Epitáfio

Escrito por Alycia F. | Revisado por Mariana

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  A rua aquela tarde estava pacata. O sol brilhava forte fazendo com que fosse uma tarde quente. Também havia poucos carros na rua, o que fez agradecer mentalmente, sendo que precisava chegar ao hospital até às três e quinze, no horário de visita.
  Iria ver seu namorado, . Ele estava internado no hospital a cerca de um mês, tinha leucemia.
  Ultimamente ele estava fraco, mais magro e tinha raspado o cabelo. Apesar de tudo, ele sempre mostrava-se forte e feliz e sempre fazia qualquer um que ia vê-lo sorrir.
  O sorriso de , no entanto, era fraco, contido. Ela sabia que não estava nada bem, mas sorria porque sabia que isso o fazia feliz de verdade. Quando saia do quarto dele no hospital ela desabava, era sempre assim.
  - Oi – ela sorriu para a recepcionista que já lhe conhecia e estendeu o cartão que lhe concedia direito a visita.
  - Oi, . – ela respondeu sorrindo fracamente enquanto pegava o cartão. – Como está o ?
  - Melhorando – mordeu o lábio inferior.
  - Que ótimo, não? – ela sorriu e entregou o cartão de volta.
  - É. Obrigada – ela agradeceu e se direcionou para o quarto de no final do corredor.
  Bateu três vezes na porta e ouviu a voz dele.
  - Pode entrar.
  Ela girou a maçaneta e o viu sentado na cadeira da escrivaninha perto da janela, escrevendo algo. Se aproximou devagar e o abraçou por trás.
  - – ele sorriu enquanto colocava as mãos sobre as dela e se virava lentamente. Ficou de pé mostrando o quanto era mais alto do que ela. Colocou as mãos na cintura dela e lhe beijou nos lábios. – Eu pensei que você não fosse vir hoje.
  - Eu disse que viria – ela sorriu passando a mão pela nuca dele.
  - Você devia estar em casa estudando para os testes finais – ele disse a olhando torto.
  - Tenho o resto do dia para estudar ainda.
   abriu um sorriso grande enquanto a beijava mais uma vez, sentindo todo o calor do corpo dela. Era reconfortante tê-la ali nos seus braços, como voltar para casa depois de muito tempo.
  - Eu não vou poder passar a noite aqui – ela disse enquanto se separavam minimamente.
  - Tudo bem, sem problemas. – sorriu do jeito que mais gostava, aquele sorriso com os olhos – O me trouxe um CD novo.
  Ele pegou o CD o mostrando a capa, onde ela pôde ler: Full Moon Fever de Tom Petty.
  - Quer ouvir? – ele perguntou atraindo a atenção de que estava olhando as faixas do álbum.
  - Claro – sorriu lhe entregando o CD.
  Ele colocou num tocador pequeno e passou algumas faixas até ouvir os acordes de Free Fallin. [n/a: coloque a musica para tocar] Sorriu sorrateiro enquanto se aproximava de . Passou um braço pela cintura dela a trazendo para mais perto. Lentamente se movia no ritmo da musica, estavam dançando. sorriu ao ver o quanto ela estava desengonçada e perdida.
  Depositou um beijo em sua testa e fechou os olhos enquanto sentia o coração dela bater calmo contra seu peito.
  - Eu te amo, – sussurrou.
  - Eu te amo, – ela disse num tom baixo e choroso.
   segurou o queixo dela de forma delicada para que ela o encarasse.
  - Eu não quero que você chore – disse serio.
   fungou baixo e lhe deu um selinho breve. Mantiveram o contato visual por um tempo até a beijar intensamente, da forma mais intensa que ele já a beijara.
  - Eu te amo tanto – disse ela enquanto se separavam – Tanto, tanto.
  Ele a puxou para um abraço forte e cheio de sentimentos. afundou seu rosto na curva do pescoço dele enquanto tentava de todas as formas não chorar. E permaneceram ali, naquele casulo só deles até a noite chegar.

  Quando foi visitar pela tarde, viu o quanto o amigo parecia fraco e abatido.
  - ! – gritou na porta do quarto vendo um sorriso fraco no canto dos lábios dele aparecer.
  Se aproximou da cama de , ele estava deitado.
  - Como está? – ele perguntou olhando para .
  - Legal – sorriu fraco. sabia que ele não estava legal, nunca estava assim tão... triste.
  - Gostou do CD do Tom que eu gravei para você?
  - É um bom álbum – sorriu.
   puxou uma cadeira e a colocou perto da cama de .
  - Fazendo o quê?
  - Nada. – respondeu fracamente.
   assentiu com a cabeça, estava respondendo com poucas palavras, isso era estranho.
  - – ouviu a voz baixa dele o chamando, se curvou sobre a cama de de modo que o ouvisse melhor – Eu quero te pedir um favor.
  - Pode mandar – sorriu.
   esticou a mão até a mesa de cabeceira e pegou um papel, uma carta. Ele encarou a carta por alguns segundos.
  - Eu queria que você entregasse isso para a – ficou em silencio por alguns segundos – Entrega isso para ela quando, você sabe, eu morr....
  - Que isso, ! – o interrompeu – Tá pirando?
  Ele negou com a cabeça.
  - Eu falo sério.
  Estendeu a carta até que a mesma pousasse na mão de . Ele hesitou por uns instantes antes de pegar a carta em suas mãos e a guardar no bolso do casaco de moletom.
  - Você é o cara mais forte que eu conheço, disse enquanto batia fracamente no ombro dele.
   abriu um sorriso maior, levantou da cama fazendo força até que ficasse sentado na cama e puxou para um abraço forte. Ouviu um soluço fraco de .
  - Te amo, cara – ouviu ele dizer com a voz embargada pelo choro. odiava ver as pessoas chorando por ele. Separou-se do abraço de o encarando seriamente.
  - Você é tão gay – disse baixo e ouviu a risada de . Sorriu com isso.
   deu um murro fraco no braço de .
  - Você promete que só vai entregar isso para quando eu morrer?
   prendeu o ar respirando fundo em seguida. Assentiu com a cabeça.
  - Garanto que a não vai ler isso. – disse enquanto via a expressão de confusão de – Você não vai morrer nem tão cedo, irmão.

  - Já vai, ? – ouviu a voz do primo ecoar da cozinha enquanto pegava a bolsa no sofá.
  - Já sim, .
  Ele caminhou até a sua direção e lhe deu um beijo delicado na bochecha. Ela sorriu e saiu da casa onde dividia com o primo e até um mês atrás, com .
  Chegou ao hospital dessa vez mais tarde, ela passaria a noite com . Ela revisava as noites com e os tios de que moravam em Liverpool. Hoje era o dia dela passar a noite com ele.
  Abriu a porta do quarto dele, estava escutando musica no tocador que lhe trouxera.
  - Oi – disse timidamente ao vê-la se aproximar.
  - Oi – sorriu enquanto selava os lábios aos dele. – Ouvindo o quê?
  - Led Zeppelin – respondeu dando espaço para que se deitasse ao seu lado.[n/a: coloque para tocar ]
  Ela colocou a bolsa no sofá-cama destinado as visitas e se aconchegou no peito de . Ele passou um braço pela cintura dela enquanto a outra acariciava lentamente as suas bochechas. As bochechas delas estavam levemente coradas o que fez pensar no quanto ela ficava linda assim. Sorriu com si mesmo e passou os dedos pelo seu queixo, subindo para os lábios entreabertos. Traçou os lábios com seus dedos sentindo a textura deles, estavam secos mais ainda assim continuava sendo a coisa que ele mais almejava tocar. Ela estava parada imóvel lhe encarando com curiosidade enquanto prendia toda atenção em cada traço que lhe formava o rosto.
  Ela colocou as mãos sobre os dedos dele, afastando lentamente. Se aninhou mais em e lhe beijou. O roçar de lábios na forma mais inocente possível. Beijava-lhe tão levemente que ela quase podia pensar que aquilo era só coisa da sua cabeça, que não era real. Mas era. Ela estava ali. Ele estava ali.
  Se separaram minimamente. prendeu o lábio inferior entre os dentes e pousou as mãos na orelha de . Enquanto uma mão fazia movimentos circulares na sua orelha a outra foi até sua cabeça. Ela passou levemente na cabeça dele. Lembrou do dia em que decidiu raspar a cabeça. Ela achava que ele não seria capaz, porque era tão vaidoso e tão cuidadoso com os cabelos, mas surpreendeu a todos quando ele mesmo propôs que raspasse, já que, ele não aguentava ver os fios caindo a cada vez que levava as mãos a cabeça.
   esteve ao lado dele quando levou um amigo dele que era cabeleireiro para casa. Ela lembrava dos fios caindo no carpete da sala e em seguida, não tinha mais cabelos, porém, continuava lindo, incrivelmente lindo.
  Desceu as mãos da orelha e cabeça de e as pousou sobre o peito dele.
  Ficou o observando por segundos intermináveis. Na verdade poderia ficar a vida inteira o olhando.
  - Eu não me importaria de te olhar por uma eternidade – ele disse baixo, como se soubesse o que se passava na mente dela.
  - Eu também não. – disse fracamente.
   sorriu e abraçou forte, enquanto inspirava o cheiro da sua garota. Aquele cheiro que o levava para casa, que o acolhia. Passou as mãos pelos cabelos dela, eles estavam soltos hoje.
   afundou o rosto na curva do pescoço dele. se arrepiou com o toque dela. Se separaram para que ela pudesse puxar um cobertor que os aquecesse. Puxou a coberta até que só as cabeças ficassem a mostra e se deitou de costas para . Sentiu quando o peito dele se pressionou contra suas costas. Sentiu o coração dele batendo calmamente lhe trazendo uma calma repentina.
  - Te amo, – sussurrou.
  - Eu também te amo – sussurrou de volta enquanto sentia encostar a cabeça no seu peito, relaxando.
  - Boa noite.
  Ele poderia morrer naquele momento que estaria feliz. Ele a tinha e ela o amava, tinha certeza disso como jamais teve antes. Fechou os olhos cansados enquanto esperava o sono lhe tomar.

  - Atende ai, ! – gritou ali do seu quarto enquanto ouvia os passos de correndo até a sala.
  Focou-se em seus livros, prestaria os testes finais na semana seguinte, precisava se sair muito bem.
  - Não! – ouviu a voz de mais alta que o normal no telefone – Caralho, não!
  Se levantou depressa da cama indo em direção à sala.
  - O que houve, ? – perguntou apreensiva.
  - Tudo bem – ele disse ignorando a prima – Eu posso avisar.
   colocou o telefone no gancho, virando-se lentamente para , os olhos deles estavam molhados, ele estava...chorando.
  - , O QUÊ HOUVE? – perguntou se aproximando dele, sentia o coração apertado, já imaginava o que seria.
  - - ele se aproximou dela a segurando pelos ombros. – O morreu.
  O morreu. Morreu. Estava morto. As palavras de lhe atingindo em cheio, piscou seguidas vezes processando a frase.
  Ele tinha partido.
  Levou a mão a boca abafando o soluço alto que lhe escapara. Depois disso não pensou em conter suas lagrimas, apenas as libertou chorando copiosamente.
  Os seus soluços se misturando com os de e tomando todo o ambiente.
  - Não – disse baixinho num sussurro sôfrego – Ele não pode me deixar...
  - Eu sei, disse amparando em seus braços.
  - Ele não pode ir, não pode, não pode – repetia seguidamente enquanto batia os punhos no peito de .
   puxou os braços dela fazendo parar de lhe esmurrar e o encarar.
  - Ele venceu a guerra, – disse lentamente – Acabou a dor.
  Ela negou com a cabeça enquanto sentia lagrimas grossas escorrendo pelas suas bochechas.

  Depois que sepultaram o corpo de , e permaneceram ali no cemitério. Ela estava sentada ao lado da lapide dele, não conseguia simplesmente levantar e ir embora. Chorava em abundancia.
   tinha ido buscar algo no carro e agora voltava. Se agachou perto de passando o braço pelos ombros dela.
  - O pediu pra te entregar isso – estendeu a carta. o olhou confusa mas pegou a carta.
   lhe beijou na testa.
  - Te espero no carro – disse se levantando e deixando a sozinha ali com a carta em mãos.
  Ela tremia. Encarou a carta por alguns instantes. Estava selada e tinha a assinatura de . Abriu a carta enquanto fungava.
  Reconheceu a letra fina e apressada dele.

  Amável ,
  Estou escrevendo isso enquanto espero sua visita. Eu espero que você venha porque eu quero te ver.
  Por mais que você, o , os médicos e todos digam que eu vou ficar bem, eu sei que não. Eles falam isso porque querem me dar esperança, mas você me conhece, sabe que eu não acredito em qualquer coisa e eu posso ver minha situação atual.
  Quando você receber isso provavelmente eu não estarei mais aqui, mas era essa a minha intenção. Eu não que você sofra. Não chore por mim, , você sabe que eu estou bem.
  Não terá mais aflição, nem dor, nem agonia, nem sessões de quimioterapia. Eu vou estar bem. E eu quero que você fique bem também.
  Não se sinta só, você não está só. Você tem o e tem a mim, porque eu vou proteger você seja qual for o lugar onde eu estiver.
  Não se sinta culpada quando conhecer pessoas novas, permita-se relacionar, você tem direito de ser feliz e amada. Eu vou estar feliz por você, pode apostar que sim.
  Eu te amo, . Eu queria poder ter dito isso mais vezes, mas não pude. Me perdoa.
  Você é a melhor coisa que pôde me acontecer.
  Seu eternamente, .

  Limpou as lagrimas que escorriam pela sua bochecha e fechou a carta a colocando no peito. Fechou os olhos desejando poder encontrar em qualquer lugar que ele estivesse.
  Abriu os olhos e encarou a lapide dele.
  O epitáfio dizia:
  
  “perdeu a guerra, venceu a batalha.”
  Sorriu fracamente enquanto passava os dedos pelos dizeres com o nome dele, traçando cada letra.
  Então se levantou.
  - Eu também te amo, e eu te perdoo. – sussurrou para o tumulo dele.
  Secou as lagrimas e deu as costas, caminhando devagar para sair dali.

FIM



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