Exceptional
Escrito por Sâmela Souza
A pequena Emy está concentrada pintando seu caderno de desenhos em cima da mesa enquanto escuta as músicas que sua mãe colocou na Echo Dot Alexa, quando o barulho da porta da frente sendo batido com força ressoa na cozinha. Seus olhos azuis crescem quando ela procura imediatamente a mãe, vendo-a limpar as mãos no guardanapo enquanto demonstra uma feição de exaustão.
— Hannah? — Questiona a matriarca.
— Me deixe em paz! — A resposta vem furiosa.
Louise suspira. Emy permanece em silêncio.
— Hannah, venha até a cozinha agora. — O comando embora brando é uma ordem. A pequenina espera encolhida junto com sua mãe, e alguns minutos mais tarde vê sua irmã adentrar ao compartimento.
Hannah entra na cozinha com a cabeça baixa, porém sua respiração está rápida.
Louise observa a filha por um tempo em silêncio, é obvio que aconteceu alguma coisa com ela. Hannah não era uma menina agressiva, tão pouco respondona, mas se fez isso hoje era porque algo lhe tirou do eixo, então iria investigar o que tinha acontecido.
— Querida, você está bem? — Pergunta-lhe. Hannah levanta o rosto e a olha com um semblante choroso, os olhos vermelhos, as bochechas rosadas.
— EU NÃO QUERO IR PARA A ESCOLA NUNCA MAIS! NÃO QUERO SAIR DE CASA NUNCA MAIS. EU ODEIO AQUELE LUGAR. ODEIO O QUE ELES FALAM DE MIM. ODEIO TODOS! — Os gritos vieram acompanhados de lágrimas. Hannah então corre para o refúgio de seu quarto.
Suspirando em aflição Louise olha para a filha mais nova.
— Querida, continue pintando, sim? Eu vou conversar com a sua irmã lá em cima e já volto.
A pequena apenas assente. É difícil para ela entender o que está acontecendo com sua irmã e a razão para ela estar agindo tão estranha ultimamente. A puberdade desencadeou em Hannah uma fase de descobertas, e se era difícil para ela mesma entender a fase com seus 14 anos, imagine para a menininha Emily de apenas 8.
Ela notou que a irmã mais velha gostava de usar roupas diferentes, uma vez até perguntou a seu pai por que ela se vestia como Joe, seu primo, mas John apenas lhe pediu para que aceitasse a irmã como era e que a amasse independente da forma como se vestia, e foi isso que ela fez, ela nem incomodou Hannah com perguntas. Ela só queria entender por que ela estava sendo tão briguenta, falando alto e agindo como se todos fossem seus inimigos.
Curiosidade brilhou sobre ela e resolveu que iria descobrir. Deixou os desenhos de lado e subiu as escadas correndo, mas ao chegar no topo desacelerou os passos e andou de fininho até o quarto da irmã e se pôs a escutar atrás da porta.
— Eles me chamam de aberração, dizem que quero ser algo que não sou. Fico recebendo bilhetinhos me chamando de menino, eles me desenham no banheiro com várias palavras malvadas, mãe. Eu não quero voltar lá. — Emy escuta soluços. — Me chamam de feia, de monstrenga, dizem que quero ser um menino, isso tudo só porque eu me visto diferente. Não gosto de usar aquelas roupas que as outras meninas usam, me sinto confortável assim. Por que eles não me aceitam como vocês?
Emy em sua doce inocência “pareceu” entender o que tinha acontecido. Não quis mais escutar nada da conversa, resolveu descer e voltar para a mesa, mas com o pensamento de fazer algo que levasse a irmã a se sentir querida e amada como seu pai havia lhe falado. Começou primeiro escolhendo uma página em branco de seu caderno de pinturas. Iniciou sua arte desenhando sua irmã mais velha e depois desenhou a si própria ao lado dela, acrescentou corações e por último finalizou com uma frase que esperava que fizesse a irmã se sentir bem. Precisava finalizar seu trabalho com glitter e quando estava indo para seu quarto para pegar o que faltava escutou uma frase bonita saindo da música que tocava na caixinha. Sorriu. Pegou seu iPad e pesquisou a frase que acabara de ouvir no navegador para encontrar a letra de toda a canção.
— Emily? — Ao levantar a cabeça encontrou o olhar curioso de seu pai. Sorriu para ele. O homem se aproximou e a beijou no topo da cabeça. — O que você está fazendo?
— A mana chegou chateada da escola, estava chorando. A mamãe está conversando com ela. E eu estou preparando um presente para deixá-la feliz. Eu fiz isso... — Pegou o desenho que acabara de pinta e mostrou ao genitor. — Mas falta ainda finalizar com glitter e adesivos. Também vou mostrar para ela essa música que eu acabei de escutar. Veja se não é bonita.
Peter naquele instante sentiu tanto orgulho da filha mais nova, a menina era tão pequena, mas tão ciente e preocupada.
— Tenho certeza de que a sua irmã irá adorar, querida. — Afirma ele, sorrindo.
— Você acha mesmo? — Os olhos azuis gentis de Emy brilharam para seu pai.
— Tenho toda certeza do mundo! — Garante emocionado.
...
~~ Uma hora depois ~~
Hannah estava mais calma após a conversa com sua mãe, embora ainda não entendesse completamente o comportamento odioso de seus colegas de turma. Seu pai também deu uma passada mais cedo em seu quarto para entender o que estava acontecendo e os genitores decidiram que iriam investigar o bullying que sua filha andava sofrendo na escola, prometeram a ela que cuidariam de tudo e se fosse necessário a trocariam de colégio. Estava lendo Os Legados de Lorien quando escutou batidas na porta.
— Mãe? — Perguntou ela.
— Não. Sou eu, Emy. Posso entrar? — A voz da irmã foi ouvida.
— Entre. — Permitiu.
Viu a maçaneta ser girada e logo em seguida a pequena surgiu com uma caixa média de presente em suas mãos.
— O que é isso? — Perguntou Hannah erguendo-se para ficar sentada.
— Eu fiz isso para você. Sei que você está triste. Mas quero que se sinta bem. Então te fiz um presente. — A menor entregou a caixa a irmã que parecia intrigada. Nunca esperava esse ato da irmã, foi uma grande surpresa.
Abriu a caixa e a primeira coisa que encontrou foram balas ácidas, suas preferidas.
— O papai me levou para comprar para você. Você gosta dessas, não é? — Emy intuiu. Hannah apenas assentiu sem qualquer palavra. Continuou conferindo o que tinha ganhado, sendo o próximo item um desenho. Hannah estava desenhada da forma como gostava de se vestir, e Emy estava ao lado, as mãos unidas; no topo do desenho a frase “Para a melhor irmã do mundo” cheia de glitter brilhava fortemente, e mais em baixo “Eu te amo demais” rodeado de corações. Hannah sentiu um aperto forte na barriga e imediatamente seus olhos se encheram de lágrimas. Ela reconhecia que estava longe de ser a melhor irmã do mundo, mas se Emy a via assim, então ela estava honrada. Decidiu naquele momento que seria uma irmã melhor, que passaria mais tempo com Emily e lhe daria toda a atenção que quisesse, pois ela merecia.
— Emy... — Suspirou, tentando engolir o choro emocionado. — É lindo. Obrigada.
A menina estava esperando ansiosa pela reação da irmã, e quando entendeu que ela havia gostado sorriu grandemente.
— Você gostou mesmo?
— Claro. Vou até pendurar na parede. — Sorriu. Hannah não era do tipo que abraçava muito, mas naquele momento sentiu a necessidade de colocar a irmã entre os braços e apertá-la. Emy gritou rindo quando Hannah quase a sufocou.
— Quero que ouça essa música. Ela é pra você. — Emy com seus dedinhos curtos destravou o dispositivo e procurou pelo app do YouTube, a música já estava carregada, faltava apenas apertar o play.
Você é linda mas não sabe
Não pode ver o que existe dentro da sua alma
Sempre se sentindo como se não fosse bom o bastante
Você gostaria de ser outra pessoa
Às vezes nem consegue se enxergar
Mas eu consigo ver quem você é, quem você é
Você é excepcional do jeito que é
Não precisa mudar pra ninguém
Você é incrível, qualquer um pode ver isso
Quando você vai acreditar nisso?
Você é nada além de excepcional
— Emy... — Não conseguiu prosseguir com o que ia dizer porque o choro lhe acertou em cheio. Não entendia como aquela criança de apenas 8 anos teve a delicadeza de planejar aquilo tudo apenas para que ela se sentisse bem.
Você acha que nunca está à altura
De ser inteligente ou legal, ou bonita o bastante
Sempre se sentindo diferente de todo resto
Você sente que está fora do lugar, você acha que
Eu acho que você é perfeita na pele que você está
Você é perfeita do jeito que você é, do jeito que você é
Você é excepcional do jeito que é
Não precisa mudar pra ninguém
Você é incrível, qualquer um pode ver isso
Quando você vai acreditar nisso?
Você é nada além de excepcional
Se você pudesse ver aquela que eu vejo quando eu te vejo
Você saberia como é sortuda de ser você
Eu vejo dentro de você
E você é...
Você é excepcional do jeito que é
Não precisa mudar pra ninguém
Você é incrível, qualquer um pode ver isso
Quando você vai acreditar nisso?
Você é
Você é excepcional do jeito que é
Não precisa mudar pra ninguém
Você é incrível, qualquer um pode ver isso
Quando você vai acreditar nisso?
Você é nada além de excepcional
— Uma vez o papai me disse que eu tinha que te amar do jeito que você. Eu não entendo por que você gosta de usar coisas de meninos, mas eu te amo e se você se sente bem então tudo bem. Eu também não sei por que as pessoas da sua escola são maldosas com você, acho que é porque elas não tiveram a conversa com os pais delas como o papai me ensinou. Mas você não tem que ligar para o que eles dizem. O papai te ama e a mamãe também. E eu também. Somos sua família e o papai ensinou que família é a única coisa que importa. Você não é monstrenga e nem é feia, na verdade é a menina mais bonita que eu já vi e seus colegas são uns bobos por não verem isso. Fiz esse presente para que você perceba o quanto é importante para mim, e mesmo que ninguém na sua escola queira ser seu amigo, eu vou sempre estar aqui, posso ser sua melhor amiga se quiser.
Hannah não entendia muita coisa sobre a vida no auge de seus 14 anos, mas ela teve uma lição naquele dia com a irmã. Aprendeu e sentiu pela primeira vez que era amada, que era suficiente e valiosa para sua família e que era apenas isso que importava. A opinião de seus colegas de escola não era válida e ela já não precisava mais se importar com o que eles achavam ou deixavam de achar, não tinha que provar nada a eles. Sem saber a atitude singela da menina fez nascer em Hannah o real compreendimento de o que o amor era de fato.
Em meio a lágrimas de gratidão e amor, Hannah ergueu-se da cama e trouxe junto Emy em seus braços, girando-a no ar.
— É claro que você pode ser a minha melhor amiga. Eu te amo, Emy. Eu sou a menina mais sortuda do mundo porque você me escolheu como irmã.
Atrás da porta os pais encontravam-se em estado de emoção, ambos orgulhosos pelo momento que a pequena Emy ensinou sobre o que era amar e se sentir aceito de verdade.