Game On - I'm Not That Crazy
Escrito por Fe Camilo
“Intuição é quando você não sabe como sabe, mas sabe que sabe. E saber que você sabe é tudo que precisa saber.”
PRÓLOGO
Tomei mais um gole de tequila direto do gargalo da garrafa, já fazia ao menos meia hora que havia desistido do copo que trouxera comigo, esquecido ao lado da banheira. A água em que me encontrava não estava mais quente e apesar do cheiro delicioso que sempre tinha um efeito calmante sobre mim, nada poderia acalmar meus nervos em frangalhos após presenciar a cena que parecia martelada no meu cérebro.
Relembrei o sorriso e olhar que ele havia lançado a ela, uma versão mais velha do que eu e – muito provavelmente – mais madura também. passava por um momento crucial na carreira, no qual já não era um desconhecido completo ensaiando na garagem dos avós com uma banda medíocre, mas ainda não havia se consolidado ao ponto de ser conhecido nacionalmente. No nosso estado, porém, fazia sucesso o suficiente para lotar todos os shows agendados e ter fãs endoidecidas o caçando por todos os lugares.
Eu sempre estive certa de que a fama não subiria a cabeça e que ele não se deixaria mudar por conta de algumas centenas de pessoas gritando seu nome e tentando lhe impressionar, mas claramente a certeza já não existia mais. Ele nem havia a beijado ou sequer tocado nela, no entanto aquele olhar dizia tudo que eu precisava saber - aquela mistura de interesse e desejo mal disfarçado - e eu sabia disso em primeira mão, eu havia sido o alvo daquele olhar.
Tomei mais um gole da bebida mergulhando em autopiedade, enquanto meus olhos escaneavam o banheiro recém decorado com mudanças sutis que eu havia feito desde que fora morar ali há algumas semanas. Fechei os olhos e suspirei de frustração ao constatar dois fatos que permaneciam fixos em minha mente:
1º - A certeza de que ele não havia me traído ainda.
2º - O entendimento de que ele iria, era só questão de tempo. E seria com aquela garota.
E foram essas conclusões que me levaram a virar mais um gole antes de levantar de supetão sentindo o efeito da bebida em meu corpo cambaleante enquanto molhava o banheiro no meu caminho até o espelho. Limpei o vidro embaçado e encarei as órbitas esverdeadas à minha frente me fazendo uma promessa.
- Seja lá quando acontecer ou como acontecer, eu vou descobrir.
- E aí, conseguiu descobrir algo dessa vez? - ouvi Amanda perguntar enquanto zapeava os canais a procura de algo minimamente interessante na televisão.
- Não. - respondi irritada. Havia seis meses que procurava incessantemente por alguma prova de traição e todas as minhas buscas foram infrutíferas.
- Hum... - ela hesitou por um instante parecendo pensativa antes de completar - Você já parou para pensar que essa sua convicção seja apenas uma paranoia da sua cabeça?
Se olhares pudessem matar, Amanda estaria desfalecida no chão um instante depois da pergunta que fizera.
- Qual é, amiga? Nem você consegue explicar racionalmente o que te faz ter tanta certeza de que ele está te traindo. - ela pontuou quando percebeu meu olhar mortífero - Eu sei que você tem um histórico péssimo, mas o é um fofo e te trata super bem.
- É justamente por conta dessa fofura que tem um monte de mulher se jogando aos pés dele. - rebati terminando de pintar a última unha com um suspiro de satisfação.
- Além de ser lindo, charmoso, cantar bem e estar ficando cada dia mais rico e famoso, né? - ela comentou distraída ao parar em um canal.
- Obrigada pela parte que me toca. - falei baixinho enquanto assoprava as unhas para secarem mais rápido.
- Sorry. - Amanda lançou um sorriso de desculpas na minha direção. - E por que você não experimenta confrontá-lo?
- Eu já tentei, mas ele achou que eu estava agindo feito uma louca ciumenta já que eu não tenho prova nenhuma. - disse honestamente.
- Hum... - minha melhor amiga se mexeu desconfortavelmente no sofá, demonstrando que pensava de maneira parecida à do meu namorado. - Honestamente, eu acho que você deveria simplesmente esquecer essa história toda e aproveitar seu relacionamento. É isso ou criar alguma armadilha mirabolante pare pegá-lo com a boca na botija.
Era notável que ela havia adicionado a última parte de maneira irônica para evidenciar o quanto ela achava meu comportamento problemático, mas alguma parte bizarra do meu cérebro se ativou imediatamente com uma ideia que me apareceu imediatamente infalível.
- Mandy, você é um gênio! - exclamei pulando do sofá imediatamente e indo dar um beijo em sua testa antes de correr para o meu celular que carregava no quarto.
Um plano absolutamente perfeito se formou em minha mente.
- Amor, você não vai acreditar! - exclamei empolgada, correndo na direção do sofá onde estava e me jogando no seu colo.
- O quê, bebê? - ele perguntou enlaçando minha cintura e me puxando para mais perto.
- Lembra aquele workshop de massoterapia em São Paulo que eu sempre tive vontade de participar?
- Claro. - ele respondeu distraidamente, concentrado em depositar beijos pelo meu ombro e pescoço exposto.
- Eu me inscrevi para tentar uma bolsa para a edição desse ano e adivinha? Consegui!! - gritei a última parte um pouco exageradamente antes de abraçá-lo com força.
- Uau! Que incrível, amor, você merece isso e muito mais. - sussurrou no meu ouvido antes de depositar beijos por minha bochecha até meus lábios.
Sorri aceitando a passagem que ele pedia para aprofundar o beijo e levei minhas mãos aos seus cabelos, o puxando para que o beijo se tornasse mais intenso. Senti as mãos dele passearem das minhas costas até meu bumbum e então pausei o beijo, empurrando delicadamente seu peito para separar nossos corpos.
- Só tem um probleminha. - comentei forçando um sorriso culpado.
- Qual? - perguntou mais interessado em beijar meu pescoço e colo.
- O workshop vai acontecer na semana que vem, no mesmo final de semana do seu show no Rio. - ele parou os beijos para olhar em meus olhos parecendo surpreso. - Eu sei que estávamos ansiando muito por esse show, e é superimportante para você, mas essa é uma chance única.
Era notável que ele parecia decepcionado a princípio, mas logo ele sorriu de maneira calorosa selando nossos lábios.
- Não tem problema, amor, teremos muitas outras oportunidades.
- Tem certeza? - perguntei, mordendo o lábio em um sinal claro de nervosismo.
- Claro. Eu só quero o melhor para você sempre.
Sorri largamente com sua resposta o puxando para um beijo apaixonado. Primeira fase do plano completada com sucesso.
E lá estava eu sentada na poltrona ao lado da cama do quarto 256, local que estava reservado no nome do meu namorado o qual deveria chegar a qualquer momento. Me mantive na escuridão para não despertar sua atenção quando passasse pela porta e jogar fora tudo que havia planejado.
Vocês devem estar se perguntando: O que houve? Como você foi parar na suíte do hotel que seu namorado deveria estar hospedado? E a resposta é menos simples do que imagina, mas muito mais fácil de se executar do que eu pensara.
Após informar que estaria em São Paulo naquele final de semana, tudo que precisei fazer foi forjar toda uma viagem que jamais aconteceria, para lhe dar a falsa impressão de que teria um final de semana completamente livre para fazer o que quisesse. Ao invés de viajar para o tal “curso de massoterapia”, no entanto, fui para o Rio de Janeiro e me hospedei no mesmo hotel onde ele estaria no dia seguinte. A parte ridiculamente simples do plano foi o fato de que o mesmo cartão magnético de uma suíte poderia ser utilizado nas outras.
O show havia acabado há algumas horas e ele estava em alguma festa para celebrar o sucesso, enquanto eu aguardava roendo as unhas o que poderia ser um divisor de águas no meu relacionamento. Uma parte de mim desejava que ele voltasse sozinho assegurando uma vez mais que não havia nada com o qual precisasse me preocupar. Porém, a parte mais cínica, doentia e “calejada” que em mim habitava estava mais do que certa de que eu finalmente teria a prova do que – no fundo – eu já sabia.
Eu gostaria de finalizar a história aqui contando que tudo deu certo no final e o é o amor da minha vida e tão honesto quanto ele sempre aparentou ser, mas a verdade é que – quando ele chegou – mais de duas horas depois, ele estava se atracando com aquela mesma garota que eu vira na entrevista meio ano antes, a versão melhorada da paranoica que sou.
Eu também gostaria de dizer que o confrontei, xinguei e humilhei de todas as formas que pude antes de sair dali com um ódio que me consumiria por toda a eternidade, mas a realidade é que ao invés de gastar meu tempo e voz com palavras inúteis que sequer o atingiriam como deveriam, acabei dando lugar a um lado mais primitivo do meu ser e quebrei absolutamente tudo de quebrável que pude encontrar naquele quarto de hotel sabendo que ele teria de pagar por tudo depois.
Infantil e imatura? Com toda certeza! Mas vocês não têm ideia da sessão de descarrego que essa atitude me proporcionou. E melhor do que isso, nada poderia competir com a paz de poder voltar para minha suíte com a convicção de que eu até poderia ser uma neurótica sem limites que resolveu se relacionar com um falso insensível, mas eu nunca fui louca.