Forgotten

Escrito por Boo | Revisado por Mariana

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  "- Talvez você queira falar sobre os seus medos para o grupo.
  - Meus medos?
  - É.
  - Eu tenho medo de ser esquecido. "
  Augustus Waters, A Culpa é das Estrelas.

  Já escurecia quando eu me sentei na terceira fileira do Starlight Cinema.
  Calum havia tirado o dia para me tirar do sério e me implorou de joelhos pra que eu fosse ao cinema. Não satisfeito em receber um talvez, ele teve que apelar para o meu pai que basicamente me obrigou a ir, pois segundo ele, eu iria ficar vesga se não parasse de escrever.
  Não o culpo, quero ser uma grande cineasta um dia, e isso requer muitos esforços.
  Pra variar Calum estava atrasado.
  Decidi esperar fazendo o que eu sabia melhor: escrevendo. Peguei o bloquinho de anotações que sempre levava dentro da bolsa e uma caneta, continuando o meu roteiro de onde eu havia parado.
  "Rosalie descia as escadas amedrontada, segurava as cartas que a mãe enviara para o pai em suas mãos. O coração batia acelerado, sabia que não devia ter ido até a cabana, sabia que devia ter ouvido os avisos que Nick lhe dera na noite anterior"
  - Quer largar isso, ? - Calum apareceu ao meu lado segurando um balde de pipoca – Nós estamos em um cinema! Você veio para ver o filme e não para escrever o seu roteiro aqui.
  - Ah cala essa boca! - dei um soquinho em seu braço - Obrigado por pelo menos ter me deixado escolher o filme.
  - Bem, você já está me dando à honra de sua presença - ele sorriu - e A Culpa é Das Estrelas não é tão ruim assim.
  As velhas borboletas que viviam em meu estômago se agitaram um pouco. Calum era meu melhor amigo desde a quarta-série e desde que eu entendo algo sobre amor, sabia que ele se encaixava em cada característica existente. Apesar de nutrir tanto sentimento, eu ficava satisfeita em tê-lo apenas como amigo. Imaginar a minha vida sem ele era quase como imaginar o Planeta Terra sem Sol. Sempre desabafava meus sentimentos por ele com meus personagens, que sempre tinham um pouco de suas características.
  Apesar das milhares de vezes que eu me afastava dele por conta de suas namoradas, ele sempre dava um jeito de me puxar de volta.
  Guardei o bloco dentro da bolsa e me ajeitei no banco, roubando um pouco de pipoca do balde.
  - Levanta um pouco, - Calum me pediu pouco tempo depois que o filme havia começado. Mesmo sem entender levantei um pouco para não incomodar quem estivesse atrás de mim. Pra minha surpresa, Calum levantou o apoio para o braço que separava os nossos acentos e bateu na minha poltrona, sinalizando para que eu me sentasse novamente.
  - O filme é bom, mas eu estou desconfortável - explicou ele sem jeito, enquanto passava a mão por meus ombros e me aconchegava em seus braços.
  Respira fundo , esse é o filme do ano. Que você já viu outras duas vezes.
  Seus dedos enrolavam as pontas dos meus cabelos enquanto sua cabeça repousava sobre a minha. Era possível sentir o cheiro de sabonete e amaciante que vinham de sua blusa.
  Por mais difícil que fosse, consegui me concentrar no filme e não evitei as lágrimas nos últimos 40 minutos de filme. E nem Calum.
  - Gosto dessa música - falei quando os créditos subiam na tela - Você vai fazer a trilha sonora dos meus filmes! – disse aleatoriamente.
  Calum riu e saiu me puxando pela mão em direção a saída.
  - Claro que vou, Lady . Mas você vai ter que prometer que vai fazer um filme sobre a banda depois!
  - Posso pensar no seu caso.
  - Não me faça ir pedir ao seu pai!
  - Só se você me levar até o McMahons Point...
  - Pra quê?
  - Está escuro, é bonito ver a cidade de lá.
  - Ou talvez você queira me empurrar de lá de cima por ter feito você sair de casa.
  - Droga! - fingi uma cara de espanto - Como você descobriu?
  - Bobona! Você vai me pagar um sorvete depois!
  Fomos caminhando pelas ruas movimentadas, meus joelhos fraquejando toda vez que eu percebia que Calum estava caminhando ao meu lado, ainda segurando a minha mão. Não queria soltar, mas não sabia como reagir.
  Assim que chegamos ao McMahons, nos sentamos na beirada do point, do outro lado da Baia os prédios estavam com algumas luzes acesas e o brilho do parque de diversões enchia meus olhos. Estava esfriando, e a camiseta de manga cumprida que eu usava quase não me impedia de sentir a brisa fria que vinha do oceano à nossa frente.
  - Como está a banda
?   - Cada dia melhor - ele sorriu - as pessoas estão reconhecendo mais o nosso trabalho e estamos escrevendo umas músicas bacanas.
  - Isso é ótimo.
  Ficamos em silêncio por alguns minutos, e acabamos nos deitando no chão, olhando para as poucas nuvens que enfeitavam o céu noturno.
  - Gostou do filme?
  - Gostei sim...
  - Qual é o seu personagem preferido? - ele me perguntou como sempre fazia depois que assistíamos a algum filme.
  - Augustus.
  - Ah só porque ele é o mocinho! - empurrou meu braço de leve, rindo brincalhão.
  - Não, embora o Ansel seja maravilhoso - ri da cara de desprezo que ele fez - Me identifico com o Gus...
  - Como assim?
  - Eu também tenho medo - respondi voltando a encarar o céu -, medo de ser esquecida.
  - Por quê?
  - Não quero passar a vida trancada dentro de uma sala atendendo as pessoas ou fazendo alguma coisa que me desagrade... Quero deixar um legado. Saber que alguém se inspirou no meu filme, ou na minha vida, pra fazer alguma coisa.
  De novo ficamos em silêncio, e o meu medo tornou a me assombrar.
  Desde a primeira vez que eu havia lido o livro, me identifiquei com o medo do personagem. O esquecimento. Toda vez que eu dizia que queria fazer uma faculdade de cinema, recebia a resposta mais típica de todas: "Você vai morrer de fome".
  Meu pai não me apoiava, mas também não ligava. Sempre pediu pra que eu fizesse alguma outra antes "apenas para ter base". Mas o tempo é curto. E eu sou impaciente, quero acabar de vez com esse medo.
  - Faz sentido - respondeu Calum por fim -, também quero que a banda cresça e se torne um estouro!
  - Ela já esta crescendo Cal - me sentei, olhando-o de cima - Louis Tomlinson ouviu o som de vocês e gostou! Tem noção de como as coisas estão mudando pra vocês?
  - Eu sei - respondeu sorrindo, radiante - estamos trabalhando nas músicas novas. Aparece no ensaio amanhã... Fizemos uma especialmente pra você.
  - Mentira!
  - É sério!
  - Canta pra mim então...
  - Só com a voz? Ah não! Espera até amanhã!
  - Eu posso morrer até amanhã.
  - Quanto drama!
  - Por favor, Cal - pedi fazendo bico – Vai!
  Depois de muito insistir Calum sentou-se de frente pra mim. O sorriso já não estava mais em seus lábios, mas eu podia ver a alegria em seus olhos.
  - Se chama Unpredictable.
  - Por quê? – interrompi – Eu sou imprevisível?
  Calum não me respondeu, apenas respirou fundo e começou a cantar, visivelmente desconfortável.

  She sits at home with the lights out
  Ela fica em casa com as luzes apagadas
  Seeing life in different colours
  Vendo a vida em cores diferentes
  I think it’s time that we wake up
  Eu acho que é hora de nós acordarmos
  So let me take you away
  Então me deixe te levar para longe
  We can run down the street
  Nós podemos correr pela rua
  With the stars in our eyes
  Com as estrelas em nossos olhos
  We can tear down this town
  Nós podemos derrubar essa cidade
  In the dark of the night
  No escuro da noite
  Just open the door
  Basta abrir a porta
  We've got time on our side
  Nós temos o tempo ao nosso favor
  We can make it out alive
  Nós podemos fazer isso vivos.

  - Chega – ele parou – Você pode ouvi-la amanhã!
  - Ah só mais uma parte, Cal!
  - Deixa de ser abelhuda, ! – disse me abraçando.
  - Só mais um pedacinho.

  Hey we’re taking on the world
  Hey, nós estamos tomando o mundo
  I’ll take you where you wanna go
  Eu vou te levar aonde você quiser ir
  Pick you up if you fall to pieces
  Te pegar se você cair aos pedaços
  Let me be the one to save you
  Deixe-me ser aquele que irá te salvar
  Break the plans we had before
  Quebre os planos que nós tinhamos
  Let’s be unpredictable
  Vamos ser imprevisíveis
  Pick you up if you fall to pieces
  Te segurar se você cair
  Let me be the one to save you
  Deixe-me ser aquele que irá te salvar

  - Vocês fizeram ela pra mim? – perguntei sorrindo.
  - É, quer dizer não – disse abaixando a cabeça –, foi assim mais ou menos sabe? Lembra daquela festa que a gente foi, um pouco depois que eu e a Maddie... Você sabe...
  - Terminaram? Sim, sei.
  - Você tinha passado meses sem falar direito comigo, e naquela noite, quando eu me sentei pra conversar com você... Sei lá, foi legal ouvir você falando dos seus projetos e tudo mais. E foi isso.
  - Tem certeza?
  Calum desviou o seu olhar do meu. Por um momento achei que desconhecia o menino sentado a minha frente. Calum nunca foi do tipo que escondia as coisas, e agora eu mal sabia interpretá-lo. Fazia duas semanas que aquela festa havia acontecido, não tinha como eu simplesmente esquecer a nossa conversa. Segurei seu rosto para que ele pudesse voltar a me encarar, e assim que o fiz, ele olhou para o chão.
  - Cal?
  - Você nunca vai perceber mesmo não é? – perguntou ainda olhando pra baixo.
  - Perceber o quê?
  - É claro que é sobre você. Assim como todas as outras...
  Dessa vez quem tornou o olhar pra baixo foi eu. O que ele queria dizer com aquilo?
  Podia sentir seus olhos em mim, e logo presumi que ele esperava alguma coisa. Por mais que eu estivesse em dúvidas do que fazer, teria que tentar. Já fazia anos que a paixonite aguda que eu nutria crescia, e ficar presa dentro daquele círculo amigo era uma coisa que precisava acabar. Não precisava que os outros me dissesse que estava na cara que eu era apaixonada por Calum para saber disso, porque apesar de negar, eu sempre soube. Na noite anterior, assisti “As vantagens de ser invisível” com meu pai, e uma das falas ficou na minha cabeça.
  “Nós aceitamos o amor que acreditamos merecer, Charlie”. Se eu acreditava que Calum deveria ser mais que meu amigo, por que não tentar?
  - “Nós aceitamos o amor que acreditamos merecer” – repeti baixinho, como se aquilo fosse uma prece de encorajamento.
  - O qu-
  Antes que Calum perguntasse, tomei coragem e o puxei pelo pescoço, selando nossos lábios por alguns segundos, que mais pareceram horas. Ainda com os olhos fechados, me afastei um pouco, com uma vontade absurda de levantar e sair correndo.
  - Finalmente! – ele disse rindo, logo me puxando novamente para dar início a um beijo de verdade. Seus braços envolveram minha cintura, e pude sentir o chão em baixo de mim novamente. Não queria pensar muito, nem lembrar que nós estávamos na beira de um píer e que qualquer movimento brusco poderia resultar em um belo banho de água fria. O frio que eu sentia antes havia se dissipado, e pela primeira vez em muitos anos, eu senti que aquela era a cena que faltava para o meu filme.
  - Calum – tentei afasta-lo quando senti meus pulmões gritarem pela falta de ar –, aqui não.
  - Eu estava esperando por isso – disse afundando o rosto na curva do meu pescoço – Por tanto tempo, !   Sorri ainda sem acreditar no que estava acontecendo.
  - Você é bem tapadinha pra quem quer ser uma cineasta.
  - E você é bem mulherengo pra quem esperava há tanto tempo – retruquei com um pouco de implicância.
  - Hmmmm – ele me apertou mais forte – quer dizer que você morria de ciúmes?
  - E você, tapadinho, nem ligava.
  Calum riu e me beijou de novo.
  - Quem disse que não? Você simplesmente sumia, eu não conseguia te entender. Primeiro ficava escrevendo alguma coisa sobre um tal de Nick e quando eu partia pra outra você emburrava e sumia!
  - Espera aí – me afastei de seu abraço –, que Nick?
  - Eu é que vou saber! – respondeu emburrado – Você vive escrevendo coisa pra ele! E não fala que não porque eu já vi!
  O único Nick que eu conhecia era...
  - Meu Deus! – cai em uma crise de risos que durou pelo menos 5 minutos para ser contido, tempo o suficiente para fazer com que a carranca de Calum aumentasse – Primeiro você ficava me bisbilhotando, e ainda confunde o mocinho do meu filme com um cara de verdade?
  - Mocinho do seu filme?
  - Claro seu babaca! Nick é o nome de um dos meus personagens!
  - Por que você nunca me mostrou então?
  - Você sabe que eu não mostro pra ninguém.
  - Pra Gabi você mostra!
  Dessa vez quem o beijou foi eu, mais feliz do que nunca.
  - O mocinho do meu filme é você, Calum.
  - Gosto dos seus clichês – disse sorrindo –, às vezes são estranhos, mas eu gosto.
  - Eu sou estranha?
  - Bem, a meu ver sim – respondeu, sorrindo brincalhão – Você gosta de filmes de romance, gosta de ficar em paz dentro do seu mundo, ama tietar essas bandinhas da Disney.
  - EI! – protestei – Mais respeito com os Jonas Brothers!
  - Que seja! – ele continuou – O fato é que você me atrai. Você é diferente, . Você vive planejando tudo e a única coisa que eu quero, é que você se sinta livre. Pelo menos uma vez na vida! Eu sei que você quer ser lembrada por alguém, acredito que um dia isso vai acontecer, mas antes eu quero que você se lembre da sua vida. Quero que levante da sua cama todos os dias e se lembre de que teve dias felizes. O mundo pode esquecer quem nós somos, , mas quem tem que se lembrar de quem você é e o que fez, é você.
  Olhei em seus olhos, estupidamente feliz. Aquele era o meu Calum. O mocinho que eu precisava.
  - Nós ainda temos o resto da noite, Cal – segurei seu rosto e olhei fixamente em meus olhos – Faça com que o mundo me esqueça essa noite, mas prometa que vai se lembrar de mim pra sempre.
  - Eu prometo.
  Sem nem esperar pro uma reação, Calum me ergueu do chão e começou a correr comigo pelas ruas adentro.
  Pra onde íamos?
  Eu não sei, mas tinha certeza de que o mundo era nosso.

FIM



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