For The First Time

Escrito por Ana Paula | Revisado por Mah

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   (N/A: Eu me inspirei nessa música para escrever a história, se quiser escutar enquanto lê, eu recomendo!)

   estava deitada na cama quente, abraçada ao travesseiro dele. O travesseiro tinha seu cheiro, e isso a acalmava. Ela queria os braços dele envolvendo-a, mas ele não estava ali. Ele se encontrava do outro lado da cidade, sentado em um bar vazio, bebericando um copo de uísque.
   não estava bêbado ainda, mas tinha decidido que não sairia daquele lugar se não estivesse. Pediu mais um copo de bebida para o barman quando o que bebia se extinguiu. Depois pediu mais um e mais outro. Seus pensamentos começaram a rodar. O efeito da bebida não o fazia esquecer tudo que estava acontecendo. O que tinha acontecido com eles, afinal?
   se virou na cama, puxando o cobertor da cor verde mais para perto de seu corpo e deixando o travesseiro que antes abraçava de lado. Viu na cabeceira uma foto dos dois. Eles sorriam felizes. Ela estava sentada no colo dele e ele a abraçava, com a cabeça posicionada no ombro da garota. Ela sorria com os lábios fechados, olhando para o rosto do homem que amava, enquanto esse sorria abertamente olhando para frente. Ela pegou a fotografia e a trouxe para junto do peito, abraçando-a e segurando as lágrimas que queriam escapar.
  Vendo que seus esforços não eram o suficiente, se levantou e pegou as chaves do carro, mas o pouco de sanidade que lhe sobrava dizia que não seria uma boa ideia que ele dirigisse naquele estado para casa, então ele pagou o que havia consumido e simplesmente saiu caminhando lentamente pelas ruas geladas da fria Londres.
  Ele não sabia aonde seus pés o levariam, e ele pensava que andava sem rumo, mas notou de repente que se encontrava em frente ao belíssimo palácio de Buckingham, no mesmo lugar que, alguns anos atrás, conheceu aquela que ele julgou ser a mulher que amaria para o resto de sua vida. Aquilo parecia tão distante agora. Os xingamentos trocados quando se esbarraram sem querer, a troca de olhares e o silêncio que se fez em seguida. Os pedidos de desculpas e a ida à cafeteria onde ele a pagaria um café, para compensar o que a tinha feito derrubar. Ele se lembrava como o tempo pareceu parar e o quanto riram naquela tarde. Logo já era noite e ambos disseram seu adeus. Não haviam trocado telefone, não haviam combinado de se encontrar novamente, só disseram “até logo” e seguiram cada um seu caminho, ambos loucos de vontade de tomar a iniciativa de tentar um novo encontro, mas ambos muito traumatizados com relações anteriores para fazerem isso.
  Mas aquilo não era o que o destino planejava para eles.
  Ele se lembrava de como, algumas semanas depois, passando em frente àquele belíssimo monumento novamente, ele a viu, com um terninho azul, em frente a um grupo de turistas que falavam uma língua para ele desconhecida, os guiando em volta do belíssimo jardim. Ele não se lembrava por quanto tempo a encarou, mas ela sentira o peso de seu olhar, e se virou exatamente para onde ele estava. Sem demonstrar o constrangimento que sentiu naquele momento, ele acenou para ela, e ela retribuiu o aceno. O Big Ben se fez ouvir, anunciando que eram três da tarde. Ela então foi chamada por uma idosa a sua frente e, após pedir para que a senhora esperasse por um segundo, se virou novamente para ele e apontou na direção de Westminster, onde o enorme relógio se localizava, e mostrou em seguida cinco dedos de sua mão levantados, e então apontou para os grandes portões a frente do palácio, fazendo com que ele compreendesse a hora e o lugar do encontro. Ela então sumiu no meio da multidão de turistas e ele ficou por ali mais um momento, sentindo o cheiro agradável que saía dos jardins naquela agradável tarde de primavera.
  Agora os jardins estavam congelados. As árvores pareciam murchas e não tinha a costumeira multidão que passava por ali constantemente. Ele estava sozinho, parado em frente à construção, esfregando as próprias mãos devido ao frio, e se lembrando de como tudo parecia mais simples naqueles tempos.
   cansou de ficar deitada e resolveu sair para dar uma volta. Já fazia horas que havia deixado o apartamento, após uma discussão. Ela não fazia ideia de onde ele estava, e não fazia questão de saber. Naquele momento tudo que ela desejava era um pouco de tempo para pensar. Ele havia mencionado o divórcio em meio à discussão, e foi nesse momento que ela se calou. E ele se calou. E ambos pensaram que não era aquilo que realmente queriam. Nenhuma palavra a mais foi pronunciada, ele só pegou as chaves e a carteira, e ela ouviu o barulho da porta batendo. Ela se deitara na cama e não saíra mais dali. Ficar deitada não estava ajudando em nada, ela precisava sentir a brisa gelada da noite londrina, precisava sentir aquela queimação na ponta do nariz quando esse começasse a ficar vermelho.
  Ela pegou o casaco e enfiou nos bolsos as chaves, os documentos e o celular. Não se preocupou em pegar um cachecol ou em colocar uma blusa a mais de frio, naquele momento ela não estava pensando nisso, ela só pensava que queria sentir logo o ar congelando suas narinas até ela ter dificuldade em respirar.
  Passou pela porta e a trancou atrás de si. Pensou em pegar o carro, mas optou pela caminhada, parecia muito mais agradável. Saiu pela rua, sorrindo de lado ao sentir a tão esperada brisa fria e pondo as pernas a trabalhar.
  Andando pelas ruas geladas ela não pensava em como aquilo poderia ser perigoso. A única iluminação vinha das pequenas luminárias clássicas que se espalhavam pelo bairro tradicional onde morava, e davam o aspecto de que vivia em uma época diferente. A lua estava encoberta pelas nuvens, mas ao seu redor o céu se encontrava mais branco, causando um efeito fascinante. Ela andava olhando para cima, observando o contorno que a luz fazia nas nuvens e da aparência ainda mais macia que estas adquiriam. Quando voltou seu olhar para frente se deparou na rua que costumava morar. Andou até o prédio de dois andares ao lado da padaria e se lembrou da primeira vez que a visitara ali.
  Fazia três meses que eles estavam saindo. Não passava de amizade, até aquela noite. Eles tinham combinado de ir ao Hyde Park para um festival de cinema ao ar livre que aconteceria lá, mas a chuva os pegou desprevenidos e eles voltaram correndo para o apartamento dela, que era mais perto, uma vez que eles se encontravam sem carro. Ela o convidou para entrar, e o entregou uma toalha e uma bermuda que seu último namorado havia deixado lá. Ele se enxugou e colocou a bermuda enquanto ela colocava uma roupa seca. Ambos então resolveram fazer seu próprio festival de cinema, juntando todos os filmes que encontraram pela casa e se acomodando na sala. Ela encostou-se a ele e este beijou seus cabelos molhados pela chuva. O filme mal havia começado quando ela sentiu os olhos de pesando sobre ela, e se virou para observá-lo. Era engraçado como ele nunca desviava o olhar. Ele continuava a encarando, e ela retribuía, e eles ficavam naquela disputa, se desafiado sem palavras para ver quem desviaria primeiro. Mas dessa vez, nenhum dos dois desviou. Eles se aproximaram um do outro, e sentiram suas respirações se baterem. Ele encostou os lábios nos dela, ainda sem desviar os olhos. Ela então fechou as pálpebras, aproveitando aquele toque singelo. Ele a acompanhou e ambos abriram as bocas, dando passagem para que suas línguas se conhecessem e se entrelaçassem como se estivessem esperando por aquele beijo a vida toda. E ela percebeu o quanto era feliz.
   ainda estava em frente ao jardins de Buckingham, quando começou a perceber algo caindo do céu. A substância branca que se desfazia quando tocada o fez sorrir. A neve começava a cair pela primeira vez naquele inverno, e com ela vieram mais lembranças que ele queria esquecer.
  Ele se lembrou da primeira vez que ela vira neve. Ela vinha de um lugar quente para tentar a vida em um país completamente diferente e completamente gelado. Nunca havia visto neve. Eles estavam descansando na cama, após a primeira noite que tiveram juntos. Ela havia finalmente contado como tinha ido parar em Londres. havia explicado que o ex-namorado tinha uma empresa que abriria uma filial na cidade, ele precisava se mudar e pediu para que ela fosse junto. Ela largou todos que amava, largou tudo que conhecia para trás e o acompanhou. Chegara lá no fim do inverno, quando as ruas já começavam a ganhar cores primaveris. Ela pegou seu ex na cama com outra algumas semanas depois, e logicamente, eles se separaram. Ela não queria voltar para seu país tendo que carregar tamanha humilhação, então resolveu continuar lá. Ela contou como tinha acabado de ser contratada como guia turística quando eles se encontraram pela primeira vez. Ela falou que achava que estava se apaixonando por ele. Ele falou que a amava. E eles fizeram amor pela primeira vez. Na manhã seguinte, eles se abraçavam preguiçosos entre as cobertas e trocavam beijos e carícias, quando ele notou os flocos brancos se assentando na beirada da janela do quarto, e apontou para a mesma fazendo com que seguisse com o olhar até o local em que a mão dele apontava. Ele nunca esqueceria o brilho nos olhos dela quando percebeu que aquilo era neve. Ela levantou da cama e enfiou um moletom dele por cima das roupas íntimas, saindo correndo em seguida rumo ao jardim nos fundos da casa. Ele colocou uma calça de moletom, a que faria par com a blusa que ela havia pegado, e quando chegou ao jardim se deparou com deitada num monte de neve, com a roupa já encharcada de água e um sorriso infantil no rosto. Ele se juntou a ela na brincadeira e eles passaram o dia brincando na neve recém-caída. E passaram as duas semanas seguintes tentando se curar do resfriado que adquiriram naquele dia.
   colocou o braço pra frente com a mão aberta, fazendo um montinho de neve na mesma. Ele assoprou o montinho que sumiu no vento, observando a distância uma figura feminina que também passeava na noite escura.
   andou até chegar ao parque onde conhecera , mergulhada em lembranças e mais lembranças. Avistara ao longe a imagem de um homem brincando com a neve que caía, e logo identificou quem era. Percebeu que ele a viu, e ambos andaram um de encontro para o outro, sem desviar o olhar.
  Sorrisos sinceros surgiram nos lábios de cada um, mesmo que eles quisessem chorar. Ele abriu a boca para dizer algo, mas ela foi mais rápida.
  - , sobre o divórcio...
  - Me desculpe por isso. Eu estava nervoso.
  Um silêncio se fez em seguida. Eles se afundavam nos olhos um do outro. O sorriso havia sumido, mas os olhos mostravam bom humor.
  - Onde tudo começou a dar errado? – ele perguntou, passando a mão pela bochecha fria da mulher, e essa colocou a própria mão por cima da do marido.
  - Eu não sei, eu realmente não sei... – ela respondeu, com uma lágrima mais teimosa escapando de seus olhos e fazendo um caminho quente por onde passava. Ele a enxugou e se aproximou de .
  - Não desiste de mim. – ele sussurrou perto do ouvido dela, fazendo com que todo o corpo dela se arrepiasse.
  - Eu nunca desistiria de você. – ela respondeu fechando os olhos, e como na primeira vez, ele uniu seus lábios aos dela, enquanto ambos saboreavam aquele toque suave, para só então aprofundarem o beijo.
  - Vamos para casa. – ele disse por fim, e os dois passaram a andar, sentindo a neve molhar suas roupas, até a frente do bar onde o carro havia ficado.
  Ela entrou no carro e ele pediu que ela esperasse enquanto comprava algo. Pouco depois ele entrou no banco do motorista, com uma garrafa de vinho barato, que mostrou para ela. sorriu abertamente, se lembrando da primeira vez que eles disseram que se amavam.
  Eles já namoravam há algumas semanas, e após uma reunião formal da empresa onde ela costumava trabalhar, que foi extremamente entediante para os dois, eles passaram em um bar e, levados pela insanidade jovem, roubaram uma garrafa de vinho barato. Depois, dirigiram até a casa de e beberam a garrafa de vinho, e dançaram sobre a mesa ao som de canções que não existiam, e se beijaram em frente à lareira. E disseram que se amavam. Depois disso, tudo começou a acontecer muito rápido. Um ano depois, exatamente, ele a pediu em casamento. Eles viveram felizes por mais dois anos após isso, e então, em algum momento, tudo começou a dar errado. As brigas se tornaram frequentes e as desculpas pararam de ser proferidas minutos depois. Eles passavam dias sem se falar e não corriam para os braços um do outro assim que entravam em casa. Ele ficou desempregado por um tempo, e as coisas se tornaram mais difíceis. Eles se esqueceram de como tudo era no começo. Nenhum dos dois tinha muito dinheiro, nenhum dos dois se importava com isso. Eles só precisavam um do outro, onde aquilo havia ido parar?
  Ele estacionou o carro na garagem e adentraram na casa que com tanto esforço e custo haviam comprado. foi até o armário e retirou de lá duas toalhas e roupas quentes. Entregou uma a ele e ambos se secaram e se trocaram no meio da sala. Depois, ele a puxou até o quarto onde se sentaram na cama e ficaram se encarando por um longo tempo.
  Pela primeira vez, desde que se conheceram, ele foi o primeiro a desviar o olhar. Ele abriu a garrafa de vinho e, ao invés de servir uma taça para cada um como geralmente faziam, ele simplesmente virou a garrafa na própria boca, fazendo soltar uma gargalhada. Ela tomou a garrafa da mão dele e tomou um gole também, fazendo uma careta em seguida, fazendo então rir.
  - Isso é horrível! – ela exclamou em tom brincalhão, encarando a garrafa.
  - Eu concordo. – disse e ela se virou para o encarar.
  - É perfeito.
  Os dois se aproximaram e trocaram mais um de seus beijos, caíram na cama e fizeram amor como nunca antes tinham feito. Não tinham pressa, tudo que queriam era aproveitar aquele momento. Queriam se lembrar de cada detalhe, cada toque, cada gemido. Se deitaram na cama agora bagunçada, ela se apoiou no peito agora suado dele e ambos ficaram por um tempo observando a neve que ainda caía lá fora.
   acariciou levemente os cabelos de , o que fez que ela levantasse o olhar até os belíssimos olhos do marido.
  - Eu te amo. – ele disse.
  - Eu te amo. – ela respondeu.
  E não precisavam de nada. As bocas continuaram paradas, mas os olhos transmitiam todo o sentimento, toda a verdade daquelas palavras. Parecia a primeira vez, e era tudo o que precisavam. Eles conversavam sobre coisas das quais não falavam há um tempo, e se encaravam. Eles se beijavam e trocavam olhares maliciosos. Eles observavam a neve que caía e relembravam momentos bons que passaram. Eles planejavam coisas que ainda fariam juntos. Eles prometeram que não desistiriam deles mesmo. E só agora tinham certeza de tudo o que sentiam. Foram necessários anos e uma crise que quase acabou com tudo, para eles perceberem o quanto se amavam. Aquela parecia a primeira vez. Os tempos eram difíceis, mas eles não desistiriam.
  Se perderam nos olhos um do outro por mais um longo tempo, até adormecer calmamente, com um sorriso brincando nos cantos dos lábios. Ele acariciou o rosto e os cabelos de sua amada até cair no sono também.
  A neve ainda caía lá fora e o sol dava os primeiros sinais de querer aparecer. E tudo nunca pareceu tão certo. Eles sabiam que aquele não era o fim das brigas, o fim dos problemas, mas sabiam que tudo terminaria bem. E tinham certeza de que se amavam.
  Pela primeira vez.



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