Primeiro Capítulo • Fly to my room
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Tamborilava os dedos impaciente sobre a bancada, o movimento estava fraco e ela não sabia se agradecia ou se praguejava. Olhou o relógio, ainda faltavam duas horas para terminar seu turno, e tudo que ela pensava era em como gostaria de estar em seu quarto, deitada em sua pequena cama com as cobertas até o pescoço e chorando.
Um cliente se dirigiu até o balcão e pediu uma bebida qualquer e ela prontamente começou a preparar a mesma. Enquanto preparava ela pensou na época da faculdade, onde as coisas eram extremamente mais fáceis, os pais a ajudavam com tudo que era necessário enquanto ela fazia planos para a carreira de professora que ela levaria ao fim do curso.
%Paloma% era formada em pedagogia e queria ser professora de criancinhas, essas do pré–escolar e jardim, porque ela definitivamente amava crianças e esse era o seu sonho desde que ela era uma. Passou um ano estudando dia e noite sem parar para o vestibular e conseguiu entrar para a federal. Os pais ficaram orgulhosos e disseram que a filha somente ia estudar, se dedicar e eles pagariam todas as suas despesas até ela se formar. Ela queria pelo menos um pouco de independência, então resolveu que moraria sozinha, foi aí então que ela encontrou um apartamento próximo a faculdade onde dividiria o aluguel com a moça que já morava lá.
%Jaqueline%… %Paloma% pensou na amiga e sorriu. Terminou de fazer o drink do cliente e entregou para o mesmo e limpou as mãos no avental preto.
Ela e %Jaqueline% se deram bem logo de cara! Mesmo sendo um pouco diferentes, tanto na idade quanto na personalidade, elas conseguiram criar um vínculo forte. Moravam no mesmo apartamento até hoje.
Porém, muita coisa havia mudado.
%Jaqueline% por ser dois anos mais velha se formou primeiro em Arquitetura, depois de um ano de muita procura, ela conseguiu um emprego em uma construtora e estava mega feliz. %Paloma%, claro, ficou radiante pela amiga, e estava ansiosa para sua formatura e para logo começar a trabalhar.
Mas diferente de %Jaqueline%, a amiga estava há dois anos procurando uma oportunidade que nunca chegava. Os pais estavam extremamente desapontados com a menina e quase não a ajudavam mais, por isso ela acabou aceitando trabalhar no bar/restaurante do filho de um amigo dos pais, afinal de contas precisava de dinheiro.
E aí os problemas de autoestima começaram a perturbar sua mente: sentia–se uma fracassada, não achava mais graça nas coisas, se olhava no espelho e não gostava nada do que via, estava farta de levar a vida daquele jeito. Vislumbrou mais uma vez o local que trabalhava e sentiu os olhos se encherem de lágrimas.
***
%Jaqueline% estava com o notebook aberto tentando finalizar um projeto que teria que entregar no dia seguinte, enquanto tomava um vinho tinto. Havia tomado banho, estava mais calma da correria do dia–a–dia. %Jaqueline% estava dando o seu máximo no trabalho, pois pretendia crescer dentro do escritório e até quem sabe juntar um dinheiro e abrir seu próprio escritório.
Os pais de %Jaqueline% moravam em outra cidade, numa cidade pequena. Eles eram agricultores e tinham uma vida confortável lá. %Jaqueline% sentia falta deles todos os dias. Mas era muito difícil conseguir tempo e dinheiro para visitar os pais, então eles se falavam quando dava. Sentia falta do ex namorado também, que havia deixado lá para vir para a cidade grande estudar. Nunca mais teve notícias dele… Como será que ele estaria hoje? Será que ainda usava o mesmo perfume? Será que tinha alguém? Claro que tinha! Anos haviam se passado, ele não esperaria por ela esse tempo todo. Balançou a cabeça para afastar os pensamentos e voltou a se concentrar no projeto.
Nunca mais havia se envolvido com alguém de forma séria ou oficial, não conseguia se apaixonar por ninguém, além de estar sempre muito focada em seus estudos e em sua carreira. Mas às vezes sentia falta de ter alguém para encostar a cabeça, um pé para esquentar os seus.
***
Segurava a mão do mouse com tanta força que poderia até se machucar. A lista com os roteiros já estava pronta. Faltava fazer todas as contas e ver qual lugar compensava mais.
O quarto estava uma bagunça, havia roupa e embalagens de comida espalhados pelo quarto, ela não abria a porta do mesmo para ninguém desde o ocorrido. Faziam cinco dias só, e ela sentia o peito arder 24 horas por dia e sete dias da semana. Ela não sabia o que fazer da vida, parecia que nada mais tinha sentido, além da tristeza ela sentia um vazio, um enorme buraco no peito. Queria sumir no mundo, mudar de casa, de nome, de país,
de vida. A perda repentina e prematura do irmão dilacerou seu peito.
Nada nunca mais seria igual.
A mãe e o pai também estavam sofrendo, e em dobro: pela perda do filho e pelo medo de perder a outra filha. Eles tentavam de tudo, mas o esforço estava sendo em vão.
Saiu do quarto vagarosamente, sentindo seu peito doer a cada passo que dava. Viu a mãe e o pai sentados em suas poltronas “vendo” TV. %Vivian% respirou fundo.
– Preciso falar com vocês!
Os pais olharam assustados para a filha e o pai se levantou da poltrona e abraçou a filha. Ela fez o mesmo, retribuindo o abraço.
– Graças a Deus você saiu daquele quarto, %Vivian%! – a mãe murmurou.
%Vivian% voltou a respirar fundo e então se sentou no sofá, olhando os pais. Os amava muito, mas precisava fazer aquilo.
– Eu vou passar uns dias fora!
Os pais se entreolharam e voltaram a fitar a filha.
Respirou fundo novamente tentando não chorar desesperadamente na frente dos pais, pois não queria que eles se preocupassem e sofressem ainda mais.
– Eu não consigo ficar nessa casa! Tudo aqui me lembra o Mário! Eu não vou suportar tudo isso se continuar aqui! Eu preciso de um ar, preciso de um tempo, preciso sair daqui, ficar longe um pouco, por favor!
Os pais voltaram a se entreolhar, a mãe de %Vivian% acabou deixando algumas lágrimas rolarem por seu rosto, mas entendia a filha.
– Filha... – ela disse limpando as lágrimas – Se isso vai te fazer ficar melhor, então vá!
O pai assentiu, com o semblante triste.
– Fique o tempo que achar necessário.
%Vivian% assentiu negativamente com a cabeça.
– Vou deixar meu celular aqui, eu quero realmente ficar sozinha, sem contato com absolutamente ninguém, além do pessoal do trabalho!
Os pais de %Vivian% voltaram a se entreolhar.
– Mas %Vivian%, como vamos ficar sem ter notícias suas, minha filha?
– E se acontecer alguma coisa com você, pelo amor de Deus, %Vivian%!
%Vivian% deixou algumas lágrimas descerem por seu rosto.
– Se acontecer alguma coisa, vocês vão ficar sabendo. A minha decisão está tomada!
***
Acordou e sentou–se na cama, espreguiçou–se. Olhou a parede amarela do quarto, pegou o celular na escrivaninha ao lado da cama, e olhou as horas: eram treze e quinze da tarde, ela precisava almoçar e se arrumar para mais um plantão. Estava exausta, o plantão da noite passada havia sido agitado, precisava urgentemente de férias ou no mínimo uma folga.
Desceu as escadas ainda sonolenta e a sala estava silenciosa. Chamou então pelo irmão.
– Tae? – nenhuma resposta.
Andou até a cozinha e lá estava o irmão. Chamou de novo.
O irmão estava de costas para ela e de frente para o balcão da pia, ele amava cozinhar e sempre viajava em um mundo só dele quando o fazia. %Amanda% encostou uma das mãos nas costas de Tae, acariciando levemente, e o mesmo tomou um susto ao ver a irmã.
– Ai que susto, %Amanda%! – ele colocou a mão livre sobre o peito.
– Desculpa! – ela riu – Fiquei preocupada!
– Que horas você começa hoje?
%Amanda% bufou amarrando o cabelo com uma xuxinha que estava sobre a mesa da cozinha.
– Quer comer alguma coisa enquanto o almoço não fica pronto? Mas olha, tá quase saindo.
%Amanda% lambeu os lábios.
– Eu amo seu estrogonofe! Na verdade, amo tudo o que você faz.
Desde que haviam perdido os pais, %Amanda% e Taehyung decidiram morar juntos, um apoiava e sustentava o outro nos momentos difíceis, e eram muito unidos. %Amanda% sempre agradecia ao Universo por ter um irmão como Tae.
– Quando vai ter um tempinho para gente curtir? Já sabe?
%Amanda% balançou a cabeça, respondendo com um “não”. Ouviu o celular tocar em cima do sofá e correu até lá para atender, afinal de contas poderia ser alguém do hospital solicitando que ela fosse mais cedo, ou mais tarde.
Atendeu rapidamente sem nem olhar o número.
– Alô? – silêncio do outro lado da linha – Alô?
E nada. Era a quarta vez que aquilo acontecia só nessa semana.
Taehyung olhou para a irmã, assustada.
– De novo aquela pessoa que liga e não fala nada, só fica respirando.
Tae cruzou os braços, preocupado.
– Não. Não deve ser nada, deve ser engano! – ela deu de ombros.
Largou o celular no sofá e olhou o mesmo. Não deixaria Taehyung saber, mas ela estava com medo sim.
***
Cruzou as pernas impaciente com o moço ao lado com as pernas abertas roçando as suas de propósito. Voltar para casa era sempre esse sufoco, ou ela ia em pé e espremida, ou se sentava ao lado de alguém que a importunava. A cabeça dela doía, parecia que ia estourar a qualquer momento.
– Será que dá para você fechar essas pernas? Não é possível que suas bolas sejam tão grandes assim pra você poder fechar elas um pouco! – ela esbravejou chamando a atenção de todos dentro do metrô.
– Calma aí, bonitinha! Você está muito nervosa! – debochou.
%Ludmilla% bufou alto e se levantou bruscamente. Preferia ir em pé do que passar por aquele abuso.
Mordeu o lábio torcendo para chegar em casa logo, os saltos estavam a matando e a cabeça também, sem contar o calor devido a camisa social.
Enquanto olhava a cidade passar rápido por sua vista, ela pensou em como a vida era frágil, havia perdido um amigo recentemente, muito novo… Pensou na mãe. Havia três anos que não se viam ou se falavam. %Ludmilla% nem se lembrava mais do porquê daquela briga ridícula que a fez sair de casa, sem um tostão furado.
Será que a mãe pensava nela? Será que ela sentia falta da filha?
Os olhos da pequena marejaram e ela sentiu um aperto no peito. E só queria chegar logo em sua casa.
***
Detestava dirigir, só havia tirado a carta devido à pressão da família, que achava que saber dirigir era uma necessidade quase que básica. Pelo menos os pais adotivos lhe deram o carro. O trânsito a estressava muito, e ela sentia enjoo todas as vezes que pegava no volante de um carro. Mas pelo menos ela não dependia de nada e nem de ninguém para ir e vir. Até porque ela não tinha mais com quem contar.
Jogou a bolsa no banco do passageiro enquanto encostava a cabeça no banco, estava cansada. O trabalho a estava sugando esses últimos dias. %Aline% sentia falta de poder ir à praia ao sair do serviço para ver o pôr do sol, mas fazia semanas que ela saía do trabalho após as oito da noite. Só pensava em ir para casa quando saia.
Ao chegar em casa a rotina era sempre a mesma, jogar a bolsa no sofá, afagar e matar as saudades dos animais de estimação, verificar se eles haviam comido, colocar mais comida e água, limpar a bagunça que eles faziam no quintal, tomar um banho quente, preparar algo para comer ou pedir, sentar no sofá junto dos bichinhos, ver TV, mexer nas redes sociais e dormir.
Os pais adotivos morreram há alguns meses, e ela havia ficado sozinha na casa, e no mundo. Não conhecia seus pais biológicos e tinha poucas informações sobre eles. Depois da morte dos pais adotivos, %Aline% sentiu a solidão lhe atingir em cheio, a não ser pelos poucos amigos que tinha – três – e dos bichos de estimação, não tinha mais ninguém. Prestes a completar vinte e sete anos, ela vinha pensando muito nisso: na solidão que sentia.