco. - Respirei fundo enquanto procurava um cigarro em meu bolso.
   - Quer me contar? – Ele foi receoso.
   - Sim.
   Ele balançou a cabeça, fazendo sinal para que fossemos até o lago. Caminhamos em silêncio até nos sentarmos à beira do mesmo.
   - O que está acontecendo? Por que eu acharia que está louco? – Ele começou, quebrando o silêncio.
   - Porque eu estou. – Completei depois de um minuto calado. – Eu estou... Gostando de uma pessoa. – Finalizei e ele riu me olhando.
   - Isso é bom. Na verdade, isso é muito bom, não acho que seja uma loucura como você fala... - Georg falava animado, enquanto meu semblante continuava o mesmo.
   - Você não entende – Dei alguns passos em direção ao lago e sem olhar para Georg completei em um tom praticamente inaudível consumido pelo choro. – Estou apaixonado por Kate.
   O silêncio tomou conta do ambiente em que estávamos. Eu permaneci ali sentindo aquela lágrima quente escorrer por meu rosto gélido pelo frio que fazia, mas mesmo com o medo tomando conta de meu corpo, eu julgava ter feito certo ao desabafar com ele.
   - Kate? Qual Kate? – Ele pareceu receoso em falar, mas em fim completou – Kate do Bill?
   Ao ouvir seu nome acompanhado de meu irmão, como se fosse um só, meu corpo desabou e eu já não escondia que chorava, eu precisava disso e tinha certeza que Georg entenderia.
   - Tom isso é... Bom, eu nem sei o que dizer – Concluiu confuso.
   - Não é preciso, Georg, ouvir isso já é o bastante. - Falei tentando parecer mais calmo enquanto limpava meu rosto.
   - O que pretende fazer? – Ele me olhava curioso.
   - Não há o que fazer a não ser esquecer essa insanidade, mas é tão difícil. – Eu respirava fundo enquanto tentava achar as palavras pra descrever tudo o que eu sentia por Kate enquanto ele ouvia tudo calado, como se estivesse esperando o momento certo para ajudar ou simplesmente confortar, mas esse momento é claro, não existia.
   - Eu tento esquecer, eu tento levar minha vida como sempre foi eu saio e tento me divertir, mas quando volto, ela está lá e sempre tão preocupada se eu estou bem e por que demorei tanto, e não é como se fosse uma cobrança e sim porque ela se importa comigo. – Desabafei.
   - Eu não sei... Quer dizer, tudo que está me falando... Não está confundindo amor com proteção? – Tentou me alertar.
   - Eu gostaria que assim fosse Georg, mas não é isso... Ontem estávamos sozinhos e ela me pediu para tocar sua música favorita, assim eu fiz. Então eu a convidei para dançar. – Por um instante fiquei receoso em contar.
   - E o que há de mal em uma dança. Tom? – Perguntou confuso.
   - Não há nada de mal em uma dança, mas eu não a chamei por ser gentil. – Afirmei sem querer.
   - Eu não entendo... – Ele ficou ao meu lado e então virei meu rosto em sua direção, encontrando confusão em seu semblante.
   - Eu estava... Droga... Estava excitado só de tê-la por perto e tudo o que eu queria era senti-la, seu corpo, seu cheiro, seu gosto. –Respirei fundo levando as mãos à cabeça.
   - O que você fez, Tom? – Ele alterou-se assustado.
   - Apenas dancei – Disse por fim e ele respirou fundo. - Eu jamais faria algo que pudesse magoar Bill, você sabe. – Conclui.
   - Ainda bem... Por um momento eu pensei que vocês dois tivessem... – Gesticulou com as mãos.
   - Não! – Afirmei - Não a Kate, ela jamais faria isso com ele... E eu sei disso, mas você jamais conseguiria entender. Ela... Me deixa louco, confuso, ela me deixa exatamente no estado em que você está me vendo agora... Indefeso. – Soltei minha respiração com pesar.
   - Eu sinto muito que esteja acontecendo isso com você, mas eu te digo, Tom, você tem que sair de casa, tem que deixá-los, e não é uma escolha, você sabe. - Ele me alertou com razão.
   - Eu já havia pensado nisso, mas o que falar ao Bill? – perguntei com medo de sua resposta.
   - A verdade. – Ele concluiu.
   Era o certo, era digno que eu fizesse o que Georg pedira, mas como? Como dizer ao meu irmão que eu desejava sua esposa, como dizer a ele que eu por várias vezes me toquei pensando em Kate. Isso me fazia lembrar de nossas conversar em que sempre confirmávamos que desistiríamos de uma garota caso o outro a quisesse, mas na realidade as coisas não funcionavam assim.
   Parti da casa de Georg decidido a procurar um lugar para ficar, mas não decidido sobre contar a verdade. Cheguei em casa no início da tarde, abrindo a porta e jogando as chaves em cima do sofá, estranhando as várias peças de roupa atiradas pelo caminho que levava ao quarto de Bill e Kate.
   Passou-me pela cabeça o que poderia estar acontecendo, e a mesma me dizia para ir para meu quarto e me trancar ignorando a cena, mas meu corpo me movia até à porta do quarto deles, e assim eu pude me perder na cena em minha frente, a mesma que eu tanto fantasiei... Mas nesta eu estava presente... Não havia Bill, não havia mentira, não havia pecado... Éramos apenas eu e Kate e o resto... Era apenas o resto.

Capítulo 03

  Meus olhos continuavam paralisados, presos em uma cena nunca vista, não desta forma, não em minha casa, e não com meu irmão e a mulher que eu tanto desejava, mas principalmente comigo os espiando por um espaço entre a porta... Sentia-me totalmente idiota, um adolescente descobrindo seus pais em pleno ato durante a madrugada, e mesmo assim me sentindo culpado, não conseguindo me mover.
   Olhos vidrados, coração acelerado, mãos suando, se eu pudesse me descrever algum dia seria exatamente assim que o faria... Como um completo estranho amedrontado por ser pego no local errado. O espaço entreaberto era pequeno, mas era suficientemente bom para que pudesse ver tudo, ouvir... Praticamente sentir cada sussurro como se fosse meu, como se fosse para mim.
   Os dois sentados à beira da cama, seu corpo encaixado ao dele, o suor em suas faces, meu irmão perdido em tamanha beleza e excitação, a forma como seu corpo se movia enquanto ele a tocava. Em completo delírio, era assim que me encontrava, querendo ir, mas perdido em um cenário completamente excitante... Levei minhas mãos à cabeça, tentando cobrir meus olhos e retomar minha sanidade para assim poder sair dali calmamente sem ser visto.
   Caminhei até à sala tentando esquecer, tentando pensar em um jeito de sair, um jeito que não me levasse à verdade, não que eu não quisesse contar, eu realmente queria, mesmo sabendo que nada mudaria. A verdade não me traria Kate, a verdade traria tristeza para ambos os lados, e pensando nisso, eu preferia ficar com esse sentimento apenas para mim.
   Encontrei por acaso uma garrafa de absinto que Bill e eu havíamos ganhado em uma viagem a Holanda, não conseguia lembrar dos motivos que levaram a estar fechada até agora, mas para mim aquele era o momento perfeito para acabar com isso, não seria desperdício ou egoísmo, eu estava precisando daquilo mais do que ele.
   Cheguei ao meu quarto e tranquei a porta, só assim estaria livre para chorar sem ter que dar satisfações e aguentar o estranhamento de Bill perante aos fatos caso me visse com olhos inchado e completamente bêbado.
   Abri a garrafa procurando por uma taça, sem muita sorte olhei novamente para a mesma e levei à boca, que se dane, eu não dividiria com ninguém mesmo, dividir... Essa palavra passeava demais em minha memória durante esses sete meses, embora não fosse minha vontade.
   Senti o líquido descer por minha garganta queimando a mesma e lembrei do que o homem que tinha nos vendido havia descrito sobre ela, “Se beberem de mais terão alucinações”. Mais do que as que já tenho? Impossível.
   Continuei bebendo até sentir sua última gota chegar à minha boca, e devo dizer aquela foi à última cor que eu vi em minha frente antes de sentir meu corpo desabando sobre o chão.
   Acordei horas mais tarde com Bill gritando do lado de fora do meu quarto, olhei para o lado, procurado meu relógio, mas a única coisa que encontrei foi à garrafa vazia, que me fez lembrar o porquê de sentir minha cabeça estourando agora...
   Levantei devagar chegando até à porta... Bill entrou rápido, me olhando.
   - O que foi? – perguntei sem olhá-lo.
   - Você bebeu toda a garrafa? – Perguntou incrédulo.
   - Ah, desculpa não ter deixado pra você. – Debochei.
   - Você está bêbado. – Gritou ele, jogando a garrafa longe.
   - Sério? – Blasfemei.
   - Estávamos preocupados com você... Kate veio chamá-lo para jantar, mas não respondeu... – Ele tornou a olhar para mim com seu semblante sério.
   - Eu estava longe, se é que me entende. – Gargalhei e ele revirou os olhos.
- Vá tomar um banho, não quero que Kate veja você assim. – Respondeu rude.
   - Não se preocupe, Kate não vai mais ver isso... Eu vou embora. – Virei-me a fim de não encará-lo, com medo de encontrar seus olhos.
   - O que disse? – Perguntou falando alto.
   - Eu vou embora! Dar um tempo... Entenda como quiser... - Murmurei tentando acabar com aquele olhar devastador sobre mim.
   - Como assim dar um tempo, aqui é sua casa. – Sussurrou.
   - Eu sei, mas eu preciso me divertir um pouco... - Disse enquanto levava a mão à cabeça, que parecia querer explodir... Olhei para Bill que parecia perdido ou à beira de um ataque – Ok, não comece a gritar... – Pedi tentando acalmá-lo - Georg comprou uma casa nova e quer dar umas festas, você sabe, ele quer esquecer a Sophie, e me chamou para ficar lá uns dias... – Finalizei.
   - Uns dias? Quantos dias? – Ele perguntou meio inseguro.
   - Eu não faço ideia... - Tentei ser o mais convincente que pude.

Capítulo 04

  Ver meu irmão baixar a cabeça e sair de meu quarto calado não era a cena que eu esperava, mas foi o que ocorreu. Tentei argumentar, mas ele não me deu ouvidos, e a mim bastou ouvir o som da porta de seu quarto batendo como se quisesse se isolar do mundo. Não podia culpá-lo, talvez esse também fosse meu desejo.
   Levantei-me a fim de tomar um banho, pegar algumas coisas de que eu precisaria e ir embora, não queria ver Bill hoje, eu não aguentaria vê-lo, não aguentaria dizer não a ele outra vez... Amanhã, quando estivéssemos no estúdio, com certeza ele já estaria melhor e eu também.
   Saí do banho um tempo depois, joguei as primeiras peças de roupas que achei em minha frente dentro de uma mochila, juntamente de outros itens críticos que precisaria em minha estadia na casa estranha de vidro de Georg. Finalmente dei uma última olhada em meu quarto, procurando por algo que pudesse estar sendo esquecido.
   Com tudo pronto caminhei até à sala chamando por Scotty. Não podia deixá-lo, mas o mesmo, assim que me viu carregar uma mala até à porta, se recusou a descer do sofá e apenas me fitou com seus olhinhos úmidos, como se soubesse de tudo que passava em minha vida, como se estivesse sobe o efeito da atmosfera frágil que se instalou naquele apartamento.
   Fui até ao sofá buscá-lo. Assim que cheguei perto ele respirou fundo, jogando todo seu peso no sofá. Ele sempre fizera isso quando se mostrava teimoso por algum motivo, mas sempre com Bill e apenas agora comigo.
   - Você não quer ir, não é mesmo? – Falei o alisando.
   Scotty levantou-se e rapidamente mudou de sofá, deitando de costas para mim, que o olhava estático.
   - Tudo bem, eu não o culpo. Também não me sinto feliz por estar indo... Mas eu volto pra buscar você. – Falei virando para a porta.
   - Tom? - Ela chamou.
   Virei para olhá-la. Até aquele momento eu tinha feito de tudo para evitar vê-la antes de sair, não queria uma despedida. Na verdade, eu queria me certificar que a minha busca por esquecê-la começasse ali mesmo, com minha saída daquele apartamento, mas olhar para ela ali, tão indefesa, encostada na parede, esperando que eu pelo menos fosse dizer adeus a ela, me transformou no cara mais egoísta do mundo. Eu não podia culpá-la por querer apenas isso quando, em minha cabeça, algo tão sujo se passava. Kate não tinha culpa sobre meus pensamentos fracos apenas por senti-la perto de mim, mas eu sabia o quão perigoso era esse contato, e eu não estava a fim de pôr mais isso em risco.
   - Estou saindo, ta bom? – Murmurei sem olhá-la, segurando-me na porta, enquanto ela continuava estática, apenas me observando.
   - Eu... - respirou fundo levando sua mão até aos olhos, secando uma lágrima que teimava em cair. - Posso te pedir uma coisa?
   Ela caminhava lentamente até mim, como se pedisse permissão para chegar perto, enquanto eu continuava imóvel, apenas ouvindo. Não havia som que eu conseguisse emitir e, se houvesse eu não o faria, ou me entregaria ali mesmo, com minha voz completamente embargada pelo momento.
   - Promete que vem me ver... Sempre que puder? Promete isso pra mim, Tom? – Pediu ela em tom choroso, acabando com meu coração.
   - Cuida do Bill pra mim. - Foi tudo o que eu consegui falar, antes de fechar a porta diante dela, deixando-a para trás com todas as coisas que não disse, com todas as coisas que não fiz e que nunca poderia sequer pensar em fazer.
   Chutei a mala para dentro do elevador como se quisesse depositar nela toda raiva sentida por mim naquele momento, me permitindo chorar sozinho enquanto olhava a porta se fechar em minha frente.
   E então, após algumas horas, eu já estava em frente à casa de Georg, fitando meu novo endereço, sem que o próprio dono o soubesse...
   Georg apareceu na porta, me olhando com curiosidade. Só quando puxei minha mala para fora do carro ele pôde enxergar a mesma.
   - Posso ficar aqui? – Pedi o olhando.
   - Eu já esperava que viesse. –Ele levantou a sobrancelha rindo.
   - Isso é um sim? - Indaguei.
   - É, isso é um sim, mas você sabe, minha casa, minhas regras... – Avisou enquanto me apontava com o dedo.
   - Ok, eu aceito desde que possa ficar com o quarto maior.
   - Ah claro, acho que a casinha do cachorro é enorme, você vai se virar bem lá dentro. - Brincou ele, mudando seu semblante repentinamente. - Mas falando sério agora, como Bill reagiu quando disse que viria pra cá?
   Respirei fundo, retirando minha guitarra do carro e voltando a olhá-lo...
   - Bom você sabe como ele é, ouve um momento breve de discussão, mas o ponto alto foi ele bater a porta do quarto, ou seja, ele está furioso.
   Entreguei a guitarra a ele enquanto pegava minha mala e caminhávamos até ao interior da casa.
   - Eu também ficaria, e agradeço por meu irmão não querer roubar minha mulher.
   - Mas você não tem um irmão, e muito menos uma mulher. – Eu gargalhei o olhando e ele acertou um tapa no topo de minha cabeça. – Mas eu tenho que avisar você. - Parei e ele me olhou - Eu inventei uma mentira, disse a ele que viria pra cá com você porque queria dar umas festas, inaugurar a casa, sabe coisas assim... - Finalizei.
   - Festa é? – ele coçou o queixo e olhou para a casa - Até eu acharia uma desculpa melhor, mas pensando bem, não é tão má ideia assim... Se Sophie ficar sabendo ela vai achar que eu toquei a vida para frente e a esqueci, isso é bom porque ela vai acabar correndo atrás de mim novamente. – Sorriu animado.
   - Desculpa, mas ela não está nem aí pra você. - Confessei sem querer - Ontem mesmo ela...
   - Cala a boca ou vai ter que achar outro lugar pra ficar... – Ele gritou andando em minha frente.
   - Ok, mas... – Continuei.
   - Cala a boca. – Gritou novamente. Eu estava certo quanto à minha decisão, ficar afastado por um tempo me ajudaria não só a esquecer, como também me levaria de volta a minha antiga vida.
  

***
   Bill's P.O.V.

Quando finalmente o ouvi bater a porta e me dei conta de que todo aquele pesadelo era verdade, lembrei que havia deixado Kate sozinha.
   Cheguei à sala e a vi deitada no sofá, olhando qualquer coisa na televisão... Estava longe... Tão igual a esses últimos dias, mesmo comigo ela sempre estava fora como se não fizesse mais parte desta casa, como se já não fizesse parte de mim.
   - Kate. - Olhou-me depois de longos segundos, e ainda assim parecia não estar ali.
   - Eu pensei que quisesse ficar sozinho - Sussurrou sonolenta.
   - E eu quero. – Afirmei me aproximando.
   - Ta bom.
   - Quer ficar sozinha comigo? – Segurei sua mão levando-a ao meu rosto, fechando meus olhos, a fim de apenas senti-la.
   - É claro. – Ela confirmou movendo a cabeça.
   Sentei-me ao seu lado, procurando suas mãos e levando-as ao encontro do meu rosto, secando as lágrimas que ainda restavam nele. Então fiz o mesmo percurso em sua face, enquanto a via fechar os olhos e aproximar-se de mim.
   Agarrei-a para mim e a apertei, fazendo-a rir quando mordi seu pescoço. Sentia tudo, menos vontade de rir naquele momento, necessitando chegar com pressa à minha maior perdição em seu corpo... Seus lábios.
   Sem precisar pedir, senti sentar-se sobre meu colo, entrelaçando suas pernas em minha cintura, deixando assim que pudesse ver o desejo crescer em seus olhos, procurando meus lábios tal como os meus procuravam os dela... Sentindo tudo como se fosse à primeira vez, seus lábios suaves abraçavam os meus, beijavam, lambiam.
   Peguei-a novamente deixando-a escorregar lentamente sobre o sofá, puxando-a para cima de mim. Não queria me afastar dela nem um minuto que fosse. Tornei a beijar sua boca, mordendo a mesma, ela apenas sorriu sussurrando que me desejava ali e já.
   - Posso? – Perguntei me afastando um momento apenas para tirar nossas roupas.
   - Claro. – Beije-a outra vez – Faça o que quiser. – Respondeu ela.
   Logo as peças estavam novamente no chão, tão igual ao que fizemos cedo nesse dia, porém tão diferente... Olhou para mim e riu enquanto se deitava de novo, deixando o caminho livre para que eu pudesse percorrer seu corpo com pequenos beijos, sentindo-a se arrepiar a cada um.
   Encontrei seus olhos pedindo para que continuasse e assim o fiz, olhando-a pela última vez antes de penetrar não só o seu corpo como também sua alma, sentindo nossos corações frente a frente em um mesmo ritmo agradável e, claro, meu eterno fetiche... Seu pescoço. Ela sabia bem qual era, deixando a passagem livre para o mesmo, enquanto sussurrava coisas em meu ouvido que me faziam ganhar alma para continuar... Em um momento nossos olhares se encontram, via seu rosto e a cada avanço vindo de mim seus olhos fechavam e abriam em um desespero extasiante, foi então que me suplicou para que não parasse.
   Os olhares, os apertões, os gemidos foram o culminar perfeito de todos os desejos daquela noite... A respiração começando a falhar, perdendo forças, dando passagem, como sempre, ao ponto alto, deixando que pudéssemos nos satisfazer finalmente...

Tom's P.O.V.

Outro dia nascera, meu primeiro dia longe de casa, embora Georg fizesse o possível para que eu me sentisse praticamente na mesma. Não era como se eu pudesse acordar e ver meu irmão com seu sorriso bobo logo cedo, ou Scotty correndo atrás de Kasimir pela sala, ou tão pouco ver Kate servindo nosso café como em todos os dias depois do casamento.
   Com minha insanidade eu havia perdido minha família inteira, e nem sequer queria imaginar o surto dos meus pais quando soubessem que eu já não morava mais naquele apartamento.
   Levantei-me da cama assim que o sol invadiu o quarto, e naquela casa não haveria como lutar contra ele... Fiz minha higiene pessoal e caminhei até à cozinha, avistando Gustav sentado em uma das cadeiras, mexendo em seu notebook, como sempre concentrado de mais para me ver chegar.
   - Está morando aqui também e eu não sabia? – Perguntei vendo-o baixar os óculos me olhando por debaixo dos mesmos.
   - É claro que não! Eu, ao contrário de você, não gosto de incomodar os outros. - Disse ainda concentrado em seu notebook.
   - Quem disse que eu estou incomodando? Georg é apaixonado por mim, na verdade, ele até me ligou e implorou para que eu viesse ficar um tempo aqui com ele. – Gargalhei sentando-me ao seu lado na mesa.
   - E eu estou acreditando. – Ele olhou-me sério. Definitivamente, Gustav não tinha senso de humor, pelo menos não de manhã.
   - Que lista é essa aí? - Perguntei virando a tela para mim.
   - Acha mesmo - Ele retrucou virando novamente a tela para ele - Que dariam uma festa sem que eu soubesse, ou melhor, sem que eu liberasse a lista? – Riu cinicamente.
   - Anete não deixaria você vir mesmo. – Falei caminhando até a pia.
   - E desde quando ela manda... - Ele bufou. – Ta, eu sei que ela não deixaria, mas eu viria escondido... Quem iria contar a ela? – Riu e então me olhou.
   - Ninguém. – Debochei.
   - Você não está em condições de entregar ninguém. - Continuava com seu sorriso cínico enquanto falava - Ou esqueceu Kate?
   - Como você sabe? – Perguntei virando-me para ele.
   - Eu contei. - Georg confessou entrando na cozinha.
   - Por que você contou? – Gritei com ele.
   - Porque eu não sei guardar segredos... Você sabe bem disso, ou não saberia que eu era apaixonado pela sua namorada na adolescência. – Riu sentando-se ao lado de Gustav.
   - Devia ter contado ao Andy. - Retruquei e eles riram.
   - Claro que devia, e essa hora você e Bill estariam rolando na lama. – Disse Georg.
   - Eu jamais brigaria com ele por ela, Kate é dele e pronto. – Afirmei.
   - Que seja, você não vai falar com a Anete e eu fico quieto. Ok, eu nunca falaria com ninguém sobre isso, mas é para o caso de você avisa-la... Mas então, a lista está pronta, só as melhores, alguns caras que conhecemos e são confiáveis, sem Sophie... - Olhou para Georg que bufou. - E para tirar o Tom deste poço sem fim... Jordin. - Riu me olhando.
   - Jordin para mim?
   - Não recuse, aproveite. - Georg me apontou o dedo.
   - Sim, agora eu preciso ir. - Gustav levantou-se saindo - Vejam se arrumam tudo direitinho, ok? Gosto de tudo organizado. - Gritou já do lado de fora.
   - É hora de festa, vamos dar um jeito aqui e depois ligar ao David e falar que estamos terrivelmente doentes. - Ge respirou fundo parecendo mesmo doente. – E, por fim, acabar convidando ele para a festa. - Riu.
   - É só assim para sermos desculpados.
   - Mãos à obra. - Disse ele atirando-me uma garrafa de Wiskey nas mãos.
   Mãos à obra, essa era a verdade. Agora eu já estava praticamente em minha antiga vida, álcool, cigarros e, mais tarde, mulheres, mas o engraçado era que eu não me lembrava do momento exato em que meu mundo antigo me fez falta. Depois do casamento, embora não fosse o meu, acabei me acomodando também, permitindo-me sair apenas algumas vezes, em poucas ocasiões em que não pude recusar... E, ainda que fosse estranho para todos, nunca mais ouve ninguém em meu quarto, talvez por respeito, talvez por medo, ou por achar que ninguém além dela merecia estar lá.
   Quando já estava tudo praticamente pronto, ouvi um barulho vindo de um carro. Georg só poderia estar brincando, quando tudo já estava no lugar ele resolveu voltar para casa. No mínimo conseguira convencer Sophie a vir, caso contrario só apareceria na hora da própria festa.
   Cheguei ao jardim e vi que o carro não era o dele e sim o de Bill. Ele fez o que eu pensava que faria, veio atrás de mim para tentar me obrigar a voltar para casa, bem típico dele... Notei que não estava dentro do carro, no mínimo já estava por aí olhando a casa, curioso como é...
   - Oi. – Ouvir sua voz me pareceu tão estranho e surreal que eu jurava estar preso à ela...
   Virei-me e encontrei seu olhar triste sobre o meu. Kate estava ali, em minha frente, como todos os dias e como eu sempre quis que estivesse... Parada e completamente vulnerável a qualquer movimento que eu fizesse, como uma louça que se quebra ao mínimo toque, e com seus olhos, que embora secos, ainda mostrassem o vermelho das lágrimas da noite anterior, lágrimas que foram derramadas supostamente por mim.
   - Se eu pudesse, eu te abraçava. – Disse, enquanto olhava para minha própria roupa rindo. Não estava abraçavel, digamos assim, devido às arrumações que fizera durante o dia.
   - Vem cá. – Ela me chamou calmamente abrindo os braços, esperando por um gesto meu. Fui timidamente abraça-la e afastei-me logo a seguir, vendo surgir um sorriso engraçado da parte dela. - Eu esperei por você o dia todo.
   - Georg está precisando de ajuda aqui e você sabe como ele é, não gosta de gastar, então eu estou o ajudando... - Ri enquanto ela olhava com curiosidade para minhas roupas. - Bom... Tentando ajudar. - Finalizei rindo também.
   - Festa? - Indagou olhando para a casa.
   - Ah não... Não. – Menti. - Ele quer reconquistar a Sophie, então vai fazer um jantar romântico para ela, essas coisas.
   - Por que não foi me ver? –Virou-se caminhando pelo jardim e eu a acompanhei.
   Que resposta dar, essa era a única pergunta que passeava em minha mente, dizer a verdade era completamente inadequado e fora de questão naquele momento.
   - Eu... Bom. – Não conseguia balbuciar nada.
   - Eu sou uma boba, eu sei. - Disse em tom choroso. - Você saiu ontem de casa e já estou reclamando, mas eu senti sua falta... - Riu dando de ombros e voltando a caminhar. - Nós sentimos a sua falta. - Finalizou olhando para o lago.
   - Como ele está? - Perguntei tentando quebrar aquele clima estranho que tinha se imposto sobre nós.
   - Você sabe como ele é, ri mesmo não querendo. Eu diria que ele está chorando, mas não quer deixar transparecer isso. - Falou tentando sorrir.
   - Eu sei, pretendia falar com ele hoje, mas acho que não vou ao estúdio.
   - Ele disse a mesma coisa. - Rimos – Mas, de qualquer forma, ele saiu com o Andy. Espero que volte um pouquinho melhor para casa.
   Balancei a cabeça positivamente olhando para ela, me perdendo em seus traços perfeitos enquanto o silêncio tomava conta de nós outra vez.
   - Quer entrar? – Perguntei e ela me olhou rindo, parecia animada com meu convite.
   - Não... Eu já estou indo. – Olhou para o carro.
   - É só um minuto... Vem? – Insisti pegando em sua mão - Quero mostrar a você a incrível casa de vidro do Georg.
   - Ta bom. – Aceitou, olhando novamente para mim.
   Deixei que entrasse em minha frente, queria vê-la perdendo-se nos detalhes da casa e assim foi, Kate parecia encantada com cada detalhe ali, da lareira à visão indescritível que tínhamos para o lago... Olhando para ele como se estivesse hipnotizada, ela disse...
   - É linda.
   - Sim. – Concordei mesmo que para mim a visão não fosse da casa e menos ainda do lago, ainda assim era linda.
   - Difícil não se apaixonar... Eu o entendo. – Continuou.
   - Muito difícil. - Respirei fundo novamente, concordando com ela, que se virou encontrando meus olhos presos nela, e não em uma visão qualquer.
   - Tem alguma bebida nesta casa que não seja com álcool? – Bateu com seu pé em uma das caixas de Wiskey que estavam espalhadas pela casa.
   - Sim, café... Quer? – Falei indo até o armário pegar duas canecas.
   - Sim, obrigada. - Sentou-se, colocando suas mãos sobre a bancada enquanto eu servia nossos cafés.
   - Está ruim? – Perguntei sentando-me em sua frente, vendo-a fazer uma careta.
   - Imagina. – Riu.
   - Na verdade, eu sei que está ótimo. - Debochei.
   - Hum, você é muito convencido, isso sim. – Riu socando meu braço.
   - Só um pouquinho. – Continuei rindo parando para olhá-la.
   Um clima engraçado para um momento triste, digamos que seria assim que eu descreveria se pudesse. Nossas mãos sobre a bancada procuraram praticamente sozinhas uma pela outra, tocando-se como desconhecidos que de certa forma eram. Olhei em seus olhos encontrando os mesmo marejados, assim como acreditava que os meus estivessem também.
   - Posso... Posso te contar um segredo? - Olhou-me - Ontem... Quer dizer, hoje de madrugada, eu fui até ao seu quarto... Eu não sei, talvez achasse que você pudesse estar lá e que tudo isso não tivesse passado de um pesadelo... – Suspirou voltando a olhar nossas mãos, apertando-as ainda mais.
   - Posso te contar o meu? – Pedi suspirando igualmente ou até mais do que ela - Quando eu acordei hoje de manhã, eu... Lembrei de você... E de todas as manhãs que tomávamos café juntos... - Respirei fundo tentando não deixar minha voz embargada. – Acho que vou passar por isso todos os dias... - Ri enquanto a olhava tocar minhas mãos.
   - O quê? – Perguntou timidamente, deixando uma lágrima escorrer por seu rosto.
   - Ficar vendo você em todo canto... – Respirei fundo tentando não encará-la .
   - Imagina... – Disse levando sua mão até meu rosto, obrigando-me a olhá-la - Pior sou eu que não posso vir correndo te encontrar... - Respirou fechando seus olhos - Sabe... Toda vez que eu ficar com saudades. – Finalizou.
   - Vem cá... Vem? – Puxei-a para mim, abraçando-a finalmente como ela merecia, como eu merecia, sentindo-a respirar pesadamente em meus braços, enquanto eu apenas tentava esconder que chorava... Apoiando meu rosto em seu casaco, tentando limpar as lágrimas que teimaram em cair, fui afastando meu rosto de vagar até encontrar o seu perigosamente perto, respirando profundamente, sentindo o seu cheiro tão próximo ao meu, enquanto umedecia seus lábios em um prelúdio para um beijo que jamais poderia acontecer, mas que ainda assim era desejável e extremamente necessário.

Capítulo 05

  

Tom's P.O.V.

- Tom? – Ela falou e abri meus olhos vagarosamente para encará-la - Bill... Ele está me esperando. - Completou se afastando.
   Aquele momento ficaria impresso em minha alma pra sempre, eu sabia que não haveria nada que conseguisse apagá-lo, nem o amor e respeito por meu irmão, nem esta insanidade que tanto me afasta do que um dia fui.
   Eu estava completamente doente e havia perdido minha sanidade quando imaginei que o que sentia por ela pudesse ser recíproco.
   - Kate? - Olhou-me enquanto caminhava até à porta, seu olhar parecia perdido, o que pra mim era totalmente desesperador - Algum dia você já teve medo de perder o que julgava ser importante? – Completei ofegante.
   - Todo o dia. - Respondeu em tom choroso.
   - O que você tem medo de perder? – Ainda que minha esperança fosse débil, perguntei curioso.
   - Seu irmão. – Disse ela antes de sair batendo a porta, indo embora totalmente diferente de como chegou.

Bill's P.O.V.

Sair com Andy era um tipo de desculpa para não ir até Tom. Embora eu estivesse louco para vê-lo, meu orgulho era maior que minha saudade. Ele é que havia ido embora e não eu, e ainda foi com uma explicação medíocre ofendendo minha inteligência, como se eu não soubesse o que se passava com ele, como se eu não conseguisse mais ler seus pensamentos... E embora soubesse que ele estava sofrendo, eu não poderia interferir neste momento só dele.
   Cheguei em casa com esperanças de que ela pudesse estar lá, mas como sempre encontrei a mesma vazia. Com certeza Gordon havia passado por lá e pego nossos cachorros para levá-los ao veterinário, já que este era o serviço do Tom. Caminhei por toda a casa sentindo o silêncio tomar conta da mesma. Sem Tom e Kate, sem o som de seu sorriso ou as brincadeiras deles assim que se encontravam naquele lugar, nada mais existia.
   Ouvi o barulho da porta se abrindo e a observei entrar calmante com seu olhar vago, como se procurasse alguma coisa perdida há tempos, algo que ela jamais recuperaria...
   - Onde estava? – Perguntei e ela assustou-se com minha presença.
   - Eu fui até à casa de Anete e Gustav. – Falava pausadamente – E depois eu fui ver o Tom. – Completou.
   - Ver Tom? – Perguntei intrigado.
   - Sim. - Confirmou.
   - Por quê? – Inevitavelmente alterei meu tom de voz, a assustando novamente.
   - Porque eu estava com saudades.
   Disse apenas me olhando e me calando ao mesmo tempo, Kate falava a verdade e embora eu esperasse ouvir a mesma, não fazia ideia que machucaria tanto.
   - Eu perdi alguma coisa? – Indaguei.
   - Do que está falando? – Perguntou aproximando-se de mim.
   - Eu não fui ver ele, mas você foi. Não acha estranho? – Segurei um de seus braços, forçando-a a me olhar.
   - Não. – Tocou meu rosto com suas pequenas mãos tentando acalmar-me, ela sabia que assim conseguiria como sempre conseguiu.
   - Vou para o banho. – Tentei me afastar em vão, sentindo sua mão puxar a minha.
   - Bill? – Suplicou.
   - Estou cansado. – Reclamei fechando meus olhos, eu estava mesmo cansado de tudo... Até mesmo dela.
   - Quer que eu vá com você? – Pediu completamente vulnerável e entregue, como se não tivesse mais vontade própria, tristemente distante da mulher com quem me casei... Longe de tudo que um dia foi, afastando-se da criança que era, do sorriso sempre aberto e receptivo que mantinha até a algum tempo atrás.
   Eu estava perdendo Kate, perdendo-a para ela mesma e o vazio em que se encontrava.
   - Não... – Afastei suas mãos das minhas e com pesar neguei seu pedido.
   Caminhei até à porta do corredor e a ouvi sussurrar...
   - Eu poderia ter mentido.
   - Eu preferia que o tivesse feito. – Retruquei sem olhá-la.
   - O que quer que eu diga? – Perguntou – Estou aqui, Bill. – Finalizou.
   - Você nunca está aqui. – Rebati saindo em direção ao banheiro, fechando a porta do mesmo, me permitindo chorar sem que ela pudesse ver.
   Deixei que a banheira enchesse e fui até ao nosso quarto pegar meu roupão. Notei que ela não estava mais lá, obviamente já teria corrido até Tom. Ultimamente era com ele ou com aquele maldito diário que ela parecia se importar mais... Esquecendo-se dela e claro, de mim.
   Voltei ao banheiro encontrando-a parada na porta do Box, observando-me entrar com seus olhos amedrontados, despindo-se para entrar comigo... Ignorando completamente minha primeira negação.
   - Não faz isso. – Pedi observando cada peça cair ao chão.
   - Por favor. – Me olhou – Me deixe ficar com você. – Suplicou em tom choroso.
   - Não.
   - Eu sou sua, Bill. – Suspirou sentido a última peça cair, deixando-a nua em minha frente. – Só sua. – Garantiu.
   Eu não conseguiria ficar longe, não desta forma... Kate me tinha em suas mãos, mesmo estando em um mundo paralelo ao meu.
   - Chegue perto de mim. – Pediu me olhando.
   - Pra quê?
   - Porque preciso de você perto de mim... Sempre. – Continuou agora com um fino sorriso amedrontado nos lábios.
   - Mesmo? – Caminhei até ela, cruzando meus braços à espera de uma reação.
   Não respondeu, apenas olhou-me uma última vez antes de desamarrar o laço de meu roupão, deixando-me igualmente nu à sua frente... Procurou me beijar, mas neguei, abrindo-lhe o apetite. Sabia perfeitamente que gosto de comandar.
   Encostei-a na parede segurando seus cabelos com força, ouvindo-a sussurrar próximo ao meu ouvido.
   Puxei-a para dentro da banheira, vendo-a engatinhar para perto de mim... Beijando meu pescoço quente com seus lábios frios, encarando-me antes de literalmente comer meus lábios de uma maneira que me deixava louco... Apoderando-se de mim como só ela sabia que podia.
   Acompanhei seu olhar enquanto víamos nossos corpos se encaixarem perfeitamente, nos permitindo fugir para um mundo surreal onde nossos movimentos eram sincronizados, levados ao limite a cada toque de nossos corpos.
   Não havia como negar, fazê-lo com ela, daquele jeito eternamente perfeito que ela tinha, era um sensação de outro mundo... Algo que eu poderia guardar para mim, só minha como de fato era.
Aninhou-se ao meu lado, tentando retomar o ritmo dos batimentos cardíacos, olhando-me nos olhos.
   - Meu Deus, ela está me enlouquecendo. - pensei para mim mesmo antes de beijar-lhe o topo da cabeça e abraçá-la, pedindo freneticamente para que ela se mantivesse minha, para que ela voltasse a ser a minha Kate...

O que significava amar outra pessoa?

Para mim significava que eu me importava mais com ela do que comigo mesmo, tanto que chegava a cogitar passar o resto de minha vida ao lado dela, era isso que eu desejava, mas talvez para ela isso não fosse o bastante.
   Segui seu olhar por várias vezes, tentando achar a raiz da questão, o momento exato em que a deixei se perder, mas tudo que eu conseguia enxergar eram seus olhos castanhos perdidos.
   Sorri para ela recebendo o mesmo de volta... E, naquele momento, eu me dei conta de que não importava o que estivesse acontecendo em nossas vidas, eu poderia me imaginar para sempre deitado ao lado dela, abraçando-a... Ou apenas perdidos nos braços um do outro.
   - Posso te fazer um pedido? - Pedi prendendo meu olhar ao dela o máximo que pude.
   - Claro. – Respondeu sonolenta.
   - Sonha comigo?
   - Eu sempre sonho. – Sorriu beijando-me para logo encolher-se em meus braços, deixando-me preso àquele momento seguro em que nos encontrávamos.

Tom's P.O.V.

Faltava pouco tempo para a festa e minha animação de anteriormente parecia ter ido embora junto com Kate quando ela pronunciou tais palavras. Não foi fácil para eu aceitar a simples verdade de que o que ela mais temia era perder Bill, enquanto tudo o que eu sentia era que uma parte de mim doía só com o pensamento de estar tão perto e ainda sim tão intocável.
   Gustav finalmente aparecera com mais uma caixa de bebidas na mão, olhando-me assim que entrou na casa.
   - Já está bebendo há essa hora? – Disse ele.
   - Dane-se. – Retorqui olhando para o lago.
   - O que tem lá, hein? – Perguntou curioso olhando também, talvez tentando encontrar o que prendia minha visão.
   - Água. - Forcei-me a manter os olhos no lago tentando de alguma forma ignorá-lo, pois sabia exatamente onde esta conversa chegaria.
   - Muito engraçado, aposto que está pensando em Kate. – Me olhou preocupado. – Droga, Tom, o que está acontecendo com você? Sei que não deve ser fácil, mas se não se esforçar nunca vai esquecê-la.
   - Não quero falar sobre isso.
   - Porque sabe que é verdade... Ou não estaria aqui se escondendo. – Gritou ele.
   - Eu não estou. – retruquei no mesmo tom. Gustav balançou a cabeça e saiu de perto de mim. Eu não o impedi, não disse mais nada, mas quanto mais ele se afastava, mais eu percebia o quanto estava certo. Eu era louco por Kate e nem o detalhe de ela ser casada com meu irmão afastava os pensamentos absurdos que tinha em relação a ela... E ainda sim teria feito qualquer coisa para estar com ela se ela quisesse.
   Mais tarde, quando a casa já estava cheia de pessoas que eu não fingia conhecer, me dei conta de que meu mundo havia mudado totalmente depois do casamento e me senti como se tivesse a obrigação de ficar acomodado de certa forma, ou apenas para me certificar de que o que eu sentia era realmente autêntico e não só o pensamento de alguém que acabara de ver o único irmão se casar e estava com ciúmes ou algo assim. Notei que algumas meninas dançavam perto de mim, talvez até perto demais. Antigamente eu saberia exatamente como agir, mas agora tudo que eu conseguia fazer era lançar a elas um olhar curioso, praticamente implorando para que se afastassem e, enquanto isso, Georg me olhava de longe, não acreditando no que via. Talvez se ele pudesse ler meus pensamentos ele estaria rindo e me acusando de ter virado gay, mas a verdade era que eu não me importava com nada disso, eu apenas não estava a fim de ser o velho Tom... Não hoje e talvez nunca mais.
   - Oi Andy. - Me aproximei vendo-o se virar e me encarar.
   - Tom! Há quanto tempo?! Pensei que tivesse me esquecido. – Ele comentou.
   - Isso foi tão gay, mas eu vi você ontem. – O lembrei.
   - É, acho que já estou um pouco bêbado. – Confessou enquanto enchia novamente seu copo.
   - Está bebendo o quê? – Observei o mesmo fitar o copo antes de me responder.
   - Absinto.
   - Não beba demais, ontem eu passei mal por culpa dessa bebida.
   - Bebeu quanto? – Perguntou preocupado.
   - Toda a garrafa. – Confessei.
   - Você é um idiota, absinto pode te deixar em coma... Ou até pior. – Falou pronunciando as palavras indistintamente.
   - Sério? Agora já é tarde. – Sorri pegando o copo de sua mão e bebendo tudo em apenas um gole.
   - Jordin chegou. – Gustav apareceu do nada me avisando.
   - Hora de eu me divertir um pouco. – E sem pensar em mais nada, apenas caminhei em direção à ela.
   - É, vai lá. – Escutei Andy pronunciar enquanto eu me afastava.
   - Olha só, ela já está um pouco bêbada, então é só subir e... – Gustav tentou falar e então eu parei, encarando-o.
   - Sai fora, Gustav, não tente ensinar nada ao mestre. – Avisei empurrando-o logo depois.
   E então eu vi Jordin, uma das muitas garotas de meu passado, encostada na guarda da escada.
   - Tom... Eu estava te procurando. – Ela disse tentando me beijar, mas eu desviei meu rosto até seu ouvido.
   - Estou aqui. – Sussurrei e consegui perceber que se arrepiou.
   - O que acha de subir? – pediu mordendo os lábios.
   Não respondi, apenas a puxei escada a cima, procurando o primeiro quarto que aparecesse em minha frente. Abri a porta e a empurrei para dentro do mesmo me perguntando se devia ser educado com uma garota do tipo de Jordin e a resposta foi procurada de diferentes formas em minha mente... Não, eu não deveria.
   - Por que quer fazer isso? – Perguntei enquanto beijava seu colo e notava suas mãos escorregarem para o fecho de minha calça.
   - Tom Kaulitz, fazendo essa pergunta em uma hora tão crucial? – Ela apenas riu e seguiu o que estava fazendo.
   - Sim, eu! Por que, não posso? – Parei um momento para encará-la.
   - Pode claro.
   - Então diz, por que se prestou a vir até aqui para transar comigo mesmo sabendo que eu não a olharei mais? – Perguntei e ela não pareceu se incomodar em nenhum momento.
   - Porque eu sei que é só isso, você é só isso... Eu sei que não posso esperar mais nada de você.
   Ouvi-la falar assim me levou à velha pessoa que eu costumava ser, e eu mal podia suportar pensar que estava voltando a ser aquele cara.
   - E mesmo assim você quer? – perguntei presunçoso.
   - Você não entende que não importa pra mim? Eu estarei com você uma vez, mas a lembrança ficará comigo sempre. – Ver seu rosto enquanto se rebaixava tanto me fez perceber que essa era a primeira vez que eu sentia pena de uma garota.
   - Gosta de mim?
   - Eu gosto do que você me pode dar no momento... – Mentiu desviando o olhar. - E a única coisa que você me pode dar é sexo... Porque você é só sexo. – Sim, ela tinha razão. Talvez eu fosse apenas isso, mas desejava que estivesse errada.
   - Está enganada. – Disse sacudindo a cabeça.
   - Estou? O que faz neste quarto comigo então? – Ela riu não acreditando.
   - Eu não faço à mínima ideia. – Confessei saindo de cima dela.
   - Vou deixá-lo... – levantou-se passando por mim. - Não se preocupe, vou falar a todos que você foi incrível!
   - Não me importo... Fale o que quiser. – Foi tudo o que consegui dizer.
   - Não quero falar nada. – Disse antes de bater a porta e só então notei que ela havia ido embora.
   Um tempo depois, quando a casa de Georg estava inacreditavelmente mais lotada do que antes, eu me lembrei de casa e do que estaria fazendo se estivesse lá... Por um momento eu não pensei em Kate, mas na saudade que sentia de ver meu irmão... Embora só estivesse longe há dois dias, era estranho tanto pra mim quanto eu tinha certeza que era pra ele.
   Caminhei até ao armário e peguei minhas chaves, eu precisava vê-lo, conversar com ele, dizer à ele o quanto estava sendo difícil todo este momento, precisava confessar o que eu tinha a certeza que ele já sabia... Precisa falar sobre Kate.
   E foi o que eu fiz, eram três horas da madrugada e lá estava eu, dirigindo por um caminho já gravado em minha mente.
   Sabia que estariam dormindo, mas precisava de um tempo com minhas coisas, em meu quarto... Ver meus cachorros e talvez uma surpresa para eles no café da manha...
   Definitivamente, eu queria mudar e talvez fosse por eles a melhor forma de começar.
   Levei minhas chaves à porta fazendo o mínimo de barulho possível, não querendo acordá-los, mas assim que entrei encontrei Kate perto do sofá. Estava acordada olhando alguma coisa na televisão.
   - Posso entrar? – Pergunta ridícula, pensei para mim mesmo.
   - Claro. – Ela sorriu bobamente.
   - Bill?
   - Está dormindo... Mas eu posso acordá-lo, se você quiser. – Ela murmurou.
   - Não... Estou com saudades, mas é melhor não. – Alertei.
   - O que aconteceu? - Sua voz gentil afastou meus pensamentos.
   - Por quê? - Quando questionei e viu minha expressão, ela tocou meu rosto.
   - Está triste. - Confessou.
   - Estou bem... - Senti seu toque, me perguntando por que eu me importava tanto - Só precisava ver você, ficar perto de você um pouco. - Ela afastou-se enquanto tudo que eu fazia era encará-la.
   - Eu adoro você - Disse apenas.
   - Eu também adoro você... - Respondi a abraçando. Enquanto senti seu perfume tomar conta de mim, ela apertou minha mão e então me afastei dela, temendo que a tivesse deixado desconfortável.
   - Você voltou? - Perguntou e eu pude ver esperança em seus olhos.
   - Vou passar a noite aqui. – Disse tentando explicar, mas não consegui falar mais.
   - Então boa noite, Tom. – Curvou-se beijando meu rosto para logo depois se virar em direção ao quarto.
   - Antes de ir... – Segurei sua mão - Posso te fazer um último pedido? - Eu quase me calei, consciente do que poderia vir se continuasse, mas ainda assim segui adiante – Sonha comigo? - Ela respirou profundamente enquanto olhava para nossas próprias mãos – Assim podemos nos encontrar no meio da noite e acabar um pouco com essa saudade que tanto machuca aqui – Levei sua mão até ao meu peito, seguro de que sentiria meus batimentos apressados tanto quanto eu sentia.
   - Tom... - Ela tentou falar, mas não deixei que continuasse ou o momento passaria e escaparia mais uma vez minha chance de deixar meus sentimentos claros para ela, mesmo que isso a assustasse no princípio.
   - Você não tem ideia do que esses dois últimos dias têm significado pra mim - Comecei.
   - Ter você mais próxima, poder sentir um pouco mais do que sempre senti quando estamos perto... Poder te tocar... - Eu hesitei, sabendo que se parasse agora nunca mais seria capaz de dizer a verdade.
   - Eu amo você - Sussurrei.
   Em todas as vezes que me imaginei confessando isso a ela, tudo que eu pensava era no quão difícil seria dizer essas palavras, mas acreditando ou não, elas não foram.

Capítulo 06

  Eu nunca tive certeza de nada em minha vida e por mais que eu esperasse um dia ouvir Kate dizendo essas palavras para mim, o que mais importou no momento foi saber que o amor era meu para dar a ela e não ao contrario. Isso era tudo que eu tinha no momento, um sentimento sem restrições ou expectativas.
   - Eu sei e também amo você, Tom!
   Sorrindo, apenas sorrindo tristemente, ela respondeu e eu imediatamente tive a certeza de que ela não sentia o mesmo... Que suas últimas palavras não carregavam o mesmo significado das minhas.
   - Não precisava dizer... Eu só... Eu não espero que seja recíproco... Não foi por isso que eu disse. - Fechei meus olhos, lamentando ter dito que a amava. - Me desculpe, mas... - Eu hesitei por um momento - Você não tem ideia de quantas vezes eu simplesmente quis te dizer isso.
   Enquanto eu tentava não chorar, não me permitindo ser um fraco perto dela, Kate aproximou-se de mim, me envolvendo em um abraço que desde sempre desejei.
   - Tudo vai ficar bem, Tom... - Disse enquanto eu tentava gravar em minha memória aquele momento com ela.
   - Como?
   - Eu não sei. – Ela respondeu calmamente.
   Kate então se afastou de mim, mas suas mãos continuaram em meu rosto. Peguei-me pensando por um momento no quanto a amava e me dei conta de que ter dito a ela foi a melhor coisa a se fazer.
   Segurei sua mão e a olhei por um momento, levantei minha cabeça obrigando-me a encará-la e então novamente reprimi minha vontade de beijá-la, mesmo sendo totalmente difícil pensar em outra coisa naquele momento. O que eu sabia era que estava de mãos atadas e jamais conseguiria fazer alguma coisa... Talvez em outra vida, ou em outros tempos, mas neste momento, pela primeira vez, eu não sabia o que fazer. E antes que eu pudesse ter a chance de decidir, vi Bill entrar na sala rapidamente em direção a Kate, segurando-a no pescoço e a encostando à parede fria do corredor. Ele estava matando-a e, ainda assim, eu não conseguia me mover para impedir.

Bill's P.O.V.

Quando finalmente abandonei minha sanidade, junto com os minutos torturantes que se passaram desde que meu irmão entrou pela porta, caminhei rapidamente até Kate, deixando que minhas mãos escorregassem violentamente até seu pescoço.
   Empurrei-a até a parede, ouvindo um barulho próximo devido ao choque repentino de suas costas na mesma. Eu tinha certeza que a havia machucado, mas ainda assim não conseguia parar e muito menos largá-la.
   - Bill... – Eu a ouvi implorar.
   Estava a machucando e sabia disso. Sabia também que apesar de ver seus olhos vermelhos cobertos por lágrimas, estava gostando de vê-la sofrer.
   - Está doendo? – Perguntei insanamente sabendo que sim.
   Levei minha outra mão ao seu rosto, segurando enquanto a sufocava. Ela estava chorando.
   - Você já amou tanto alguém a ponto de mal conseguir respirar? – Perguntei, cravando ainda mais minha unha em seu pescoço, tanto que quase podia ver seu sangue próximo. - Consegue sentir agora o que eu sinto enquanto vejo você com meu irmão?
   - Por favor... - Ela suplicou com a voz falha.
   - Dói, mas é tão bom. - Eu sussurrei próximo ao seu ouvido, cheirando sua pele como um maníaco a quem eu mesmo desconhecia.
   - Bill! - Ele gritou, segurando minhas mãos; parecia ter saído do transe em que se encontrava.
   Eu a joguei no chão e só quando a olhei pude notar que ela havia caído com a cabeça sobre a mesinha de canto na sala. Kate havia desmaiado, pelo menos era isso que eu achava.
   - Kate? - Tom gritou correndo até ela e virando seu corpo para cima. Sua cabeça e pescoço sangravam e eu havia feito isso com minhas próprias mãos.
   - Sai de perto dela! - Gritei, mas fui ignorando, visto que Tom sentou-se ao lado dela, colocando sua cabeça entre as pernas dele.
   - Ela está morrendo, Bill! - Disse desesperado.
   - E o que importa? - Eu gritei. - Ela vai me deixar! Você vai me deixar!
   - Não... - Tom fechou os olhos tentando recuperar o fôlego - Ela...
   - Ela disse que o ama... Eu ouvi. - O interrompi gritando, jogando qualquer coisa que havia achado em minha frente.
   - Disse que gosta de mim, disse que me ama, mas é de uma forma completamente diferente. - Ele sugeriu em tom choroso.
   Só então eu parei para vê-lo segurá-la no chão, Tom estava em meu lugar, eu devia estar cuidando dela e não tê-la machucado.
   Que espécie de pessoa eu havia me tornado... Isso é o amor ou pura fraqueza diante dele? Eu não saberia dizer no momento, quando tudo o que eu queria era abraçá-la e curar suas feridas enquanto repetiria o quanto a amava e confiava nela.
   - Por que fez isso, Tom? - Perguntei me aproximando deles - Qual era a sua pretensão quando resolveu dizer isso a ela? Se ela o aceitasse iria fugir e me deixar aqui como um idiota? - Gritei mais com ele, puxando-a para perto de mim, enquanto deitava ao seu lado.
   - Não... Não era essa a minha intenção... Eu nunca quis magoar você, nunca quis ver Kate sofrer deste jeito... - Tom acariciou-lhe a face aproximando-se dela.
   - Mas foi o que fez... - Eu sussurrei.
   - A culpa é minha, Bill, só minha, e agora lembrando tudo que aconteceu nestes últimos dois dias, eu tenho certeza de que era tudo uma invenção criada por mim.
   - Ela foi ao seu quarto, foi atrás de você... - Eu o olhei, culpando-o mais uma vez.
   Tom e eu estávamos deitados no chão e apenas o corpo de Kate nos separava, talvez se ela não estivesse ali, naquele momento, estivéssemos rolando no chão, tentando matar um ao outro como sempre fazíamos quando queríamos resolver nossos problemas tolos.
   - A culpa é minha! – Ele falou novamente. - Na próxima vez que quiser fazer isso é melhor que faça em mim, Bill...
   Quando ele acabou, eu estava rígido de raiva, tentando imaginar se ele já a havia tocado e onde tinha o feito, mas o pouco de sanidade que me restava me mandava sinais de que eu ainda devia confiar nela e, possivelmente, nas palavras dele.
   Mas, ainda assim, não conseguia achar palavras para descrever meus sentimentos naquele momento. Era com certeza uma mistura de raiva, amor e tristeza... E, apesar das lagrimas, olhei seu rosto e sorri, sentindo-me um idiota, culpado por ter feito tudo aquilo e, possivelmente, por estar perdendo Kate.
   Tom havia fechado os olhos com a cabeça encostada ao ombro dela, não pude ver, mas acreditei que estivesse chorando.
   No silencio eu pensei na coragem que ele havia mostrado ao contar, não só hoje, como em todos os dias em que permaneceu sofrendo apenas para si.
   E então eu também chorei, sentindo-me culpado, como de fato era por ela estar assim entre nós.
   Fiquei observando-a durante um tempo, dando-me conta do quanto a amava. Segurei sua mão junto ao meu coração, sentindo a frieza de seus dedos e, naquele momento, eu tive a certeza de que a havia perdido.

Até ela apertar a minha mão...

Poucas horas depois tudo que conseguia ver em minha frente eram rostos desconhecidos, alguns tentando salvá-la e outros apenas tentando entender o que havia acontecido.
   O que eu poderia dizer? Sinceramente eu apenas me mantive em silêncio e Tom fez o mesmo.
   Gostaria de saber o que pensavam enquanto tentavam fazer com que Kate voltasse à vida. Será que perceberam que eu estava perdendo tudo o que importava para mim? Ou estava eu, mais uma vez, sendo completamente egoísta, mesmo sabendo que a culpa de toda dor que ela estava sentindo era apenas minha... Eu não saberia responder, porque naquele momento meu mundo estava correndo rápido demais.
   Kate logo foi levada para o quarto e novamente foi atendida por uma equipe de enfermeiros e médicos que, assim que me viram no quarto, pediram que eu me retirasse. Comecei a chorar, com a certeza de que ela estava morrendo e em algum canto pude notar que Tom também chorava sozinho. Essa era a primeira vez em anos que eu podia simplesmente ver isso sem que ele escondesse ou apenas omitisse... Não sei, mas por algum motivo desta vez eu sabia que as lagrimas tão cedo não cessariam.
   Longas horas se passaram desde que ali chegamos e tudo que eu podia fazer era olhar para uma janela cinza a minha frente. E isso era totalmente estranho, principalmente quando meu irmão estava ali ao meu lado o tempo todo, como se segurasse a minha mão, como se me apoiasse de qualquer forma e mesmo sabendo que ele estava ali por ela, era assim que eu gostaria de sentir e pensar.
   - Quer tomar alguma coisa? – Ele perguntou, levantando-se da cadeira ao meu lado.
   - Não, mas obrigado por perguntar.
   - Vou pegar um café e já volto. – Avisou saindo.
   - Senhor Kaulitz? – Levantei meu rosto e encarei a médica que há pouco havia entrado no quarto de Kate.
   - Sim. Como... Como ela está?
   - Sua esposa está dormindo agora... – Falou ela calmamente. – Ela ficará bem.
   - Obrigado! – Foi tudo que eu consegui dizer depois de respirar profundamente.
   - Sei que o senhor é uma pessoa publica e não gostaria de incomodá-lo com esses perdures, mas são normas do hospital.
   - O quê? Do que está falando?
   - Sua esposa chegou muito machucada. - Ela começou a falar naquele tom totalmente estranho que só os médicos carregam – E, obviamente, o senhor sabe que ela mesma não conseguiria fazê-los sozinha. – Finalizou, esperando uma resposta supostamente convincente vinda de minha parte... Mas infelizmente não havia nenhuma.
   E enquanto ela falava as memórias voltaram como uma avalanche, todas elas. Notei o quão estúpido eu fui e o quanto ainda estava sendo mantendo toda mentira por medo. Enquanto Kate sentia toda dor sozinha, sabia que havia cometido um erro em me manter em silêncio, mas fiz isso simplesmente porque era impossível esquecer o assunto, mesmo tentando me concentrar na conversa.
   - Estou bem... Como já havia dito foi apenas um acidente, Bill não estava em casa quando aconteceu.
   Olhamos para a cama assustados e lá estava Kate acordada, tentando me defender e, de alguma forma, tentando fazer com que a mulher acreditasse em suas palavras, mesmo que isso fosse totalmente inútil devido aos vários hematomas por seu corpo.
   - Bem, senhora Kaulitz, o hospital irá inve... – A mulher continuava a insistir.
   - Não será preciso. – Kate falou com total segurança. – Obrigada!
   Por um longo momento nenhum de nós se moveu, até que a médica contrariadamente decidiu deixar o quarto e então eu pude finalmente olhá-la nos olhos.
   - Oi – Eu disse enquanto me aproximava de sua cama.
   - Fico feliz que esteja aqui. – Ela sorriu, erguendo sua mão para alcançar a minha.
   - O que eu posso dizer ou fazer pra você, porque, sinceramente, acho que me desculpar nunca será o bastante. – Perguntei ridiculamente, pois sabia que nada apagaria a dor que causei a ela.
   - Você está aqui, isso é o bastante pra mim. – Murmurou.
   - Como pode não ter medo... Nojo ou raiva de mim depois de ontem?
   - Eu não tenho medo porque você é tudo que eu tenho... – Ela sorriu brevemente.
   - Eu quase matei você... – Falei indignado, sentindo raiva de mim mesmo ao me lembrar de tudo.
   - Estou bem... - Sua expressão adquiriu compaixão espontânea – Não quero que se culpe por algo que não aconteceu.
   De repente ela abriu um sorriso largo e cheio de prazer enquanto curvava-se, tentando sentar-se. Movi meus braços para ajudá-la, mas assim que a toquei seus braços me envolveram em um abraço e eu freneticamente pedia que aquele momento não terminasse nunca.
   - Me desculpe... Sei que isso não basta, mas me desculpe. – Eu pedia enquanto repousava minha cabeça em seu colo.
   - Você não precisa se desculpar... Não há razão para estar arrependido. – Ela disse passando a mão por meus cabelos.
   - Do que está falando? – A encarei encolhendo meus ombros relutantemente.
   - Acho que sei o que estava pensando naquele momento... E sei que se fosse eu no seu lugar teria feito exatamente o mesmo. - Ao observá-la dizer aquilo senti uma súbita secura na garganta.
   - É claro que não!
   - Na verdade não - Ela deu um sorriso irônico. - Mas eu entendo... Porque eu sei que não era você.
   - Está me perdoando? É isso? Depois de tudo?
   - Deite aqui comigo. – Ela disse como se não estivesse me ouvido.
   Inclinou-se para o lado da cama, dando passagem para que me aconchegasse ao seu lado e assim o fiz, tentando deixá-la o mais confortável possível, apesar de saber que ela não se importaria com isso. Apoiei minha cabeça em seu peito, sentindo seus batimentos cansados e sua respiração falha e, de repente, a noite passada começava a voltar em minha mente...
   - Me diga o que fazer, Kate... Eu não sei o que aconteceu e como viemos parar aqui... Eu simplesmente acordei e descobri que meu irmão estava apaixonado pela minha mulher... E eu nunca me imaginei vivendo esta situação... Não sei o que fazer, eu estou apavorado.
   - Calma. – Pediu ela.
   - Só quero ficar aqui... Com você e de alguma forma ajudar meu irmão. – Eu disse relutante.
   - Eu sei. - Ela olhou para mim e respirou fundo algumas vezes.
   - Vocês dois são tudo que importa pra mim e mesmo que eu pense no que seja certo a fazer, eu não sei... Não consigo descobrir.
   - Eu amo você... E você sabe. – Ela balbuciou.
   - Eu sei. – Apesar de tudo senti meu coração saltar.
   - Mas não posso permitir que se afaste de Tom. - Ela levantou os olhos e encarou os meus.
   - Eu não quero isso. – A alertei assustado apenas em pensar nesta possibilidade.
   - Eu sei que não. - Ela se calou cansada demais para continuar naquele momento.
   Seu sorriso era estranhamente triste e, por instantes, nenhum de nós disse nada. Até que ela ressaltou a última frase...
   - Mas você precisa me ajudar... – Ela pareceu estar cansada, mas após longos segundos tentando recuperar seu fôlego continuou... – Precisa me ajudar a te esquecer...
   Finalmente, depois de alguma hesitação, respirei fundo a fim de conseguir forças para poder conversar com ela sobre isso. Eu sabia exatamente onde Kate queria chegar e, sinceramente, eu não estava ansioso para este momento.
   – Ajudar você a me esquecer? - Perguntei calmamente – Por que eu faria isso?
   – Porque esta seria a melhor forma de acabar com o sofrimento de todos nós. - ela respondeu mecanicamente.
   E olhando seu rosto naquele momento, tudo que eu conseguia pensar era que, de alguma forma, Kate tentava brincar de propósito com minhas emoções... Como um castigo, talvez.
   – Um tipo de troca? – Falei já em tom alterado, assustando-a de início - Você me esqueceria, e em troca eu também estaria esquecendo você?
   – E se isso for o certo a ser feito? – Ela questionou.
   –Aí está o problema... Isso não é certo e não há nenhuma chance de chegarmos a essa conclusão. – Gritei com desprezo.
   Ficamos em silêncio durante algum tempo, porque simplesmente estava sem palavras, e me sentia exausto. Ela estava me fazendo sofrer pelo que eu fizera, mas pelos meus cálculos, de certa forma, eu já tinha pagado.
   – Bill? – Virei minha cabeça para trás para olhar para ela e a encontrei me observando calmamente.
   – Sim.
   – Lembra quando eu falei a você sobre meu irmão? – Ela perguntou empalidecendo.
   – Sim, mas por que está tocando neste assunto agora? – Disse confuso com a repentina mudança de conversa.
   – Tay estava apaixonado por uma garota quando morreu. – Ela continuou ignorando totalmente minha pergunta. - Ela não o quis, não sentia o mesmo por ele... - Kate sorriu sem graça e eu pensei em pedi-la para não continuar, pois sabia que tocar no nome do irmão não era fácil para ela. - E então ela ficou noiva e partiu para outro lugar... – Ela continuou, fazendo gestos com as mãos, tentando me explicar. - Nós achávamos que ele fosse superar, mas não foi o que aconteceu.
   – Então ele... – Fechei meus olhos pedindo para que ela não continuasse.
   – Sim... – Ela suspirou, fechando os olhos – Tay se suicidou.
   Disse enfim, e então eu corri para perto dela, segurando sua mão, acreditando que naquele momento, pela primeira vez, Kate fosse se entregar a mim totalmente, como nunca, até agora, havia feito.
   Mas como sempre, com seu suspiro profundo, ela também levou as lágrimas junto com o ar, e eu começava a notar o quão forte ela era, ou ao menos tentava ser.
   – E você acha que Tom... – Claro... Eu pensei... Tudo fazia sentido agora e, ao olhar para ela, notei que ela podia ler meus pensamentos.
   – Eu sei que não, Bill... Não é o que eu quero dizer. – Ela disse.
   – Eu não entendo - Perguntei, saindo do meu estado de choque. - Aonde quer chegar?
   – Foi por isso que eu não me afastei do Tom... Eu precisava cuidar dele... E eu fiz isso por você. – Confessou.
   – Cuidar dele?
   – Eu fiquei com medo, Bill, vi meu irmão morrer e não estou falando na hora em si, mas de todos os dias que a antecederam. – Ela suspirou, continuando... – Eu vi o quanto ele sofreu.
   – Acha que Tom estava perto de um sentimento como esse? - Eu finalmente digo com a voz trêmula. – Não conhece meu irmão. – Concluo ligeiramente nervoso.
   – Não foi o que eu disse. – Ela diz de mansinho.
   Eu inspiro fundo e espero todo o ar sair. Posso sentir os primeiros traços de raiva de verdade tomando conta de meu rosto, mas ainda assim tento me manter calmo.
   – Ontem... Ontem à noite você disse que o amava. – Falo tentando tirar de minha mente o fato de que as horas que ela tinha passado com meu irmão não eram nada mais que amizade.
   – Sim... E eu estava falando sério. – Ela responde abertamente e isso me deixa um pouco abalado.
   – Mas é por que você tem nele a lembrança do seu irmão? – Eu pergunto temeroso, por que é exatamente nisso que quero acreditar.
   – Não... Não totalmente. – Ela diz, e eu posso ver o quanto está se culpando.
   – Você queria ajudá-lo porque ficou com medo de que ele fosse tão fraco quanto seu irmão foi. – Tentei novamente, não querendo chegar a nenhuma conclusão precipitada.
   – Não... Você não entende... Tay não foi fraco, ele estava doente. – Ela diz rancorosa.
   – Tom não está doente. – Gritei.
   – Eu nunca disse que estava... – Ela me olhou assombrada – Eu apenas quis me certificar de que isso não fosse acontecer.
   – Você acha mesmo que é a pessoa mais indicada para isso?
   – Não. - A culpa estava escrita claramente no rosto dela.
   – Pare de mentir.
   – Não estou mentindo... - Ela disse com os olhos completamente abatidos. - Eu só queria que entendesse que fiz isso por você... Porque queria trazê-lo de volta e queria que ele aceitasse que, na verdade, não me ama.
   – Ele ama você, ou talvez ele apenas esteja confundindo. - Eu não conseguia esconder a raiva em minha voz.
   – Talvez, e é por isso... Exatamente por isso que quero que entenda, Bill... Eu não posso mais ficar aqui, não posso ficar com você.
   – Não quer dizer isso... Você não tem que ir embora por isso, é minha esposa.
   – Eu não sou ninguém... Não sou ninguém. - Sua honestidade fez com que ficasse dolorosamente claro que ela acreditava no que estava dizendo.
   – Por que está dizendo isso? - Eu fecho meus olhos, ciente de que a hora da verdade chegou. - O que quer dizer com isso?
   – Exatamente o que você entendeu. - o silêncio foi repentino.
   – Kate? Não está falando sério... Está? – Perguntei já completamente apavorado em pensar nesta possibilidade.
   – O que espera que eu faça? – Perguntou com a voz vacilante.
   – Que não me peça para escolher. – Eu pedi.
   – Não há o que escolher, Bill... Você tem que ficar com seu irmão. – Ela falou e, por mais que isso me doesse, sabia que ela tomaria essa posição.
   – Está me deixando? - Eu mal conseguia ouvi-la - É isso?
   – Sim. – Disse ela baixinho, sem me olhar.
   – Não pode estar falando sério. – Supliquei.
   – Só estou dando a você a chance de não ter que escolher... - Sussurrou.
   E naquele momento, olhando para ela, eu me dei conta de que tinha razão, e que mesmo que eu não quisesse ou pensasse assim, chegaria o momento em que eu teria de escolher; os fatos me levariam à isso e Kate sabia exatamente qual seria minha decisão. Essa era a primeira vez que eu podia sentir o abismo entre nós...

Tom's POV

Não poderia descrever as longas horas esperando uma notícia e tão pouco mencionar a sensação ruim que tive ao ver meu irmão cruzar a porta daquele quarto de hospital.
   Eu podia ver lágrimas correndo por seu rosto, e o fato de que ele estivera chorando tão silenciosamente me fez doer, principalmente porque sentia que a culpa de tudo isso era apenas minha.
   – Você ouviu... Não foi? – Ele me encarou ao fechar a porta.
   – Sim. - Não é algo de que eu possa me orgulhar de dizer, mas sim, eu estava ouvindo atrás da porta.
   – Sei o que está pensando agora, Tom, e embora eu também esteja culpando você, não acho que isto seja totalmente verdade. – Ele faz uma pausa e limpa seu rosto, mas logo volta a me olhar. - A culpa foi minha também.
   – Bill... – Tento conversar, mas ele não parecia estar disposto a me ouvir.
   – Eu... Vou até a nossa casa pegar algumas coisas e irei para casa da mamãe.
   – Como ela está? – Pergunto e ele apenas solta uma risada triste, e então me olha apreensivo.
   – Pode levá-la para casa? – Pediu. – Eu sei que ela não pensa em ficar lá, mas eu quero que ela se recupere antes de ir embora. - Tanta me explicar, mas parece estar completamente perdido em suas palavras, e eu tento entender como ele pôde estar me pedindo isso e mesmo depois de tudo, confiar em mim... Eu não confiaria. – Pode fazer isso, Tom?
   – Claro. - Eu confirmo – Vou fazer isso, prometo.
   – Obrigado.
   E então vejo Bill caminhar rapidamente pelo corredor do hospital, até sumir de meu campo de visão.
   Viro-me para frente e encaro a porta do quarto de Kate; lanço minha mão instintivamente, a abrindo sem fazer barulho, tomo fôlego e caminho até sua cama, tentando mentalmente controlar meus sentimentos, mas fica completamente impossível assim que vejo seu rosto.
   Sinto meu coração parar, e então ela me olha, e posso ver que está sorrindo; mesmo depois de tudo, ela ainda consegue. Talvez sorrir seja a defesa dela, gosto disso, gosto de imaginar que mesmo depois de tudo Kate ainda consiga ser otimista em relação à tudo que está acontecendo em nossas vidas.
   Caminho com passos lentos até sua cama e começo a notar todas as marcas da noite anterior, não somente em seu corpo, mas em toda exaustão presente em seu rosto. Sento-me ao seu lado na cama e a vejo se endireitar, ficando com o rosto na altura do meu, podendo assim me olhar nos olhos.
   – Oi. – Falei tentando manter minha respiração normal, o que era praticamente impossível quando estava perto dela.
   – Oi. - Ela fala mantendo seu sorriso acolhedor.
   – Como está se sentindo? – Pergunto me aproximando dela.
   – Estou bem... – Ela responde, obviamente mentindo. - Obrigada.
   – Eu ouvi vocês e... Não quero que faça isso, você não precisa...
   – Tom... Não vá por aí... – Ela pede sorrindo, e isso me faz sorrir também.
   – Desculpa.
   – Vem aqui... Vem? – Ela me chama e então me sento ao seu lado.
   – Eu não queria isso... – Comecei com a voz embargada. - Não desejei que isso...
   Enquanto eu tentava falar, ela me interrompeu, pedindo que eu não continuasse.
   – Não... Não fala nada não, só fica aqui quietinho. – Kate encosta sua cabeça em meu ombro e fecha os olhos enquanto eu apenas a observo.
   Ficamos em silêncio durante um tempo, ambos lutando com nossos próprios pensamentos. Até ela sussurrar em meu ouvido...
   – Eu amo você, Tom.
   – Eu sei... - Sei exatamente o que ela quer dizer e de que forma quer que eu entenda.
   – Não sei o que eu faria sem você ao meu lado. – Segura minha mão e encaixa seus dedos nos meus, perfeitamente, e por um momento me faz pensar que poderíamos ficar assim para sempre.
   – Eu não vou sair do seu lado – Aperto sua mão na minha – Vou estar sempre perto de você... Até você cansar de mim. – Sussurro para ela.
   – Eu nunca vou me cansar de você. - Ela ri, fazendo desenhos na palma da minha mão e só agora posso notar a aliança brilhando no dedo esquerdo. Essa visão foi como uma ducha de água fria, um choque de realidade.
   Levantei-me rápido de seu lado, dando-lhe a desculpa de que iria ligar para Bill e não esperando sua resposta, saí do quarto, fechando a porta.
   Algumas horas depois, quando mais calmo, entrei novamente em seu quarto. Ela já estava de pé perto da cama ouvindo algumas recomendações da médica ao seu lado.
   – Pronta pra ir? – Perguntei interrompendo a conversa.
   – Eu não... – Ela parou, dando-se conta de que não estávamos sozinhos.
   E enquanto permanecíamos em silêncio, a médica pareceu se dar conta de que estava sobrando. Despediu-se de Kate e então saiu do quarto sem me olhar.
   – Pelo menos por hoje. – Eu voltei a falar. – Ele me pediu para fazer isso.
   – Tudo bem. – Diferente do que eu imaginava, aceitou rápido, cansada de discussões, eu presumo.
   O caminho de volta pra casa foi em completo silêncio, nenhum de nós falou... Ou ao menos tentou esboçar alguma expressão. Ela passou o tempo todo olhando pela janela do passageiro, com os braços cruzados. Eu poderia ficar preocupado, mas nada em sua expressão denunciava que aquela preocupação tinha a ver comigo, então a deixei sozinha com seus pensamentos.
   Quando entramos em casa, estava tudo em seu devido lugar novamente, a não ser por tudo que foi quebrado, e eu não estou falando de cacos de vidro.
   Kate caminhou até a mesinha, a tocando, sentindo como se nada daquilo tivesse acontecido; um pesadelo, talvez. Eu não sei, mas em certos momentos ela parecia perdida.
   – A sala está arrumada. - Ela falou olhando para todos os lados.
   – Sim, acho que Gert levou um susto hoje de manhã. – Ri pensando em Gert, nossa empregada, entrando para limpar nosso apartamento – Deve estar achando que eu aprontei. – Concluí.
   – Pode apostar. - Sorri com sua resposta. Não pude evitar.
   – Então... – Eu comecei, tentando tornar o clima mais fácil para ambos.
   – Então... Vou pegar algumas coisas e ir, não quero dar mais trabalho à você.
   – Não... Não pense assim, e também, você não pode ir, eu prometi a ele que a deixaria aqui para se recuperar, não quero desapontá-lo ainda mais. Já bastou tudo que aconteceu ontem.
   – Ontem acabou, Tom... – Ela disse - Hoje é diferente.
   Olhamos nos olhos um do outro por um momento antes de eu desviar os meus.
   – Desculpa, mas não parece diferente pra mim. Eu posso ver uma sala maquiada na tentativa de apagar o que aconteceu, meu irmão mal fala comigo, e você... – Caminhei até ela, tocando seu rosto, tocando cada marca e hematoma que ali estavam. – Você, Kate... Está assim.
   – Logo eles irão sumir... – Sabendo do que eu estava falando, ela afastou-se – Assim como eu.
   – Não quero que faça isso. – Digo em voz alta.
   – Já está feito, Tom. - Ela não deu importância.
   – Não está, você ainda está aqui, é só... Droga, Kate. – Fiquei em sua frente obrigando-a a me encarar. - Qual é a pior coisa que pode acontecer se você ficar?
   – Vai doer. – Ela diz.
   – Já está doendo.
   – Então pra que deixar isso ainda maior? – Ela diz baixinho, sem me olhar.
   Instantes se passam. O intervalo tem um som, como se algo muito pequeno houvesse se partido. Aproximo-me dela e a abraço, afundando meu rosto em seu pescoço, sentindo seu cheiro, sentindo respirar perto de mim.
   – Eu amo você. – sussurro com raiva em seu pescoço. – É a pior dor da minha vida, mas é o que eu sinto.
   Ouvi minha própria voz sair como se tivesse vontade própria e me dei conta do quanto era difícil manter isso dentro de mim.
   – Você não ama porque você não conhece esse tipo de amor. - Ela me empurra e se afasta, posso ver que está chorando e não posso fazer nada quanto a isso.
   – Não se atreva a dizer que eu não sinto. - Grito com ela; essa é a primeira vez e meu coração está aos pulos.
   – O que você quer que eu faça? - Ela grita também. – O que quer de mim?
   – Eu não sei.
   Sento-me ao sofá e minhas mãos cobrem meu rosto. De alguma forma sinto-me envergonhado, e por várias vezes me pergunto mentalmente por que eu fiz isso, por que contei, eu faria isso de novo? Sou sempre eu quem estraga tudo.
   – Eu não posso dar nada a você, Tom. – Ela me olha e respira fundo algumas vezes, tentando se recuperar - Não há nada que possa ser oferecido.
   – Por favor, vá descansar – Peço e ela parece se dar conta de que eu precisava desesperadamente de um momento sozinho. - Por favor, Kate, me deixe sozinho. - Em um minuto ela já não estava mais lá, e então, observando o apartamento vazio, começo a pensar em Bill.
   Ele era, e eu comecei a acreditar nisso há muito tempo, um homem muito melhor do que eu jamais serei. Eu sempre usei mulheres, me permiti ser usado e sempre manti meus sentimentos pra mim mesmo. Não é fácil para eu admitir certas verdades, e é isso que me faz simplesmente enlouquecer.
   Minutos mais tarde, quando estou cansado de pensar e refletir, levanto-me e caminho em direção ao quarto dela, mas ao invés disso paro em frente ao bar, e este me parece bem convidativo... Começo a pensar novamente, mas desta vez me pergunto se estou perto de virar alcoólatra. Espero que não, porque não sou a melhor pessoa do mundo quando estou bêbado. Na verdade, eu sou a pior pessoa do mundo mesmo estando sóbrio. Nenhum ser humano no mundo pode ser considerado digno quando se está apaixonado pela mulher do irmão. Então posso presumir que sou um idiota que está virando alcoólatra.
   Caminho até o bar e sirvo uma dose de Everclear misturada com Absinto. Se Andy estivesse aqui agora, com certeza perguntaria se estou tentando cometer suicídio, o que não me parece uma má ideia no momento.
   Empino o copo e deixo o líquido escorrer por minha garganta, queimando por onde passa, e me dou conta de que realmente eu seria um péssimo barman: minha mistura não funciona, ainda estou vivo.
   Que ridículo, pensamentos ridículos, tudo é ridículo, sou um alcoólatra que não serve para barman, estou apaixonado pela minha cunhada, meu irmão me deixou, aquele estúpido confiou em mim mesmo depois de tudo. E, para piorar, nem meu cachorro me quer... Definitivamente, essa bebida merece fazer efeito. Bem, talvez ela já esteja, pois não costumo ter pensamentos idiotas durante muito tempo, muito menos sentimentalistas.
   Levanto minha cabeça rapidamente do balcão onde estava apoiada e sinto meus olhos ficarem embaçados. Curvo-me mais uma vez tentando enxergar e sinto que ela está me observando quieta... Não sei quanto tempo está ali, mas creio que seja o bastante para estar assustada com meu comportamento.
   – O que está acontecendo com a gente? – Ela pergunta afastando meu copo e todas as bebidas para longe.
   Puxo seu corpo para frente do meu e a encosto no balcão; não consigo vê-la, mas sei que está apavorada.
   Prenso-a junto de mim e a encaro de perto, posso ver seus olhos vermelhos e sei que estava chorando. Não me importo muito por estar sofrendo, eu também estou. Bill está. Não é justo, mas nada disso importa agora que ela está ali nos meus braços.
   – Eu quero você. – Digo a ela.
   – O que está dizendo? - Eu percebo uma mudança no tom da sua voz.
   – Você perguntou o que eu quero, e a minha resposta é essa... - Aproximo-me rapidamente de seus lábios sem dar chance a ela de fugir. – Eu quero você, Kate.
   Ela me olha com uma expressão tão séria que imediatamente agarro seu rosto e lhe beijo. Seus lábios são macios e ela tem um cheiro bom, isso é tudo que consigo pensar enquanto ainda consigo raciocinar como uma pessoa normal.
   Tudo havia sumido, não existia mais nada, e eu nem ao menos conseguia me lembrar de quem éramos ali, tudo que eu podia pensar era no quanto eu queria aquilo, não só agora, mas sempre.
   Eu não sei, talvez estivesse louco demais pra saber em que momento ela cedeu, mas não me lembro de ter sentido qualquer tipo de resistência.
   Em nenhum momento no bar, enquanto eu a beijava... E muito menos agora enquanto eu a carrego para meu quarto...

Tarde demais para sentir medo...
   Tarde demais para voltar atrás...

E então eu acordei...
   Dando-me conta de que, pela primeira vez, sinto medo de estar acordado... Medo de olhar para o lado e ver que esse novo dia a tenha carregado para longe de mim, medo de um vazio inexistente. Sinto medo de não poder nunca mais tocá-la... Sinto um grande medo de não poder ver os mesmos olhos que ontem me guiaram...
   E, ainda que eu tenha perdido tudo isso, eu consigo ouvir sua respiração, ainda consigo sentir cada traço de seu corpo sobre meus dedos... Ainda me lembro de tê-la desenhado em minha memória com cada toque, com cada suspiro que absorvi, com cada gota de suor derramada sobre seu corpo...
   “Ergueu a mão e deixou seus cabelos deslizarem de seus dedos devagar, acariciando meu rosto, roçando em meus lábios, flutuando macios e pesados em meu pescoço e ombros, enquanto eu escorregava meus dedos, depositando-os como penas em cima dos seus seios... A ponta da minha língua tocando a linha dos lábios de Kate, com suaves beijos nos cantos. Ela não se mexia, rígida, a não ser por seus dedos, que se curvavam sobre meu peito.
   - Vamos, Kate... Você sabe o que eu quero – sussurrei bem acima dos lábios dela.”

   Balancei minha cabeça negativamente, tentando afastar minhas memórias da noite anterior como se pudesse me sentir menos culpado sem isso, mas era impossível e eu tinha plena certeza disso.
   Nunca em minha vida esqueceria um único momento de nossa primeira e última noite juntos, sempre olharei para trás e relembrarei do quanto fazer amor com ela foi arrebatador e guardaria essa lembrança comigo sempre, como uma jóia inestimável, insubstituível, mas que de fato nunca me pertenceu.
   Mais tarde, quando enfim ganhei um pouco de coragem para olhar para o lado, como imaginava, ela não estava mais lá. Não havia marcas suas muito menos seu perfume em meu travesseiro... Foi como um sonho apenas, real demais para arcarmos com as consequências que ele nos traria.
   Levei minhas mãos até meus olhos, tentando acordar realmente, já que tudo ainda parecia bastante nublado pra mim.
   Quando sentei em minha cama, pude me dar conta de que minhas roupas ainda estavam em meu corpo; estranho, pois não me lembrava de tê-las vestido outra vez.
   Levanto-me e caminho pelo corredor, segurando as paredes do mesmo; meus olhos fraquejam o tempo todo e eu mal consigo enxergar um palmo à frente dos mesmos.
   – Kate? – Eu chamo, sem conseguir enxergar nada.
   – Eu confiei em você. – Ouço a voz de Bill ao fundo, mas logo ele se aproxima e me faz cair sentado no sofá.
   Começo a ouvir sua voz alta gritando, mas as palavras que não eram dirigidas a mim não faziam qualquer sentido. Pertenciam à realidade de outra pessoa.
   E só quando pude vê-lo, percebi que está quieto, esperado minha resposta em silêncio, mesmo que pra mim ele estivesse gritando.
   – Quanto tempo está aqui? – Eu pergunto levando a mão aos meus olhos, tentando limpá-los.
   – Eu estava aqui o tempo todo. – O som do choro dele acionou uma reação repentina, como se estivesse guardando aquilo há muito tempo.
   – Eu não sei o que eu fiz. – Digo apenas, e embora pareça estar mentindo e ainda tenha memórias da última noite eu não sei até onde tudo isso é realmente realidade.
   – Você não sabe? – Ele grita e começa a jogar coisas sobre mim, não consigo desviar, ou talvez não quisesse fazê-lo... Você sabe... No estado em que eu estava, o melhor era que ele me acertasse logo; eu faria, se pudesse.
   – Bill, eu... – Levo as minhas mãos ao meu rosto tentando cobri-lo. – Não estou bem. Sinto meus olhos fraquejarem mais uma vez, e também começo a ouvi-lo gritar de novo. Não é possível que isso seja a porra de história de gêmeos outra vez, não me lembro de ter avançado tanto a poder ouvir os pensamentos dele... Embora isso pereça realidade no momento.
   – Está se sentindo culpado? – Ele se aproxima. - Quer se desculpar? – Grita em meu ouvido.
   – Quer mesmo que eu fale? – Eu grito, levantando-me, e nos afastamos. – Por que eu ficaria aqui tentando me desculpar se você viu tudo? – Pergunto curioso. Afinal, por que ele teria deixado Kate sozinha comigo se não confiava em mim? – Você diz que confia em mim, mas na verdade estava me testando.
   – E você caiu. – Ele confirma minha suposição. – Os dois caíram!
   Eu fecho meus olhos, ciente de que a hora da verdade chegou. Eu limpo a garganta. Molho os lábios e me detenho por um último instante... Não posso mentir a ele, então, ao invés disso, eu fecho meus olhos, pensando que, se ele puder ler minha mente, assim como eu estou lendo a dele, eu não preciso seguir a diante com essa confissão.
   – Bill?
   Viramos em direção à porta do corredor e lá estava ela parada, olhando tudo de longe, completamente assustada com o que estava acontecendo. Bem, ao menos era o que parecia...
   – Como você está? – Bill caminha em direção a ela e seus pensamentos não são nada bons – Dormiu bem?
   – Sim. - Ela o olha com medo e começa a se afastar instintivamente – Dói um pouco, mas consegui dormir.
   – Dor? – Ele cerra os punhos e esforça-se para não perder o controle. – É eu a ouvi gemer durante a noite. – Diz blasfemando enquanto me encara, e em seus pensamentos ele me pergunta o quanto foi bom estar em seu lugar... Quer mesmo saber? Seria ainda melhor se eu não estivesse tão bêbado e pudesse lembrar agora.
   – Você estava aqui? – Ela pergunta calmamente e eu não consigo entender como ela consegue manter-se assim, apesar de tudo.
   – O tempo todo. – Ele tentou encontrar algum sentido em sua pergunta.
   – Parece um pouco triste. - Ela o olhou dentro dos olhos e levantou ambas as sobrancelhas...
   – Eu tenho motivos. Não tenho? - Bill olhou para o lado oposto da sala, e seus olhos encontraram os meus.
   – Não foi uma boa ideia eu ter vindo para sua casa. – Ela percebe a minha reação, e acima de tudo percebe que Bill está da mesma forma que estava quando bateu nela.
   – Aonde você vai? – Ele grita quando a vê se afastar.
   – Eu vou embora. – Ela caminha em direção ao quarto.
   – Não, você não vai. – Ele gritou e seus olhos ficaram ainda mais apertados.
   Tento chegar perto dele, impedi-lo de fazer qualquer bobagem, mas, involuntariamente, meus pés não me obedecem; não consigo andar, nem tão pouco falar... E ao longe tudo que ouço é um sinal tocando pequeno e prolongado... Um bip, talvez.
   Olho para os lados, tentando encontrar o barulho insuportável, mas não há nada lá, pelo contrário, minha cabeça parece querer rodar e, enquanto isso acontece, vejo pequenas cenas como se fosse um filme... Imagens que relampejam através de mim.
   Cenas em que apenas Bill e Kate estão presentes, cenas em que eu nem ao menos presenciei de longe... Acredite em mim, não é como se eu estivesse em um sonho, é mais como um pesadelo.
   – Pode me soltar. – Ouço Kate pedir à ele e então estou na sala novamente.
   – Por quê? – Bill grita apertando seu braço. – Está com medo que eu sinta o cheiro dele na sua pele?
   – O que disse? – Ela pergunta com a voz falha.
   – Estou cansado de jogos, Kate... Só preciso que me conte a verdade. - Por um instante ela não tinha certeza de ter ouvido direito – O que fez ontem à noite?
   – Você estava aqui, não estava? - Ela o forçou a parar e observá-la. – Eu estava dormindo.
   – Não foi o que eu vi. - Ele balança a cabeça e leva a mão ao rosto dela, mas para assim que escuta a porta se abrir.
   – Bom dia, meninos – Mamãe entra batendo a porta atrás de si e noto que Scotty voltou com ela pra casa. – Kate.
   – Mãe? – Bill sai em direção a ela para ajudá-la com as muitas sacolas que carregava, mas não sem antes me encarar, pedindo mentalmente para que eu pareça normal aos olhos dela. – O que faz aqui?
   – Eu e Kate planejamos há dias fazer um jantar está noite. – Ela entrega as sacolas a ele e logo se vira para Kate, que está acuada em um canto da sala. – Você esqueceu Kate?
   – Sim, me desculpe. – Kate diz com os olhos baixos, mas mamãe rapidamente corre até ela, segurando seu rosto entre as mãos.
   – O que aconteceu com você? – Ela pergunta e Kate se afasta. – Seu rosto, ele...
   – Não se preocupe, estou bem. – Ela responde e logo vai em direção às compras, ainda falando, mas tentando de alguma forma mudar o foco do assunto. – Ontem à noite eu acabei caindo e...
   – Você já foi ao hospital? – Mamãe pergunta enquanto caminha novamente em direção à Kate.
   – Sim, Bill me levou, está tudo bem. – Kate o olha e ele parece rir com a situação. – De verdade. – Sorri, mas ainda assim mamãe não parece conformada com a resposta.
   – Se quiser podemos deixar o jantar para outro dia. – Pergunta e Kate segura suas mãos.
   – Não... Será hoje, como planejado.
   – Tem certeza de que Kate está bem? – Mamãe pergunta, mas desta vez olha para Bill, que caminha em direção à Kate, puxando-a pela cintura.
   – Ela está ótima. – Ele a beija e os olhos dela se enchem de lágrimas – Não é, amor?
   – Sim, estou bem. - Sua voz saiu tremida enquanto observava o rosto fechado e irritado de Bill.
   Eu olho para ele, absorvendo seus pensamentos e sei que não posso impedi-lo... Só posso encontrar uma maneira de resolver o que eu mesmo comecei.
   Encontrando uma forma de não levar a ideia de Bill em matar Kate adiante...

Capítulo 07

  Nossa mãe sorri, disfarçando a cena forçada que acabara de presenciar; ela, mais do que ninguém, sabia o quanto Bill não gostava de intromissões quando o assunto era seu casamento, e se a própria Kate dissera que estava tudo bem, era nisso que ela iria acreditar, mesmo contra sua vontade.
   – Então, ótimo, ligarei para Gert vir me ajudar, e você poderá descansar. – Disse ela.
   – Obrigada, mas prefiro ajudá-la. – Kate se afasta rapidamente de Bill como se quisesse livrar-se de sua presença.
   – Tudo bem, não se preocupe. – Ela agradece e logo volta sua atenção para mim, que apenas observo tudo de longe. Ainda não consigo me mexer e também não consigo falar, é como se estivesse assistindo toda a cena de outro lugar sem que ninguém notasse minha presença, sem que pudesse opinar... – Tom?
   Eu a olho, e ela sabe que estou completamente estranho, mas como explicar se nem eu mesmo tenho certeza de meu estado?
   Nunca mais vou misturar bebidas, nunca mais, repito mentalmente antes de começar a segui-la até a cozinha, mas logo me lembro de que não posso deixar Kate sozinha com Bill e fico a espreita na porta do corredor, esperando qualquer movimento dele.
   Kate continua afastando-se dele passo a passo, não parece querer fugir, apenas manter uma distancia segura.
   – Espero que não resolva ir embora meio ao jantar. – Ele a avisa enquanto leva suas mãos ao cabelo dela.
   – Na verdade, eu estava pensando em ir agora mesmo. – Ela responde, com sua voz um pouco instável.
   – Então esqueça. – Ele sussurra, embolando seus cabelos em sua mão, e imediatamente ela muda sua expressão.
   – Vai me bater se eu tentar ir? – Pergunta em tom vacilante.
   – Não.
   – Por que está agindo assim? – Ela vira o rosto, procurando por mim, e logo que me encontra posso ver sua expressão dolorida – O que está acontecendo com Tom?
   – Kate, olhe para mim. – Ele grita puxando seu cabelo.
   Lentamente, ela levantou a cabeça e olhou em seus olhos escuros.
   – Vá para o banho. – Bill a olha e sei que está com nojo de seus pensamentos. – Tire o cheiro dele do seu corpo e comporte-se na frente de todos. – Ele a avisa... – Não olhe para o Tom, não fale com ele, e, principalmente, não tente ir embora.
   – Você está louco. – Ela sussurra. – Por que está fazendo isso?
   – Não me subestime. – Ele grita olhando para os lados.
   – Não estou.
   – Se tentar fugir. – Aperta os braços dela com suas unhas em forma de aviso do que estava por vir. Tento dar um passo em direção a eles, mas isso só acontece em minha mente; meu corpo não anda e, como resposta, só consigo ouvir novamente aquele maldito bip, que agora sinalizava meus passos como um sensor. - Vou matar você. – Ele diz e em vez de largá-la, aperta-a ainda mais.
   Os olhos dela se encheram de lágrimas, e eu pude ver o medo nos mesmos, mas ainda assim ela não estava facilitando nada. Seu rosto, embora carregado de lágrimas, ainda era totalmente neutro, e eu não fazia ideia sobre o que ela estava pensando.
   Tudo que eu pensava era em por que Kate estava mentindo daquela forma. Se ele nos viu, ela não teria porque mentir, isso não me parecia ser a coisa certa a fazer. Mesmo que fosse doloroso para Bill eu falei a verdade, então por que ela não conseguia fazer o mesmo?
   Quando ele a largou, Kate limpou rapidamente seu rosto e passou apressada por mim, indo direto para a cozinha, onde minha mãe estava.
   – Posso ajudar? – Ela perguntou tentando manter suas lágrimas para si.
   – Você não caiu. – Mamãe se aproximou de Kate, jogando seu cabelo para o lado, tendo assim uma visão maior do corte em seu pescoço. - Não ficaria tão machucada apenas caindo.
   – Eu caí sobre a mesa. – Ela disse; era verdade, ela realmente havia caído; porém, não sozinha.
   – Foi ele? – Mamãe perguntou, assustando tanto Kate quanto a mim.
   – Quantas pessoas virão hoje? - Kate tentou ignorar sua pergunta virando-se em direção à mesa, começando a contar os pratos e talheres.
   – Tudo bem, você não quer contar. – Minha mãe colocou as mãos na cintura, como há muito tempo não fazia, e começou a caminhar em direção à sala. – Não acredito que ele fez isso. – Ela gritou.
   – Não, por favor. – Kate a impediu, segurando-a pelo braço. – Está tudo bem.
   – Sei que está mentindo. – Ela olhou para as mãos de Kate e logo as segurou, aquecendo-as com as suas. - Mas se não está pronta para se abrir, tudo bem. Sei que há alguma coisa errada. – Levou suas mãos até o rosto de Kate, impedindo que uma lágrima caísse. - Pode, pelo menos, se animar um pouco? Nunca vi você assim.
   – Vou ficar bem, Simone. – Kate sorriu e logo voltou a contar os pratos sobre a mesa.
   – Eu sei, sempre fica, mas seria ótimo se pudesse ficar mais do que apenas bem desta vez.
   Kate sorriu, mas não respondeu, e ao longe eu pude ver Bill as espiando. Mais do que isso, eu pude ouvi-lo se culpar por tê-la machucado... Imaginando a decepção e a agonia de nossos pais ao saber que tipo de pessoa ele havia se tornado... E imaginando que talvez o odiassem ainda mais depois que tudo isso acabasse.
   Mais tarde, quando tudo estava pronto, Kate voltou para o quarto e a acompanhei como um fantasma capaz de atravessar paredes. Não me importava, porque tudo que eu pensava era que devia protegê-la dele mesmo estando neste estado medíocre e desconhecido.
   Ela entrou e eu a segui, iria falar com ela, seria a hora certa. Mas, quando ela estava dentro do mesmo, a porta se fechou em meu rosto, e eu sabia que havia sido ele. Sabia, porque podia ouvir seus batimentos no mesmo compasso que os meus, e principalmente, podia ouvir seus pensamentos.
   Fiquei à espera que falasse qualquer coisa, mas as palavras continuavam a não fazer sentindo na cabeça dele.
   As palmas das minhas mãos estavam ficando suadas e, sem me importar com o que podia vir a acontecer, empurro a porta e entro, fechando-a novamente.
   Ele me encara com raiva; ela, com pena, mas ambos acabam me ignorando como se eu não estivesse ali.
   – Eu nunca quis machucar você. – Bill a agarrou pelo braço. – Não ontem, nem agora.
   – Você pode me bater, Bill. – Ela o desafiou pela primeira vez. – Nada me machucaria mais do que ver o jeito que me olha, e saber o que pensa de mim.
   – Por favor, para de mentir. – Ele grita, a atirando sobre a cama.
   – Não sei o que Tom disse a você. – Ela fala e eu a olho.
   – A verdade. O que você queria que eu tivesse dito? – Grito a olhando na cama, mas nem ela ou Bill parece se importar com minha presença, e muito menos com o que acabo de dizer.
   – Eu vi vocês dois juntos! – Ele grita enquanto se aproxima da cama.
   – Quando chegamos? – Ela tenta levantar da cama, mas ele a impede, ficando por cima de seu corpo. – Quando conversamos? Quando eu disse a ele que não poderia oferecer nada? – Kate grita, e eu juro, nunca havia visto ficar tão desesperada quanto agora.
   – Quando ele desejou você. – Bill começa a tocá-la por cima da roupa - Quando beijou você. – Ele toca seus lábios – Quando ele tocava você enquanto... – Parou de falar, avançando suas mãos ao pescoço dela, onde havia machucado noite anterior.
   – Está me machucando. – Ela diz assustada.
   – Foda-se, você fez isso! Você fez isso com a gente, você acabou com a nossa família. A culpa é sua, Kate. – Ele grita com ela, apertando-a com suas mãos e corpo.
   Isso me deixou sem saber o que fazer, já que me mover quando isso acontecia era impossível. Toda vez que ele parecia querer machucá-la, eu ficava preso como em um pesadelo sem fim.
   – Você está me enlouquecendo, por que você não para, não aguento mais ouvi-lo. – Ela chora sufocando embaixo dele. – Não vê o quanto está me machucando? É isso que você quer, Bill?
   – Você me machuca mais. – Posso ver suas mãos escorregando pelo pescoço de Kate enquanto ele chora. – Não posso dividir você com ele, se é isso que você quer... Não aceito a ideia de que não consiga ser feliz apenas comigo e que precise dormir com meu irmão para se sentir completa.
   – Por favor... Para! – Ela pediu a ele, empurrando-o para o chão.
   – Para de chorar, por que sempre faz que eu grite com você? – Bill levantou rapidamente e prensou contra a parede do quarto. - Como pode? Dormir com meu irmão em minha própria casa? – Ele começa a chorar junto com ela. - Como você pode dormir com ele em nossa cama?
   – Eu nunca faria isso com você. – Ela diz, obviamente mentindo, o que me deixa claramente nervoso. – Você está doente, por que insiste nisso?
   – Droga... – Ele se afasta e passa por mim. – Eu perdoaria você se me contasse a verdade, Kate.
   – Eu nunca menti pra você. – Ela se aproxima, tocando seu rosto. Está mentindo e tentando convencê-lo de que está louco.
   Eu sei, ele sabe... Porque também pode me ouvir, mesmo que não possamos nos comunicar verbalmente.
   – Não toque em mim... – Ele a empurra assim que me olha. – Eu odeio você... Eu odeio você. – Diz a ela em tom desesperador – Droga... Eu amo você, por que fez isso, por que você fez isso comigo?
   – Por favor, eu amo você, para com isso. – Ela se aproxima dele, soluçando.
   Por que ela está fazendo isso comigo? Por que estou assim? Enquanto meu irmão precisa de mim, tudo que eu consigo fazer é manipulá-lo através de sua mente.
   Por que não consigo me mexer? Por que esse maldito barulho não sai da minha cabeça?
   – Porque não, porra! – Eu grito comigo mesmo.
   – Eu deveria ter percebido quando você começou a ficar estranha... – Ele continuou olhando para ela com receio.
   – Kate? – Mamãe bateu à porta e eu agradeci mentalmente por isso. – Pode ajudar Gert?
   – Sim. – Kate respondeu, alinhando-se novamente.
   Acho que nem eu ou Bill neste momento fazíamos ideia de quem era essa pessoa à nossa frente...
   E então eu tentei imaginar Kate perdendo totalmente a linha, falando a verdade e contanto a todos o que realmente estava acontecendo conosco. Mas no fundo eu sabia que ela nunca faria isso, ela sempre seria alheia a tudo isso de alguma forma, mesmo que isso a afetasse.

Capítulo 08

  As palavras, na maioria das vezes barulhos, vinham constantemente da sala, e só assim consegui perceber que o jantar já havia começado.
   Ouço sons abafados de choro à distância e sei exatamente de quem está vindo. Bill pode ser outro agora, mas ele ainda é uma parte conhecida de mim. A parte que eu, conscientemente, machuquei.
   Persigo Kate até a cozinha, não consigo me mover para longe dela. Tão vulnerável e tão distante em seus pensamentos que nem ao menos consegue sentir minha presença.
   – Por que está fazendo isso? – Eu me aproximo dela sussurrando em seu ouvido e a vejo arrepiar-se, não porque sentiu minha presença, mas porque parece ter sentindo frio subitamente. – Me dê uma razão. – Eu peço à ela.
   Ela passa as mãos por seus braços tentando de alguma forma aquecê-los, mas para assim que viu os dedos de Bill marcados em sua pele pálida.
   – Vamos, Kate, me dê uma razão. – Eu falo um pouco mais alto, mas ela da às costas e começa a caminhar em direção à sala, parando um momento no corredor.
   – Você é a razão. – Ela diz levando a mão ao estômago - A razão para que eu consiga aguentar tudo isso. – Continua, e eu imediatamente me dou conta de que não está falando comigo.
   Sinto meu estômago embrulhar e caminho em direção à sala, passando por ela sem olhá-la. Tento chegar perto de minha mãe, mas ela também não percebe minha presença. Há pessoas em volta dela, e supostamente falam sobre nós, enquanto por um segundo tenta deixar que tudo pareça estar normal, ignorando o fato de que Bill bateu em Kate.
   – Eles não são mais tão iguais. – Mamãe diz a outra mulher que não faço ideia de quem seja embora esteja em minha casa.
   – Talvez você não consiga notar, mas para mim eles são exatamente a mesma pessoa. – A mulher exclama como se nos conhecesse.
   – Para mim também. – Minha tia fala entrando na conversa. – Sempre os mesmos gostos, as mesmas vontades, os mesmos sonhos.
   – Ah, sim, lembro-me como se fosse hoje as brigas assim que acordavam de um mesmo sonho. – Vovó concorda com ambas.
   – Sim, vovó tem razão, era inacreditavelmente difícil convencê-los de que era apenas um sonho. – Todas começam a rir, enquanto mamãe se mantém serena por algum motivo; talvez ela saiba mais do que eu presumo.
   A história agora lembrada por elas vem à tona em minha cabeça e me questiono se há possibilidade de ter acontecido outra vez.
   Bill e eu, presos em um mesmo pesadelo, como bruxas que nos assombravam nos sonhos em nossa infância. Esse agora poderia ser o pior de todos.
   Aquele que acabaria com nossos sonos e também com nossas vidas.
   Arrastei meus pés lentamente até chegar perto de Kate outra vez. Ironicamente, Bill fez o mesmo, mas agora em silêncio, totalmente diferente de algumas horas atrás. Ele apenas conversa com ela, fazendo pequenos carinhos em seu rosto ou alisando seus cabelos.
   Mas, quando ela se afastou, a ilusão de que tudo estava bem foi quebrada outra vez, e então eu me dei conta de que ele estava fazendo aquilo apenas para manter a aparência de casal perfeito na frente de todos.
   – Está evitando todo mundo. – Ele diz a ela enquanto acena levemente a cabeça para alguém. – Não foi isso que combinamos.
   – Estou com dor de cabeça. – Disse ela.
   – Arrependida? – Ele blasfemou e ela imediatamente o olhou.
   – Não posso estar arrependida por algo que não fiz.
   – Eu adoro isso. – Bill leva sua mão aos cabelos dela, empurrando-os de leve para trás da orelha. – A forma como você mente pra mim. – Ele sussurra aproximando-se de seu ouvido – Até consigo sentir pena.
   – Não preciso que sinta pena de mim. – Ela se afasta, mas ele logo a puxa pela cintura, selando seus corpos.
   – Bom... Um traço de personalidade. – Ele ri, e subitamente aproxima seus lábios dos dela, depositando pequenos selinhos. - Você é muito tolerante comigo, sabe?
   – Eu sei. – Ela responde assustada.
   – É uma verdadeira falha de caráter. – Zomba ele.
   – Eu nunca disse a você que era perfeita. – Ela o olha estranhando a repentina mudança de humor.
   – Eu sei. – Resmungou rindo. – Eu lembro exatamente o que você disse quando nos conhecemos... “Eu nunca mentiria para você, Bill.” – ele enfatizou.
   – Eu nunca menti. – Ela tenta lembrá-lo, mas Bill não parece estar disposto a ouvir suas mentiras.
   – Você não está feliz, sinto isso há muito tempo.
   – Eu não estou. - Disse ela com cuidado. – Não neste momento.
   – Posso pedir à ele que a toque de novo, talvez possa sentir-se melhor outra vez. – Ele diz e isso me soa um tanto masoquista. Bom, talvez ele seja... Talvez ambos sejamos.
   – Você não vai conseguir. – Ela o olha, enojada - Você está pensando que eu tenho raiva de você, mas não tenho. – Ela o observa com um peso no olhar – Você só está tentando me machucar com isso.
   – Você pelo menos o ama? – Ele a solta de repente e Kate desequilibra-se, enquanto procura um apoio qualquer.
   – Sim, eu o amo. – Ela fala com plena certeza, e eu a encaro pronto para ouvir o pior.
   – Como ama a mim? – Bill a questiona em tom vacilante.
   – Amo-o como um irmão. – Ela diz calmamente e eu aproximo-me dela.
   Bill sai enfurecido e eu não sei o que fazer. Era isso? Não era? O que ele queria tanto ouvir. Examinei seu rosto procurando sinais de negação, mas não achei nenhum. Levando-me a crer que o que acabara de falar era a mais pura verdade.
   Deixando claro, ao menos para mim, que nossa noite não passara de um sonho, um delírio criado por mim e passado inconscientemente para meu irmão.
   E este estava sendo o pior momento, porque só agora havia me dado conta de que não poderia voltar atrás e me arrepender do que tinha feito até aqui.

E o tempo infelizmente tornaria isso tudo ainda mais difícil...

Capítulo 09

  Tudo parece caminhar para o fim, eu sei, eu sinto. Ao fundo vejo pessoas conversando, sorrindo, pensando. Imaginando talvez por que estejamos distantes. Olho ao longo da sala, encontro Bill sentado. Ele olha para as mãos. Está segurando uma na outra, como uma criança amedrontada.
   Vejo Georg aproximando-se dela, parece preocupado; talvez ele saiba aonde chegamos, talvez não, e agora tudo que eu consigo pensar era que devia tê-lo escutado, deveria ter ficado em sua casa e por um bom tempo não ter voltado. Isso não resolveria tudo, mas agora nada disso estaria acontecendo.
   – Oi, Kate. – Ela assusta-se com a repentina aproximação.
   – Oi. – Diz baixinho, quase com tristeza.
   – Está tudo bem? – Ele pergunta curioso olhando para as mãos dela, que tremiam incessantemente.
   – Sim.
   – Você está tremendo.
   – Só um pouco nas mãos. – Ela balança a cabeça negativamente. – Não é nada importante.
   – Não. Seu corpo está tremendo. - Ele olha a analisando.
   – Vou beber um pouco de água, talvez passe. – Ela diz mantendo um fino sorriso ao longo da face. – Com licença.
   E retira-se caminhando em passos lentos, quase flutuantes, ao longo do corredor, e antes que possa fechar a porta do banheiro, posso vê-la escorregar ao longo do mesmo entre soluços e lágrimas silenciosas.
   Posso sentir o calor invadindo meu rosto. Minha raiva é tanta que mal consigo falar.
   Caminho em direção à Bill, que tenta me ignorar assim que me vê, mas ele é o único com quem posso falar no momento, mesmo que não eu não saiba o motivo.
   – Bill, você lembra. - Começo a falar nervoso, tentando explicar tudo de uma vez só. – Lembra que sonhávamos as mesmas coisas quando éramos pequenos?
   – Não fale comigo. – Ele solta virando-se para a direção oposta de mim.
   – Não estou brincando. - Ele permanece mudo enquanto falo, mas agora parece estar mais perturbado do que antes. – Esse pode ter sido outro sonho daqueles.
   – Está tão arrependido que quer achar uma desculpa qualquer para que eu o perdoe? – Ele solta de repente e me olha - Sinto muito, isso não vai acontecer. Só quero que saiba que eu não vou perdê-la porque você não consegue controlar seus hormônios. Se Kate quer ficar com você. – Ele respira fundo antes de continuar. – Se você quer ficar com ela também, eu aprenderei a conviver com isso, mas eu não vou perdê-la. - Fala enquanto eu nada digo, não tenho resposta. O que ele diz faz sentido, mas não confio mais em minha própria capacidade de discernimento. - O que você fumou?
   Ele me pergunta sarcasticamente quando nota que pouco entendi do que ele acabara de falar.
   – Droga, Bill! Será que pode me ouvir? – Grito ao seu ouvido – Está me ouvindo? – Pergunto, mas sei que não está, nem eu mesmo posso me ouvir. A cada minuto que passa o barulho do bip torna-se ainda mais incessante em minha mente, abafando qualquer ruído próximo que possa existir.
   – Não consigo enxergar você.
   Digo por fim, desesperado por meu estado, tudo estava sumindo aos poucos, deixando no ar apenas finas camadas brancas, como cortinas balançando ao vento.
   O ar me falta, sinto que estou completamente tonto enquanto busco algo próximo para me encostar, mas nada parece estar próximo quando você precisa.
   O silêncio volta, e com ele sinto que meus sentidos ficam aguçados. Não posso ver ou sentir nada, me sinto imóvel e não sei onde estou.
   Há um cheiro forte de remédios pairando ao meu redor e ao fundo ouço sons de vozes conversando aleatoriamente. Sinto medo, porque esse é um momento daqueles em que não tenho certeza de nada... Eu posso estar morrendo, e ainda sim não saberia dizer.
   – Pare de olhá-lo. – Eu o ouço gritar.
   Meus batimentos estão acelerados e eu consigo ouvir o som do meu coração assustado. Ao meu lado o bip parece ainda pior, e eu me dou conta de que estou próximo de perder o único sentido que ainda tenho.
   – Ele não está bem. – Ela diz a ele, provavelmente falando de mim.
   – Eu não estou bem e você não parece estar preocupa com isso.
   – Por favor, já chega disso. - Pediu ela. - Não estou aguentando.
   – Só estamos começando.
   – Deixe-me ver como ele está.
   – Não, você não vai. – Ele grita.
   – Pare com isso. As pessoas estão olhando. – O avisa.
   – Por que está preocupada? Você gosta de público... - Exclama, irado – Pelo menos pareceu gostar noite passada. – Ele blasfema com a voz chorosa. – Ouça bem, vá para o quarto... Tom e eu iremos encontrar você daqui a pouco.
   – O que está pretendendo? – Ela pergunta em tom desesperador.
   – O que você acha? Você o ama... Você deseja estar com ele. Eu amo você, é minha esposa e sei que também me ama, e se o que você deseja é ter aos dois, então você terá. - Ele fala sem interrupções.
   – Antes... Eu prefiro estar morta.
   Ela diz e então suas vozes acabam ali. Seus diálogos ofensivos novamente dão lugar ao um silêncio desesperador para mim. Eu me concentro e tento pensar racionalmente. Ele está tentando me assustar, é só isso.
   Fecho meus olhos, tento absorver tudo que ouvi por um minuto, talvez isso me faça acordar, talvez isso me faça perceber que eu estive preso em um pesadelo o tempo todo. Aperto-os ainda mais, e subitamente começo a me lembrar do dia em que a conheci, o dia em que sorriu para mim pela primeira vez. A primeira dança, quando, por um momento, a roubei de Bill em seu casamento.
   Lembro-me também do sorriso alegre e bobo de meu irmão assim que percebeu.
   Ele estava feliz, e eu sabia que não só por ter enfim se casado com ela, mas feliz especialmente por ver que, de alguma forma, eu também havia descoberto nela o mesmo encantamento que ele.
   As cenas de nossas vidas, desde aquele dia, começam a se passar depressa em minha mente, e logo param no dia em que toquei para ela. A última vez que me viu como o irmão que eu deveria ter sido até aqui.

A última vez que toquei suas mãos sem esperar nada em troca...

É estranho o modo como essas cenas passam, é como se eu estivesse lá como espectador, mas ainda assim conseguisse sentir toda aquela pureza vinda dela novamente.
   Sinto-me feliz outra vez, como naquele dia no momento em que segurei sua mão.
   Ela me olha sorrindo, levando sua cabeça ao meu ombro, e então eu fecho meus olhos tentando viver meu último momento de paz outra vez.
   Sinto respirar e, quando me olha novamente, não é a mesma Kate de antes; pelo contrario, está cansada, pálida, preocupada... Distante do mundo.
   E quando a solto, ela caminha rapidamente até Bill, que a olha desconfiado, mas ainda assim seguem para o quarto. Quando tento ir atrás, me dou conta de que já vivi está cena antes... E quando tento fazer o caminho contrário, tudo parece vir abaixo.
   Tudo começa vir em minha direção, tudo que passamos até chegar aqui, todas as brigas, desconfianças, abraços e momentos em que estivemos completamente sozinhos. Mas também as cenas em que eu não estava presente, e isso me faz crer ainda mais que estivesse em um sonho.
   O tempo passa... Minha respiração é rápida e superficial e o pavor começa a tomar conta de mim.
   Abro meus olhos enfim, e diferente do que eu imaginava, estou no centro de nossa sala. As paredes estão brancas, todo o local me parece branco demais... Quase doente.
   Posso ver a porta para o jardim aberta entre as cortinas, e calmamente começo a caminhar até ela. Quando as afasto de meus olhos, ouço o sorriso de Kate ao longe. Ela está alegre, posso sentir...
   Está correndo também vestida de branco, parece brincar com alguém, mas não consigo ver quem é.
   Por um instante fico apenas a observando sorrir, e me pergunto como seria possível não amá-la. Está em minha frente agora era a verdadeira Kate com quem ele casou, e por quem me apaixonei... Alegre, divertida, completamente solta e viva... Sorri para mim mesmo por um tempo, até que posso ver seus olhos caídos sobre mim.
   Ela parecia completamente derrotada desta vez, e de seus pensamentos eu só conseguia absorver uma coisa: seu desejo incessante pela morte.
   Estranho, não? Tudo de um momento para o outro foi completamente mudado diante dos meus olhos. Como se alguém tivesse me oferecido dois caminhos a seguir e eu inevitavelmente tivesse escolhido o pior.
   O lugar antes branco agora era banhado por cores pretas que pouco a pouco o invadia. E ela seguia em passos firmes para dentro, pedindo-me mentalmente para que a seguisse.
   E assim o fiz...
   Eu a acompanhei pelo corredor até seu quarto. Kate virou-se me olhando uma última vez antes de apontar para si mesma a arma que até pouco estava posta sobre sua cômoda.
   Vejo tristeza em seus olhos tão dolorosamente castanhos, e embora eu queira acreditar que não fará nada, estou certo de que não poderei impedi-la. Tento rapidamente me aproximar, mas alguma coisa me empurra para trás, como se estivesse me segurando. Não posso fazer nada, e tudo parece ruir à minha volta. Alguém grita meu nome ao longe, mas ela é tudo que importa agora.
   – Tom - Novamente ouço a mesma voz desconhecida. – Está me ouvindo?
   Ela sorri para mim antes de pressionar o gatilho entre seus dedos, e então ouço um barulho assustador...

Capítulo 10

  Abro meus olhos, mas tenho dificuldades de enxergar. Há fios por toda parte e um barulho completamente irritante ao meu lado. Meus dedos, minhas mãos, meus braços, meu pescoço, tudo em mim parece oco. Minha boca e nariz estão completamente tapados por um tubo de oxigênio e sinto uma enorme vontade de atirá-lo longe. Observo um pouco mais o quarto, e me dou conta finalmente de que estou em um hospital. Perto de mim há um aparelho, está medindo meus batimentos cardíacos, eu suponho, e tenho certeza de que encontrei o culpado pelo maldito barulho que me assombrava.
   Minha cabeça ainda está latejando debaixo da sobrancelha esquerda. E estou com um gosto azedo na boca. Tento achar um modo de avisar que estou acordado, que estou bem, mas não há nada que eu possa alcançar ou tocar.
   Bill deveria estar aqui, ele deveria saber que eu acordaria em algum momento, por que ele não está aqui? Com dificuldade, consigo levar minha mão até meu rosto, e retiro o tubo de oxigênio finalmente; não consigo imaginar a quanto tempo devo estar usando-o, só o que eu sei é que nunca mais quero tê-lo em minha garganta de novo.
   – Tom...
   Ouço o barulho ao lado, há alguém sentado perto de mim. Alguém que eu não consigo ver.
   – Tom?
   Engulo minha saliva com força. Lágrimas pinicam o canto dos meus olhos. Porque é a voz de Kate. Uma voz que pensei jamais ouvir novamente.
   – Graças a Deus, você acordou. – Ela diz levantando-se enquanto cada músculo do meu pescoço queima de vontade de virar para o outro lado.
   – Vou chamar o médico. - Ela avisa.
   – Kate? – Consigo falar, mas ela não escuta e sai rapidamente, me deixando com uma sensação de que não aconteceu, de que não estava ali e que suas poucas palavras foram apenas fruto da minha imaginação.
   Ouço novamente um som vindo da porta, há uma luz vinda do corredor.
   Pessoas entram em meu quarto, suas sombras se perdem na parede à minha frente e não posso reconhecer nenhuma delas.
   – Tom? – Ouço uma voz logo acima de mim e então posso ver seu rosto, é meu médico, meu e de Bill. – Como está se sentindo? – Ele pergunta, logo projetando uma luz forte em meus olhos. – Consegue enxergar? – Faz muitas perguntas e eu acabo optando por responder à última, ou a que entendi melhor.
   – Sim. – Digo apenas.
   – Está me ouvindo bem? – Se eu respondi, é porque estou; isso não é óbvio para ele?
   – Estou.
   – Consegue se movimentar, Tom? – Ele bate um pequeno martelo em minha perna esquerda e logo repete na direita. Minhas pernas reagem bem, sinto isso perfeitamente, mas, no momento, isso não me importa muito.
   – Sim, onde está o meu irmão? - Pergunto já impaciente. - Eu quero ver o meu irmão.
   – Seu irmão está lá fora. – Ele olha meus braços, examinando-os, e logo enxerga o tubo que há pouco arranquei. –Bill poderá entrar assim que você estiver mais calmo.
   – Quero vê-lo. – Insisto.
   – Você sabe por que está aqui? – Ele também insiste em continuar com perguntas. – Sabe por que veio parar aqui?
   – Não. – Na verdade, não faço ideia. Só quero poder ver meu irmão.
   – Qual é a sua última lembrança? – Ele senta ao meu lado na cama, enquanto uma das enfermeiras começa a separar remédios.
   – Eu estava a seguindo, e então houve um barulho. – Tento explicar a ele, mas como explicar algo que eu também não entendo? - Ela... Ela está morta. - Eu me inclino para trás, apoiando a cabeça no encosto, e fecho os olhos, lembrando-me de tudo.
   – Quem está morta, Tom? – Ele pergunta curioso.
   – Kate. – Digo como se fosse óbvio.
   Ele se afasta e me olha com preocupação, mexe nos cabelos enquanto acena para que duas enfermeiras que estavam perto da sala saiam, mas a terceira ainda fica ao lado da minha cama, mexendo em alguma coisa.
   – Tom, você estava em coma induzido há três dias. – Ele diz e eu o olho rápido. – Você ingeriu uma quantidade excessiva de absinto misturado com Everclear. Lembra-se disso?
   – Sim. – Eu realmente me lembro.
   – Bom. – Ele continua, sei que quer chegar a algum lugar e isso me deixa ansioso. – Você chegou aqui com o quadro de coma alcoólico, nós sedamos você para que pudéssemos retirar o álcool de seu organismo...
   – Quanto tempo eu dormi? – O interrompo.
   – Como eu disse, está aqui há três dias. – Ele continua calmamente. – Não respondeu como gostaríamos então decidimos mantê-lo sedado.
   Nervoso, começo a levantar meu corpo pouco a pouco, quero sair dali. Ele está louco e está querendo me deixar também, eu sei o que aconteceu, não preciso que ninguém me diga ou conte nada. Sei exatamente o que fiz e não vai ser ele a tentar me convencer do contrário.
   – Do que está falando? – Grito – Eu estava em casa, não sei por que vim parar aqui. Eu quero ver o meu irmão. – Sento-me na cama arrancando o resto de fios que estão em meus braços. – Quero ver o meu irmão agora. – O aviso, mas ele não se move.
   – Ontem – Ele começa a falar novamente e isso me deixa irritado. – Ontem à noite começamos a diminuir sua sedação para que pudesse ir acordando aos poucos. – Se aproxima de mim, segurando meus braços. - Por favor, você precisa se acalmar, para que possamos examiná-lo direito.
   – Não. – Eu avanço e ele, instintivamente, se afasta. – Preciso me desculpar com ele. Eu quero...
   – Sua cunhada está com seu irmão, está tudo bem, senhor. – Ouço a voz da enfermeira ao meu lado, seu olhar é tranqüilizador e, por um momento, tento acreditar no que disse.
   – Eu a vi. – Ela continua e eu desabo novamente sobre a cama. – Foi ela quem nos chamou agora pouco avisando que você havia acordado.
   – Você a viu? – Pergunto acreditando que entendi errado.
   – Sim, eu a vi, todos nós a vimos. – Ela sorri amigavelmente enquanto fala.
   – Você provavelmente teve sonhos enquanto estava sedado. – Dr. Altman voltou a falar. - É completamente normal.
   – Não, foi real. – Tento voltar ao assunto, explicar a eles que não pode ter sido sonho – Real demais para ser um sonho.
   – Foi um sonho, pesadelo, chame como quiser, mas foi apenas isso. – Ele fala novamente a mesma coisa e isso me deixa mais irritado ainda.
   Eu quero surtar. Quero cair no chão e me arrastar corredor a fora, quero encontrar meu irmão, quero ver Bill, pedir desculpas a ele.
   – Quero ver meu irmão. – Grito sem paciência nenhuma, levantando-me rápido da cama.
   Caminho pelo quarto, jogo tudo que está ao meu alcance no chão enquanto eles apenas assistem tudo de longe; talvez isso seja normal para eles, porém, não para mim.
   Eu não posso acreditar em nada do que falaram aqui, não depois do que eu vi, não depois de tudo que eu vivi.
   – Agora! – Grito, sentando-me cansado na cama à minha frente. – Por favor.
   Eu estava assustado. Mais uma vez, eu tinha me deixado assustar. Escorreguei para fora da cama e caí no chão. Fiquei sentado ali... Chorando.
   Ele olha pela janela e inspira profundamente antes de seguir até a porta, abrindo-a em seguida.
   – Tudo bem, chame o irmão dele.
   Eu o ouço dizer, mas assim que o olho tudo parece ir apagando-se aos poucos novamente, como nuvens escuras cobrindo um céu completamente limpo. Estava sendo sedado outra vez...

Capítulo 11

  Quando abro meus olhos novamente, aos poucos, consigo me lembrar de tudo que aconteceu. Lembro-me do médico pedindo a enfermeira para que chamasse meu irmão, mas também lembro que ela não se moveu um centímetro de perto de mim.
   Lembro de virar meu rosto para o lado em que ela estava um pouco antes de apagar por completo ao vê-la colocando um líquido amarelo em meu soro.
   Ajeito-me um pouco na cama e sinto as agulhas em meu braço picarem o mesmo, deixando um pouco de sangue escorrer por entre os tubos do soro. Levo minha outra mão livre até elas e as arranco. A dor incomoda, e o sangue parece não querer parar de escorrer. Solto um gemido abafado e então ouço um barulho na janela. Bill estava sentado na poltrona ao lado da mesma, dormindo, eu suponho.
   Ele arregala os olhos e me olha apavorado. Seus passos são longos até a cama. Ele toca meu pulso, mas não diz nada.
   – Estou bem. – Falo, mais para começar um diálogo do que para provar que nada aconteceu em meu braço.
   – É claro que está. – Ele fala em tom irônico. – Vou chamar a enfermeira para consertar o que fez.
   – Eu não quero.
   – Não está em condições de negar ajuda.
   Ele me observa de soslaio e então sai de perto de mim, caminhando rapidamente até a porta, abrindo a mesma e chamando a enfermeira que passava pelo corredor.
   A mulher de meia idade, baixinha e sem nenhum atrativo entra em meu quarto e me olha com reprovação.
   A rapidez com que pega novas agulhas e injeta novamente o soro em meu braço é admirável, e quase não sinto dor. Mas assim que encontro o rosto de meu irmão parado perto da porta sinto que a dor que poderia sentir em meu braço passa longe de me ferir tanto quanto às vezes em que encontro seu olhar triste sobre o meu.
   – Pronto. – A enfermeira diz sorrindo. – Espero que não tenhamos mais problemas com o seu soro, Sr. Kaulitz. – Continua com desdenha, pegando o material sujo e jogando-o na lixeira perto da porta.
   – Obrigado. – É tudo que digo enquanto a vejo sair pela mesma, com o sorriso ainda estampado no rosto.
   – Está se sentindo melhor? – Bill pergunta, aproximando-se da cama.
   – Sim.
   Eu o olho por um instante, esperando que ele comece a falar, que comece a brigar comigo, mas ele nada faz. Bill simplesmente senta sobre a cama, e continua a olhar para a janela perto da mesma.
   – Por favor, fale alguma coisa. – Peço a ele, porque seu silêncio constante começa a me assustar.
   – O que quer que eu diga? – Bill me olha, mas rapidamente volta a olhar o exterior do hospital.
   – Eu não sei, qualquer coisa, me culpe, grite comigo.
   – Eu normalmente faria isso...
   – E é o que eu espero que faça.
   – Eu gritaria e xingaria você, estaria agora mesmo culpando-o. – Diz ele sabendo que é exatamente o que eu espero que faça.
   – Faça isso, mas, por favor, Bill, não fique neste silêncio.
   – Não vou fazer isso, não vou, porque... – Ele suspira pesadamente, e então vejo uma lágrima grossa escorrer por seu rosto. – Porque estou simplesmente agradecido de vê-lo acordado outra vez.
   Bill aproxima-se de mim rapidamente e então circula seus braços por meu corpo. Quero entender por que sua reação é tão plácida, mas tudo que faço é trazê-lo para ainda mais perto de mim em um abraço há muito tempo esperado.
   Quando nos separamos ele ri enquanto segura meu rosto, apertando-o, e então começo a rir também por vê-lo assim perto de mim. E só assim começo a entender que, de verdade, tudo não passara de um terrível pesadelo, apesar de não saber exatamente onde o mesmo começou.
   Ele leva as mãos aos seus olhos, secando suas lágrimas, e faz o mesmo em meu rosto. Começo a rir do jeito atrapalhado em que se encontra e então bato em seu braço como de costume.
   Começamos a rir estranhamente e só paramos quando o barulho da porta sendo aberta invade nossos ouvidos.
   É Kate... Ela nos observa com um brilho diferente nos olhos e posso ver Bill sorrir timidamente ao vê-la se aproximar.
   Seu rosto está mais claro do que o de costume, como se sua pele fosse feita de cera. Como um anjo, que na verdade é.
   Bill me observa e então bate em minha perna enquanto se levanta. Ele está prestes a nos deixar sozinhos, e eu não o entendo, como pode fazer isso mesmo depois de tudo?
   Talvez confie em mim, talvez não se importe. Talvez eu esteja subestimando meu próprio irmão.
   Ele passa por ela antes de sair do quarto e eu vejo suas mãos se tocarem, ainda que timidamente, em um gesto de cumplicidade. Meu coração dispara, mas felizmente eu ainda sou aquele tipo de pessoa que consegue esconder isso muito facilmente.
   Kate aproxima-se de mim e sinto seu perfume invadir o meu espaço, tomando conta de mim por completo. Talvez eu não seja mais tão bom assim em esconder meus sentimentos.
   – Oi. – Digo a ela com um sorriso meio bobo nos lábios.
   – Oi.
   – Está mesmo aqui. – Digo sem pensar.
   – Sim. – Responde rindo enquanto chega mais perto de minha cama.
   – Desculpe, eu tive uns sonhos malucos e... – Tento explicar para não parecer um bobo, mas ela me interrompe quando toca em minhas mãos.
   – Não importa. Está acordado agora.
   – Vem aqui, vem? – Bato minha mão sobre a cama e Kate aproxima-se, sentando ao meu lado. E enquanto se ajeita, vejo Bill nos observando da janela.
   Kate me abraça forte e então eu beijo o topo de sua cabeça, e assim ficamos abraçados por um tempo, até ela levantar seu olhar sobre o meu.
   – Você é a pessoa que... – Suspira pesadamente. - A pessoa que eu mais gosto nesta vida.
   – Ah, não, não vai chorar agora. – Tento rir. – E, além disso, tem o Bill.
   – Não, é diferente. – Ela volta-se para mim com seu semblante triste e pesado – Eu amo Bill... Mas você... Tom. Quando perdi meu irmão, acreditei que jamais sentiria algo parecido novamente, o amor, a amizade, a cumplicidade. Um tipo de amor diferente de todos os outros... Puro.
   – Kate, eu... – Esforço-me para não desviar o olhar, desejando que minhas palavras saiam certas, mas ela me interrompe.
   – Você substituiu isso. – Começa. – Você me devolveu todos aqueles sentimentos de volta. Com seu jeito, sua alegria, seu amor.
   – Desculpa... – É tudo que consigo dizer, porque talvez seja tudo o que eu tenha a dizer à ela. – Por tudo que eu fiz você passar nos últimos dias... Eu... Não queria... Eu...
   – Nada do que aconteceu importa pra mim, desde que você fique bem. – Ela balança a cabeça e olha para o soro ao lado de minha cama. Está vermelha e vejo que está prestes a chorar. – Desde que tudo volte a ser como antes.
   – Isso é impossível... Depois de tudo que eu fiz... Que eu disse. – Eu reajo à sua bondade, sentindo minhas palavras queimarem minha garganta.
   – Nada é impossível, Tom. - Ela me olha nos olhos, estamos perto demais, mas agora, diferente do que sentia antes, estou apenas feliz por ainda tê-la por perto.
   Eu a puxo pra ainda mais perto de mim e então beijo o topo de sua cabeça novamente. Eu sussurro uma de suas canções favorita próximo ao seu ouvido e a ouço rir fracamente. Lembro-me de nossa dança no dia em que tudo realmente começou a desmoronar à nossa volta. Lembro-me de suas mãos sobre as minhas e a forma como meu coração parecia querer saltar do peito a cada passo que dávamos. Lembro-me de vê-la feliz, e então me dou conta do que realmente importa.
   – And you can tell everybody this is your song – Sussurro e ela ri apertando meu braço.
   – Não é a primeira, mas é a música que...
   – Dançamos no casamento. – Ela diz sorrindo.
   – Você lembra... – Digo surpreso. - Kate. – Paro por um instante e a vejo levantar seu rosto e olhar-me novamente. – O dia em que estávamos dançando na sala, você disse que precisa me contar...
   – Não era nada. – Ela levanta-se de repente, empalidecendo. – Nada que precise se preocupar.
   Eu a observo por instantes e ofereço minha mão para que volte ao meu lado na cama, mas ela segura minha mão entre a sua e as entrelaça.
   – Precisa ir. – Digo a ela calmamente, porque não quero que se assuste com minha reação repentina e também porque tenho certo receio de que Bill entre no quarto e tire conclusões erradas de nossas ações. – Não quero que fique aqui, não é um bom lugar para estar.
   – Você está aqui, Bill está aqui. – Ela ri divertida, mas sinto que a um disfarce em suas reações. – É exatamente onde eu deveria estar.
   – Volte para casa, logo estaremos de volta também.
   Ela me abraça e me olha sorrindo com lágrimas nos olhos, estão se afasta e caminha lentamente até a porta. Uma espécie de sensação assustadora toma conta de mim assim que a vejo pôr a mão na maçaneta em sua frente.
   – Vai estar em casa quando eu voltar, não vai? Tudo vai estar no lugar? Como sempre foi?
   – Como sempre foi. – Ela diz calmamente em um tom quase inaudível, fechando a porta a seguir.
   Tento entender o significado de suas últimas palavras, mas quando consigo levantar para ir atrás dela, a porta de meu quarto abre e sou invadido por perguntas e olhares preocupados.
   Mamãe, Gordon, Georg e Gustav, junto com outras pessoas que pouco percebo o rosto, falam comigo apressadamente; eu não os entendo, e a primeira vista tudo que vejo são borrões em minha frente, porque meus pensamentos estão em Kate e isso me deixa louco com as possibilidades que crio em minha mente.
   Bill não está com eles, mas assim que dou por sua falta o mesmo entra em meu quarto e fecha a porta atrás de si, como se não faltasse mais ninguém. Como se ela já não fizesse mais parte de nós. Eu os olho, e então tento me acalmar para não preocupá-los.
   Mais tarde, quando abro os meus olhos novamente, apenas Bill está em meu quarto. Está sentado ao lado com a cabeça apoiada em minha cama. Ajeito-me calmamente para não acordá-lo. Mas o vejo abrir os olhos assim que me acomodo outra vez.
   – Está acordado há muito tempo? – Pergunta ele sonolento, espreguiçando-se.
   – Não. Acabei de acordar.
   Ele suspira e então se levanta para pegar um copo de água perto de minha cabeceira. Eu o observo e vejo que está mais magro e pálido. Bastante cansado, eu diria. Mas resolvo não tocar no assunto porque sei que a culpa é minha.
   – Bill? – Eu o chamo e ele volta rapidamente para perto de minha cama, arrastando sua cadeira para mais perto de mim.
   – O quê? – Pergunta em tom neutro.
   – Foi um sonho, não foi? – Digo a ele, esperando que sua resposta seja clara o bastante para me fazer acreditar. – Um sonho dentro de um sonho, por que...
   – Não, não foi um sonho. – Ele me interrompe. – Foi um pesadelo.
   – Você também viu? – Pergunto novamente um pouco alterado. – Estava lá, não estava?
   – Sempre que fechava os meus olhos. – Diz ele com certo peso na voz. – Mas o sonho era seu, eu não pude interferir, sinto muito por não poder ajudá-lo.
   Ele toca meu braço e o aperta em sinal de conforto.
   – Não foi sua culpa. – Digo por fim, não acreditando no que afinal havia acontecido comigo e também com meu irmão.
   – Nem sua. – Diz ele em meio sorriso, voltando a sua mão para o copo. - Volte a dormir, vamos para casa pela manhã.
   – Kate vai estar em casa? – Pergunto sem pensar.
   – Não se preocupe, Tom. – Ele sorri e então volta a encostar a cabeça sobre a cama, fechando seus olhos novamente.
   Olho para janela e vejo suas cortinas balançarem calmamente, e isso, aos poucos, me devolve ao sono.
   De manhã, com quase todos no hospital novamente, eu os observo atentamente tentando achar algo errado em suas reações, algo que os condene e que entregue que estão mentindo, mas não há nada em seus semblantes.
   Gordon assina os papeis de minha alta, enquanto mamãe fala com uma das enfermeiras. Georg da em cima da enfermeira mais bonita que havia naquele hospital enquanto ela o ignora, escrevendo algo em sua prancheta.
   Gustav está com uma cadeira de rodas nas mãos, e observa a todos atentamente, como sempre.
   Ele me olha e então empina a cadeira em minha direção, e eu me dou conta de que terei de sair nela até o carro.

...

O caminho é longo, e durante ele, Bill pergunta algumas vezes se estou me sentindo bem. Apenas respondo que sim, mesmo sabendo que é mentira. Meu nervosismo e vontade de estar em casa são inquietantes.
   Quero vê-la e saber que está ali, quero saber que está tudo bem e que de verdade nada mudou. Que eu não fui o responsável por estragar a vida de meu irmão e de Kate.
   O carro para e Bill desce, correndo até minha porta.
   – Precisa de ajuda?
   – Não, está tudo bem. – Digo a ele enquanto levanto.
   Então eu entro em casa novamente, depois de tanto tempo, e o que vejo é que estranhamente tudo está realmente como sempre foi literalmente falando. Como sempre foi antes de termos conhecido Kate.
   – O que está acontecendo aqui? – Pergunto a Bill assim que o vejo entrar logo atrás de mim.
   Ele segue até a outra sala largando minhas coisas que estavam no carro, e então vejo mamãe e Gordon entrarem na sala.
   – Alguém pode responder? – Grito sem olhá-los, porque estou furioso. – Onde estão as fotos, onde estão as coisas dela?
   – Tom. – Mamãe me chama em vão.
   Ignoro meu estado e então corro até o quarto deles e abro as portas de seu closet, o lugar está vazio. Não há sinal de Kate ou de que fez parte de nossas vidas em lugar algum daquele apartamento.
   Volto para sala e os encaro. Acreditando com absoluta certeza que jamais a veria outra vez. Que o casamento de meu irmão fora arruinado por minha total incapacidade de ficar calado e guardar meus sentimentos estúpidos para mim mesmo.
   – Onde está Kate? – Ninguém responde. – Onde ela está, Bill?
   – Por favor, não se altere, você não pode... – Mamãe chega perto de mim, mas eu a afasto e corro até Bill.
   – Por que não diz nada? – Grito com ele.
   – Ela preferiu assim, Tom. – Gordon diz sentando-se no sofá. - Não conseguimos fazê-la mudar de ideia, sinto muito.
   Olho para Bill novamente e tudo que vejo é que está tão assustado quanto eu. Caminho até ele e o abraço, apertando-o o quanto posso. Sinto-o chorar perto de mim. Rendendo-me a um choro convulsivo também. Eu sussurro milhares de desculpas a ele enquanto o abraço, mas sei que nada disso trará Kate de volta, então eu prometo a ele que farei isso pessoalmente.
   Mas ele se afasta e me olha calmamente.
   – Não.
   – Mas ela disse...
   – Ela disse “como sempre foi”. Ela preferiu assim e ambos sabemos que ela está certa.
   Ele fala de uma forma extremamente calma, e que me acalma aos poucos também. Eu deveria saber que não teríamos futuro algum junto, e que a ideia fixa em minha mente de que teríamos nossa vida a três de volta era completamente estúpida, apenas uma ilusão.
   Mas Bill não era como eu, não pensava como eu, não agia como eu. E quem poderia condená-lo por isso?
   O que eu havia feito, meu comportamento durante todo este tempo, era imperdoável. Eu tinha, sem a menor dúvida, destruído sua expectativa de vida com Kate, destruído seu amor, sugado a alegria, felicidade e confiança de ambos até a última gota.
   Eu alienei meu próprio irmão com minha insanidade durante todo este tempo. Eu cedi aos meus pensamentos mais sombrios e, por não saber me controlar, perdi para sempre a primeira pessoa que amei de verdade. E que infelizmente não havia e nem poderia me amar de volta.
   Eu os olho uma última vez e então, lentamente, caminho até a outra sala. Eles não saem atrás de mim ou tão pouco me chamam, porque sabem que este é um momento daqueles que preciso ficar sozinho comigo mesmo. Um momento de encontro com meus erros e acertos e com o que farei daqui em diante...
   Mas por enquanto tudo que me resta são apenas memórias, boas ou ruins. Memórias de momentos com Kate... De seus olhares e sorrisos, alegria, amizade e simplicidade, mas, acima de tudo, do carinho que ofereceu a mim durante toda a tempestade que enfrentamos. Durante todo caminho enfrentando minha completa insanidade.
   Então, me sento ao piano e toco sua canção favorita, e por um momento em minha mente, Kate está em casa outra vez.

Epílogo

Qual era o significado do tempo?

  Sete meses, é essa a pergunta que me faço, sete meses longe de Kate, meses me perguntando se meu sentimento por ela havia mudado com a distância. Sete meses em que via meu irmão vagar dia e noite de casa para o estúdio sem um sentido maior à sua vida.
   E me pergunto durante este tempo se fiz a coisa certa, se não devia ter deixado o pedido de Bill de lado e partido em busca de Kate. Mas assim que o vejo me olhar e conversar animadamente comigo outra vez, sinto, pela primeira vez, que ela tinha algum tipo de razão. Eu tinha meu irmão de volta, e ele a mim. Éramos nós dois novamente, sem brigas ou decepções, e o melhor de tudo, sem ressentimentos; ao menos era isso que Bill deixava claro sempre que eu tentava voltar ao assunto.
   Dias depois de minha volta para casa nossa vida começou a voltar à mesma rotina de antes: trabalho, casa, nossos cachorros e, em meu caso, algumas saídas noturnas com garotas diferentes a cada dia. Nada de envolvimento, como sempre. De fato, eu não havia mudado em nenhum aspecto.
   Georg finalmente havia conseguido voltar para Shopie e sua companhia em festas tornava-se a cada dia mais difícil. Mas isso não o impediu de dar uma última festa em sua estranha casa de vidro, antes de vendê-la.
   Quando perguntei à ele quem a havia comprado, Georg não soube informar, e eu sabia que havia perdido ali as chances de ter aquela casa como uma última lembrança de Kate para mim.
   Então, poucos dias depois de nossa última festa, enquanto fazia o caminho de volta para casa direto do estúdio, visualizei a pequena placa entre as árvores na estrada que nos levara tantas vezes para a antiga casa de Georg, e por um momento, enquanto parava meu carro no acostamento, cogitei que minha ideia de ir até a mesma não fosse boa. Mas as lembranças que me restavam de Kate estavam naquele lugar. E, por segundos, eu queria a sensação de tê-la por perto de volta.
   Faço o recuo com meu carro e entro na estrada de chão, estamos no outono, o que torna o caminho um pouco mais agradável. Folhas coloridas traçam o caminho até a casa, e é nela que penso enquanto admiro a paisagem. Porque sei que esta era sua estação do ano favorita.
   Quando vejo a casa em minha frente, entro em uma trilha de árvores, escondendo meu carro, porque não quero que o novo dono se assuste com minha presença. E porque quero poder voltar e observar a casa sempre que tiver vontade. Sempre que a saudade for maior que minha sanidade.
   Um sopro de ar frio passa por mim assim que abro a porta do carro e encosto-me sobre o mesmo. Eu observo a fumaça sair pela chaminé da casa e desaparecer no ar gelado de outono que começa a se espalhar.
   As cortinas estão fechadas, tornando a vista do interior do imóvel impossível. Então volto meu olhar para o lago em volta da casa e lembro-me do olhar radiante de Kate sobre ele e também de suas palavras para descrever aquele lugar.
   Respiro profundamente sentindo o ar gélido entrar em meus pulmões e ensaio voltar ao carro, mas, assim que me mexo, ouço o barulho da porta ao lado da casa abrindo.
   Quando me viro novamente, lá está ela, e em nenhum momento penso estar enganado, porque eu a reconheceria em qualquer lugar. É Kate e está de costas para mim, e sei que de onde estou jamais conseguiria me ver.
   Eu a observo ao longe, parada frente ao lago. Kate senta-se no banco branco e então empurra as folhas secas para o chão. Penso em ir até ela, em abraçá-la e pedir para que volte, mas assim que avanço um pouco, ouço novamente o barulho da porta abrindo e então imagino que, depois de tanto tempo, ela já não estivesse mais sozinha. Talvez, um outro amor... Quem sabe...
   Mas assim que vejo a figura de meu irmão indo até ela, meus sentimentos passam por um turbilhão de emoções em segundos.
   Bill caminha até ela e senta-se ao seu lado. Kate o olha e então encosta sua cabeça sobre o ombro dele. Mais do que nunca me pego querendo ir até lá e perguntar a eles por que esconderam isso de mim, e caminho por entre as árvores, cortando caminho para pegá-los de surpresa. Repentinamente, vejo que a surpresa é completamente minha.
   Entre as árvores, ao lado deles, entre o cobertor que envolve o corpo dela, vejo Bill acariciar a barriga de Kate, enorme e voluptuosa. Eles entrelaçam os dedos sobre a mesma e assim ficam durante um tempo, em meio a sorrisos e suspiros tristes.
   E é os observando que afasto de mim todos os sentimentos ruins que me permiti sentir minutos atrás.
   Eu comecei a entender, de repente, o sentido de tudo. Comecei a entender o que o amor significa de verdade e cheguei à conclusão de que Bill, apesar de todo seu sofrimento, achou uma forma de proteger a todos nós. E concluo o que há muito tempo já pensava: ele era e sempre seria uma pessoa muito melhor do que eu.
   Sento-me ao chão, fazendo menos barulho possível, porque quero tempo para observá-los, porque quero absorver a pequena felicidade de ambos, porque não quero pensar e agir de uma forma errônea. Como tantas vezes fiz.
   Começo a rir de repente enquanto os observo, pensando que nem tudo está perdido e que desta vez posso fazer a coisa certa, como uma segunda chance que a vida acabara de me dar. Então eu paro assim que a ouço perguntar à ele quanto tempo ainda acha que levará para estarmos todos juntos de novo. E o ouço responder...
   – Logo, logo estaremos juntos outra vez.
   – Como sempre foi. – Ela diz segurando a mão dele.
   – Como deve ser. – Bill responde sorrindo esperançosamente.
   Então ele levanta e ajuda a fazer o mesmo. Ela abre o cobertor e ele a abraça por debaixo do mesmo, e assim caminham para dentro de casa novamente.
   Volto para meu carro e faço o caminho de volta até nossa casa, pensando novamente no tempo e em suas formas de cura. Assim como nas estações, quando algo que morre no inverno acaba renascendo na primavera, acredito que, na vida, haverá um tempo pra tudo.

Haverá principalmente um tempo certo para estarmos todos juntos novamente.



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