Prólogo
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Lawrence, Kansas. 1999.
Os barulhos incessantes dos ponteiros no maldito relógio da parede não paravam de martelar em minha mente.
As mãos, dentro dos bolsos do casaco. Os olhos, indo de um lado para o outro naquele cômodo. Era insuportável a dor que sentia ao ver meu irmão deitado naquele caixão. Esquife horroroso, ele teria odiado. Jake, agora, estava tão gelado como o cadáver que se tornou.
Meus olhos estavam mergulhados em lágrimas que não paravam de cair. Meu coração se inquietava diante da dor estridente da perda e de ver minha melhor amiga, %Verity%, aos prantos, apoiada no corpo sem vida do namorado.
Meu irmão e minha melhor amiga namoravam desde o ensino médio e tinham quase a mesma idade. Jacob %Winters% sempre foi popular, bonito e cheio de amigos, ao contrário de mim. Apesar de ser o irmão mais velho — Jake nasceu alguns minutos antes de mim, éramos gêmeos —, ele sempre me incluía em tudo: me arrastava para sentar na sua mesa durante o almoço, me ajudava nos estudos e estava sempre tentando me lembrar de controlar o meu costumeiro mau humor. Éramos muito próximos, gêmeos em tudo que nos propúnhamos a fazer.
Quando %Verity% conheceu meu irmão, até eu fiquei surpresa. Jake não era exatamente mulherengo, mas também não costumava entrar em relacionamentos fixos. Ele era do time do apego evitativo e dos medrosos quando o assunto era romance. Parece clichê, mas algo nele mudou quando %Verity% apareceu naquele fim de mundo. Não tenho muito a dizer, a história realmente aconteceu como estou contando e se eu pudesse resumir os dois, seria com “pieguice extrema” ou o maior filme de romance clichê e super apaixonado de todos.
Isso era Jake e %Verity%. O casal mais bonito da escola. Rei e rainha de todos os bailes de fim de ano seguintes do ensino médio até a formatura. Agora, perto dos vinte anos, ela foi obrigada a seguir sua vida sem seu grande amor. Minha melhor amiga soluçava de tanto chorar, inconformada com a morte do meu irmão tanto quanto eu.
Nós duas havíamos perdido uma parte importante de nós mesmas, e sabíamos que não tinha mais volta. %Verity% sacudia os ombros em meio ao pranto, apertando o colar em seu pescoço e no pescoço de Jake. Era como a aliança deles, um relicário prateado e delicado. Meu irmão havia presenteado %Verity% com essa joia quando completaram um ano juntos, e dentro do pingente guardavam uma foto deles dois. Como eu disse, clichê, mas tudo era feito de corpo, alma e coração entre eles.
Enquanto ela chorava, eu estava tentando manter meu navio inteiro no meio daquela tempestade de sentimentos. Sentia-me vazia, desolada e incapaz. Estava incapacitada de confortar minha própria amiga naquele estado.
Eu não acredito que você me deixou, seu idiota! Não acredito, você me prometeu que nunca faria isso, gritava minha mente, numa mistura de tristeza e raiva.
A morte de Jake foi súbita como um suspiro. Inesperada.
Ele sempre foi o centro das atenções, brilhante e sorridente. Jake era genuinamente feliz. Porém, perto de sua morte, ele se tornou um cara frio e distante. Seu olhar, que antes refletia uma galáxia, passou a ser como um
iceberg capaz de congelar qualquer um que entrasse em contato direto. Ele evitava a namorada, me deixava em um abismo emocional escuro e solitário, sumindo por dias e quase nunca parando em casa. Até que, um dia, simplesmente desapareceu de vez. Espalhamos cartazes por toda a cidade, procuramos até cansar e não obtivemos respostas.
A busca foi sem sucesso, porque procurávamos um Jake vivo, e o que encontramos foi o corpo sem vida do meu irmão perto do lago em Lawrence. O legista disse que a causa da morte foi suicídio, mas ele não deixou nada: nem bilhete, nem um “vai se foder, %Cassie% e família!”. Absolutamente nada. Depois disso, passamos os próximos momentos supondo os motivos que levaram Jacob a se matar.
— Ele nunca se mataria — falei, claramente em negação.
Minha mãe, vestida totalmente de preto, bem como todos os presentes na sala, suspirou como quem diz “de novo não” e esfregou o lencinho no nariz avermelhado de tanto chorar.
— Por favor, não vamos começar com isso novamente... — respondeu ela, sendo abraçada pelo nosso pai.
%Verity% pareceu entender o que eu havia dito. Parou de chorar alto e se manteve em soluços baixos como se esperasse que eu desse continuidade. Já minha mãe, rezava aos céus para que eu calasse a boca. Era assim, eu e Jake também éramos opostos: ele era o filho querido, o prodígio. Eu, “a rebelde indomável”, segundo minha mãe. Mas isso não tinha a ver com ser rebelde ou não. A morte do meu irmão gêmeo era suspeita e eu tinha a plena certeza que ele não faria aquilo.
Ele nunca me deixaria, nem abandonaria %Verity%.
— Estou dizendo, isso é muito suspeito. Jake levava uma vida incrível... digo, você nem ao menos considera outra causa além de suicídio? — questionei novamente.
Minha mãe suspirou mais uma vez, e então se levantou, voltando a chorar descontroladamente.
— Chega! — exclamou ela. — Não vou ficar aqui ouvindo isso de você. É seu irmão, e ele se foi. Quanto antes nós aceitarmos, mais cedo ele poderá descansar e mais fácil serão as coisas agora que ele partiu.
E então, se retirou dali. Entretanto, Jake ainda era velado por %Verity%, que havia parado de chorar e me olhava de relance. Seus olhos estavam vermelhos, carregando uma ira e uma tristeza indescritíveis.
— Você sabe que eu tenho razão — tentei novamente, mas dessa vez, com o tom de voz mais brando, suavizando a demonstração de injustiça que inundava meu coração. — Jake não se matou. Ele foi morto.
— Eu sei — respondeu ela. — Eu tenho tanta certeza que Jake não se mataria como a que tenho de que vou morrer um dia.
Uma faísca acendeu em meus olhos. Uma chance de buscar justiça por Jacob.
— E nós vamos descobrir quem foi — concluiu %Verity%.