Goodnight And Goodbye

Escrito por Ste Pacheco | Revisado por Natashia Kitamura

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  Parei a poucos metros da soleira da porta, encarando as luzes acesas através das cortinas brancas das janelas abertas. Um suspiro escapou de meus lábios e desviei meu olhar para a lua, ridiculamente bela naquela noite. Não achava nem um pouco legal que a noite estivesse tão bonita enquanto tudo dentro de mim estava tão feio e bagunçado. Apertei as chaves do carro entre meus dedos, contendo a vontade de morder a parte interna de minhas bochechas. Tinha certeza de que se eu fizesse isso ia acabar arrebentando minha boca por dentro, como já tinha feito diversas vezes e eu não era nenhum vampiro para gostar do gosto de meu próprio sangue ou mesmo o de qualquer outra pessoa.
  Sacudi minha cabeça em negação, mal acreditando no que eu estava pensando em um momento como aquele e eu até teria rido comigo mesmo, se meu olhar não tivesse voltado a encarar a porta daquela casa.
  Hesitei.
  Talvez fosse um erro ir até ali.
  Na verdade, eu sabia muito bem que era um erro, mas eu não consegui me conter, da mesma forma que não havia conseguido nas outras vezes em que ela me chamara ali, sempre com a mesma súplica.
  — ? — antes que eu me desse conta e saísse correndo dali, ela havia me visto. A porta então estava escancarada e seus olhos me encaravam em um misto de alívio e confusão por eu estar ali parado.
  Por alguns segundos, esqueci como se falava, o que era ridículo porque meus pensamentos estavam a mil, trazendo diversas lembranças boas e ruins assim que eu a encarei.
  — — me forcei a encontrar minha própria voz. Trouxa. Meus pensamentos murmuraram em seu maior tom de deboche e eu os sacudi para longe, caminhando rapidamente até ela. — Onde está a meliante? — lhe lancei um sorriso torto, imaginando que o melhor seria acabar com isso de uma vez, antes que eu fizesse mais alguma coisa da qual me arrependeria depois.
  — Ah sim, por aqui — ela pareceu também fugir dos próprios devaneios, então abriu espaço para que eu entrasse na casa que eu conhecia bem até demais.
  Tentei ignorar o quanto sentia falta do cheiro dela que estava em toda parte por motivos óbvios e obriguei meus olhos a não me traírem e se deixarem passear pelas curvas do corpo dela. Era óbvio que o destino não brincaria em serviço e a deixaria ainda mais bonita do que na última vez em que havíamos nos visto.
   parou diante da pia da cozinha e apontou para o local, fazendo uma careta que indicava que aquilo era o mais próximo que chegaria de sua arqui-inimiga.
  — Melhor você usar luvas para enfrentar esse monstro aí. Ela com certeza parece ser venenosa — precisei de muita força de vontade para não rir daquilo.
  — Não se preocupe, eu vou sobreviver — pisquei para a garota, me aproximando mais e me abaixando para abrir as portas do armário e procurar.
  — Espera, você vai abrindo assim? Sem nada para se defender? E se ela... sei lá, espirra veneno na sua cara? , eu não sei nada de primeiros socorros, você sabe bem disso, não sabe? — disparou a falar e eu acabei balançando minha cabeça em negação.
  — — chamei, completamente em vão.
  — Além do mais, ela pode pular em cima de mim! Esse bicho horroroso pode pular em cima de mim e ela é enorme e nojenta! , calma aí... — se encolheu toda, algo que captei de rabo de olho porque já estava era com a cara dentro da pia, tentando encontrar a figura enorme e horrorosa digna de filme de terror pelas palavras dela.
  — ! — tentei de novo, dessa vez lhe chamando mais alto e fazendo ela me lançar um olhar agoniado. — Do jeito que você tá falando da coitada, acho que ela se ofendeu e deu o fora daqui, hein. — tentei descontrair.
  — Coitada? ! Coitada de mim! Como é que eu vou dormir sabendo que essa coisa tá por aí pela minha casa? Me ajuda! — os olhos dela até marejaram.
  — Vou dar mais uma olhada, ok? Fica calma, . É só uma aranha — escolha errada de palavras, . Escolha totalmente errada.
  — Isso vai ficar lindo no meu túmulo. Eu vou morrer e a culpa vai ser sua — enquanto eu voltava e fazia uma revista rápida, senti até uma pontada ao ouvir todo aquele drama dela.
  Droga, eu sabia que não devia ter vindo até ali. Por mais que tudo tivesse dado errado entre a gente, por mais mágoas que eu tivesse, seria ridiculamente hipócrita se dissesse que não sentia falta inclusive dos dramas de .
  Precisei de toda a força de vontade que eu tinha para não andar até ela e a puxar para meus braços, apertá-la forte contra mim e prometer que nada iria lhe machucar, que eu estaria ali para protegê-la até do monstro do pântano se o bicho resolvesse dar as caras por ali.
  — Vou escrever nada disso. Na verdade, eu vou é tirar uma foto dessa sua cara de pânico e fazer meme com ela depois — isso, tratar ela na amizade seria o melhor caminho, não seria?
  Na real, o melhor era eu achar essa aranha e dar o fora dali de uma vez.
  — Você não faria isso, ! — estreitou os olhos para mim.
  — Ah, não? A troco de quê eu perderia a piada? — dei risada e de repente identifiquei algo nos olhos dela. Algo que eu conhecia muito bem e fazia com que eu me odiasse por saber tanto sobre aquela mulher.
  — Do que você quiser, . Você sabe disso — meu riso morreu e algo em mim gritou para cobrar o que eu mais queria desde que eu e ela nos separamos.
  — ... — praguejei mentalmente ao morder a parte interna de minha bochecha e forcei em minha cabeça todas as coisas ruins, motivos de não estarmos mais juntos.
  — Estou falando sério, — ela deu alguns passos em minha direção, então atrás dela, para minha sorte ou azar, lá estava a meliante, correndo em direção à sala.
  — ALI! — ela levou alguns segundos para entender do que eu falava, então arregalou os olhos e começou a gritar.
  — MATA ELA! MATA! — os seus pulinhos dariam mais um meme que eu me lamentaria de perder, mas em vez de filmar minha ex tendo uma crise de pânico, eu peguei a primeira coisa que vi na frente e fui atrás da coitada da aranha.
  Não fazia ideia de onde havia arrumado um jornal, já que ela não era assinante, mas não tinha tempo para pensar nisso naquele momento. Enrolei-o em minhas mãos e ao alcançar a aranha, que não era tão grande assim, golpeei-a certeiramente, ficando com dó do animal quando a vi se contorcer, ainda viva e com as patas quebradas.
  Eu não gostava de matar uma formiga, que isso fique registrado, mas pela não tinha nada que eu não fosse capaz de fazer e isso fazia de mim o cara mais idiota do universo.
  Golpeei o aracnídeo mais uma, duas, três vezes e só quando ela estava reduzida a quase nada me dei por satisfeito, voltando meu olhar para e a encontrando escondendo o rosto entre as mãos, embora aquilo não a impedisse realmente de ver alguma coisa, já que ela me espiava por entre os dedos.
  — Deu? — ela ainda perguntou, como se eu não tivesse percebido.
  — E o mundo agora chora a morte de mais um integrante da mãe natureza. Descanse em paz, pobre aranha. Que Deus me perdoe, porque se eu for para o inferno, volto só para te buscar, — fiz o maior drama, porque ela não era a única rainha da choradeira e fui agraciado com a gargalhada gostosa de minha ex namorada.
  Eu sorri, sentindo vontade de rir junto com ela, mas em vez disso, fiquei lhe encarando e querendo chorar que nem um bebê. Sentia tanta falta disso, de estar com ela, lhe salvando de aracnídeos e lhe arrancando sorrisos.
  Permaneci lhe encarando até que sua risada cessasse e ela colocasse uma mecha de seus cabelos para trás da orelha, do jeito que costumava fazer sempre que estava nervosa ou sem graça. A julgar pelo meu próprio estado, ela estava as suas coisas.
  — Desculpa te ligar só para isso — meus olhos se focaram nela novamente assim que ouvi sua voz e assenti rapidamente.
  — Não tem problema — dei de ombros, embora tudo em mim gritasse que aquilo era um problema, sim. Era problema porque eu a queria de volta desesperadamente, mas eu não podia ficar com ela. Não depois do que ela havia me feito passar.
  — É sério, . Espero não ter te atrapalhado ou algo do tipo. Você devia estar ocupado quando eu te liguei, não é? — me encarou com uma certa ansiedade que talvez fosse um questionamento silencioso para descobrir se eu estava com alguém. Mas eu não funcionava daquela forma e devia saber muito bem disso.
  — Não. A não ser que apanhar uma surra da Kitana no Mortal Kombat conte como estar ocupado — ergui uma sobrancelha para ela, que sorriu.
  — Achei que você só apanhasse da Kitana quando eu jogava com ela — não consegui discernir se aquilo era uma acusação.
  — Vai ver ela encarnou você — dei de ombros, tentando manter as coisas leves, mas eu sabia que nunca mais ficariam daquela forma entre nós dois.
  Assim como eu sabia que aquelas visitas não poderiam mais acontecer. Só tornaria tudo ainda mais difícil e doloroso para nós dois e... A julgar pela mesa de centro da sala, que continha duas taças sujas e uma garrafa de vinho vazia, muito mais para mim, já que ela estava, sim, seguindo em frente.
  — Você não pode mais me chamar para essas coisas. Precisa pedir para a outra pessoa matar essas aranhas que você tanto tem medo — falei, adquirindo a seriedade necessária para que eu acabasse com aquilo de uma vez. Eu nunca superaria se continuasse indo até ali todas as vezes que ela me chamava.
  — Ninguém mata aranhas como você — ela deu de ombros e pude jurar que vi seus lábios tremerem num choro contido.
  — É sério, . Eu não posso mais vir até aqui. Precisamos acabar de vez com isso para que você siga em frente e eu também — indiquei a mesa com um olhar e ela entendeu o que eu quis dizer.
  Um suspiro ecoou dos lábios dela.
  — Eu sinto sua falta, — uma careta se formou em meu rosto. Eu também sentia. Droga, eu estava quase ficando maluco sem ela.
  — Eu sei — murmurei, me sentindo bem ridículo por deixar que ela viesse para perto de mim como estava fazendo, mesmo depois de eu ver que ela estava saindo com outra pessoa.
  Então as mãos de tocaram meu rosto e eu senti meus olhos se fecharem, aprovando as carícias dos dedos dela em minhas bochechas.
  — Também sinto a sua — eu era o cara mais idiota do universo, já disse isso?
  — Não deu certo, sabe? — abri meus olhos e a encarei, confuso. — Eu tentei sair com alguém, mas não consegui parar de pensar em você. Venho tentando fazer isso e nunca dá certo.
  — ...
  — E é por isso que eu sou ridícula e trago essas aranhas do jardim, só para ter uma desculpa para você vir aqui matá-las para mim — confessou, me encarando desesperada e no fundo eu sempre soube que aquela história era uma grande desculpa para que continuássemos nos vendo.
  — Não podemos fazer isso, — tentei me manter forte.
  — Por favor, — a voz embargada dela levou o último resquício que eu tinha de controle e sem conseguir mais me dominar, eu a segurei pela cintura, apertando o corpo de contra o meu, beijando seus lábios com tanta saudade que senti minhas entranhas estremecerem e um grunhido rouco escapou de minha boca segundos antes de nossas línguas se enroscassem, acariciando-se da forma que faziam desde a primeira vez em que nos beijamos.
  Parecia que as coisas explodiam ao nosso redor e pelo gosto salgado eu soube que as lágrimas dela haviam rolado por seu rosto. Eu quis chorar também, assim como quis arrancar cada peça de roupa do corpo dela e arrastá-la para o quarto só para ver os cabelos dela espalhados pelo lençol mais uma vez.
  Então, como um soco no estômago, as lembranças ruins vieram e eu afastei nossas bocas, segurando-a enquanto encostava minha testa na sua e acalmava minha respiração ofegante.
  Abri meus olhos e a encontrei me encarando, então a coragem estava de volta para que eu fizesse o que precisava ser feito.
    — Você me traiu, . E por mais que eu te ame, jamais vou conseguir perdoá-la por isso — então a resignação apareceu em suas feições.
  — Eu sei. Eu só quero que você saiba, , que me arrependo a cada segundo da minha vida por ter feito isso com você. Eu te amo tanto que até dói — sorri triste ao ouvir aquilo.
  — E eu queria muito ouvir isso de você antes, mas agora, , eu preciso que você me liberte — e mais uma vez eu a ouvi suspirar.
  — Tudo bem, . Eu sei que você disse que não consegue, mas eu espero que um dia você me perdoe, de verdade — não me vi capaz de concordar com ela.
  Me desvencilhei dela, mas em vez de me afastar levei uma de minhas mãos até sua bochecha, acariciando e aproximando meus lábios para deixar um beijo ali.
  — Boa noite, . E adeus — murmurei, não conseguindo firmar meu olhar no seu ou eu sucumbiria outra vez.
  — Adeus, — escutei sua voz fraca, então eu me afastei e saí pela porta, dessa vez sem olhar para trás.
  Eu me sentia destruído por dentro, mas quando entrei no meu carro e comecei a dirigir, uma sensação de alívio me dominou.
  Eu finalmente conseguiria seguir em frente.

FIM



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