Hey, Mr. Airplane

Escrito por Queen B | Revisado por Mariana

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Piloto

   segurava uma caixa de Pepero, comendo em meio às risadas que falhava em conter pelas brincadeiras bobas de e , que viam aquilo como perfeito incentivo para continuar.
  Aquilo era tão comum quanto era de se imaginar; a lanchonete em Ulleungdo, a ilha onde moravam, no interior da Coréia do Sul, era onde trabalhava no turno da noite nos fins de semana e sempre lhes recebia bem no fim da tarde durante a semana, depois que saiam do colégio, portanto virara hábito para os três passar o tempo ali, seja com seus outros amigos ou não.
  Os três eram, afinal, como um só.
  Ou, bem, costumavam ser.
  Enquanto deslizava um pedaço de seu doce na boca de , se aconchegava melhor na cadeira apenas para evitar mostrar quão desconfortável de fato ficava em momentos como aquele, que pareciam inevitavelmente criar uma barreira entre eles.
  Antes mesmo de entender qualquer parcela que fosse do conceito de amor, já sabia que amava . Que amava como um homem amava uma mulher e que, tudo de bom que já havia visto no mundo, queria que fosse dela. Mas também tinha as mesmas certezas e, mais do que , era munido de uma coragem que lhe dera de presente o relacionamento que hoje tinha com . Fora ele quem se declara e fora ele quem terminara como namorado da garota, dando a mais um motivo para esconder o mais fundo possível seus sentimentos.
  Ainda que houvesse aquela partezinha dele que nunca deixaria de achar que talvez, só talvez, ele fosse melhor para ela. Que lhe fazia feliz, mas ele poderia fazer muito mais por ela, que, por mais que a conexão que ela tinha com seu amigo fosse incrível, inegável, com era ainda mais forte. Porque era o certo para ela e não ele.
  Mas aquilo era só uma vozinha em sua cabeça, uma vozinha que ele estava constantemente tentando calar, como fez naquele momento quando o recheio do Pepero escapou e sujou a mão da garota. riu enquanto ela afastava a mão do próprio corpo, tentando evitar sujar a roupa e se levantou, pegando em outra mesa uma porção de guardanapo e usando para limpar a mão da garota.
  - Obrigada. – ela sorriu para ele, que acenou com a cabeça como quem dizia que não tinha problemas antes de voltar a se sentar, respirando fundo assim que desviou o olhar para e os dois voltaram a conversar.
  Podia ser tão idiota às vezes, céus.
  - Ah, qual é, é claro que não! Fala pra ela, -ah! – chamou a atenção do amigo, dando um tapa de leve na mesa para fazer com que ele focasse nele. – está louca! Disse que a Mulher Maravilha podia, com toda certeza, vencer a Feiticeira Escarlate numa luta!
  - Ridículo. – rolou os olhos, como se o tamanho do absurdo naquelas palavras fosse tão obvio que chegasse a ser, de fato, ridículo. – Ela só acha isso porque não quer aceitar que alguém, algum dia, venceria a heroína favorita dela.
  - Não, eu acho isso porque é verdade! É a Diana, pessoal! – retrucou, rolando os olhos depois de olhar de um para o outro e notar o ceticismo no rosto de ambos. – Vocês não sabem de nada.
   e e se entreolharam e riram juntos, achando no mínimo cômico a careta que a garota sustentava unicamente por ser contrariada e, de uma hora para a outra, foi capaz de deixar o próprio desconforto com o relacionamento de seus dois melhores amigos para trás, porque, bem, eles eram seus melhores amigos. E por mais que ele amasse , por mais que pensasse tudo que pensava em relação aquele triângulo, a verdade era que e faziam um ao outro feliz e, como amigo dos dois, devia ficar feliz por eles também. E ficava. Tentava.
  - Achei eles! Falei que devíamos ter procurado aqui primeiro. – uma voz conhecida exclamou de trás dos três, da entrada do estabelecimento, e virou a cabeça bem a tempo de ver sua irmã mais nova se aproximar, sendo seguida por , e , o resto de seus amigos.
  - Sempre estamos aqui. Não é como se houvesse muita coisa pra fazer nessa ilha. – deu de ombros com simplicidade quando seus amigos se juntaram a eles na mesa que dividiam, rolando os olhos quando notou o olhar de e sobre ela. – O quê? – perguntou, desentendida. – Estou falando a verdade.
  - Vamos sair daqui um dia. – tocou sua mão, sabendo muito bem que aquele era o maior sonho de sua namorada, que sorriu para ele e assentiu, desviando rapidamente em seguida. Rápido demais para que não notasse como, de repente, ela parecia tensa, colocando o cabelo para trás da orelha e voltando a pescar sua caixa de Pepero, levando o doce a boca.
  - Sei disso, é obvio. – deu de ombros, como se não estivesse preocupada, porém o modo como engoliu em seco ao fazê-lo fez com que estreitasse os olhos, identificando certa culpa em suas atitudes. Ele não fazia ideia de porque se sentiria culpada, especialmente quando e sabiam de sua vontade de sair daquela ilhazinha há tempo demais e até compartilhavam dela, mas ela, claramente, se sentia culpada. Ele a conhecia bem demais para confundir. – E então? O que vamos fazer hoje à noite? – perguntou por fim, ansiosa para tirar o foco de si mesma enquanto desviava o olhar para seus amigos recém chegados.
  - Hoje à noite nada, mas amanhã... – começou e fez uma careta, já imaginando o que viria. – Vamos beber! E na sua casa!
  - Vocês prometem não comprar um bolo? E nem ovos? – perguntou, detestando a ideia de comemorarem seu aniversario. Ela não tinha nada contra festas e bebidas, mas definitivamente tinha algo contra comemorações de aniversários naquele momento, especialmente o seu. Vinha comemorando aniversários demais naquela ilha e, quanto mais os anos passavam, mais sufocada se sentia e naquele ano em especial a sensação não podia ser mais aterrorizante.
  Era seu último ano no colégio, dali a poucos dias, aliás, terminaria aquela etapa de sua vida e, honestamente, nem tinha ideia do que seria dela quando aquilo acontecesse. E pensar naquilo, em como sua vida muito em breve parecia o escuro assustador e desconhecido, já seria aterrorizante o suficiente se não houvesse as escolhas também. Havia tantas decisões para ela tomar e, caramba, ela nem tinha ideia de como começar.
  - Deixa disso, -yah. Você nunca mais vai fazer dezoito anos. – retrucou, sentada sob uma das pernas de mesmo que seu irmão reprovasse, olhando feio para os dois de tempos em tempos. O relacionamento de e não era segredo para ninguém exceto os pais dela, mas isso não mudava o fato de que morria de ciúmes, especialmente quando decidiam demonstrar tanto afeto em publico.
  - E nem dezessete, ou dezesseis, ou quinze... – deu de ombros, como se não entendesse como aquele argumento era válido. – Realmente não quero comemorar todo esse stress da vida adulta chegando, obrigada.
  - Tudo bem, você não precisa de bolo. Comemos sem você. – interveio como se não fosse nada demais e lhe deu um sorrisinho de escárnio, que ele retribuiu. – Só estou tentando satisfazer as suas vontades, não estou, -yah? – ele virou para encarar a amiga, que riu e assentiu, tentando disfarçar quão afetada fora pelo sorriso do garoto, por quem ela era secretamente apaixonada.
  Ou nem tão secretamente assim. não fazia ideia, mas todos seus amigos sabiam e achava que o único motivo de ele não sentir o mesmo era o fato de ser estupidamente lerdo. Como se precisasse de alguém para lhe mostrar para que direção olhar. ”Ei, você já reparou na -yah? Formariam um belo casal, um desconhecido diria e então ele finalmente notaria que, sim, formariam um belo casal.
   e sua mente sonhadora gostavam daquela teoria, simplesmente porque parecia mais fácil do que se declarar para ele.
  - As coisas vão se ajeitar, -yah. – interveio por fim, olhando nos olhos da amiga, que virou para lhe encarar assim que ouviu sua voz. Havia algo sobre os dois, afinal, um entendimento tão, mas tão único que nem mesmo e seu relacionamento amoroso com podiam superar ou entender. Era algo deles e deles. – Todo mundo sabe que você é grande demais pra essa ilha. Fica tranquila. – ele murmurou, sorrindo de lado no final e arrancando um pequeno sorriso dela também.
   não teve duvidas ao ver o leve repuxar de seus lábios: Ela estava, sim, se sentindo culpada. Ele não tinha ideia do porque, mas estava. E desejou apenas poder perguntar de uma vez o que mais estava lhe incomodando, mas se ela não falara nem para , se até ele estava lhe fazendo sentir culpada, ainda que inconscientemente, ele sabia que aquele, sem duvidas, não era o melhor momento.
  Ia torcer, apenas, para que o melhor momento chegasse logo.

...

  Os tendões dos dedos de doíam quando ele finalmente repousou as mãos abertas nas coxas, se dando por satisfeito com a melodia que criara com o piano horas depois de ter iniciado a tentativa.
  Seus músculos estalaram quando ele alongou os braços para frente e depois para trás, fazendo o mesmo movimento com o pescoço também enquanto respirava fundo. Estava exausto, mas tudo bem. Aquela era a exaustão mais gratificante que ele conhecia.
  Naquele momento, sentado em frente ao instrumento que ele utilizava para compor naquela tarde, observou a bagunça que estava o cômodo que costumava ser o porão da casa onde vivia com sua família, mas em algum momento se tornara seu quarto.
  Sua cama de solteiro estava desfeita, com roupas e papeis jogadas por cima das cobertas, e, no criado mudo ao lado repousavam mais papeis com suas composições, segurados por dois dos aviões em miniatura que adorava colecionar, os quais estavam espalhados por cantos aleatórios do quarto.
  Ele tinha também um violão, recostado dentro da capa a uma das paredes, cobertas em sua maioria por pôsteres de bandas e super heróis, além de um toca discos e até um pandeiro.
  Música, no fim das contas, era o que fazia o coração de pulsar, o que lhe dava propósito e ele se esforçava por aquilo como nunca nada lhe impulsionava a fazer. Era seu caminho, seu destino e cada vez que terminava orgulhoso de uma composição na qual passava horas – às vezes até uma noite inteira – trabalhando, tinha mais certeza daquilo.
  E seus pais sabiam daquilo também. Motivo pelo qual cederam para o porão da casa onde moravam para que ele usasse tanto de quarto quanto de estúdio, incomodados em vê-lo pegar no sono em cima do piano tantas vezes depois de passar horas ininterruptas trabalhando numa nova composição. Claro, eles sentiam orgulho do talento do filho e era por isso que continuavam a lhe incentivar, ainda que isso significasse ter uma casa sem porão mesmo com um quarto perfeitamente bom para o filho no andar de cima, porém o caso era que sempre se esforçava demais por aquilo, por sua música. Tanto que a exaustão física já se tornava como uma velha amiga para o garoto, que sempre recebia uma visita da mesma enquanto trabalhava tão obstinado em suas composições.
  Ainda assim, com o porão como quarto e dores por todo o corpo, se sentia satisfeito de verdade consigo mesmo e com seu trabalho duro quando finalmente se jogou na própria cama, cantarolando baixinho a melodia tão nova, mas já tão querida para ele, que acabara de criá-la.
  Pegou o celular que repousava, esquecido, num canto da cama e abriu a conversa com , lhe enviando um "oi" enquanto era abatido pela mesma vontade que sempre lhe tomava quando terminava uma música: Mostrar para . Ainda que ela não fizesse ideia que muitas das composições eram sobre ela, só parecia real quando compartilhava com ela.

"Compus algo novo hoje. Acho que gostei."
Enviada às 16h45.

  Enquanto esperava por uma resposta, deixou que seu celular repousasse em sua barriga e pescou um de seus aviões em miniatura do criado mudo, movendo-o no alto de um lado para o outro, cortando o ar com o objeto.
  A coisa toda com aviões começara quando ele ainda era muito novo, e um tio, irmão de seu pai, lhe deu seu primeiro aviãozinho quando voltou de uma viagem para o ocidente. Como a criança impressionada que era na época, ele achou simplesmente fantástico que uma coisinha como aquela houvesse levado seu tio para tão longe e então trazido de volta depois de um tempo.
  Depois de todos aqueles anos, ele ainda tinha certo fascínio pelo meio de transporte, e, principalmente, pela possibilidade que ele estava sempre carregando consigo: De ir pra longe, de sair daquele interiorzinho esquecido na Coréia do Sul e conhecer algo novo, algo incrível.
  Aquela era uma vontade que, entre outras centenas de coisas, ele compartilhava com . Ainda que ela tivesse a vida um tanto quanto mais conturbada que a dele, em casa e tudo mais, ela sabia tanto quanto ele que, se havia alguém que lhe entendia, que entendia sua sede de sair daquela ilhazinha, era .
  Quase como se soubesse que voltava a habitar seus pensamentos, pareceu tomar aquele como o momento perfeito para responder suas mensagens e ergueu o celular da barriga quando sentiu o aparelho vibrar em cima de si.

Já disse que orgulhoso é o meu favorito?!
Recebida às 16h56.
Me mostra, !
Recebida às 16h56

   sorriu para a tela do celular, se pondo de pé e ignorando as dores pelo corpo enquanto buscava a letra finalizada e tirava uma foto para que a amiga visse. Ele costumava preferir mostrar as músicas para ela pessoalmente, quando podia tocar a melodia e cantar, mas depois de anos de insistência por parte da garota, ele lhe ensinara a decifrar partitura para que pudesse fazer exatamente aquilo e lhe mostrar as músicas assim que terminava, mesmo que não estivessem juntos. adorava compartilhar suas composições com ela, então o fato de ela gostar e se interessar tanto lhe alegrava de verdade, de forma que sequer fosse estranho para qualquer pessoa de fora que ela sempre fosse a primeira pessoa para quem ele queria mostrar as músicas quando conseguia terminá-las ou, às vezes, antes mesmo disso.

Que incrível,
Recebida às 17h03
Acredita que quase pude ouvir você cantá-la daqui? Tá a sua cara, uma das suas melhores!
Recebida às 17h03

   sorriu com a mais genuína felicidade para os elogios, sentindo-se, de fato, como se aquela fosse mesmo uma de suas melhores composições. Já estava verdadeiramente satisfeito com ela antes e agora, com o elogio de , parecia mais certo do que nunca de que fizera um bom trabalho.
  Ele respondeu que também gostara da música, no fim das contas, e brincou que valera a pena ter entortado todos os músculos de seu corpo no processo, recebendo um bonequinho fazendo cara feia de , que perguntou em seguida se ele já havia tomado alguma coisa para a dor.
   respondeu que tomaria mais tarde e a porta de seu quarto foi aberta em seguida, fazendo com que ele desviasse o olhar da tela do celular para entrando junto com .
  - Finalmente terminou? – perguntou, surpresa de vê-lo na cama e não sentado em frente ao piano como passara todo o dia desde que chegara em casa da lanchonete, horas mais cedo.
  - Sim. – ele sorriu, explicitando quão feliz estava, não só por ter finalizado a composição, mas pelo resultado final. – Ficou ótima.
  - Como se você compusesse algo ruim. – rolou os olhos, sentando de frente para o piano e tocando melodias aleatórias enquanto sentava-se perto do irmão na cama, fazendo com que ele se sentasse em sua frente para que ela pudesse massagear seus ombros. soltou uma exclamação quando as mãos dela encontraram seus músculos doloridos, fechando os olhos e os apertando.
  - Isso é verdade, você não compõe nada ruim. – concordou também e riu, rolando em seguida os olhos.
  - É por isso que eu sinto tantas dores. – deu de ombros, xingando baixo pelo modo como o gesto fez pontadas atingirem seu corpo. Tanto quanto riram por isso, com o mais novo ainda dedilhando distraidamente o piano.
   vivia dizendo que ele tinha talento para a música, porém não levava a sério. Ele vinha de uma família problemática demais para acreditar que podia, realmente, ter um futuro na música ou em qualquer coisa que denotasse que ele tinha, de fato, talento. A palavra por si só já lhe parecia estranha.
   vivera até os quinze anos com seus pais, que eram ambos dependentes químicos e, por consequência, péssimos pais, até seu pai abandoná-lo sozinho com sua mãe, que durou um mês com o garoto antes de deixá-lo também. Ela fora embora enquanto ele dormia e, de algum jeito, conseguiu esconder aquilo dos amigos e do pessoal do colégio por algum tempo, mas com quinze anos ainda era só um garoto. Não tinha condições nenhuma de viver sozinho e logo precisou de ajuda, passando por altos e baixos dos quais odiava lembrar antes que seus amigos descobrissem a verdade e implorasse aos pais que o deixassem ficar com eles por algum tempo.
  Agora, era praticamente um irmão para , ainda que seu relacionamento com houvesse se desenvolvido de forma diferente. O ponto, no entanto, era que, na cabeça de , não fazia sentido que ele tivesse potencial para qualquer coisa que exigisse carisma demais. Se nem seus pais lhe quiseram, o que uma agência de entretenimento ia querer com ele, afinal?
  - Com quem está falando aí? – se esticou para olhar o celular de quando o aparelho apitou novamente com uma mensagem de e ele se esquivou, impedindo que ela visse, o que foi resposta o suficiente para a garota. Qualquer outra irmã acreditaria se tentasse dizer que era outra garota, mas não. Ela sabia muito bem que ele só tinha olhos para . – Qualquer dia desses, um de vocês ainda vai sair muito magoado. Se não todos os três.
  - Concordo. – murmurou, entendendo sem dificuldades do que ela falava quando proferiu tais palavras. rolou os olhos.
  - Você não tem que concordar com nada. – apontou para , antes de fugir dos dois se pondo de pé e pegando seu casaco jogado de qualquer jeito num canto da cama. – Vou dar uma volta. Se forem transar, por favor, não usem meu quarto. – pediu e sua irmã olhou feio para ele, com a cor atingindo em cheio suas bochechas lhe fazendo rir.
   era o mais velho dos dois, mas tinha uma desenvoltura tão melhor que a sua para falar da maioria das coisas que, quando aquilo acontecia, ele não conseguia reagir de forma diferente.
  - Você é um idiota, Kim.
  - O mesmo pra você, Kim. – ele retrucou, piscando para a irmã antes de, por fim, colocar o celular no bolso da calça e sair de lá de dentro, deixando o casal sozinho e esperando esquecer as palavras da irmã sobre terminar magoado depois de uma volta sem rumo na noite fria de Ulleungdo, ainda que no fundo duvidasse daquilo.
  As chances, afinal, eram que ela estivesse certa e ele estivesse destinado a um coração partido mesmo. Não que aquilo mudasse alguma coisa.
  Infelizmente, não mudava.

Airbus A380

  - -ah! – exclamou, jogando-se no amigo para abraçá-lo depois de cumprimentar e , que passaram pela porta de entrada e deixaram os dois sozinhos em seguida. retribuiu o abraço, passando os braços ao seu redor e se deixando intoxicar pelo perfume doce da garota, que ele estava tão acostumado a amar. Tanto o perfume quanto a garota.
  - Trouxe uma coisa pra você. – falou, com as mãos suando quando se afastaram e ele estendeu para a sacolinha com o avião de sua coleção que escolhera para lhe dar de presente de aniversário. Ele se esforçava para ignorar aquilo, o suor, assim como tentava ao máximo ignorar quão bonita ela estava naquela noite, fingindo não ter sido a primeira coisa que notara quando ela fora recebê-los no portão da frente de sua casa.
  Era aniversário dela, fazia sentido que estivesse um pouco mais animada que o normal, mas aquilo não tornava nada mais fácil para , que só conseguia pensar em como era injusto que ela fizesse seu coração querer saltar do peito de maneira tão intensa e continuasse a beijar os lábios de outro.
  - O que é? – perguntou, sorrindo animada enquanto abaixava o olhar para a sacola, arregalando os olhos ao notar o que estava lá dentro, tirando em seguida de lá o avião que estava acostumada a ver e admirar na coleção do amigo. – -ah! Eu não acredito! – ela colocou a sacolinha de lado, segurando o avião com as duas mãos, admirando o objeto.
  - É um Airbus A380. – ele murmurou, apontando o modelo. – É, atualmente, o maior avião de passageiros do mundo, sabe? Cabe quase 900 pessoas e é... Sabe, gigante. Só não atinge um número maior de destinos de vôo porque certos aeroportos ainda precisam ampliar as pistas para recebê-lo. – contou, sentindo as mãos suarem cada vez mais enquanto falava, mas realmente queria dizer aquilo, ainda que se sentisse ridículo, queria, enfim, explicar porque escolhera aquele avião em especifico. estava acostumada a apenas admirar os aviões de sua coleção por serem o que eram, o meio de transporte que representava a conquista de distancias, mudanças, futuro, possibilidades, mas cada um era um, um tipo diferente, com um propósito diferente e aquele em específico era um dos favoritos de . Por causa de , é claro. – Achei que, se alguém precisava dele por perto, era você e não eu. Porque é você quem é incrível e grande demais pra maioria dos lugares e das pessoas. E quero que se lembre sempre disso, -yah. Que você é grande e incrível demais e nunca deve comprimir nada do que você é, seja por quem ou o que for.
   olhou nos olhos de por um longo instante, sem que ele tivesse ideia do quanto suas palavras afetaram a garota, chegando em seu âmago de maneira intensa demais e fazendo com que ela reagisse da única maneira que pareceu fazer sentido reagir: Os braços jogados ao redor do amigo num novo e forte abraço e o rosto escondido na curva de seu pescoço, enquanto, simultaneamente, ela fungava para conter o choro.
  - Eu amo tanto você. – ela murmurou, limpando as lagrimas que já escapavam no canto dos olhos antes de respirar fundo para que nenhuma outra seguisse o exemplo. – Amo demais você, . – ela murmurou, sorrindo triste para o amigo, que estreitou, confuso e desconfiado, os olhos.
  - Está tudo bem? – perguntou, preocupado. Conhecia bem o suficiente para saber que não, saber que ela não chorava com aquela facilidade e algo, sem duvidas, estava errado.
  A garota sabia daquilo tanto quanto ele, mas assentiu para a pergunta mesmo assim.
  - Vem, vamos entrar. – lhe puxou pela mão, preferindo limitar a própria mentira ao aceno de cabeça de um instante atrás, que, ela sabia bem, sequer convencera de alguma coisa.

   morava sozinha com o irmão mais velho e sua mãe até pouco tempo, mas a doença da mulher, que sofria com um quadro grave de esquizofrenia, se agravara demais nos últimos meses e obrigara os dois irmãos a colocá-la numa casa de repouso, onde receberia os cuidados apropriados.
  Desde então, o irmão da garota trabalhava turnos dobrados para sustentar a casa e continuar exigindo que ela focasse só nos estudos como sua mãe sempre quis de ambos. Não dava para os dois continuarem daquele jeito, mas ele podia, ao menos, exigir aquilo da irmã.
  , ainda assim, dava um jeito de contribuir com as despesas de casa como podia, vendendo doces e salgados no colégio ou em grandes centros comerciais, ainda que, bem, grandes centros comerciais não fossem grande coisa em Ulleungdo.
  Naquela manhã, acordou com um botão de rosa ao lado de sua cama, no criado mudo, e um bilhete de seu irmão lhe desejando feliz aniversário e avisando que ela teria a casa só para ela a noite caso quisesse chamar seus amigos, mas que não era para quebrar ou vomitar em nada.
  Nada de surpreendente, levando em conta que, acima de tudo, seu irmão sempre foi um grande amigo e não ficou nenhum pouco surpreso quando ouviu a história da garota, no caminho para os fundos da casa, onde seus amigos já estavam sentados, alguns em cadeiras e outros no chão mesmo.
   estava numa cadeira e sentado no chão, aos seus pés, quando e sentaram no chão também, mais perto de , que apontava para o casal enquanto falava:
  - Eu posso apostar todas as minhas economias nisso, mas além de vocês dois, ninguém vai querer apostar comigo porque é óbvio! – exclamava, sob o olhar cético do casal e e se entreolharam, já imaginando o assunto sobre o qual falavam.
  - Não tem nada a ver, cara, nós somos amigos. Nunca aconteceria. – retrucou, como se fosse loucura e, obviamente, sem notar como se esforçava para concordar com suas palavras sem demonstrar a decepção que elas lhe causavam.
   rolou os olhos.
  - -yah e também já foram amigos um dia. Eu e ...
  - É completamente diferente. – insistiu, lhe interrompendo. – Somos amigos.
  Apesar do tom da conversa, havia um sorriso relaxado em seu rosto, proveniente tanto da garrafa de vinho que dividia com os amigos quanto de sua calma e postura relaxada habituais.
  - Isso não existe. – rolou os olhos, se intrometendo também. Pelo canto do olho, viu enrijecer brevemente pelo rumo que suas palavras davam a conversa, mas não ligou de alfinetá-lo também. Ele, melhor do que ninguém, sabia da verdade em suas palavras, afinal. – Não existe amizade entre homem e mulher sem que uma das partes, ou as duas, em algum momento pensem em como seria ter algo mais, um tipo diferente de relacionamento. – discursou sua opinião.
   estreitou os olhos para ela, pensando em suas palavras por um instante.
  - E o ? – apontou para o amigo, que mordeu o lábio, coçando a nuca antes de forçar um sorriso descontraído e lhe encarar.
  - -yah é linda. Não posso dizer que nunca pensei nela desse jeito. – brincou, arrancando gritinhos animados de seus amigos e rindo por isso antes de completar a brincadeira piscando para , que retribuiu a graça. Ela sabia tanto quanto ele, afinal, que a única garota na qual vinha pensando daquele jeito era outra, com quem infelizmente nada nunca seria assim tão simples. – Mas, sério, acho que vocês combinam muito mais.
  - E todos nós concordamos. Isso não vale de nada?! – voltou a insistir e gargalhou, escondendo o rosto em uma das mãos por um instante.
  - Aigoo!* – reclamou, ainda rindo e não teve dificuldades para notar que ele estava envergonhado, o que lhe fez rir também.
  - Pessoal, esquece isso. – murmurou, tentando ajudar o amigo, mas, impassível, fez que não entre uma golada e outra de vinho, apontando para a garota.
  - Você estava quietinha até demais esse tempo todo... – murmurou, acusatório, antes de sorrir como uma criança aprontando. – Concorda com a gente, não concorda? Que vocês formariam um casal legal? – inquiriu, arqueando as sobrancelhas pra garota. – E isso ainda prova que -yah está certa! De fato, uma das partes sempre está imaginando algo mais!
  - Não tem parte nenhuma imaginando nada. – retrucou, tentando parecer entediada mesmo com o suor nas mãos e o coração vergonhosamente acelerado.
  - Ah, fala sério. – rolou os olhos, sem levá-la a sério. – Não dá pra acreditar que vocês nunca tenham imaginado como seria. Que, nem uma vez, imaginaram como seria experimentar. Ainda mais vocês dois, que são tão próximos. – ele desandou a falar, estreitando os olhos de um para o outro. – Aposto que já até flagraram um ao outro sem roupa. E é difícil não imaginar coisas quando isso acontece, não é?
  Imediatamente, desviou o olhar, coçando a nuca sem graça e corou, fazendo com que batesse palmas e risse alto junto com os outros amigos.
  - -yah? – chamou, rindo de maneira provocativa. – Que cara é essa? Não foi você que disse que... Hm... Como foi mesmo? – fingiu pensar. – Não tem parte nenhuma imaginando nada? – imitou a voz da amiga, que olhou feio para ela.
  - Para com isso! – reclamou, se esticando na cadeira para poder bater na amiga, que se escondeu atrás de em meio a risadas. Ele riu também, tentando afastar uma da outra.
  - Você não está ajudando o seu caso, sabia? – ele riu, encarando , que rolou os olhos.
  - Eu nem sequer sei por que vocês não param de falar nisso. – se defendeu, incomodada.
  - Ah, isso é óbvio! – retrucou, apontando de um para o outro em seguida. – Queremos que vocês parem de ser teimosos e nos escutem, pelo menos uma vez na vida!
  - E como exatamente quer que façamos isso, -ah? – resmungou, arqueando as sobrancelhas para o amigo em desafio, atitude da qual se arrependeu em seguida, quando o outro abriu um sorriso largo demais para ele.
  - Não sei, mas acho que talvez, assim, só talvez... Se vocês tentarem algo, tipo, sei lá... Um beijo... – ele pausou apenas para olhar de um para o outro, como se checasse se era seguro falar. lhe encarava cético e estupidamente corada, então ele seguiu em frente. – Talvez possam entender. Sanar as duvidas, sabe? – olhou de um para o outro e arqueou as sobrancelhas antes de sorrir.
   e , surpreendentemente, não retrucaram nada de imediato. A verdade, afinal, era que se não pensavam naquilo antes, na tal possibilidade da qual todo mundo insistia em falar naquela noite, depois de toda aquela conversa era impossível continuar ignorando-a. Os dois eram, afinal, homem e mulher, jovens solteiros que, de repente, se viam postos frente a frente com uma possibilidade sobre a qual nunca haviam pensado antes, mas bem, seria mentira dizer que agora não parecia, de fato, tentadora.
  Timidamente, ergueu o olhar para , que mordeu o lábio antes de lhe encarar também.
  - Estamos mesmo pensando nisso? – ela perguntou baixinho a ele, que acabou não conseguindo conter um sorriso para o tom inseguro da garota, um instante antes que ele se virasse e ficasse de joelhos no chão, de modo a alinhar seus rostos.
  - Nossos amigos não sabem de nada na maior parte do tempo, mas até que essas coisas fazem sentido, não é? – ele murmurou, tocando seu rosto com a mão, e conseguiu apenas assentir, corada em todos os tons de vermelho por saber que todos lhes assistiam naquele momento. , aliás, se compadeceu a amiga e quase sugeriu que lhes deixassem sozinhos, mas só precisou olhar em volta para saber que seria em vão: Enquanto sorria empolgado para os dois, assistia com o queixo apoiado no ombro de , que segurava o próprio rosto nas mãos, também com os olhos vidrados no casal.
  , no entanto, também olhava com humor para os outros, de modo que logo seu olhar encontrou o de e eles sorriram juntos, cúmplices daquela maneira tão própria dos dois.
   os ignorou, sorrindo de maneira um tanto sapeca para , como se aquilo fosse apenas mais uma das brincadeiras que estava sempre fazendo com ela, obviamente alheio ao modo como o coração da garota parecia querer atravessar seu peito.
  - Fecha os olhos? – ele pediu e ela assentiu, mas os manteve abertos mesmo assim. sorriu por isso e ela corou mais quando ele juntou suas testas, puxando o lábio inferior da garota com os dentes. – ...
  - Eu não consigo fechar. – ela confessou baixinho e os dois riram juntos.
  - Não vou beijar você de olhos abertos. – ele devolveu e tampou a boca de quando viu que o namorado estava prestes a interromper e falar alguma besteira, provavelmente reclamar da demora. Ele já conseguira o que queria, era hora de deixar os dois fazerem a parte deles.
  , por fim, fechou os olhos, sentindo tremeliques intensos no estomago antes que a língua de invadisse sua boca, explorando curiosa antes de encontrar a língua quente dela, fazendo com que a garota levasse uma das mãos para seus cabelos por reflexo, sentindo os pensamentos pouco a pouco se dissolverem a uma poeira distante e sem sentido no fundo de sua mente enquanto uma das mãos de deslizava para sua nuca, o contraste de temperaturas levando um arrepio por seu corpo.
  - Sabia que conseguiria. – ele, por fim, murmurou, com a boca ainda perto demais da sua para que fosse capaz de pensar com clareza, lhe roubando um último selinho antes de abrir os olhos. Seus olhos demonstravam quão aturdida ela estava e sorriu ao notar, satisfeito que o estrago que aquele beijo causara não fora unilateral. Ele só tinha a sorte de fingir melhor que ela, no fim das contas. – Fechar os olhos. – acrescentou, como se estivesse se explicando e ela riu, assentindo.
  - Claro. – falou e os dois sorriram juntos antes de voltarem rir, compartilhando de uma leveza que nem mesmo esperavam sentir depois de experimentar o que acabaram de experimentar, mas que, honestamente, não podiam estar mais agradecidos.

  - e se ajeitaram na cama de seu irmão, e estão na sala de TV e eu pus na sua cama. – informava quando voltou para a sala de estar da casa de , horas mais tardes.
  As brincadeiras se seguiram por quase toda a noite até que os amigos estivessem exaustos demais para manter os olhos abertos, precisando cada um encontrar um canto para deitar na casa de . dormiu antes de todos, por isso teve que carregá-lo até o quarto de .
  Depois de todo mundo ter se instalado da melhor maneira possível, ainda não se sentia sonolento. Fisicamente exausto de carregar e ajudar os outros com sua embriaguez, porém sua mente continuava acesa quando ele se sentou ao lado de no sofá, jogando o corpo para trás e suspirando de maneira pesada.
  - Estou feliz que tenha gostado. – ele murmurou, apontando para o avião que ele lhe dera quando chegou e, agora, a garota segurava nas mãos. Ela abriu um pequeno sorriso e viu, novamente, certo lampejo de culpa em sua expressão.
  - Ei, o que você tem? – ele perguntou, o tom preocupado fazendo com que fungasse antes de se jogar em seus braços, escondendo a cabeça na curva de seu pescoço enquanto chorava baixinho contra sua pele. Ainda mais preocupado e igualmente surpreso, passou os braços ao seu redor, pousando a cabeça no topo da sua. – -yah...
  - Preciso confessar uma coisa. – ela murmurou, afastando-se para lhe encarar enquanto limpava os cantos dos olhos, mesmo que ainda chorasse. abriu a boca para impedir, dizer que ela não precisava falar nada agora simplesmente porque não queria continuar a vê-la chorar, mas não permitiu, passando em sua frente. – Você sabe como... Como eu sempre quis sair de Ulleungdo, não sabe? – começou e o garoto assentiu, então ela assentiu também, como se precisasse daquilo para ir em frente. – Recentemente, um dos programas de bolsa, em Seul, para os quais me inscrevi... Um desses programas... – ela mordeu o lábio, nervosa. – Me enviaram uma resposta, .
  - -yah... – passou uma mão pelos próprios cabelos, sentindo o ritmo de sua pulsação falhar enquanto entendia o que a garota estava dizendo. – Você passou?
  Puxando o ar o mais fundo que conseguiu, assentiu, levando a imitá-la e puxar o ar também, sentindo-se incapaz de absorver a tempestade de sentimentos que lhe tomou em seguida. Sabia que aquele era o sonho de e, caramba, falaram tantas vezes daquilo, em ir embora dali, mas... Ainda assim, parecia tão irreal.
   sentia a mais genuína das felicidades pela garota, certo que ninguém merecia aquilo como ela e ninguém queria aquilo como ela, porém, ainda assim, pensar num futuro, próximo demais, em que não lhe veria mais diariamente, em que a garota não estaria mais ao alcance de uma caminhada, lhe causava uma tristeza acida demais também. A tristeza, é claro, vinha acompanhada da culpa, porque ele sabia que não devia sentir aquilo e acabou apenas balançando a cabeça antes que um sorriso nascesse em seu rosto, ao mesmo tempo em que seus olhos voltavam a se encontrar.
   parecia tão assustada naquele momento, insegura de um jeito que lhe deixava quase irreconhecível e tudo que quis ao notar isso foi lhe garantir que estava tudo bem. Que ela podia ir, que devia ir. Era o que ela merecia, afinal.
  - ...
  - Isso é incrível, -yah. – ele a interrompeu assim que a garota começou a falar e ela piscou, surpresa.
  - É? – perguntou, mordendo, insegura, o lábio. – , eu estou com tanto medo. É o que eu sempre quis, mas agora que aconteceu parece tão assustador. Eu amo tanto todos vocês, e, por mais que eu queira tanto sair daqui, a vida como eu vivo aqui é a única que eu conheço...
  - -yah. – lhe interrompeu, sorrindo de maneira doce para o medo da garota. Aquilo, de alguma forma, só lhe tornava ainda mais incrível, ainda mais . – Você lembra o que eu te falei sobre o avião? – perguntou, assentindo quando ela o fez também. – Você merece muito mais do que Ulleungdo jamais vai poder te oferecer. Sabe disso, não sabe? – sorriu para ela, tentando lhe encorajar a concordar e, timidamente, ela assentiu. Ele imitou, satisfeito. – Tem que saber... Tem que saber que é incrível. E que isso, essa bolsa, é incrível também. É uma coisa boa que apareceu pra você e tem que aproveitar, -yah.
   abaixou os olhos e puxou as mãos de para seu colo, segurando entre as suas e fazendo com que ele desviasse o olhar para suas mãos entrelaçadas também, de repente tomando ciência do momento e ficando imediatamente nervoso. Estavam próximos demais naquele sofá, e já haviam bebido tanto vinho...
  - Você já contou a alguém? – ele perguntou, apertando os dedos nos dela e sorrindo quando ela lhe encarou. – Já contou a alguém que vai começar a incrível jornada do resto da sua vida? – quis saber, brincalhão, e ela riu fraco por isso, fazendo que não em seguida.
  - Só meu irmão sabe. Abrimos a carta juntos. – ela murmurou, suspirando e balançando a cabeça em seguida. – Aigoo! Estou com tanto medo de contar a , -ah. – ela confessou, recebendo um pequeno e triste sorriso de antes que ele acariciasse seu rosto, colocando seu cabelo para trás da orelha simultaneamente. jamais seria capaz de decifrar aquele sorriso, mas sentiu no fundo de seu âmago a melancolia que ele carregava.
  - Ele te ama. – murmurou por fim, fazendo um esforço impensável para dizer aquilo sem deixar transparecer o quanto partia seu coração pensar na verdade naquelas palavras: amava . , seu melhor amigo, era namorado de . E a amava. E, ainda assim, não conseguia fazer aqueles sentimentos por ela simplesmente irem embora. Droga, como era difícil! – Acho que, por mais difícil que vá ser para ele, se importa demais com a sua felicidade para deixar que isso, o quão difícil vai ser para ele, te impeça. Ele tem um coração verdadeiramente bom, -yah. – murmurou, tentando convencer a si mesmo que ele também se importava demais com a felicidade de seus dois melhores amigos para se colocar, de alguma forma, no caminho dela ou estragá-la. E, por isso, jamais poderia dizer a o que sentia.
  - Ah, ... – suspirou, derrotada, se encolhendo em seus braços enquanto escondia a cabeça na curva de seu pescoço, fazendo com que o amigo passasse os braços ao seu redor, permitindo que ela se aninhasse contra ele. – Crescer é tão difícil. Eu não entendo porque tem que ser tão difícil. – ela resmungou baixinho e ele sorriu, beijando o topo de sua cabeça.
  - Precisamos aprender de algum jeito. – murmurou, apoiando a cabeça no topo da sua. – Mas tudo bem, -yah. Vai ficar tudo bem. Você vai ficar bem. – garantiu enquanto a garota fechava os olhos, se permitindo adormecer no encalce de seu abraço, onde era seguro.

Nem muito jovem, nem muito velho

  - Nosso último dia de aula é amanhã. – foi a primeira coisa que disse quando se sentou no espaço vago ao seu lado no banco. Ela não soava pesarosa, nem triste, mas de certa forma soava sim como se houvesse perdido algo. E ainda estivesse muito confusa para lidar com aquilo. – Depois de amanhã, acabou a escola. Pra sempre. E, é... Tipo... A coisa mais assustadora que já me aconteceu. Vocês se sentem assim também? – ela perguntou, virando para encarar os dois garotos sentados perto dela.
  Primeiro , seu namorado desde sempre, o cara com quem ela experimentara tudo e então , com quem ela tinha aquela conexão ridícula de tão intensa. A pessoa que ela mais confiava em todo o mundo. Aqueles dois eram, sempre foram, tudo de melhor que ela conhecia, as melhores sensações que já provara, os melhores momentos que já vivera e agora, mais do que nunca, precisava deles. Precisava tanto deles que chegava a ser assustador, porque ela nem mesmo sabia como se apoiar neles naquele momento.
  - Seria estranho se não nos sentíssemos, não é? – , por fim, respondeu, pegando uma de suas mãos para segurar nas suas e entrelaçando seus dedos em seguida, fazendo com que desviasse o olhar para as mãos dos dois juntas inevitavelmente, com um gosto metálico na boca, pelo qual, é obvio, sentiu-se culpado, desviando o olhar para as pessoas indo e vindo em sua frente. Estavam na única estação de trem da região, que, aliás, até mesmo ficava fora dos limites da ilha de Ulleungdo. Mesmo sendo tão longe, no entanto, a estação sempre fora um dos destinos favoritos para os três, que sempre gostaram do pressagio que a ida e vinda constante dos trens parecia representar.
  Havia três formas de sair de Ulleungdo: Pelo mar, como faziam a maioria das pessoas que saiam diariamente para trabalhar e acabavam fazendo a travessia por tempo demais; voando de avião, mas os vôos costumavam ser caros demais, então era raro e, bem... Havia a ferrovia.
  A estação de trem só ligava a ilha às cidades mais distantes, de modo que, no caso de travessias diárias, viagens de barco continuavam a ser a opção mais viável, mas ainda assim, ainda que na maior parte do tempo a estação não recebesse tantos passageiros indo e vindo, ela tinha um lugar especial no coração dos três amigos.
  - Eu me lembro da primeira vez que viemos aqui. Acho que tínhamos doze ou treze anos, você, jagiya, trouxe nós dois e disse: Um dia, vou pegar um trem desses e ir embora. sorriu nostálgico ao voltar a falar, fazendo com que desviasse novamente o olhar para ele, observando enquanto o amigo era atingido pela lembrança. – Foi quando eu descobri que também queria ir embora um dia. E é, no minimo, louco porque chegamos ao ponto final da vida que levamos aqui e não temos a menor ideia do que vamos fazer agora... Se, sabe, a criança que éramos quando dissemos pela primeira vez que íamos deixar essa ilha um dia estava certa, mas... – deu de ombros. – Precisamos acreditar que vamos ficar bem, no fim das contas. Acreditar é tudo que nos resta.
  Quando recebeu a mensagem de para encontrá-los lá, imaginou que ela já havia contado a sobre a bolsa, que fosse algum tipo de passo que ela precisava dar para se despedir da ilha, mas entendeu que não sabia de nada ainda depois que ele dissera aquilo. entendeu também que estava se sentindo tão merda naquele momento quanto , ainda que por motivos diferentes.
  Enquanto tinha seu caminho bem traçado a sua frente, mas de repente parecia paralisada, tornando impossível de segui-lo, estava perdido justamente porque não havia caminho nenhum a sua frente. Assim como não havia caminho nenhum a frente de , que respirou fundo, sentindo-se como se levasse um soco no estomago enquanto se dava conta daquilo.
  - Querem saber o que eu acho? – perguntou, fixando o olhar em um dos trens que partia, imaginando dentro de um deles. Ela provavelmente pegaria um avião para Seul quando aceitasse a bolsa, mas, ainda assim, a sensação de despedida não era muito diferente. – Acho que -yah vai embora primeiro. De Ulleungdo, digo. Acho que ela vai estudar muito e terminar tendo muito sucesso no que decidir fazer da vida quando for. – desviou o olhar para a amiga brevemente e ela abriu um pequeno sorriso para ele, se permitindo sentir reconfortada pela fantasia de para o futuro, ainda que soubesse muito bem que a sensação não ia durar muito. Todo o medo e incerteza não parariam de lhe atormentar tão cedo, tinha certeza. – Acho também que, um dia, vai jogar futebol pela Coréia do Sul. Ou filmar outras pessoas jogando futebol, mas definitivamente algo que não lhe mantenha preso dentro de um escritório.
  - E você? – perguntou a ele, curioso para saber como se imaginava naquele futuro otimista.
  - Num estúdio, como sempre. – deu de ombros. – E, um dia, nós vamos nos reencontrar. Vamos nos lembrar de todas as vezes que viemos aqui e, sabe, sentir orgulho das crianças que sempre souberam que o lugar delas não era nessa ilha. Talvez num bar perto do estúdio onde eu estiver trabalhando ou, por acaso, numa ferrovia exatamente como essa, mas do outro lado do mundo, mas... Mesmo que tudo mude agora, que a gente perceba um ao outro sumindo de vista, acho de verdade que, não vamos sumir de vista para sempre. Talvez -yah e ... – ele riu –, mas eles são os membros desgarrados do grupo, convenhamos.
  - Você é incrível. – riu também, em meio às lágrimas, enquanto abraçava o amigo, que sentiu se jogar por cima dos dois em seguida, o que lhe fez rir.
  - Não tem como a vida querer manter um trio como o nosso separado pra sempre, fala sério, vocês não podem achar mesmo isso. – ele retrucou, olhando com falsa ofensa para os amigos antes de lhes afastar. – Eu vou pegar um lanche pra gente e vocês... Por favor, acreditem em mim, tá? Vai ficar tudo bem. – murmurou ao se pôr de pé e os dois amigos apenas assentiram, observando abraçados enquanto se afastava, sem ter ideia do que ele pensava. Sem sequer imaginar que, na verdade, tinha tanta certeza quanto eles do que dizia.
  Na verdade, se sentia tão assustado quanto .
  Ele pensava em como era difícil entrar para a indústria da música e se perguntava se tinha o que era preciso dentro de si, assim como se perguntava se aquele reencontro do qual falava com tanta certeza aconteceria mesmo. E se seria bom, se ele teria superado os sentimentos por e poderia, finalmente, ficar única e sinceramente feliz pelos dois amigos, supondo que eles terminariam juntos, o que era uma incerteza gigantesca naquele momento, que devia estar matando os dois.
  Mas, no fim das contas, aquilo eram só perguntas, perguntas que só o tempo seria capaz de responder e que não fariam bem nenhum a ninguém agora. Portanto, ele continuaria pensando naquele futuro, naquele futuro que pusera lágrimas nos olhos de e acalmara o coração inquieto de . E torceria para tudo ficar bem, seguindo aquele script ou não.

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  - Sei que nos formamos amanhã, mas sério... Vocês se sentem adultos? – perguntou enquanto ajudava e a recortar os enfeites que seriam postos na parede do ginásio, que os sete jovens ficaram responsável por decorar para a celebração de sua formatura, na manhã seguinte.
  Horas mais cedo, eles tiveram sua última aula, e, ainda que a ficha sequer houvesse caído para os jovens, eles já estavam trabalhando nos preparativos para o evento que tornaria tudo ainda mais real: Sua formatura.
  - Claro que não, não somos adultos ué. – respondeu, rolando os olhos para a pergunta estúpida do outro, que lhe encarou com confusão no olhar.
  - Então, o que somos? Por que, definitivamente, não somos mais crianças há muito tempo, mas agora, não sei se ainda podemos dizer que somos adolescentes. – ele devolveu, expressando o pensamento que pesava em sua cabeça como uma pedra no sapato.
   franziu o cenho, parecendo pensar sobre a pergunta por um instante antes de passar a mão pelos cabelos e resmungar.
  - Aigoo, ! – reclamou e o outro riu. – Não me venha com perguntas difíceis agora. Terminei o colégio, não a faculdade.
  - Não somos mais tão jovens, mas também não somos velhos o suficiente para nos considerar adultos. É confuso. – , que prestava atenção na conversa dos amigos enquanto preparava o mixtape da festa de celebração da formatura na manhã seguinte, interveio. – Acho que a fase adulta vai chegar para cada um de nós em momentos diferentes. Para alguns, como que chegou até a morar sozinho por um período, talvez até já tenha chegado.
  - Ou -yah. – apontou para a garota, concordando com o que dizia e ele assentiu.
  - Definitivamente não você. – retrucou em tom de brincadeira para enquanto tentava não pensar demais sobre suas palavras. Se sentia tudo menos uma adulta e, de alguma forma, estava prestes a ir para longe demais de casa em alguns dias.
  - Ei! – reclamou, procurando alguma coisa para jogar na garota como se aquilo fosse ser argumento o suficiente na discussão boba dos dois e riu, se escondendo atrás de quando um lápis voou em sua direção. – Eu posso ser adulto.
  - E deve, mas isso não quer dizer que você é. – deu de ombros como se não fosse nada demais e riu enquanto olhava feio para ele.
  - Nem você!
  - Ah, até parece. – gargalhou, interrompendo a discussão dos dois. – é, disparado, o mais maduro nessa sala.
  - Obrigado. – acenou com a cabeça para ela antes de olhar convencido para , que rolou os olhos.
  - Não acho. – empinou o nariz, apenas para não dar o braço a torcer e todos na sala riram por isso.
  - Cala a boca, . – retrucou, cutucando o ombro de em seguida. – Nem tão jovens, nem tão velhos? – perguntou, com a frase se repetindo em sua cabeça desde que pronunciara.
  - Supostamente, é a melhor fase da vida. – ele deu de ombros, virando para olhar para os outros amigos em seguida. – Pessoal, estou tão assustado quanto vocês, de verdade, mas caramba, olha só onde a gente já chegou. Terminamos o colégio, agora vamos fazer tudo que sempre quisemos fazer. Sabe... É a nossa hora. – tentou animar os amigos e apontou para ele depois que terminou.
  - O Sr. Maturidade, senhoras e senhores. – brincou e ele a puxou para si, bagunçando seus cabelos e arrancando um gritinho da garota enquanto lhe abraçava, propositalmente com força exagerada. – ! – ela reclamou, lhe empurrando e ele riu, deixando que ela se afastasse de seu encalço.
  - Certo... Digamos que seja a nossa hora... – virou para encarar o irmão em seguida, voltando ao que ele dissera antes. – O que acontece quando não temos a menor ideia do que fazer com ela?
  - Ah, por favor, responda isso! – pediu também, apontando para a garota e olhou divertido de um para o outro.
  - Eu pareço a Oprah pra vocês? – quis saber, rindo quando recebeu uma série de reclamações dos amigos. – Ok, ok, calem a boca! – rolou os olhos – Não tenho qualquer embasamento cientifico para dar ao que estou dizendo, mas acho, de verdade, que tudo passa. E que isso vai passar também. Toda essa incerteza e confusão que estão matando a gente... Vão passar. – deu de ombros, numa tranquilidade que chegou até a assustar seus amigos, situação que normalmente lhe faria, pelo menos, sorrir de lado, mas não naquele momento. vinha repetindo tanto aquelas coisas para si mesmo que não parecia capaz de encontrar humor para brincar com a situação agora. – Tenho tanta certeza quanto vocês do que vou fazer a partir de agora, mas não posso fazer nada quanto a isso. Ainda sou muito jovem para ter certeza das guinadas que a vida vai dar e de como tudo pode acabar, mas já sou velho o suficiente para saber que, de um jeito ou de outro, vamos acabar bem.
  - Temos a mesma idade e eu não sei disso. – interveio, cruzando os braços como se não aceitasse de jeito nenhum suas palavras, o que fez os amigos rirem ao mesmo tempo em que lhe cutucavam e estapeavam pela inconveniência. Ele riu. – Ai, ai, não me batam! É verdade! Como ele sabe disso?
  - Porque, apesar de você ser um pé no saco, você tem o melhor coração desse ginásio, . – rolou os olhos, estapeando sua nuca. – Todos vocês têm e precisamos acreditar que coisas boas acontecem com pessoas boas.
  - Você é incrível, cara. – murmurou, dando um tapinha no ombro de , que acenou com a cabeça, como se não fosse nada. nunca tinha noção, afinal, do tamanho da dimensão que as coisas que falava costumavam tomar para seus amigos, de modo que nunca se dava o valor que tinha também.
  - Espera, mas como eu posso ter o maior coração aqui e todo mundo também? – interveio e ergueu, desacreditado, o olhar para ele, que soltou uma risadinha. – Desculpe? – tentou, não conseguindo ainda assim fugir do tapa que levou em uma das pernas, já que estava sentado e ele de pé.
  - Acho que -ah está precisando comer pra parar de implicar tanto. – observou e concordou.
  - Vamos. – puxou o amigo, que rolou os olhos.
  - Só porque eu nunca recuso comida. – murmurou, sendo puxado para fora do ginásio por .
  - Apostam quanto que eles estão transando? – murmurou depois que os dois saíram e bateu nele, que riu. – Ai! Vai dizer que não estava pensando a mesma coisa?
  - Contanto que coloquem alguma coisa na boca dele, não me importo. – murmurou também e apontou para ela como quem dizia: exatamente, antes que os outros decidissem fazer uma pausar para comer também.
  No fim das contas, e terminaram sozinhos no ginásio, já que eram os únicos que não estavam com fome o suficiente para ir também. Inicialmente, o silencio reinou entre os dois, exceto pela música que pôs para tocar em seguida.
  - Você falou com ? – ele perguntou para depois de mais um instante e ela fez que não, lhe encarando culpada.
  - Ainda não.
  - Está com medo? – ele perguntou, simples como se não houvesse nada demais naquilo, no fato de ela ter medo, e suspirou. era bom naquilo: Em fazê-la sentir que tudo bem sentir o que quer que ela estivesse sentindo e arrancar as informações dela.
  - Não tenho ideia de como ele vai reagir. – ela murmurou, dando de ombros. – E nem sei se... – ela se interrompeu e arqueou as sobrancelhas, se pondo rapidamente de pé e seguindo até a garota, ficando de frente para ela.
  - -yah? – chamou, desconfiado e ela desviou o olhar, suspirando quando segurou em seu queixo, fazendo com que ela lhe encarasse. – Está pensando em não ir? É isso?
  - Tal... Talvez. – ela gaguejou, igualmente envergonhada e triste. Porque queria ir, no fundo sabia que queria de verdade ir, mas... Será que conseguiria morar tão longe? Longe de todos os seus amigos, de ?
  - Eu não entendo. – franziu o cenho, soltando devagar seu queixo. – Achei que isso fosse tudo que você sempre quis.
  - E é, , mas tem tanta coisa a se pensar, sabe? – ela soltou, suspirando em seguida, demonstrando sua frustração. – Não sei se estou pronta. Se sou capaz.
  - Bom, então temos um problema, porque eu tenho certeza de ambas as coisas. – retrucou, fazendo com que ela rolasse os olhos, prestes a resmungar qualquer coisa em resposta, mas não permitiu. – , eu não conheço ninguém mais corajosa do que você. Ninguém que mereça mais isso do que você, então, baby, só... – ele se interrompeu, suspirando.
  Como ia dizer a ela para não ter medo quando ele próprio passara a vida toda escondendo dela tudo que sentia por ela por medo? Medo de toda a confusão de causaria, mas, ainda assim, medo.
  No instante seguinte, por ironia do destino ou de quem fosse, a música que vinha das caixas de som conectadas ao notebook de mudou para Last Dance, do BigBang e quase sorriu ao ouvir. Ele podia não saber como falar o que tinha que falar, mas achava que os cinco membros do maior grupo de Kpop da atualidade sim.
  - Vamos dançar. – puxou a garota para mais perto, pegando-a desprevenida e fazendo com que ela posicionasse as mãos de maneira correta para uma dança lenta em seu corpo num reflexo impensado.
  - . – riu, sem acreditar no que estava fazendo quando. – Eu nem sei dançar direito, fala sério.
  - Nós somos jovens demais para saber qualquer coisa direito, -yah. – ele rolou os olhos, começando devagar a mover os pés de um lado para o outro, fazendo com que se esforçasse para acompanhar seus movimentos.

나이가 들어서 나
(Eu envelheci)
어른이 되나 봐요
(Acho que me tornei um adulto)
왜 이렇게 불안할까
(Por que estou tão ansioso?)

  - Acho que nunca odiei tanto essa música. – comentou, certa que fizera de propósito. Talvez não aquela música tocando naquele exato momento, mas definitivamente o silencio proveniente dele assim que começaram a dançar. Ele queria, afinal, que ela prestasse atenção à letra. Aquela letra estupidamente estúpida.
   riu ao ouvi-la.
  - Eu odeio que esteja se sentindo tão pequena quando é tão grande, mas eu entendo você, . – ele murmurou, olhando em seus olhos daquele modo tão único, tão típico dele, que fazia parecer que ele sabia de tudo que estava por vir, de modo que era impossível não acreditar no que quer que ele tivesse para falar e, suspirando pesadamente, a garota aproximou-se mais dele, deitando a cabeça em seu peito e permitindo que ele lhe guiasse enquanto dançavam.

사람들은 오늘도
(Hoje de novo, pessoas)
과거에 머물고
(Ficaram no passado)
세상은 나 없이도
(O mundo sem mim)
잘 돌아가네요
(Continua a girar apenas bem)

  - Eu entendo, de verdade, que ache que esse mundo é grande demais pra você, entendo que esteja com medo e que ache mais fácil viver aqui e fazer tudo do jeito que sempre fez, que dizer adeus é difícil, mas muitas vezes dizer adeus é necessário também, meu amor. – disse para a amiga, colocando seu cabelo para trás da orelha e acariciando sua bochecha quando ela voltou a erguer o olhar para lhe encarar.
  Por um instante, tudo que foi capaz de fazer foi admirá-la, se ver completamente envolvido pela beleza da garota que tanto amava, que ele sabia, era a melhor que ele conheceria, e que, ele sabia também, era sua alma gêmea. Ainda que nunca chegassem a comprovar aquilo, quão certos e incríveis podiam ser juntos, ele sabia.
  - Eu sou jovem demais para isso, -ah. – ela murmurou, chorosa e fungou em seguida, incomodada com o próprio tom de voz. – Sou jovem demais para estar dizendo tanto adeus.
  - Você é jovem demais para se conformar em viver nessa ilhazinha pelo resto da vida por medo de dizer adeus, -yah. – ele retrucou, sem que parassem de dançar em momento algum. – E é velha demais para não saber disso. – acrescentou, beijando sua testa antes de pousar a cabeça no topo da sua, abraçando-a e só embalando seus corpos juntos, sem se preocupar mais em seguir nenhum passo especifico de dança.

아직은 어려서 나
(Ainda sou jovem, então eu)
철이 안 드나 봐요
(Acho que ainda sou imaturo)

  - Eu vou sentir tanto a sua falta. – chorou, lhe apertando no abraço enquanto pousava a testa contra o peito do amigo, chorando. – Vou sentir tanto a sua falta, -ah.
   sabia, de todas as outras vezes que chorara em seus braços, que a única coisa pior que vê-la chorar era senti-la tremer enquanto o fazia, lhe apertando forte demais como se ele fosse o único apoio palpável que ela ainda era capaz de sentir e tê-la fazendo exatamente as mesmas coisas naquele momento partiu o coração do garoto, que pousou a cabeça no topo da sua e suspirou pesadamente, apertando os próprios olhos enquanto tentava ignorar o quanto vê-la daquela forma acabava com ele.
  - Você é a maior luz dessa ilhazinha, -yah. – ele murmurou, com ela ainda escondendo a cabeça em seu peito. – Mas está na hora de você iluminar o resto do mundo.
  Ao ouvir, só chorou mais, lhe abraçando com mais força por reflexo e suspirou, afastando-se para fazer com que ela erguesse o rosto para ele, limpando as lágrimas que molhavam-na e sorrindo triste para ela antes de beijar sua testa, logo depois fazendo o mesmo com a ponta de seu nariz.

모든 게 처음이라 서툴고
(Tudo era uma primeira vez para mim, eu era tão desajeitado)
설레이기만 해
(Eu estava animado)
그 시절 기억들이
(As lembranças desses tempos)
아직도 꿈만 같은데 난
(Ainda parecem um sonho)

  Com ambos os rostos molhados pelas lágrimas e a proximidade tornando-se incontestável, a respiração quente de ambos parece se misturar de maneira perigosa demais quando junta a testa a de , deixando que seus dedos deslizem por todo o desenho do rosto dela.
  Ele não era mais assim tão jovem, mas também não era velho o suficiente para aquilo, para não deixar que aquela proximidade mexesse com ele, revirando seu âmago da maneira mais intensa e borbulhante possível, de modo que inclinar o rosto para o seu é um reflexo que, por sorte, não corresponde.
  - . – ela murmurou, limpando a garganta se afastando com um passo para trás.

[...]
너와 이 노랠 들으며

(Eu vou ouvir essa música com você)
마지막 춤을 출 거야
(E dançar pela última vez)
이 순간을 기억해
(Lembre-se desse momento)
언제까지라도
(Até qualquer momento; Apenas uma última dança)

  O olhar de parece dolorido quando encontra o seu e ele precisa respirar fundo várias vezes antes de passar a mão pelo rosto, balançando a cabeça.
  - Desculpe. – foi o que ele terminou por sussurrar, engolindo em seco. – Eu não queria...
  - Tudo bem. – lhe interrompeu, balançando a cabeça enquanto tentava fingir não ter ficado tão atordoada pelo momento quanto ele. Seus olhos, no entanto, não tinham tanta maestria em mascarar sua confusão, que parecia ainda mais clara para qualquer um ver com as lágrimas repousando nos cantos das irís da garota. – Acho que nos deixamos levar pelo momento.
  - Acho que sim. – concordou, enfiando as mãos nos bolsos da calça enquanto mordia a parte interior das bochechas, sentindo a garganta quase arder para gritar o que sentia por ela.
  Ainda assim, se conteve, e, no instante seguinte, seus amigos voltaram em meio a risadas e piadas aleatórias para o ginásio, não parecendo notar nada de errado enquanto abraçava a namorada e murmurava algo em seu ouvido, algo para o qual ela sorriu e concordou com a cabeça antes que se despedissem dos amigos, avisando que tinham que ir.
   desviou o olhar para no último instante, quando já abriam a porta do ginásio para sair de dentro dele e, um instante depois, saiu, deixando o garoto com a sensação de que ela levara consigo parte de seu coração, se não todo ele.

Even when the night changes

  - Boa sorte, cara. – murmurou, com um tapinha no ombro de quando chamaram por ele no palco montado no ginásio do colégio. lhe agradeceu com um aceno de cabeça e respirou fundo, se pondo de pé e seguindo até lá.
  Ele fora votado orador da turma e, bem, chegara a hora do discurso. Mal podia acreditar.
  Depois de cumprimentar os professores, coordenadores e diretores em cima do palco, ele se aproximou do pódio com o microfone e o ajustou para a sua altura, acenando timidamente para os colegas de classe, recebendo gritinhos empolgados como resposta e rindo fraco por isso.
  Estava todo mundo ali.
  Todas as pessoas que levaram todos eles até aquele momento, as famílias de todos... Todo mundo, exceto a família de .
  Mas, depois de muito tempo se sentindo um merda por isso, aquilo não foi um problema. Porque agora ele tinha uma família nova e o simples pensamento lhe fazia sorrir, voltando a olhar na direção de seus amigos.
   passara tempo demais se sentindo um merda por ter uma família de merda, por nunca ter tido de seus pais o suporte que eles deveriam lhe dar, mas aquilo era passado agora. Os pais de lhe deram um teto quando ele era um jovem de quinze anos rebelde e desajustado e, junto com os amigos dos garotos, com , principalmente, lhe transformaram em quem era hoje. Alguém de quem, enfim, podia sentir orgulho.
  - Ontem mesmo, um amigo meu disse que não somos mais tão jovens, mas também não somos tão velhos. E é bem confuso, o que, aliás, ele também disse. – o garoto, por fim, começou, olhando brevemente para , que sorriu igualmente surpreso e envergonhado enquanto apoiava o queixo nas mãos, inclinando-se para frente na mesa enquanto esperava pelo resto. respirou fundo, assentindo, mais para si mesmo do que para qualquer um, antes de continuar. – Mas a verdade é que vamos tomar algumas decisões erradas agora. E que não tem nenhum problema nisso, porque ainda não sabemos de tudo. Caramba, mal sabemos de qualquer coisa, então, se não sabemos de nada, por que não errar? – deu de ombros, parando por um instante e olhando em volta, para seus colegas de classe, como se lhes desafiasse a responder, sorrindo em seguida para o silêncio. – Essa é a hora de fazer coisas das quais podemos nos arrepender, é a hora de tentar, de arriscar. Talvez a gente descubra que estávamos errados e não nascemos para o que imaginamos a vida toda, que existe outra coisa incrível esperando por nós, talvez a gente descubra que acertamos e estávamos desde o inicio fazendo a coisa certa, mas, o fato é que ainda somos muito jovens para deixar um erro nos parar, caso ele venha, e, definitivamente, velhos demais para travar e não tentar por medo de errar. Então, seja lá o que vocês estejam pensando em fazer... – ele riu, certo que estava prestes a terminar o discurso da pior maneira possível. – Só façam.
  As palavras vieram seguidas de uma gritaria no mínimo exagerada, vinda especialmente de seus amigos, que batiam palmas, batiam na mesa, gritavam seu nome e assobiavam de maneira exagerada enquanto ria e balançava a cabeça, envergonhado, cumprimentando as pessoas ao seu redor com apertos de mão antes de deixar o palco.
  - , , ! – gritou assim que o amigo lhe encontrou, junto com os outros, num canto nos fundos do colégio, onde costumavam ir para matar a aula.
  Depois do discurso, ainda precisou cumprimentar vários colegas de classe, professores, enfim, gente demais. Ele sequer achava que fizera aquilo direito, mas todo mundo parecia realmente fascinado com tudo que ele dissera e não tinha certeza do que sentir em relação aquilo. Não estava exatamente acostumado.
  - Eu. – respondeu a , rindo sem graça em seguida. – O que estamos fazendo aqui? – quis saber, sentando-se no chão perto de e beijando sua bochecha, sendo imediatamente abraçado pela garota.
  - Estou orgulhosa de você. – ela sussurrou, arruinando a tentativa de de tirar o foco de si mesmo e de seu discurso, mas ele não pôde se importar menos. Ela estava orgulhosa dele. A garota que ele amava estava orgulhosa dele e não achava que podia haver sensação melhor.
  - Você foi ótimo, cara. – murmurou também, fazendo com que ele sorrisse ao lhe encarar. Ainda que tivessem a mesma idade, tinha razão quando dizia que era o mais maduro ali e, mais ainda, sempre foi o maior exemplo para . Mais do que o pai de , que ele admirava muito também e que o criara como seu próprio filho, mais do que qualquer um. Ele era como seu próprio irmão mais velho e nunca seria capaz de explicar quão extasiado ficava de ouvir um elogio vindo dele.
  - Obrigado, cara.
  - Então, eu tenho uma dúvida. Se eu quero fazer uma coisa, eu devo... – começou a falar, mas parou, arqueando as sobrancelhas para de maneira zombeteira. – Fazer?
  - Argh, idiota! – lhe estapeou, desacreditada. – Não estrague o momento, .
  - Ah, poxa! Mas isso é o que eu sei fazer de melhor!
  - Está aí algo no qual concordamos. – retrucou, rindo quando ele olhou feio para ela e lhe puxando para se sentar com os amigos também. Logo estavam todos numa rodinha, meio apertados, já que a intenção de esconderijos e corredores desertos nunca é abrigar de maneira confortável sete pessoas, mas tudo bem.
  Era a última vez que fariam aquilo, afinal de contas.
  - Não, mas falando sério agora. – murmurou, chamando a atenção dos amigos para si outra vez. – Você foi ótimo, cara. De verdade. Acho que todos nós precisávamos ouvir aquilo.
  - Sim, precisávamos. – concordou, abraçando com mais força em seguida e desviou o olhar para os dois, notando imediatamente algo de diferente ali. estava mais sério naquele dia, mais afetuoso e não parecia ser só pela formatura. Se fosse, ele estaria muito mais como . – -yah tem novidades também.
  Ele sabia.
  Fazia sentido agora.
  - O que foi? – virou imediatamente para encarar , que sorriu sem graça.
  - Eu... Hm... – coçou a nuca e riu fraco, arrancando um sorriso de , que não foi capaz de tirar os olhos dela até que ela erguesse os dela e seus olhares se encontrassem, sorrindo triste para ele. Os dois eram bons amigos e aquilo nunca mudaria, mas seria mentira dizer que as coisas não estavam diferentes desde o dia anterior, quando quase se beijaram no ginásio. – Consegui uma bolsa para estudar literatura em Seul.
  - Uau, -yah! Isso é incrível! – exclamou, jogando-se na amiga para abraçá-la. – É o que você sempre sonhou!
  - É sim. – ela sorriu, realmente agradecida pelo entusiasmo de , que logo deu lugar para que os outros lhe abraçassem e parabenizassem também. – Então... Eu... Hm... Vou embora em uma semana. – ela contou, fazendo com que piscasse e lhe encarasse surpreso, sem que pudesse evitar.
  - Já? – murmurou e ela lhe deu um sorriso triste ao lhe encarar, fazendo com que ele imediatamente balançasse a cabeça. Era errado demais permitir que ela se sentisse triste por aquilo. – Isso é incrível, . Logo você vai estar conhecendo tudo que sempre sonhou.
  - É, acho que sim. – ela murmurou, sorrindo minimamente e suspirou, desejando poder falar mais, mas sabia que não era uma boa ideia. Não naquele momento, quando haviam acabado de se formar e estavam se despedindo do colégio no qual passaram praticamente toda sua vida, onde se tornaram o que eram hoje. Já devia ter coisas demais bagunçando a cabeça de naquele momento e ele terminou apenas por sorrir da maneira mais encorajadora que conseguiu.
  - É, é o que eu ganho por me apaixonar por uma garota boa demais pra Ulleungdo. – murmurou, fingindo tristeza e riu, beijando o canto de sua boca.
  - Vou sentir falta de vocês. – ela murmurou em seguida, se encolhendo nos braços do namorado, sem notar como o encaixe do corpo dos dois naquele momento partia tão intensamente o coração de . – Vou sentir muito a falta de vocês.
  - A gente também vai, -yah. – sorriu para ela, puxando sua mão para o colo e segurando entre as suas. – Mas ainda podemos visitar vocês. Ou, quem sabe, talvez eu consiga minha bolsa também e podemos até morar juntas em breve. – sorriu para a amiga, que espelhou o ato.
  - Isso seria bom.
  - Seria sim. – assentiu com a cabeça e suspirou em seguida.
  - Sabe do que estamos precisando? – perguntou e os amigos viraram, desconfiados, para olhar em sua direção. – De uma festa! A gente precisa sacudir essa melancolia e entender que uma coisa boa aconteceu conosco, caramba! Terminamos o colégio, quem tinha esperanças de chegarmos aqui?!
  - Você ter chegado aqui é, definitivamente, uma surpresa. – retrucou por implicância e ele olhou feio para ela, que riu. – É brincadeira, -ah. Eu acho, na verdade, que você deu uma ótima ideia.
  - Na minha casa então? As 21h00? – ele virou para encarar os outros, checando se estavam de acordo. – Vou chamar todo mundo, precisamos de uma última loucura com o pessoal daqui. – riu e balançou a cabeça, chocada consigo mesma por ter deixado aquele garoto roubar seu coração. – Já volto! – roubou um beijo da garota ao seu lado e então se pôs de pé, correndo para fora dali antes que ela pudesse reclamar, fazendo com que todos os olhares voltassem para ela.
  - Quê? – ela perguntou, corada, enquanto se encolhia no lugar e foi o primeiro a rir.
  - Falei que eles estavam transando! – exclamou, muito animado por estar certo e rolou os olhos.
  - Não seja rude. – reclamou e ele fez bico, para o qual ela riu antes de segurar seu rosto entre as mãos e lhe roubar um selinho. engoliu em seco e coçou a nuca, desviando o olhar deles.
  - Como isso aconteceu, -yah? – perguntou, virando para encarar a amiga, tentando focar em qualquer coisa, que não e .
  - Acredito que você esteja familiar com o conceito de sexo, -ah. – ela resmungou, arrancando gritinhos dos outros e uma risada contida de , que arqueou as sobrancelhas, fazendo com que ela corasse e desse de ombros. – Estamos vendo no que dá.
  - Muito inteligente. – ironizou e olhou feio para ele, que riu e voltou a lhe abraçar. – É verdade, jagiya. Eles deviam ter tido uma conversa sobre isso...
  - Tivemos. E decidimos que vamos ver no que dá. – lhe interrompeu, dando de ombros. – Já temos coisas demais para decidir agora pra isso ser um problema também, então... Bem, vamos aos poucos. ainda precisa entender o que sente por mim e, se for o mesmo que eu, então, bem, vamos lidar com isso da melhor forma possível. Se não for, também.
  - Viu, -ah? Eles tiveram uma conversa. – puxou os cabelos do namorado, que lhe beliscou em resposta, fazendo bico como se estivesse muito magoado pela zombaria. A garota apenas riu, sem levá-lo a sério. – Estou feliz por vocês, -yah. Tenho certeza que vai dar tudo certo.
  - Eu também. – ela riu ao confessar. – Realmente tenho um pressentimento bom quanto a isso.
   olhou de uma para a outra e então para seus outros amigos, que observavam enquanto as duas conversavam e sorriu, sendo abraçado em seguida pela irmã, que ele abraçou também.
  No fim das contas, apesar de tudo, também tinha um bom pressentimento. Seus amigos eram as melhores pessoas que ele conhecia e o garoto tinha certeza: Iam todos terminar muito bem.

+++

   estava bêbado.
   sabia que sua embriaguez era o motivo para ele estar se permitindo parecer triste naquele momento, enquanto seus ex-colegas de classe parabenizavam pela bolsa e, os que já haviam estado em Seul, lhe davam dicas quanto aos lugares que devia ir e tudo o mais.
   também estava bêbado e não achava que as coisas terminariam bem aquela noite se ele continuasse aceitando cada cerveja que lhe estendia e brindando com o amigo.
  Ainda assim, era exatamente o que estava fazendo.
  - Sabe, eu sei que esse sempre foi o sonho dela e sei que deveria estar feliz por ela e, não me entenda mal, eu estou, mas.... – se interrompeu, suspirando pesadamente. – Vai ser tão difícil dizer adeus.
   também suspirou ao ouvir, jogando a cabeça para trás e resmungando mais alto do que o que deveria entrar nos limites do inadequado, porém não pôde evitar e, honestamente, não se importava tanto assim. Não naquele momento, com uma quantidade perigosa de álcool no sangue.
  - É uma droga. – resmungou por fim, tão vago quanto era capaz de soar, no entanto ergueu o olhar novamente no instante seguinte e viu rindo junto com e enquanto dançavam juntas. Parecia, de verdade, que cada parte do sorriso de lhe fazia sentir dor, e ele não precisou pensar muito para saber porque: Ela estava indo embora. Logo não veria mais aquele sorriso. – É realmente uma droga.
   suspirou, assentindo.
  - Sempre posso contar com você para me entender. – deu um tapinha no ombro do amigo, que riu com escárnio, sem conseguir se conter. virou para lhe encarar e suspirou outra vez, notando a melancolia que assolava também. – O que vamos fazer sem ela, -ah?
   quase riu diante da pergunta, certo que era quem menos sabia daquilo e, ao mesmo tempo, quem mais sabia também. Vinha desejando ter mais do que tinha de a vida toda e, a vida toda, estando fadado a ter apenas sua amizade, porém só sua amizade ainda significava tanto para ele, tanto... Como ia ficar sem aquilo?
  - Eu realmente não sei, . – murmurou para o amigo, sincero. – Ela vai ficar bem, pelo menos. Ela nasceu para sair daqui, cara.
  - Nasceu sim. – concordou, embora odiasse concordar com aquilo. – Saber disso só não torna nada mais fácil.
  - Infelizmente.
  Os dois ficaram em silencio por mais um instante antes que se levantasse, avisando que ia ao banheiro. Sem prestar muita atenção, assentiu, desviando, inevitavelmente, o olhar para outra vez depois que o amigo saiu. Ela ria enquanto fazia rodopiar pela sala, antes que roubasse a garota de seus braços e decidisse, portanto, que era hora para mais uma cerveja, aproximando-se de onde estava sentado e roubando seu copo para um grande gole.
  Ela parecia elétrica naquele momento, sua embriaguez fazendo com que parecesse tão genuinamente alegre, leve como se tudo que estava lhe afligindo não fosse mais um problema. Como se, de fato, o medo houvesse passado e ela tivesse certeza: Podia fazer o que quisesse. Podia conquistar o mundo assim como conquistara o coração de . Sem nem se esforçar.
  - Eu estou bêbada! – ela murmurou, rindo e colocando o indicador na frente dos lábios em seguida, como se pedisse segredo a , que riu.
  - Eu também. – confessou, com um sorriso relaxado. – E é só por isso que estou dizendo que amo você agora, -yah.   - Você não disse que me ama. – ela franziu o cenho, virando para olhar para os lados de maneira adoravelmente confusa e riu fraco por isso, puxando sua mão e fazendo com que ela voltasse a virar de frente para ele, olhando em seus olhos pequenos e nada lúcidos.
  - Eu amo você, -yah.
  Ao ouvir, mordeu o lábio, lhe encarando com certa tristeza no olhar antes de sentar-se ao seu lado no sofá, apoiando a cabeça em seu peito. A embriaguez sempre foi capaz de deixar frágil, de modo que qualquer pequena coisa que fosse mudava seu humor numa velocidade absurda.
  Exatamente como naquele momento.
  - Não estou bêbada o suficiente pra ouvir isso. – reclamou e riu novamente, sem muito humor dessa vez, enquanto lhe abraçava de lado, pousando uma mão por cima dos cabelos da garota encolhida em seus braços. – Está tudo acontecendo tão rápido, -ah. Eu me sinto tão confusa. – ela reclamou, soando como uma criança inconformada, ainda que igualmente triste, o que devia ser culpa do álcool em seu sangue.
  - O que te deixa confusa? – perguntou, segurando com os dedos na ponta do queixo da garota e puxando-a para lhe encarar, sorrindo sem conseguir evitar para o bico que ela não devia nem notar que sustentava.
  - Tudo, . Estou deixando para trás a única vida que eu conheço e você não tem ideia do quão assustador é fazer isso. Em algum momento, vou perder também e ele é tudo que eu sempre conheci. Tudo que eu sei sobre o amor, sobre ser de alguém, ter alguém ou ser alguém para alguém, aprendi com ele. – ela reclamava com voz de choro e, quanto mais falava, mais afundava o coração de , que coçou a nuca, prestes a murmurar qualquer coisa na tentativa de fazê-la sentir melhor, mas ela foi mais rápida, afastando-se de seu abraço para lhe encarar melhor. – E ainda tem você, -ah. Meu melhor amigo. Meu... Meu . – ela fungou, balançando a cabeça e fazendo com que o ritmo da respiração de falhasse. Aquilo pegara o garoto desprevenido, sem duvidas.
  - Eu estou aqui, -yah. – deu de ombros, como se não entendesse o que tinha a ver com o problema e, de fato, não entendia.
   apenas balançou a cabeça, parecendo decidir que o que quer que fosse, não valia a pena dizer.
  - Eu só vou sentir sua falta. – ela contornou. – Você sempre cuidou tão bem de mim, sabe? Não sei se vou saber cuidar tão bem de mim sozinha.
  - Você vai aprender, amor. – ele murmurou em resposta, beijando o topo de sua cabeça e fazendo com que ela passasse os braços ao seu redor, lhe abraçando com força antes que ele se afastasse, de repente com uma ideia em mente. – Sei de algo que vai te fazer sentir melhor. – murmurou, puxando-a a para se levantar também e, confusa, quase tropeçou quando o fez.
  - , o quê?
  Ele não respondeu, aproximando-se de onde estava e fazendo sinal para que ele cortasse a música, o que levou o amigo a se aproximar, confuso, dele.
  - Cara, o que foi?
  - Quero cantar uma música. Me empresta o seu violão? – pediu e, confuso, assentiu, fazendo sinal para que ele esperasse enquanto se afastava correndo para buscar o instrumento. sentou-se nos degraus que davam para o andar de cima da casa e lhe procurou com o olhar, sorrindo quando ela acenou para ele.
  Nenhum dos dois notou voltando do banheiro, enfiando as mãos no bolso enquanto acabava por ficar num canto mais afastado, já que as pessoas se aglomeraram rápido ao redor de assim que lhe estendeu o violão, cortando em seguida a música. Se não houvesse bebido tanto, talvez até mesmo sem ver não teria feito o que fez em seguida, mas ele bebera e achava que não estava ali, de modo que as palavras que saíram de sua boca saíram impensadas, destinadas a se tornar o inicio de seu maior arrependimento daquela noite na manhã seguinte.
  - Ei, pessoal, desculpa atrapalhar, mas não seria uma festa do colégio sem alguém me estendendo um violão, não é? – riu, referindo-se ao fato de acabar sempre com o violão na mão, cantando alguma coisa, nas festas dadas por alguém do colégio. – Vou dedicar essa para a minha garota favorita. – apontou para , sentada na escada e a garota riu, escondendo o rosto nas mãos antes de abrir uma fresta entre os dedos para olhar para , que riu antes de se sentar no banco que empurrou para ele, concentrando-se em tocar o violão em seguida.
  Qualquer um teria dificuldade para acertar as notas e até mesmo a posição do violão depois de ingerir a quantidade de álcool que ingerira, porém não ele. Aquele garoto, afinal de contas, tinha a mais intensa das relações com a música, de modo que cada instrumento que sabia tocar se tornava praticamente parte dele quando ele tocava e a conexão era inegável.
   dedilhou com perfeição o violão e sua voz se aperfeiçoou a música, como sempre, perfeitamente.

Going out tonight
(Saindo hoje a noite)
Changes into something red
(Ela veste algo vermelho)
Her mother doesn't like that kind of dress
(Sua mãe não gosta desse tipo de vestido)
Everything she never had, she's showing off
(Tudo que ela nunca teve, está exibindo)

   sequer precisou do primeiro verso para reconhecer a música, sorrindo enquanto o coração era inundado pelas mais intensas sensações.
  Sentiu-se triste, nostálgica e feliz ao mesmo tempo, perdida na lembrança da primeira vez que ouvira aquela música, que se misturava com a lembrança de todas as vezes que cantara para ela, provando-se tão incrível, tão único e tão... Tão .

Driving too fast
(Dirgindo rápido demais)
Moon is breaking through her hair
(A luz da lua cai sobre seu cabelo)
She's heading for something that she won't forget
(Ela está indo em direção a algo que não esquecerá)
Having no regrets is all that she really wants
(Não ter arrependimentos é tudo que ela quer)

  Enquanto cantava, mesmo que ele estivesse numa cadeira, longe demais para que pudesse tocar na garota, sentia-se exatamente como em todas as vezes que ele lhe abraçava: acolhida. Ela se sentiu incrível como só ele era capaz de fazê-la sentir, sempre que o flagrava olhando para ela, distraído, porém com tanto carinho...
  - Eu vou sentir tanta falta dele. – resmungou baixinho, com a voz embargada pelo choro enquanto , que se sentara ao seu lado, lhe abraçava.
  - Ele vai sentir muita falta sua também, -yah, acredite em mim. – ela murmurou para a amiga, que choramingou baixinho enquanto deitava a cabeça em seu ombro.
   vivia fazendo aquilo, movendo mundos e fundos para fazê-la se sentir melhor sempre que estava triste e lhe apoiando e fazendo ir em frente e fazer as coisas que precisava, que queria, mas tinha medo. Ela nunca encontraria ninguém como ele, ninguém que fosse cuidar dela como ele fazia, que se importasse como ele se importava e, quanto mais pensava naquilo, mais triste ela se sentia.

We're only getting older, baby
(Estamos apenas envelhecendo, baby)
And I've been thinking about it lately
(E eu estive pensando sobre isso ultimamente)
Does it ever drive you crazy?
(Te enlouquece?)
Just how fast the night changes
(Quão rápido as noites mudam?)

   amava aquela música. Era uma das suas favoritas desde a primeira vez que escutara, porém naquele momento duvidava que ouvi-la fosse, algum dia, doer tanto quanto doía agora. Porque, de fato, as coisas estavam mudando rápido demais e ela não conseguia parar de se sentir assustada.
  Naquele momento, as lágrimas desciam por seu rosto mesmo que passasse as mãos pelas bochechas, tentando inutilmente limpar. A cada palavra, cada frase, que cantava, soava exatamente como se ele lhe entendesse mais do que ninguém, o que nunca foi novidade entre os dois, mas, naquele momento, era tudo que ela podia querer e nem mesmo sabia se chorava por tristeza, alivio, saudades antecipadas ou o que quer que fosse.
  Talvez tudo junto.
  Fazia sentido, levando em conta como seu choro se intensificava mais a cada instante.

Everything that you’ve ever dreamed of
(Tudo que você já sonhou)
Disappearing when you wake up
(Desaparecendo quando você acorda)
But there’s nothing to be afraid of
(Mas não há nada a temer)
Even when the night changes
(Mesmo que as noites mudem)
It will never change me and you
(Nunca irá mudar a mim e a você)

  Bastou os olhos de olhos caírem sobre para que ele errasse uma nota, parecendo acordar para o que fazia. E para o quão errado era.
  Baixou a cabeça para o violão e respirou fundo, de repente podia jurar que estava suando frio e o chão aos seus pés parecia se mexer, mas ele não parou de tocar, esforçando-se para continuar e não desafinar enquanto cantava, sentindo a culpa fazer surgir um gosto metálico em sua boca. Aquilo não estava certo.
  E, enquanto cantava os últimos versos da música, foi tudo o que pôde concluir, que aquilo, definitivamente, não estava certo e ele se sentiu como se estivesse traindo , colocando o violão de lado e se pondo de pé com as duas mãos apoiadas no banco assim que acabou a música, coçando a nuca e olhando em volta.
   estava abraçando e beijando o topo de sua cabeça quando ele lhe viu novamente e detestou que a cena houvesse feito seu peito afundar tão profundamente, engolindo o gosto metálico em sua boca e seguindo até onde estavam apenas porque sua irmã já havia lhe notado olhando e fazia sinal para que ele se aproximasse.
  Tudo que queria fazer era sair o mais rápido dali, honestamente.
  - Você foi ótimo, -ah! – elogiou, abraçando o irmão e ele sorriu, bagunçando seus cabelos quando ela permitiu que ele saísse do encalce de seu abraço. olhou sem jeito de para em seguida e o amigo sorriu para ele, de maneira obviamente mais ácida do que o normal.
  - Gostei da música, . – elogiou e sorriu sem graça, agradecendo com um aceno de cabeça.
  Merda, aquilo era tão, mas tão errado.
  Existia um motivo para ter mantido segredo a respeito de tudo que sentia por todos aqueles anos e era . era uma pessoa boa, boa de verdade, que não merecia passar por confusão nenhuma por causa dos sentimentos errôneos de , que queria mais do que tudo poder apagar aquilo. Apagar aquela noite, tudo aquilo.
  - Eu precisava ouvir isso. – murmurou, sorrindo sem reservas para , parecendo completamente alheia a tempestade em sua cabeça e se perguntou por um momento como ela podia não saber. Como diabos, depois de todo aquele tempo, e com tudo que sabiam um do outro, ela podia não saber daquilo? Do que ele sentia por ela? – -ah parece sempre saber o que fazer por mim, mesmo quando nem eu sei. – riu, de fato sentindo-se infinitamente mais leve enquanto ainda sorria na direção de .
  Ela se sentia como se finalmente respirasse de novo, depois de muito tempo debaixo da água. Sentia esperanças e parecia inundada de coragem.
  - É, ele parece sempre saber mesmo. – murmurou, pousando o queixo no topo de sua cabeça e fazendo com que desviasse o olhar, tentando a todo custo ignorar o modo como seu coração sempre afundava quando via algo como aquilo. Como qualquer demonstração de afeto entre os dois parecia acabar tanto com ele.
   era namorada de e, caso não fosse mais quando estivesse indo embora, estaria indo embora e precisava aceitar aquilo de uma vez por todas. Ela nunca seria dele.
  - Sabe, eu não estou me sentindo muito bem. – comentou, limpando a garganta e coçando a nuca. – Vou pra casa.
  - Mas já? ! – reclamou e ele sorriu para ela, beijando sua bochecha.
  - Se cuida e cuida do . – pediu. – Vejo vocês amanhã.
  Por fim, acenou para os amigos e lhes deu as costas, costurando entre as pessoas em direção a saída e só quando se viu fora da propriedade dos pais de dando a si mesmo o direito de sentir toda a frustração por toda aquela noite que quase transbordava dentro dele.
  Estava tudo infinitamente errado, puta merda.

Takotsubo

  Quando acordou, sentia a cabeça doer como o inferno e deu sorte de seus pais não estarem mais em casa quando subiu para tomar café ou teria que aguentar um sermão, no mínimo, desagradável e, sem duvidas, problemático, levando em conta o quanto sua ressaca fazia sua cabeça doer.
  O que ele não sabia, no entanto, era que de uma forma ou de outra o sermão viria.
  - Você passou dos limites ontem, . – ouviu reclamar enquanto lhe servia o café preto que acabara de fazer. Aquilo era sempre ótimo para ressaca, porém, acompanhado das palavras de , desceu com um gosto horrível pela garganta de , que assentiu com uma careta.
  - Sei disso.
  - Não, cara. De verdade. – retrucou, sentando-se de frente pra ele na mesa e fez outra careta, desviando o olhar para , ao seu lado, como se perguntasse a ela se aquilo era sério. A garota baixou o olhar para a própria xícara e bufou, voltando a encarar . – Não devia ter feito aquilo.
  - Eu só cantei uma música. – se defendeu, ainda que no fundo soubesse que estava certo. Ele não aguentava mais remoer aquilo e sabia que não tinha jeito de o que fez parecer menos errado, mas aquilo já estava lhe matando o suficiente sem que lhe enchesse a respeito também.
  - Você cantou uma música pra , que namora , na frente de todo mundo. Praticamente fez uma serenata pra ela, ! – exclamou, tentando lhe mostrar quão errado e inadequado era aquilo e resmungou em frustração e agonia, baixando a cabeça e apoiando as mãos sob a nuca.
  - Eu sei, eu sei disso, ok?! Eu sei! – reclamou, impaciente, ao erguer a cabeça novamente.
   suspirou.
  - Não adianta saber, não se você vai deixar as coisas como estão, -ah. – murmurou mais suavemente, fazendo com que suspirasse também. , mais do que ninguém, sabia do que falava, afinal. Mais até do que a própria , era ele quem estava acostumado a ouvir as lamentações de a respeito de seus sentimentos por e, por isso, sabia muito bem do que estava falando. – nunca partiu seu coração, ela te ama como pode amar, não entende? – soava quase como se sentisse dor enquanto falava. Como se fosse mesmo doloroso como o inferno ter que falar aquilo para . – Ela é sua amiga, cara, é assim que sempre te viu. Se você quiser ter uma chance, fala pra ela, fala o que sente, mas se prefere preservar a amizade que tem com , então caramba, esquece ela. Pelo amor de Deus, supera isso e toda essa síndrome de coração partido. Se não for pra tentar, então segue em frente, .
  - Falar é mais fácil do que fazer, . – respondeu o amigo depois de um longo instante em silencio, remoendo as palavras dele na cabeça com a testa colada a mesa, a cabeça novamente baixa. – Eu realmente queria não me sentir assim, queria que fosse diferente e... Caramba! Ia ser tudo tão mais fácil se eu não me sentisse assim, se não fosse tão inegavelmente louco por ela, mas eu... – ele deu de ombros, encarando o amigo como quem pedia desculpas. – Eu sou.
   suspirou, desviando o olhar para como quem pedia ajuda, mas ela apenas lhe encarou triste, sem saber o que fazer também. Não dava, afinal, para mandar no coração e os dois sabiam que fazia o melhor que podia, que tentava de todos os jeitos não demonstrar, esconder, o tamanho do sentimento que tinha por . Sentimentos nunca eram fáceis de domar, mas tentava e não dava para culpá-lo por, vez ou outra, acabar cometendo um deslize.
  - Só pensa no que estou te falando. – foi o que acabou pedindo a ele, suspirando pesadamente e passando a mão pelo rosto. – Por favor, só pensa no que estou falando, . Sei que vai embora em breve e talvez no fundo de sua mente você ache que não precisa fazer uma escolha, mas você precisa. Porque não dá pra saber se os seus sentimentos vão embora junto com ela, não se você não tentar fazer com que eles se despeçam de você também. – soava pesaroso e triste e realmente acreditava na sua tristeza, de modo que nem mesmo conseguia sentir raiva do amigo por estar dizendo tudo que ele precisava ouvir, tudo que ele já sabia, mas ignorava.
  Com um gosto metálico e, no mínimo, desprezível na boca, ele se pôs de pé, seguindo até a geladeira e tirando de lá de dentro um kimchi que a mãe deixara preparado antes de sair para seu plantão no hospital onde trabalhava. Enquanto colocava no microondas, deixando esquentar por alguns minutos, desviava o olhar para e , ainda sentados a mesa, remoendo na cabeça tudo que lhe dissera.
  Odiava que ele estivesse certo.
  - No que está pensando? – perguntou quando notou seu olhar sob os dois e desviou o olhar para ele também, só então notando que o amigo lhes encarava. suspirou, fechando os olhos por um instante e então os abrindo novamente.
  - Só que essa tal síndrome de coração quebrado é uma droga. – resmungou – E que eu gostaria de não me sentir assim. De verdade.
  - Nós sabemos, -ah. – sua irmã murmurou, sentindo-se péssima em vê-lo tão triste, ficando em silencio enquanto ele retirava seu café da manhã do microondas e voltava para a mesa. – Você nunca faria ou sentiria nada que fosse causar problemas para outra pessoa se pudesse, especialmente um amigo. Sei disso melhor do que qualquer um. – garantiu, pousando uma mão sob seu ombro e apertando, num consolo, quando ele se sentou ao seu lado.
  - Isso é verdade. – murmurou, assentindo para as palavras da namorada. – Você é uma pessoa boa de verdade, . E é uma droga que o que sinta seja tão errado e te faça tão mal, porque não devia ser assim, mas... Talvez você precise aprender algo com isso. Talvez algo incrível apareça pra você depois que isso passar. Depois que você permitir que isso passe.
  - Como exatamente a gente permite que algo assim, algo que temos certeza que é amor, passe? Como dizemos pra nós mesmos que o amor vai passar quando é a única coisa que acreditamos a vida toda que seria pra sempre? – perguntou, sem conseguir mais pensar naquilo sem falar.
  Ele amava .
  Amava como , seu namorado, amava.
  E não havia nada que pudesse fazer quanto aquilo, porque, droga, era amor. E a droga do amor não passava de uma hora pra outra, embora ele quisesse. Embora fosse tudo que ele mais quisesse.
  - Você não tem que deixar de amá-la. Nunca vai deixar de amá-la e ninguém espera isso de você. – retrucou, balançando a cabeça. – Mas, , você pode amá-la sem estar apaixonado por ela. É o que precisa tentar fazer. Eu sei que parece impossível agora e é por isso que estou apenas pedindo para que pense nisso. Se você pelo menos pensar nisso, já vai ter feito muito.
   escutava os dois, sabia que estavam certos, mas ainda assim, havia uma vozinha em sua cabeça insistindo que talvez, só talvez, ele devesse só falar. Ela estava indo embora, as coisas não iam durar com de qualquer forma e... Era justo deixar que ela fosse sem nunca saber o que ele sentia?
  Quanto mais alto aquela vozinha falava, no entanto, mais ele pensava em , em como era um de seus melhores amigos e em como, de um jeito ou de outro, ele o magoaria se falasse. E havia um nó gigantesco na cabeça de , que, de repente, não sentia mais fome, colocando seu kimchi de lado e se pondo de pé.
  - Vou dar uma volta. – avisou a sua irmã e seu amigo. – Preciso... Preciso... Sei lá, esfriar a cabeça, tentar... Não enlouquecer.
  - Fica bem. – sua irmã pediu, sorrindo triste para ele, que assentiu, dando as costas em seguida.
  Podia ter concordando com o pedido da irmã, mas honestamente duvidava que fosse conseguir, de fato, ficar bem. Pelo menos não tão cedo.

+++

  - Entendeu agora? – perguntou depois de explicar pela quarta vez o raciocínio que devia seguir para resolver o problema de matemática no qual estavam empacados há mais de meia hora simplesmente porque ele não conseguia encontrar em nenhuma parte de sua mente forças para se concentrar em estudar.
  - Não e acho que nunca vou, podemos dar um tempo? – ele pediu, cansado, e suspirou.
  - , sua prova é em poucos dias e você não estudou nada ainda. – ela lembrou, soando muito como se lhe desse uma bronca, atitude para a qual ele teria sorrido, se não estivesse num péssimo humor.
  Aquilo era muito comum, afinal: sempre fora boa com números e péssimo, então ela sempre se esforçou para lhe ajudar, mas ele odiava como não conseguia de jeito nenhum entender o raciocínio dos matemáticos e, por isso, sempre acabava levando uma bronca de por desistir muito fácil. Era tão familiar que lhe fazia mal, especialmente naquele momento.
  A conversa que ele tivera com e pela manhã não saía de sua cabeça e, a cada instante que se passava, ele tinha certeza que devia ter desmarcado aquela sessão de estudos, porém, até receber a mensagem de perguntando onde ele estava, o garoto sequer lembrava que marcara, o que queria dizer que já era tarde demais para pensar naquilo. Estava atrasado e ela já esperava por ele, então não era como se ele sequer fosse capaz de realmente desmarcar.
  - Eu nem faço tanta questão de ir bem nessa prova. – ele, por fim, respondeu a garota, soando tão insatisfeito quanto se sentia. arqueou as sobrancelhas para ele, como se perguntasse se aquilo era sério e ele resmungou alto em resposta. – Estou de ressaca e quero dormir, -yah. – murmurou, insatisfeito e rolou os olhos, empurrando o livro em sua barriga.
  - Você pode não fazer questão, mas eu faço, . Você foi o primeiro a incentivar que eu fosse para Seul quando tive a chance e também merece que eu faça o mesmo por você, porque Ulleungdo não é nada comparado ao que você merece. Você merece sair daqui tanto quanto eu... Ou, talvez até mais.
  - Ninguém merece isso mais do que você. – retrucou de imediato, achando no mínimo absurdo que ela pensasse aquilo e a garota deu de ombros, desgostosa em notar que entravam naquele assunto. Aquela viagem devia ser uma coisa boa, porém o dia de sua partida estava chegando e a cada vez que ficava ansiosa, de fato animada com a nova jornada que chegaria muito em breve para ela, se sentia culpada logo em seguida, como se não tivesse o direito. Estava partindo o coração de seu namorado e sabia disso tanto quanto sabia que ele, de todas as pessoas, não merecia de jeito nenhum aquilo, e toda vez que falavam da viagem, terminava triste e se desculpando por estar triste, o que era uma droga. odiava que as pessoas sentissem que precisavam se desculpar pelo que sentiam e aquilo vindo de , em especial, era ainda pior.
  - Com certeza seria mais fácil pra você. – ela resmungou e suspirou, puxando o livro que ela ainda empurrava contra sua barriga e empurrando contra a dela.
  - Me responde uma coisa? Com toda a sinceridade do mundo? – ele pediu e assentiu, sem pensar muito. Não era como se ela já houvesse visto a necessidade de mentir para antes. Ele era seu melhor amigo, no fim das contas. – Você quer ir? Quer sair dessa ilha, onde você saberia exatamente como sua vida terminaria, e fazer algo totalmente novo? Experimentar ser tão grande quanto você jamais imaginou que seria?
  - Mais do que tudo. – ela respondeu, surpreendendo até a si mesma por não precisar pensar muito antes de falar, perfeitamente segura das próprias palavras mesmo com todo o sentimento de culpa, e acabou não conseguindo conter um sorriso, colocando o livro de lado para beijar a testa da garota.
  - Então é exatamente o que você vai fazer, -yah. Nada do que você tem aqui vale à pena deixar passar o que você quer mais do que tudo. – murmurou um segundo depois, arrancando um sorriso mínimo dela antes que a garota lhe abraçasse, encolhendo-se em seus braços e fechando os olhos por um instante apenas para agradecer por ter em sua vida. Mesmo que ele houvesse bagunçado sua cabeça como nunca nos últimos dias, ele... Ele era, sem dúvidas, a melhor pessoa que ela conhecia e aquela certeza nunca lhe deixaria, não importava quem mais fosse conhecer depois que deixasse Ulleungdo para trás. – Me fala, o que você está mais ansiosa pra conhecer lá? O que quer fazer primeiro? – perguntou, mesmo certo que já sabia a resposta. Ele a conhecia bem demais para não saber, afinal.
  - O aeroporto. – ela confessou, com uma risada fraca, e riu junto ao ouvir, sorrindo sozinho por ter acertado. – Eu sei que é idiota, mas eu quero conhecer cada parte do aeroporto. Admirar cada rosto que entra e sai e tentar nomear cada tipo de avião, sabe? – ela soava sonhadora enquanto falava e não conseguia não sorrir para a cena, certo que nunca a vira tão linda, prestes a realizar seu maior sonho. – Eu quero escrever sobre isso, sei que sou muito melhor com os números do que com palavras, mas realmente quero. Quero escrever sobre estar no avião, sobre sair dele direto para a capital do país, sobre... Sobre tudo, sabe? Cada pequena coisa que eu sentir porque sei que vai ser incrível. – ela murmurou, parecendo sentir as próprias palavras reverberarem em cada parte de seu corpo. – Eu sei, em toda parte do meu coração, que vai ser incrível, .
  - Eu sei disso também. – murmurou, sorrindo para a amiga enquanto colocava seu cabelo para trás da orelha, olhando em seus olhos. – E estou muito orgulhoso de você.
   sorriu, encontrando nas palavras do amigo um acalento poderoso para seu coração ainda inseguro, embora ansioso e teria dito aquilo a ele, deixado claro quão importante, o quanto, enfim, significava ouvir aquilo dele, se não houvesse chegado antes que ela conseguisse abrir a boca, lhes interrompendo ao se jogar entre os dois no sofá, lhes assustando já que se apoiara na parte de trás do sofá para pular nele, sentando-se no meio do estofado, exatamente entre os dois jovens.
  - Pessoal! – ele exclamou, olhando de e com um sorriso que preocupou seu amigo. nunca foi bom em mascarar seus sentimentos, especialmente diante de e , que eram as pessoas que mais lhe conheciam no mundo, de forma que não precisou de esforço nenhum para notar o brilho destrutivo em seu olhar, misturando as prováveis sensações tóxicas que lhe tomavam enquanto ele passava um braço ao redor dos ombros de e o outro ao redor dos ombros de . – Estudando muito? – havia certo veneno na voz de e ele olhava diretamente para enquanto falava, fazendo o outro engolir em seco, sem precisar pensar muito para estar de volta na noite passada, com seu olhar encontrando o de enquanto ele o assistia cantar para sua namorada.
  - Fizemos um intervalo. – deu de ombros, como se não fosse nada demais e riu, concordando várias vezes com a cabeça enquanto pousava uma mão sobre a perna de .
  - Para cantar, imagino?
  - -ah. – lhe repreendeu, sentindo a garganta fechar com a insinuação enquanto balançava a cabeça, fazendo que não.
  - Tudo bem. Eu mereci essa. – ele tranquilizou a garota, virando para encarar em seguida. – Cara...
  - Você está apaixonado por ela? – lhe interrompeu, perguntando antes que ele pudesse ir em frente com a explicação, que se perdeu em algum lugar no fundo de sua mente graças a surpresa pela pergunta. engoliu em seco e se remexeu no sofá, de modo a ficar de frente para ele, podendo assim analisar sua expressão da melhor maneira possível quando perguntou novamente. – Você está apaixonado pela ?
  - , não seja ridículo. – lhe interrompeu, olhando feio para o namorado antes que pudesse sequer pensar em responder aquela pergunta, atitude pela qual ele ficaria agradecido depois, quando voltasse a pensar naquela pergunta e se desse conta que terminaria respondendo o amigo com nada menos que a verdade. E a verdade seria no mínimo letal naquela situação. – Somos só amigos. , justamente por não estar apaixonado por mim, entende o quanto eu preciso ir. Ele me dá forças pra fazer isso e não me sinto como se estivesse magoando ele toda vez que me fico verdadeiramente feliz por estar realizando o meu sonho.
  Assim que a garota falou, o ar pesou ao redor dos três e, de repente, era como se a tensão pudesse ser cortada com uma faca. Havia magoa, a mais legitima magoa, nos olhos de quando ele encarou , como se a dor de ouvi-la dizer aquilo, apontar tudo que ele já sabia estar fazendo errado, lhe atingisse de maneira muito real, física até.
  - Isso não foi justo. – ele reclamou, se colocando de pé. – Você sabe que não quero me sentir assim, . Você sabe que quero, mais do que tudo, ficar feliz por você. Droga, eu... – ele balançou a cabeça, bagunçando os cabelos ao passar, frustrado, as mãos por eles. – Quer saber, esquece. Eu vou embora.
  - . – reclamou, se pondo de pé também, já estava arrependida de ter dito tudo aquilo antes mesmo de receber aquele olhar tão dolorido dele e só queria poder apagar aquilo. Todo aquele momento estava muito errado, os três não eram daquele jeito, não brigavam, eram bons amigos... Eram... Eram como um só. – Não faz assim, jagi, por favor.
  - Eu realmente odeio que o fato de você estar realizando o seu sonho esteja acabando comigo, mas você é a melhor coisa que eu já tive. E eu... Eu só não sei como vou fazer quando perder isso. – respondeu, soando muito como se pedisse desculpas e se pôs de pé, dando a volta no sofá para sair dali e deixá-los sozinhos, não sentindo que devia fazer parte daquele momento, especialmente depois de ver, pelo canto do olho, abraçar , chorando contra sue peito.
  Especialmente também, é claro, por saber que, sim, estava apaixonado por . Que estava apaixonada por . Que já ia perdê-la de um jeito ou de outro.
   não precisava e não ia piorar nada.

+++

  - -ah? – uma garota de aparência familiar perguntou, apontando para , que estreitou os olhos, surpreso pela intromissão repentina.
  Ele estava sozinho em um dos únicos bares da ilha que não pedia identidade, já em sua quarta latinha de cerveja, os pensamentos e sentimentos amortecidos, exatamente como ele queria que estivessem. Depois da noite passada e de toda aquela coisa de cantar para na frente de todo mundo, ele não devia estar bebendo e sabia disso, mas presenciar um momento intenso demais entre ela e lhe fizera repensar o que devia ou não fazer.
  Ou melhor, se desligar completamente da ideia de realmente pensar a respeito.
  - Anh... Sim. – ele murmurou, incerto. Sabia que devia conhecer aquela garota, mas de onde?
  - Sabia que você não ia lembrar. – ela riu, fazendo com que ele piscasse, igualmente surpreso e confuso.
  - Desculpe, o quê?
  - A gente teve um rolo. – ela riu, sorrindo para o modo como ele franziu, surpreso, o cenho. – Eu sabia que você era apaixonado pela quando ficamos. Sabia que você nunca tinha ficado e provavelmente nunca ficaria com ninguém pensando em, realmente, se apaixonar. Porque seu coração já era dela. – ela murmurou, lhe surpreendendo. – Mas tudo bem. Eu topei mesmo assim porque só queria me divertir e, bem, você era bom em me divertir. Se lembra agora?
   lembrava: Suran era a garota que falava a verdade.
  A garota que andava por aí de moto, falava a verdade e, sempre que falava a verdade, fazia rir, surpreso. Ele não estava acostumado com aquilo até conhecê-la, a honestidade ácida que ela possuía e, exatamente como em todas as vezes que ela dissera a verdade pra ele, a verdade que ninguém mais diria, ele riu enquanto lhe encarava, lembrando-se do relacionamento – se é que podia chamar o que tiveram de relacionamento – com a garota.
   tivera pouquíssimas garotas em sua vida, estava obviamente indisponível emocionalmente e aquilo não era exatamente um atrativo, de modo que o máximo que teve foram casos sem significados aqui ali e Suran foi, justamente, o mais duradouro.
  Suran costumava ser divertida e bastante sincera, coisas que ele apreciava e eles se entediam bem, além de não haver drama. Levando em conta que drama era tudo que parecia haver com , ele precisava daquilo e tentou, tentou de verdade se apaixonar por ela, embora a garota claramente achasse que não. Embora ela garantisse que não se apaixonaria por ele também.
  Talvez, só fosse mais fácil para a ilusão de que ter seu coração partido por outra, que não . Talvez aquilo lhe ajudasse a seguir em frente, de alguma forma.
  Não que aquilo importasse agora, já que, obviamente, não dera certo. Toda aquela coisa de se apaixonar por Suran.
  A voz de , no entanto, surgiu em sua mente em seguida. Ele devia seguir em frente. estava indo embora de um jeito ou de outro e não precisava de outro motivo para tornar aquela partida ainda mais traumática. não lhe daria outro motivo.
  - Chegou a algum lugar com ela? – Suran perguntou depois de um instante em silencio, levando sua taça a boca e bebendo um grande gole da bebida escura, que devia ser vinho, em seguida.
  - Com a ? – perguntou, surpreso que ela cogitasse a possibilidade. – Eu nunca tentei nada com ela. Ela namora o .
  - Então ela não sabe? – Suran perguntou, surpresa e ele deu de ombros, como se não fosse nada demais. Suran rolou os olhos, dando um leve tapinha em seu ombro. – Você subestima a si mesmo de um jeito horrível, . Isso que está fazendo, por anos, de esconder os seus sentimentos dela, é só mais uma prova disso. Está agindo como se não fosse nada, mas só você sabe o quanto dói, não é? Que ela seja de outro e você não possa fazer nada a respeito?
  - Você não mudou nada. – ele riu fraco, balançando a cabeça. Preferia aquilo a, de fato, responder sua pergunta, sentindo um gosto metálico na boca por simplesmente pensar a respeito.
  Suran riu outra vez por isso.
  - Ouvi dizer que ela está indo embora. – murmurou, lhe encarnado pelo canto do olho e deu de ombros, como se não fosse nada muito importante, ainda que fingir para Suran, de todas as pessoas, fosse, no mínimo, estúpido.
  - Ela ganhou uma bolsa. Vai estudar em Seul. – explicou por fim e a garota assentiu, fazendo som de estalo com a boca antes de suspirar, virando para lhe encarar direito em seguida.
  - E você? O que decidiu fazer? – perguntou, fazendo com que franzisse o cenho. Era tão óbvio assim que ele estava num impasse? – Eu conheço você, . Eu costumava dar pra você. – ela riu, sem pudor e ele gargalhou, sem se conter.
  - disse que eu devia seguir em frente ou falar tudo para ela, sobre o que sinto. – ele explicou e ela assentiu, parecendo já esperar por aquilo. respirou fundo, dando de ombros em seguida, sem jeito. – Eu não sei se consigo fazer qualquer uma das duas coisas.
  Ao assentir, Suran voltou a bebericar de sua taça, ficando em silencio por um instante.
  - Quer ouvir a minha opinião? – perguntou após colocar a taça sobre o balcão.
   deu de ombros.
  - Já que estamos no assunto...
  - Sentimentos não existem para serem enterrados no mais fundo dentro da gente, não existem para nos fazer tristes, incomodados ou culpados. Eles vêm por um motivo e, às vezes, precisamos apenas conversar com eles. Entender o que querem da gente, entende? – ela dizia, com o olhar atento de sobre o seu. Ele havia esquecido daquilo também: Suran sempre sabia o que falar.
  - Eu não faço ideia do que essa droga de amor quer de mim, Suran. – ele murmurou, embora aquilo não fosse verdade. Quanto mais conversavam, mais ele sabia. Só não gostava de saber.
  - Acho que eu e você já sabemos o que esse sentimento quer de você, . Você só precisa de um pouco de coragem. – ela lhe deu um pequeno sorriso, dando um tapinha em seu ombro antes de se pôr de pé. – Eu sei que é difícil, mas você já guardou isso dentro de você por tempo demais e precisa, pelo menos uma vez, pensar primeiro em você. É o único jeito de se libertar de verdade.
   suspirou e assentiu, deitando a cabeça na bancada de vidro do bar e deixando que a testa repousasse no vidro frio por um instante, odiando a sensação iminente de que toda a confusão que vinha causando só tendia a piorar.
  - Não posso fazer isso. – ele resmungou, voltando a virar para encarar a garota, que sorriu triste pra ele. fez que não. – De verdade, eu não posso falar para ela. é meu melhor amigo e eu...
  - Você está infeliz. – Suran lhe interrompeu, como se aquilo invalidasse qualquer argumento que ele pudesse tentar usar contra ela. – Você está infeliz há muito tempo, -ah. Precisa fazer isso e sabe que precisa. – ela insistiu, mais suave agora e ele resmungou, rolando os olhos enquanto virava o restante de sua latinha de uma só vez.
  - Odeio você. – resmungou, se pondo de pé e ela riu.
  - Aonde vai?
  - Pra casa. Onde não tem uma chata tentando me convencer a piorar toda a merda que estou vivendo. – resmungou ácido, mas Suran não se abalou. Não era como se ela não soubesse que ele só fazia aquilo porque odiava se sentir contrariado, especialmente quando era obrigado a admitir que a pessoa que lhe contrariava era, infelizmente para ele, quem tinha a razão.
  - Para de frescura. – ela devolveu, sem dar crédito a sua implicância e lhe olhou com irritação por isso. Suran sorriu de leve. – Vamos dar uma volta e relembrar os velhos tempos. Eu sempre fui boa em te fazer sentir corajoso, não fui? – ela murmurou e riu, sem conseguir reagir de outra forma.
  Ainda assim, depois de cinco latinhas de cerveja e uma droga de dia, concordar com a proposta foi, no fim das contas, uma reação perfeitamente plausível e pagou sua conta, pedindo mais uma latinha ao garçom, para levar consigo, e então saindo do bar, acompanhado de Suran.

Goodbye

  - Onde está ? – foi a primeira coisa que perguntou quando chegou ao aeroporto, onde tinha marcado com ele, naquela manhã, que também era a véspera da partida da garota.
  Ele vinha evitando a todo custo ficar sozinho com , com medo do que poderia acontecer, do que poderia acabar falando, já que, nos últimos dias, falar era tudo que pensava em fazer e, definitivamente, não esperava que fosse dificultar aquela missão para ele.
  De todas as pessoas, droga.
  - Não chegou ainda. – murmurou, com as mãos enfiadas dentro do moletom e assentiu, olhando dela para a pista de decolagem, onde estavam de pé. conseguira permissão para estarem ali naquele momento graças ao pai, que trabalhava no aeroporto como mecânico de aviões há vários anos, e concordou quando disse que seria um bom presente de despedida para , no entanto ele definitivamente não esperava que fosse atrasar. – Nem acredito que estamos aqui. E que vou estar aqui amanhã também. Sozinha. – ela riu, nervosa e sorriu por isso.
  , na maior parte do tempo, hipnotizava porque sabia do que falava quando falava, porque era segura, confiante, porém havia certa doçura no nervosismo que habitava constantemente no rosto da garota nos últimos dias. achava, pelo menos.
  - Vai ser incrível. – prometeu, recebendo um sorriso grato dela. conteve a vontade de acrescentar que ela não merecia nada além daquilo, enfiando a mão no bolso e sentindo lá dentro o colar que comprara para ela. Sabia que ia ter o avião que ele lhe dera em seu aniversario, as várias roupas que roubara dele em todos os anos de amizade e, enfim, muita coisa para se lembrar dele, mas quando viu aquele colar, com um pingente do globo, numa vitrine por ai, simplesmente não resistiu. – Tenho uma coisa pra você.
  - ! – repreendeu antes mesmo de vê-lo tirar o colar do bolso. – Você já me deu coisas demais, não acha?
  - É um último presente. De despedida. – explicou, dando de ombros enquanto lhe estendia o colar, o pingente fazendo sorrir antes mesmo de aceitar a joia.
  - Achei que essa visita já era um presente de despedidas. – murmurou e ele riu, culpado.
  - Era parte do conjunto. – falou, recebendo um olhar feio da garota por isso, ainda que breve. Ela estava muito ocupada em admirar o colar que segurava com zelo nas mãos. – Você sabe como eu sou... Com presentes e tal.
  - Eu vou sentir sua falta. – ela murmurou, sorrindo para o amigo e apertando sua mão na dele por um instante antes de virarem bem a tempo de ver correndo para alcançá-los.
  - Eu... Dormi e... Perdi a hora... – ele estava sem fôlego e os dois riram a notar. – Desculpe.
  - Estou feliz que tenha conseguido dormir, pelo menos. – murmurou, dando um breve selinho no namorado, que sorriu de maneira contida e lhe abraçou.
  Assim como e a maioria de seus amigos, vinha fazendo várias provas a fim de conseguir bolsas para estudar fora também. Não mais que ou de maneira tão intensa quanto ela, mas, ainda assim, todos sonhavam em sair daquela ilha. E andava ansioso demais, de modo que dormir havia se tornado uma lembrança distante.
  - É, você estava com uma cara péssima. – falou também e rolou os olhos.
  - Vai se fuder. – reclamou, embora o tom amigável deixasse claro que estavam de volta ao terreno seguro da amizade calma que sempre tiveram. Depois de reencontrar Suran num bar a algumas noites atrás, saíra com ela algumas vezes e, embora não tivesse durado, o breve relacionamento pareceu o suficiente para deixar de ver o amigo como motivo para insegurança.
  O que, é claro, não fazia se sentir melhor, já que o relacionamento não durara justamente por conta de e dos sentimentos de por ela.
  - Eu quero que saibam que... – começou, parando para respirar fundo enquanto olhavam de um para o outro. – Não importa quanto tempo passe ou o que quer que aconteça com a gente, sempre vai ter um lugar pra vocês dois no meu coração. Sempre.
  Seus olhos estavam marejados quando ela falou e sentiu o peito apertar. Quanto mais perto a viagem da garota chegava, mais feliz ela ficava, mais viva parecia, porém, em contrapartida, sempre parecia ter certa melancolia em seu olhar quando encarava seus amigos e aquilo abalava sem precedentes, como se fosse um choque de realidade de que, logo, ela estaria longe demais para que ele pudesse vê-la. E o garoto nem ao menos sabia se aquilo ia mudar em algum momento, quando iam se ver de novo, se iam voltar a se rever de maneira rotineira ou... Qualquer coisa.
  No momento, não sabia de coisa alguma e a sensação era, no mínimo, uma droga.
  - Sabemos disso. – murmurou, sorrindo de maneira encorajadora para ela. – Não sabemos, -ah?
  - É claro. – concordou, com um sorriso muito parecido aparecendo em seu rosto em seguida. – E acho que falo por nós dois quando digo que não vai ser diferente com a gente, -yah. Nunca vamos esquecer você e nunca vamos deixar de te amar. – murmurou, desejando que dizer aquilo não doesse tanto. Que ter tanta certeza daquilo não lhe fizesse sentir a pior pessoa do mundo enquanto assistia beijar o topo da cabeça da namorada.
  - Ele está certo. – murmurou. – Sabe disso, não sabe?
  - Sei sim. – choramingou, com um sorriso no rosto. – E vou provar pra vocês um dia também, sabe o quê? – ela perguntou, fazendo com que eles se entreolhassem sem conseguir pensar no que ela teria para provar. sorriu de lado. – Que a Diana venceria sim a Feiticeira Escarlate numa briga. Até mesmo a Feiticeira e a Viúva Negra juntas. – um coro de risadas soou vinda dos dois garotos quando falou, fazendo com que se sentissem tão felizes quanto tristes enquanto se juntavam num abraço, os três ao mesmo tempo.
  - Acredito que você é capaz de provar tudo que quiser provar, mas confesso que estou particularmente curioso quanto a isso. – brincou e concordou.
  - Definitivamente. – disse e riu dos dois, encostando a cabeça no ombro de enquanto segurava uma das mãos de na sua, suspirando pesadamente.
  - Eu amo vocês. – murmurou, sorrindo para um e depois para o outro e sorriu de volta para ela, bagunçando seus cabelos com os dedos em seguida.
  - Amamos você também. – respondeu pelos dois e passou a mão pelos cabelos, concordando com a cabeça quando lhe encarou só para, no momento em que ela desviou novamente o olhar para o namorado, sentir o estômago revirar numa sensação turbulenta muito parecida com náuseas. Porque não fazia ideia do quão certo estava quanto falava aquilo.

+++

   deixara sua aversão a festas de lado e aceitara de bom grado a pequena festa de despedidas que seus amigos decidiram fazer para ela. Não era coisa grande, só estavam os sete juntos na casa dela, comendo o bolo que fizera, salgados comprados pelos outros e bebendo refrigerante.
  Pelo menos inicialmente.
  Não demorou muito para que desistissem do refrigerante e partissem para algo com maior teor alcoólico, já que estavam todos uma pilha de nervos nos últimos dias, com toda a espera pelo resultado de suas provas e tudo o mais.
  Era o resto de suas vidas em jogo, afinal de contas.
  - O fato de estar tudo mudando é assustador, eu sei disso melhor do que ninguém, mas meus amigos não costumavam ser tão chatos. – reclamou, sentando-se em posição de índio no chão depois de pegar mais um pedaço de bolo para si. Ela se referia ao silencio que, sempre que havia um descuido, reinava entre os amigos, que bebericavam melancólicos de seus copos. Nem mesmo fazia piadinhas.
  - Essa festa é só o nosso jeito de dizer que te amamos, -yah. Amamos você, vamos sentir sua falta, mas festas de despedida nunca são animadas de verdade, não sei o que está esperando. – contornou e olhou feio para ela.
  - Eu não quero que minha última noite com vocês seja uma droga, -yah! – reclamou, demonstrando seu incomodo ao mesmo tempo em que voltava da cozinha com copinhos de doses empilhados em uma das mãos e uma garrafa de vodka na outra.
  - Que tal “Eu nunca”, então? – sugeriu. – Vai fazer a noite ser memorável.
   detestou a ideia, mas como concordou e a noite era dela, os outros não puderam discutir muito e simplesmente se uniram numa rodinha enquanto distribuía seus copos.
  - Você começa, -yah. – instruiu a garota, que mordeu o lábio, ficando pensativa por um instante.
  - Eu nunca... – passou alguns segundos pensando. – Nunca fui amarrada a cama.
  Com uma careta, no mínimo, cômica, foi o único da roda a beber e todos desviaram o olhar para , que riu.
  - Começamos a transar tarde. Tínhamos que compensar. – se defendeu, arrancando risadas dos amigos também.
  - Vocês são malucos. – murmurou.
  - Shh, é a vez do . – apontou para o garoto, que riu de sua péssima tentativa de disfarçar o próprio embaraço.
  - Eu nunca me vesti de mulher para entrar numa festa sem pagar! – gritou assim que lembrou, apontando para e rindo. rolou os olhos.
  - Fiz isso porque você apostou que eu não teria coragem, idiota. – retrucou enquanto bebia sua dose entre risadas e piadinhas dos amigos.
  O jogo se seguiu daquela forma e a noite dava indícios de não terminar de maneira problemática daquela vez, o que vinha sendo um tanto quanto atípico entre eles. Entre uma dose e outra, choros em meio as risadas e tudo mais que pudesse indicar que aquela era, de fato, uma despedida, sentia o coração apertar de saudades, mesmo que nem mesmo houvesse ido embora ainda, esforçando-se para não estragar o jogo com seu sentimentalismo bêbado enquanto chegava sua vez novamente e ela pensava no que dizer.
  - Eu nunca... – ela sorriu arteira, olhando de para ao pensar em algo. – Beijei uma garota!
  - Aigoo! – as duas reclamaram juntas e os garotos olharam surpresos na direção das duas, que, com as bochechas vermelhas como tomates, beberam suas doses.
  - Como assim vocês duas se beijaram?! – perguntou, olhando chocado de uma para a outra, demorando-se mais em . – E por que eu não sabia disso?!
  - E nem eu?! – perguntou também. – Estou ofendido de verdade, -yah.
  - Foi num jogo estúpido de verdade ou desafio há muito tempo, ok?! – respondeu, constrangida, olhando atravessado para em seguida. – E eu achei que tínhamos nos esquecido daquele dia.
  - Quando foi? – insistiu – Vocês nunca quiserem experimentar de novo depois? Porque, sério, eu ia adorar assistir. – ele comentou, travesso, e lhe estapeou por isso.
  - Tínhamos, o que, quatorze anos? – virou para encarar , tentando lembrar e a outra assentiu.
  - Acho que sim. – deu de ombros. – e nem namoravam ainda.
  - Isso! Foi numa festa do pijama, era aniversário de alguém. – murmurou e deu de ombros, deixando claro que não tinha ideia quanto aquilo. Já era muito ela lembrar que a noite acontecera, afinal de contas. – Ei, espera! – murmurou, como se lembrasse de algo. – Lembro de algo que a falou naquele jogo!
  - Você tem uma memória assustadora. – retrucou, olhando surpresa para ela, que riu.
  - O que ela disse? – perguntou, curioso, enquanto se divertia com a lembrança das três. Com quatorze anos, quando ia dormir na casa de um amigo, pregava peças na vizinhança e comia besteiras até passar mal. As garotas, claramente, sabiam muito mais como se divertir.
  - Alguém perguntou de quem ela gostava, eu acho. – estreitou os olhos, tentando lembrar-se dos detalhes. – Mas não era você, -ah! – ela apontou para o amigo, rindo e engoliu em seco, num rompante lembrando-se da tal revelação. Não precisou de mais que dois segundos para saber que não era uma boa ideia falar aquilo.
  - -yah. – reclamou, balançando a cabeça. – Isso foi há muito tempo. Não faz mais diferença.
  - Por isso mesmo, que mal tem saber? – lhe encarou com um sorriso descontraído, claramente como se não visse nenhum tipo de guinada perigosa que a noite podia tomar se continuassem falando daquilo. Claro, porque ele não sabia de quem gostava naquela época e a garota terminou apenas por sorrir amarelo, bebendo um pouco da própria dose para tomar coragem de falar, já que, aparentemente, não tinha outro jeito.
  - Com quatorze anos, no meu primeiro jogo de verdade ou consequência da vida... – ela começou depois que a bebida desceu rasgando em sua garganta. – Eu disse que gostava do .
  , até então alheio ao anseio nervoso da garota, piscou, erguendo surpreso o olhar para . Ela disse que gostava dele?
  - O quê? Por quê? – perguntou em tom de piada, por sorte embriagado o suficiente para ser capaz de cortar a tensão que tomou o ar pela fração de segundo anterior antes que ela se alastrasse demais e a noite tomasse proporções trágicas.
   forçou uma risada, dando de ombros.
  - Eu não sei, tinha quatorze anos. – resmungou, arrancando uma risada dos amigos, embora não houvesse conseguido evitar desviar o olhar para , que sorriu, numa tentativa de lhe tranquilizar. A pulsação dele estava acelerada, mas não precisava daquilo. Não significava nada, afinal de contas.
  Aquilo acontecera há muito, muito tempo.
  - Claramente, ela se deu conta depois que podia fazer melhor. – riu, passando um braço pelos ombros da namorada, que soltou uma risada constrangida antes de lhe dar um tapinha na barriga.
  - Não seja rude. – reclamou enquanto os amigos riam e faziam piadinhas também.
  E pareceu, naquele momento, que tudo estava bem e o acontecimento isolado não arruinaria a noite de ninguém. Pareceu de verdade.
  O problema era que ainda viajaria na manhã seguinte e nada mudaria o fato de que tudo mudaria a partir dali. Ou, bem, talvez até antes.

+++

  Ao voltar para casa, não pegou no sono de imediato.
  E nem muito tempo depois.
  Não devia ser surpresa, afinal a garota que ele amava não só estava indo embora na manhã seguinte, dali a poucas horas, como também confessara ter gostado dele primeiro. Ela gostou dele antes que ocupasse seu coração e não conseguia evitar pensar que talvez, só talvez, aquilo fosse algum tipo de sinal, ele descobrir aquilo naquela noite. Talvez... Talvez significasse que devesse falar com ela, garantir que ela soubesse tudo que precisava saber antes de embarcar naquele avião na manhã seguinte.
  Porém quando o assunto era e aquele amor estupidamente resistente que ele seguia sentindo por ela há tempo demais, tendia a ser racional demais e ter consciência de que estava pensando naquele tipo de coisa tornava tudo muito difícil de engolir.
  Que sentido, afinal, fazia que ele contasse aquilo pra ela agora? Quando ela estava prestes a ir embora? Por conta de algo que nem devia mais fazer diferença, que acontecera há tempo demais para importar?
  Céus, ele era muito idiota.
  O garoto já rolara na cama por horas agora e, aquela altura, só queria conseguir parar de pensar e dormir um pouco, porém a cada instante o sono parecia mais distante e, antes que pudesse rolar no colchão e terminar resmungando contra o travesseiro outra vez, ouviu batidas na porta, fazendo com que ele se sentasse imediatamente, olhando, confuso em volta.
  As batidas não vinham do andar de cima, o que significava que era alguém do lado de fora da casa, mas porra... Eram 02h30 da madrugada, quem diabos estaria ali àquela hora?!
  Ao abrir a porta, foi surpreendido pela visão de uma abalada, segurando consigo uma garrafa de vodka, que ergueu minimamente para que o amigo visse, sorrindo amarelo.
  - Me faz companhia? – ela pediu, agradecendo baixinho em seguida, quando deu espaço para que ela entrasse.
  - O que aconteceu? – ele perguntou, cauteloso, enquanto se sentava num canto em sua cama, puxando seu cobertor e segurando no colo enquanto lhe estendia a garrafa de vodka, que, mesmo sem planejar realmente beber, segurou, sentando-se de frente para ela numa cadeira.
  - e eu terminamos. – ela contou, fazendo com que o garoto piscasse, surpreso. Não conseguiu reagir de forma alguma, sendo atingido de muitas formas diferentes pela noticia, mas aquele não foi exatamente um problema: continuou a falar sem que ele precisasse o fazer. – Eu sabia que ia acontecer e foi o melhor, no fim das contas. Não seriamos capazes de sustentar um relacionamento a distancia e somos muito jovens para tentar, quer dizer... Ainda tem tanto que eu quero viver. E ele também. Não seria justo, sabe? Nos manter presos um ao outro assim? – ela manteve o olhar em , mais intenso a cada pergunta, parecendo, simultaneamente, carregar o peso de todo o mundo nos ombros e suspirou, desviando o olhar para a garrafa que segurava e depois de volta para ela.
  Foi como aqueles momentos que sustentam uma intensidade forte demais, momentos que são gatilhos para escolhas muito certas ou muito erradas e, podia apostar na segunda opção quando fez a sua, mas foi em frente mesmo assim, destampando a vodka e bebendo um grande gole antes de voltar a encarar .
  Só assim teria coragem, afinal, de perguntar o que sabia que ela esperava que ele perguntasse.
  - Mas?
  - Mas ainda é uma droga. – ela respondeu com um suspiro pesado enquanto apertava os dedos com força no cobertor de , que ainda segurava em seu colo. Ele desviou o olhar para seus dedos e suspirou, colocando-se de pé e se arrastando para sentar ao lado da garota na cama, estendendo a ela a garrafa.
  - Não chora.
   olhou em seus olhos e fungou, o pedido do garoto lhe causando, justamente, a reação oposta à desejada e ela levou rapidamente uma das mãos ao rosto, limpando o canto dos olhos.
  - Eu sequer me lembro como é não namorar o . – ela murmurou, ainda passando as mãos pelo rosto, limpando insistentemente os vestígios das poucas lágrimas que haviam escapado, virando em seguida a garrafa de vodka na boca. O liquido desceu queimando em sua garganta e apertou com força os olhos. – Droga, eu sequer me lembro...
  - Você gostava de mim. – brincou, fazendo com que risse fraco, o que lhe fez sorrir. Ele sempre se sentia um vencedor quando lhe fazia rir em meio às lágrimas, embora naquele momento se sentisse um pouco como um perdedor também. Era simplesmente uma droga fazer piada com aquilo, especialmente quando lhe doía tanto. Podia ter sido ele, podia de verdade, ter sido com ele, tudo que ela viveu com . – Você não precisa lembrar, -yah. Não precisa tentar ser quem você era antes, você mudou e não tem nada de errado nisso. Você só vai descobrir outra versão de si mesma agora e, pode parecer assustador ou esquisito, mas não precisa ser. Pode ser incrível. – acrescentou, acreditando de verdade nas próprias palavras e, mais ainda, desejando demais poder fazê-la acreditar também.
   riu fraco, devolvendo a garrafa a e encolhendo-se contra seu peito num pedido mudo de abraço, que ele atendeu imediatamente, bebendo um gole da garrafa e suspirando.
  - Vou sentir tanto sua falta. – ela murmurou. – Você sempre sabe o que falar. – acrescentou, arrancando uma risada do garoto, que bagunçou de leve seus cabelos.
  - Nem sempre. – discordou e ela ergueu o olhar para ele, demonstrando descaso. sorriu de leve. – Não sei, por exemplo, o que vou fazer aqui sem você.
   sorriu fraco ao ouvir, erguendo o olhar para o amigo e passando a mão por seu rosto por um instante, sentindo-se nostálgica enquanto concentrava-se em memorizar seus traços, pedindo a todo e qualquer ser que olhasse por eles naquele momento, que não permitisse que se tornasse apenas um rosto distante um dia.
  - Você não vai ficar aqui por muito tempo. – ela murmurou, muito certa do que dizia. – Você vai ser grande, -ah. Tão, tão grande.
  - Como um arranha-céu? – ele fez piada enquanto colocava a vodka de lado no criado-mudo ela riu, lhe estapeando enquanto ele ria junto, satisfeito que toda a tristeza em seu rosto parecesse ter diluído, ao menos um pouco.
  - Não acho que você ainda vá crescer tanto. – ela murmurou, sorrindo arteira para ele, que imitou antes de bagunçar seus cabelos novamente. lhe empurrou, reclamando muito pouco antes de voltar a se encolher em seu abraço. Passaram um tempo em silencio antes que ela erguesse o olhar para lhe encarar, voltando a pensar naquilo que mais vinha evitando nas últimas semanas, mas que parecia não sair de sua cabeça, aquela pulguinha atrás da orelha em relação a ele. – ? – chamou baixinho, incapaz de dizer se tinha alguma certeza do que fazia, mas sem conseguir parar.
  - Hm? – ele virou novamente para lhe encarar, alheio ao rumo que seus pensamentos tomavam. Os olhos do garoto estavam menores que o normal, provavelmente um conjunto de sono com o efeito do álcool ingerido, mas havia um leve sorriso em seu rosto. Sempre havia um sorriso no rosto de para ela, ele sempre parecia saber o que falar e como lidar com ela e... Céus, ele fora o primeiro cara de quem ela gostara na vida. De repente, aquilo não saia de sua cabeça.
  - Pode ser loucura, mas eu preciso muito testar uma coisa. – a garota murmurou, num rompante corajoso que pegou de surpresa, especialmente quando, de repente, suas mãos estavam em seu pescoço e os rostos muito próximos.
  - . – ele murmurou, em tom de aviso, os olhos arregalados e a pulsação acelerada combinando perfeitamente com a confusão que se passava em sua cabeça, impedindo que ele soubesse o que fazer. Pará-la era um reflexo, mas havia uma vozinha dentro dele gritando para que não fizesse aquilo, que a deixasse ir em frente. Não era errado. Ela não tinha mais um namorado. – Você está bêbada. – falou, mais alto, tentando lembrar a si mesmo daquilo também. Haviam bebido, ela ia embora na manhã seguinte... Aquilo não podia ser uma boa ideia.
  - Não estou. – ela insistiu, virando-se na cama de modo a ficar de frente para ele, apoiando os braços em seus ombros enquanto levava ambas as mãos para o rosto dele. – E eu... Eu acho que já queria isso antes dessa noite.
  Era tudo que queria ouvir, era tudo que sempre quis ouvir e, como um bobo apaixonado que achava que nunca deixaria de ser quando o assunto era , ele simplesmente permitiu que a garota fosse em frente, sentindo o coração martelar forte no peito enquanto levava uma mão ao seu rosto, colocando o cabelo dela para trás antes que completasse a distancia entre eles, fazendo com que o encontro de suas línguas provocasse choques intensos nos corpos de ambos.
   torceu os dedos nos cabelos de , apertando ali enquanto cada parte de seus corpos se conectava mesmo sem qualquer contato maior. Porque sempre fora daquele jeito com eles, sempre existiu aquela ligação, a mais intensa das ligações, entre os dois e, droga, era tão obvio. Era obvio como mergulhar numa piscina num dia muito quente.
  Era certo.
  O movimento de suas bocas se tornou mais intenso em algum momento, mas nenhum dos dois viu aquilo como motivo para parar, não enquanto estavam tão envoltos pelo feitiço daquele momento. Daquele bonito, bagunçado e assustadoramente efêmero momento.
  Para , era tudo que ele sempre sonhava e ele nem mesmo lembrou como tinha certeza que aquela não era uma boa ideia quando se sentou em seu colo, pousando uma as pernas do lado de seu corpo enquanto imiscuía os dedos em seus cabelos, sem parar em momento nenhum de beijá-lo. Ambos tinham a pulsação ridiculamente acelerada quando a mão de tocou a cintura da garota, apertando-a por apenas um instante muito breve antes que rompesse o contato de suas bocas, repousando sem fôlego a testa contra a sua antes de abrir os olhos.
  - . – os olhos da garota estavam cheios d’água quando ela lhe encarou e ele sentiu o estomago afundar com a visão, com a sensação que entendia, em cada parte dele, o que ela estava sentindo e pensando. – Eu nunca senti nada assim antes...
  - Mas você tem que pegar um avião. – ele murmurou quando a voz dela morreu, sorrindo triste. – Eu sei disso, -yah.
   fungou, parecendo fazer um esforço sobre humano para conter as próprias lágrimas quando pousou a testa contra o peito do garoto.
  - ... – ela murmurou, triste, ao olhar novamente para o amigo. – , eu... – de repente, se sentia tão confusa e tonta que era como se o chão se movesse aos seus pés e as paredes se fechassem ao seu redor. A garota fungou e se pôs de pé, sentindo um gosto metálico na boca. – Eu preciso ir.
  - , vocês terminaram. – murmurou, se pondo de pé também, perturbado em vê-la perturbada, como sempre ficava. Doía ainda mais, no entanto, saber que era pelo que provavelmente fora o melhor acontecimento de sua vida. – Não foi errado.
  - , eu preciso ir. – ela repetiu, fungando e limpando o rosto, o que foi inútil aquela altura, com as lágrimas da garota caindo livremente sem que ela pudesse fazer nada. – Se ele souber... Ele nunca vai perdoar a gente.
  - Não foi traição. – ele insistiu, querendo chorar também, embora de repente soasse vazio até para si mesmo. De repente, tudo estava confuso e bagunçado em sua cabeça também e chorou.
  - Você sabe que foi. – ela murmurou, lhe encarando triste e balançou a cabeça, sem querer aceitar aquilo.
  - Mas foi...
  - Eu sei que foi. – ela murmurou, tocando seu rosto e fechando os olhos, respirando fundo enquanto se esforçava para conter o próprio choro. – Eu nunca vou esquecer que foi, .
  - Nem eu. – ele murmurou riste enquanto respirava fundo, tentando se recompor ao mesmo tempo que ela o fazia. deu um passo em sua direção e, quando aproximou o rosto do seu, sentiu o coração vacilar novamente, virando inevitavelmente quando ela fez menção de beijar seu rosto, fazendo com que suas bocas se encontrassem novamente por uma breve fração de segundo. sorriu para , passando a mão pelo rosto.
  - Eu preciso ir.
  - Pelo menos sobe e dorme no quarto da , -yah. – ele insistiu. – Está tarde pra você ir embora.
  - Não, tudo bem. – ela murmurou, odiando que ele fosse tão doce e cuidadoso com ela naquele momento, quando se sentia tão confusa e tão culpada. Beijar fora, de longe, o momento mais mágico de sua vida e ela queria mais do que tudo que não parecesse tão errado... Céus, como queria. – Eu vou ficar bem, -ah.
  - Me manda uma mensagem quando chegar em casa, então. – ele pediu e a garota assentiu, fungando para conter o choro enquanto ele lhe acompanhava até a porta.
  Uma vez sozinha do lado de fora, finalmente cedeu, sem saber que, enquanto estava encostada a porta do lado de fora, estava encostado pelo lado de dentro, sentindo uma agonia talvez ainda pior que ela enquanto, como a garota, apertava os olhos e desejava que tudo pudesse diferente.
  Queria mais do que tudo que as coisas pudessem ser diferentes. Queriam, os dois.

Epilogo

  - Parece que você teve uma noite daquelas. – murmurou quando se sentou de frente para ela na mesa, lhe servindo um pouco de café em seguida. Ele imaginou quão horrível devia estar sua aparência, com as olheiras da noite sem dormir e os cabelos revelando quantas milhões de vezes rolara desgostoso na cama. – Papai e mamãe já foram trabalhar. – informou em seguida e assentiu, tomando um pouco do café que sua irmã lhe servira e apertando os olhos depois de colocar o copo novamente na mesa.
  Será que já pegara seu voo?
   sabia que, depois da noite passada, a última coisa sobre a qual devia estar pensando era em vê-la de novo. Ela estava indo embora e, mesmo que não estivesse, deixara bem claro como se sentia em relação ao beijo que trocaram. Fora um erro, um erro que nunca perdoaria se descobrisse e os dois sabiam muito bem daquilo, portanto lhes cabia esquecer, mas... Ainda assim... Era tudo no que pensava. Pensava naquele beijo, em , em vê-la de novo... Será que era tarde demais?
  - Que horas são? – ele perguntou de maneira repentina, voltando a erguer o olhar para sua irmã, mas foi , ao seu lado, quem respondeu:
  - Ainda falta algum tempo. – murmurou, como se soubesse no que ele estava pensando e não duvidava que sabia. O que era uma merda, porque a última coisa que ele precisava naquele momento era que alguém desse forças a loucura que estava pensando em fazer. Que não conseguia parar de pensar em fazer.
  - Aconteceu uma coisa ontem. – ele soltou, num suspiro pesado. arqueou as sobrancelhas, mas não mudou a expressão. Ele era bom em mascarar as próprias expressões, sabia. Ele soltou o ar novamente. – Depois da festa... De madrugada, esteve aqui. Ela estava muito mal, disse que tinha terminado com , por causa da viagem e tal...
  - E... ? – insistiu quando ele se calou, mesmo que não precisasse de verdade. O fim daquela história parecia muito óbvio, embora não menos problemático por isso, é claro.
  - Aconteceu uma coisa.
  - Você já disse isso. – retrucou, rolando os olhos e imitou, embora não pelo mesmo motivo.
  - Eles se beijaram, -yah. – murmurou, explicitando o obvio. – Eles se beijaram e agora, é claro, não consegue parar de pensar se não devia ir atrás dela, se não é sua ultima chance de dizer a ela...
  - Eu devia ter dito. – interrompeu , pousando a testa na madeira fria da mesa do café e resmungando por um instante. – Talvez... Se eu tivesse dito, talvez... Ela não fosse embora achando que foi tão errado. Que cometemos o pior erro possível.
  - Ela tinha acabado de terminar com , . – insistiu, balançando a cabeça. – Me desculpe, mas vocês cometeram sim o pior erro possível. Mesmo que ela tenha gostado de você primeiro, ou seja qual for a desculpa que você esteja repetindo para si mesmo para fazer isso parecer menos pior, ela era a namorada dele. O que quer que poderia ter acontecido entre vocês, não aconteceu. A história de vocês não existe, mas a dela com sim e ele é seu amigo. Você não devia ficar no meio disso.
  Enquanto falava, esfregava as têmporas. Ela estava certa e ele sabia daquilo, sabia muito bem, mas, céus... Ele queria tanto falar. Queria tanto, tanto que ela soubesse.
  - Escuta. – murmurou depois de um instante, puxando o braço de para que ele parasse e lhe encarasse. Sua voz era séria, obstinada como todas as vezes em que ele tinha algo importante para falar. – está certa, mas talvez, ainda que seja errado, você precise disso.
  - ...
  - Não, olha. – o garoto interrompeu a namorada, olhando em seu rosto por um segundo antes de se voltar para novamente. – Estou cansado de vê-lo se lamentando pelos cantos e talvez colocar isso para fora, permitir que ela saiba, seja o que ele precisa para seguir em frente. merece seguir em frente, -yah.
  - não vai largar o avião por você. – murmurou para o irmão depois de soltar um suspiro pesado em resposta as palavras do namorado. – Sabe disso, não sabe?
  - Eu só... Só preciso que ela saiba. – falou baixinho, dando de ombros em seguida. – Eu não quero impedir que ela vá, só quero que saiba. , aquele beijo... Não tem como ser um erro se foi tão certo e... E eu sei que foi certo para ela também. Eu só não quero que ela vá embora arrependida, que se sinta mal pelo que fizemos. Porque, isso pode até me fazer uma pessoa horrível, mas eu não consigo me sentir mal, não por isso. Não pelo que, provavelmente, foi a melhor coisa que já me aconteceu.
  Ninguém lhe respondeu de imediato e as palavras de pesaram na casa silenciosa dos Kim. E ele se deu conta: Não se sentia mal.
  Sentia muitas coisas, mas não culpa. A única culpa que pesava dentro dele era, justamente, por não ter dito a ela. E ele não queria, não podia, deixá-la ir sem que ela soubesse. Quer dizer, amar não era errado, certo? Ele a amava, portanto aquele beijo, aquilo foi só... Foi só amor, certo?
  No pior momento possível, sem duvidas, mas... Amor.
  - Você tem uns vinte minutos. – murmuro por fim, olhando para o relógio e se pôs de pé imediatamente, mal olhando para os dois antes de correr para fora da cozinha, pescando seu casaco na sala e correndo para fora de casa.
  Ele ia fazer aquilo. Ia falar para ela.

....

   suava vergonhosamente quando parou em frente ao aeroporto, respirando ofegante e apoiando as mãos nos joelhos.
  Passou por tantos táxis no caminho até ali que o fato de realmente ter feito todo o percurso correndo só lhe tornava ainda mais estúpido.
  Mas ele tinha uma explicação.
  Não uma muito boa, mas uma explicação. O fato era que se ele desse a si mesmo tempo para pensar no que estava fazendo, provavelmente não seguiria em frente, mas estava cansado daquilo. Estava cansado de não seguir em frente e fazer qualquer uma de suas escolhas funcionar, dar certo, quando o assunto era . Por , por seu medo, por qualquer que fosse o motivo... Só estava cansado. E não parecia mais valer à pena.
  Talvez, e muito provavelmente, o beijo que deram na noite anterior detinha parte da culpa a respeito daquilo, de toda aquela determinação e cansaço emocional para se lembrar das desculpas que sempre dera a si mesmo a respeito daquele sentimento que insistia em nutrir por . Muito provavelmente, detinha sim.
  Mais ainda, o beijo fora o estalar, o gatilho de uma coragem que ele nem mesmo ainda acreditava ter, depois de tanto tempo escondendo os próprios sentimentos, enfim, o motivo para ele estar ali, com as mãos nos joelhos, tentando recuperar o fôlego enquanto encarava a fachada do aeroporto.
  Era agora ou nunca.
  Se fosse ser honesto, ele definitivamente não tinha certeza quanto ao que estava fazendo também. Apesar de tudo, de todo o cansaço que lhe tomava com o simples pensamento de continuar fugindo daquilo, ele não tinha certeza de mais nada. Nem mesmo, e principalmente, se estava pronto para as consequências da atitude que estava prestes a tomar.
  E se perdesse não só , mas também ? Se perdesse, para sempre, aqueles que sempre foram seus melhores amigos? E se seus sentimentos fossem ainda mais errados do que ele realmente imaginava ser? E se aquela paixão estivesse destinada a arruinar sua vida?!
  - Tarde demais para voltar atrás agora, cara. – ele terminou por murmurar para si mesmo, puxando o próprio colar a fim de levar o pingente até a boca e beijar antes de, finalmente, entrar no aeroporto.
  O colar, não se lembrava, mas fora, ironicamente, um presente de . Em um de seus aniversários, a muitos anos, o colar com pingente de avião fora encomendado por para presentear e ele não tirava o acessório do pescoço desde então.
  Enquanto corria pelo aeroporto, com a sensação de que estava andando em círculos lhe atingindo de tempos em tempos por ter tanta dificuldade em chegar ao seu destino, pensou em muitas coisas, se lembrou de muitas coisas, várias das quais vivera com , mas não daquele colar. Ou do motivo de ele já ter se tornado uma fonte de forças para ele.
  O motivo, é claro, era , que sempre lhe deixara tão fraco, mas tão forte também. Ela o fazia forte para os outros, para a vida, mas mantinha fraco para si. Sempre fraco para e por ela.
   teve a impressão que fizera o mesmo caminho, indo e voltando, pelo aeroporto pelo menos três vezes antes de encontrar a ala que dava acesso a área de embarque, para onde, é claro, não conseguiu passar. Não tinha uma passagem para lugar nenhum, não estava prestes a ir embora e nem mesmo estava com a carteira em mãos, caso optasse por fazer a loucura de comprar uma passagem só para encontrar na área de embarque e tentar alcançá-la antes que ela fosse. Tentar dizer o que sentia.
  Aquilo era impossível. Era tarde demais.
  Nunca, então.
  - Não, não, não... – resmungou sozinho, olhando desacreditado em volta, enquanto escutava a última chamada para o voo para Seul soar nos alto-falantes por todo o aeroporto. O voo de . – Droga, não, não... – ele quase chorava, pela frustração, pelo próprio azar, por tudo.
  Queria gritar: Ei, senhor avião, por favor, não vá. Por favor, espere. Queria pedir que, em retorno a todos aqueles anos admirando aquele meio tão imponente e definitivo de transporte, como reconhecimento e gratidão por sua coleção admirável de miniaturas do tal meio, que ele lhe desse aquela chance. Que lhe retribuísse permitindo que dissesse a garota que amava o que sentia por ela.
  Mas a verdade é que não podia.
  Aviões, apesar de toda a importância que e sempre deram a eles, ainda eram só aviões. Havia alguém o controlando, alguém que não dava a mínima para a vida amorosa de e o tamanho da confusão que ela era, ainda que ele realmente gritasse, que implorasse. Que chorasse.
  - ? – uma voz masculina soou não muito distante e fez com que o garoto virasse em sua direção num reflexo, procurando o dono. Era o irmão de , que se aproximou surpreso ao ver que era mesmo ali. – Cara! não disse que você vinha! Sabe, está atrasado... – riu, enfiando sem graça as mãos nos bolsos depois de abrir os braços para e terminar não sendo recebido com tanta empolgação.
  Honestamente, nem notara o gesto. Estava atrasado.
  - Ela não sabia. – ele sussurrou, arrancando um olhar estranho do irmão mais velho de sua amiga. Suspirou, balançando a cabeça. – não sabia que eu vinha, quero dizer. – explicou, limpando em seguida a garganta. – Ela já decolou?
  - Acredito que esteja fazendo isso nesse exato minuto. – o mais velho murmurou, dando tapinhas nas costas de em seguida. – Espero que, pelo menos, isso seja o suficiente para você aprender, cara. Devia ter dito a ela.
  - Você sabia?! – virou, surpreso, para encarar o mais velho, que riu.
  - Pode não parecer, mas presto atenção nas coisas. E sempre vi o tamanho do seu amor por minha irmã. – murmurou. – Sinto muito que as coisas não tenham acontecido como você esperava. Você merece o melhor, mesmo que acabe não sendo ela, no fim das contas.
  - Como pode não ser se eu a amo tanto? – perguntou, os ombros baixando simultaneamente, combinando de maneira, no mínimo, melancólica com o tom triste que sua voz assumia.
  O outro suspirou.
  - O amor não é pra ser tão difícil, . – murmurou, como quem lhe pedia desculpas. – Acredite em mim, não é. E... Só... Leve isso como ensinamento para a próxima vez. Quando voltar a se sentir assim, do jeito que sente por ela, fale para a pessoa. Lute por isso antes que seja tarde.
   engoliu as palavras como um remédio amargo, mas necessário. De qualquer forma, não adiantava discutir, não mais. estava decolando para longe dele agora, provavelmente com a cabeça bagunçada demais para lidar com mais aquilo: os sentimentos intensos demais de .
  No fim das contas, por mais difícil que fosse admitir, as coisas provavelmente foram melhores daquele jeito.
  Um remédio amargo, mas necessário.
  Um adeus incompleto.
  Uma partida agridoce.
  Ei, senhor avião... Leve-a com segurança.

FIM



Comentários da autora


Nota final: Olá.
Escrever “”Hey, Mr Airplane” foi tão, mais tão especial pra mim e tão desafiador, tão incrível. Eu acho que nunca vou ser capaz de explicar essa jornada, esses personagens, que, mesmo com tão pouco, tomaram tanto do meu coração. Eu gostaria de fazer um futuro com um final feliz para cada um deles um dia, com todas as inseguranças e dores de jovem deles se tornando passado por completo, mas, por ora, isso foge da proposta da história, que acho que no fim das contas fala, justamente, disso tudo.
“Hey, Mr. Airplane” é sobre ser jovem, apaixonado e sonhador. É sobre querer muitas coisas, querer algo que não se pode ter e sobre o amor, acima de tudo. Acho que consegui explorar tantos tipos de amor nessa jornada curtinha que foi essa fic que, só de pensar, me sinto orgulhosa.
Essa história, além disso tudo, foi muito importante pra mim porque eu acabei por seguir rumos muito diferentes do que estou acostumada a fazer e significou tanto fazer isso e gostar do resultado final, tanto. Sério, eu só tenho a agradecer por tudo que significou a experiência de escrever essa fic mais sofridinha.
Quero agradecer especialmente as minhas amadas Belle e Jozi, que ajudaram tanto com essa história e não pensaram duas vezes em embarcar nessa comigo, opinando em tudo, lendo, chorando e sugerindo mil coisas. Amo vocês, duas. Mayara, sei que é capaz de você ler essa nota mesmo sem ter lido a fic e fazer careta, então te amo também. Muito.
E, Mari, obrigada por me aguentar te dando trabalho com tanta fic!
Fim! HAHAHAHA
Comentem, manas! Entrem no meu grupinho pra conhecer as minhas outras histórias!
Beijos!