Impressing The Angels
Escrito por Kia Martins | Revisado por Jubs
Capítulo Único
“[...] Dizem que nada dura para sempre, mas acredito firmemente que, na verdade, para algumas pessoas, o amor continua vivo para sempre [...]” – PS: Eu Te Amo – Cecelia Ahern
A sensação ao fechar o livro de páginas amarelas, mais grossos do que todos que eu já tenha vindo a ler nesses trinta e sete anos completos, foi a de abandono, perda e total solidão. Não acreditava que meras palavras possam vir a ter um peso emocional tão grande para pessoas como eu, na verdade, eu acreditava que “letras” só afetavam pessoas emocionalmente frágeis e que encontravam nas linhas e páginas de um livro conforto para algo que elas não conseguem entender. Certamente, talvez eu tivesse razão. E talvez eu tenha acabado, sem querer, me tornando esse tipo de pessoa.
Nunca me senti tão dependente de uma coisa do que agora.
Já fechei tantos outros livros, já li tantas outras obras sem nunca encontrar a tão chamada “sensibilidade artística”. Para mim, não passavam de um monte de papeis grampeados que só serviam para distrair as pessoas, assim como o celular. Só que esse, do contrário, serve para outras coisas além de distrair.
De qualquer forma, a sensação ainda continuava pregada no meu coração apertado.
Tantos anos... E a vida terminar com um simples estalar de dedos. Isso apenas expressava nossa fragilidade perante as coisas mais poderosas como uma doença, nossa vulnerabilidade em relação a todas as coisas que ainda estão ao nosso redor nesse vasto universo. Não somos nada mais que pó... Uma simples coisa no meio de um cosmo infinito e que continua em expansão a cada segundo, milissegundo!
Os seres humanos – a “espécie mais racional”, por assim disser – podem criar as máquinas mais incríveis, usar sua capacidade intelectual superior para evoluir, mas não conseguiram fugir do nosso inimigo em comum. Sempre haverá algo para acabar com nossa raça. Guerras, fome, doenças...
Deixei o livro sobre a cama, olhando a capa que tanto vi nas mãos dela.
Ela sempre foi diferente de mim, uma peça que faltava para que eu tivesse a humilde felicidade. Intelectual, com cheiro de livros, uma sensibilidade extraordinária e uma beleza que só refletia sua beldade interior. Eu costumava disser que ela era um anjo em minha vida, um ser de luz que desceu dos céus apenas para fazer minha vida feliz. Iluminar um pouco minha escuridão ignorante.
Um anjo que me foi tirado quando não estava pronto. Quando EU não estava pronto para deixá-lo partir.
É o cansaço; dizia para mim mesmo quando perdia o interesse em fazer algum serviço do trabalho. Muitas vezes eu me convencia, outras... Apenas ditava essas três palavras para ver se conseguia.
Não é fácil ser um pai solteiro.
Não é parte do nosso DNA.
Desde a antiguidade os homens foram educados, treinados, para levar o sustento para sua família, caçar, enfrentar os perigos e voltar ao lar para protegê-los. Somos como “o guarda-costas que se põe na frente do cliente para levar o tiro”. (Realmente... É uma comparação muito boa.) Não precisamos nos preocupar se nossos filhos estarão prontos para escola, se as lições estão prontas, se ele está sofrendo problemas na escola ou qual absorvente é melhor para sua filha adolescente. Não, não... A fêmea de nossa espécie praticamente sabe dessas coisas.
Enquanto nós, machos que ainda precisam evoluir seus conceitos sobre o papel feminino, servem para levar o sustento e a segurança, elas fazem o papel mais difícil. Elas constroem a personalidade de nossos filhos, elas constroem o futuro de nosso mundo. Por isso, quando nos vimos no papel de sermos a “mãe” também, a situação fica desesperadora... Não é parte de nosso DNA aceitar responsabilidades tão fácil assim, principalmente quando não temos nossa “ajudadora”.
Contudo, mesmo com a minha imperfeição natural, acho que estou fazendo um bom trabalho. É cansativo ser um pai e mãe ao mesmo tempo, nunca tinha pensado nisso... Como que uma mãe solteira consegue trabalhar e ainda levar o filho para jogar futebol sem que uma parte afete a outra? Acho que precisamos rever nosso conceito de “sexo mais forte” por que mais evoluído já temos uma noção.
Minhas pálpebras estão pesando muito.
A saudade daquele sorriso, daquele olhar meigo e ao mesmo tempo determinado, está batendo na minha porta mais frequentemente do que eu tinha imaginado. Me faz lembrar da tia chata dela que nos atrapalhava nos momentos mais inoportunos possíveis. Ela irritava a gente em demasiado...
Que saudade de falar “a gente”... Um artigo e uma palavra tão simples e que passam despercebidos até começarem a ter um peso esmagador. Uma simples palavra que poderia ter feito a diferença... Uma única frase como “eu amo você” teria feito o coração se aquecer um pouco mais antes de parar.
Se a humanidade talvez pensasse melhor nessas palavras, os casais seriam muito mais felizes e não haveria tantas separações como hoje em dia. Se ao menos não fossemos tão apressados caminhando para o nada, se não pensássemos apenas em nosso próprio ego que nada nos serve a não ser provocar a desunião... Muitas coisas teriam sido evitadas... Muitas vidas teriam sido salvas.
Olhei novamente para a capa do livro e depois para a aliança parada ao lado do abajur.
As roupas dela ainda estavam no guarda-roupa.
Não encontrei coragem o suficiente para colocá-las em uma caixa. Mesmo o período do luto já ter passado, ainda me sinto apegado demais aquelas peças, aquele cheiro, as memórias que afloram a partir delas.
São tantas lembranças que corroem em meu cérebro, repetindo-se na minha cabeça como um filme quando pouso minha cabeça sobre o travesseiro que parece uma pedra sob meu crânio.
Sinto saudade da voz dela...
É como um vazio que me consome, trazendo de volta a escuridão que um dia ela expulsou da minha vida. A sensação é de caminhar na direção de um abismo que nos separa. Não posso avançar mais um passo, mas ela está logo ali... Um simples passo e nós dois nos uniremos, “como uma só carne.”
Não!
Tratei de empurrar esses pensamentos para o canto mais escuro da minha mente a fim de não pensar mais sobre isso. A questão não é mais “o que eu quero fazer” e sim “o que eu devo fazer”.
Mesmo a vontade de abandonar esse mundo injusto que me tirou o motivo do meu sorriso seja grande, a responsabilidade de que outras duas estrelas na minha vida dependem de mim é ainda maior. Não posso simplesmente agir como um egocêntrico e me concentrar em apenas meus próprios desejos. Outras duas vidas dependem de mim e eu não vou fazê-las sofrer com a morte de outra figura importante na construção de sua personalidade.
Se uma mãe consegue fazer isso sem pensar “na outra forma de fugir”, um pai – considerado o mais forte do laço familiar – consegue enfrentar isso também.
Devo isso a mim; a meus filhos... A ela.
Puxei as cobertas até o pescoço, cobrindo por completo meu corpo. O calor do tecido me faria relaxar apesar da noite repleta de sonhos que estava por vir.
Se eu pudesse conversar com ela uma última vez. Se aqueles malditos aparelhos não estivessem apitado tão forte, ecoando entre as paredes de meu cérebro como as batidas frenéticas de um relógio, eu teria tido coragem para dizer o quanto a amava.
Não posso mais me culpar por isso... Não é o que ela gostaria que eu fizesse.
Ela estava tão serena, como se soubesse desde já que era chegada a sua hora de partir. Seu sorriso pregado no rosto como uma pintura angelical. Ela tinha a certeza, quando me deixou, que eu enfrentaria tudo de cabeça erguida. Afinal de contas, sou orgulhoso demais para aceitar ser derrotado.
Fechei meus olhos.
Se eu pudesse conversar com ela novamente, eu tenho certeza que teria boas notícias em relação a nossa vida. Contaria sobre as traquinagens do mais novo e sobre as felicidades da maturidade da mais velha. Contaria das vitórias como terminar o livro que ela pediu que eu lesse e que, em um ato de fé no conforto das palavras, comecei a ler a duas semanas. Na página setenta pude entender o que a fazia rir boba de um modo adorável.
Eu gostaria de perguntar algumas coisas também.
Como é que está ai? Imagino que bem, afinal, está impressionando os anjos com esse sorriso maravilhoso.
Ela gostava quando eu gracejava com sua beldade física. Nunca se achou bonita, na verdade, o que a tornava ainda mais fabulosa. A naturalidade, a casualidade.
Sim... Eu gostaria de perguntar. Ouvi-la falar, pois a voz estava calada demais em minha opinião. Ouvi-la sempre foi um prazer enorme e agora...
Bem, eu daria conta.
Ela estava agora impressionando os anjos. É uma de suas diversas qualidades impressionar as pessoas.
Adormeci, segurando firme a aliança no peito.