Em queda livre

Escrito por Jéssica | Revisado por Natashia Kitamura

Tamanho da fonte: |


Parte do Projeto Songfics - 14ª Temporada // Música: Free Fallin', por John Mayer

  É engraçado como as coisas podem mudar em um piscar de olhos.
  Primeiro, eu tinha tudo. Um emprego bom, um apartamento bom, uma vida boa e uma namorada maravilhosa. Agora... Bem, agora eu não tenho nada.
   . Ela sequer sonhava que estava namorando um monstro e eu certamente não iria contar a ela tão cedo.
  Um vampiro. Eu era uma merda de um vampiro e ela era a filha do pastor da igreja da cidade.
  Ela era uma boa garota, enquanto eu era um badboyzinho de merda que pichava os muros da cidade, fumava e bebia feito louco. Ela amava sua família, enquanto eu nem família tinha. Ela amava cavalos, enquanto eu me alimentava deles para sobreviver. Ela amava Jesus... E eu o odiava com todo o meu coração por ter me transformado no que sou agora. Ela amava Elvis Presley... E eu amava vê-la dançar Blue Suede Shoes.
  Foram poucas semanas as que passamos juntos, mas, mesmo assim...
  Eu tive que deixar a cidade depois de lobisomens quase matarem a mim e aos meus colegas. Eu a deixei sem sequer deixar um bilhete, um aviso, um e-mail, uma mensagem de texto, uma ligação. Eu a deixei com o coração partido em milhões de pedaços e, agora, meses depois, aqui estou eu... Estacionado a poucos metros da casa dela, mesmo sabendo que ela está comprometida com um babaca qualquer de sua igreja e que provavelmente me odeia mais que tudo nessa vida.
  O mais irônico de tudo é que eu sequer senti falta dela enquanto estava em outra cidade, fugindo daqueles que queriam minha cabeça em uma bandeja. Todo dia era matar ou morrer. Cada dia um lugar diferente para me refugiar. Eu a esqueci.
  Mas assim que coloquei o pé novamente em meu apartamento, eu senti o cheiro dela. Estava em todos os lugares... Em meu sofá, em meus lençóis, em meu travesseiro.
  Eu procurei por ela e a encontrei com um babaca engomadinho. Tal de . Devo confessar que mal o conheço, mas já o odeio. E seria um prazer mata-lo para saciar minha sede.
  ... Mas enfim. Eu não fui falar com ... Não tive coragem de olhá-la nos olhos. Ela provavelmente sequer sabe que estou vivo e, quando souber, não fará nada a respeito – e, se fizer, será algo relacionado a tapas, murros e objetos cortantes voando em direção à mim.
  Mas eu não me importo. Eu só preciso dizer a ela tudo o que eu não disse enquanto estávamos juntos.

  A porta de sua casa se abriu e de lá, primeiramente, saiu . Meu coração acelerou ao vê-la, mesmo de longe. Ela não havia mudado nada desde a última vez que havia a visto antes de deixar a cidade... Continuava sendo a garota maravilhosa que ria com minhas piadas bobas e que sorria alegre toda vez que eu a acompanhava à igreja.
   estava acompanhada de . Ambos entraram num carro. Eu segui-os.
  Fomos parar em uma espécie de chácara onde um casamento era comemorado. e entraram e eu também, algum tempo depois, sendo escondido pelas sombras.
  Eu aguardei pacientemente até a hora em que desviasse sua atenção de . E aconteceu.
  Sentada em uma mesa, de pernas cruzadas e tomando uma bebida qualquer, ela parecia um pouco entediada.
  Eu estava encostado em uma parede, de braços cruzados, num canto escuro do salão no qual apenas poderia me ver. E ela viu.
   arregalou os olhos e eu saí. Andei até a área verde, alguns metros atrás da chácara, onde nada tinha além de grama e um grande e profundo penhasco separando aquele pedaço de terra de uma fazenda que havia do outro lado.
  Eu acendi um cigarro e esperei por ela.
  Na terceira tragada, pude ouvi-la...
  - ?
  Eu joguei o cigarro no chão e me virei.
  - ...
  Um vento forte soprou os cabelos de . Ela colocou alguns fios atrás da orelha, cruzou os braços e, com uma feição mista de raiva e tristeza, disse:
  - Eu pensei que você estava morto.
  - Eu sei, eu... Me desculpe, .
  Eu senti o ardor de seu tapa em meu rosto.
  - Desculpar você? – Ela perguntou, aumentando o tom de voz. – Você destruiu a minha vida e você quer que eu simplesmente desculpe você?
  - , eu não tive escolha! Eu tive que fugir... Caso contrário, eu morreria. E você também.
  - Eu preferia morrer a passar pelo o que passei. – Ela limpou uma lágrima que insistiu em pular de seu olho – Você me deu tudo e me deixou sem nada, . Você era a pessoa que eu mais amava na minha vida.
  - Você não entende. Eu estava tentando te proteger e...
  - Não ouse querer bancar o herói pra cima de mim! Todos nós temos opções na vida, e você teve duas: poderia ir embora ou poderia ficar. Você decidiu ir embora.
  Um silêncio se instalou entre nós. Depois de um tempo, ela continuou:
  - Nem um mísero bilhete. Nem um beijo de despedida. Você simplesmente sumiu do mapa.
  - ...
  - E sabe a pior parte de tudo isso? É que eu continuei a sonhar com você. Todos os dias.
  Um lampejo de esperança pareceu eletrificar meu coração.
  - , eu preciso te dizer tudo o que eu nunca tive coragem de dizer quando estávamos juntos... – Eu caminhei até ela e a segurei pelos ombros – Eu preciso que você ouça, , que eu amo você!
  - Agora é tarde demais, . – Ela puxou o ar com força pelo nariz, tentando conter o turbilhão de lágrimas que estava por vir. Mas não funcionou.
  - , olhe para mim. – Eu disse, mas ela simplesmente não conseguia fixar seus olhos em mim. – Olhe para mim, , e me diga se você ama aquele babaca.
  Mais uma vez, um silêncio se instalou entre nós.
  - Eu vi o jeito que você olha para ele. , por favor, eu...
  - Eu o amo. Eu amo o .
  Eu baixei meu olhar e deixei meus braços caírem pesadamente ao lado do meu corpo.
  - Se você me permitir... Eu farei diferente dessa vez, , eu prometo.
  - Agora é tarde demais. – Uma voz diferente ecoou pela escuridão.
  Era . Ele estava com o braço estendido e segurava um revolver.
   se virou bruscamente, visivelmente assustada.
  - ? O que você está fazendo?
  - Eu sei o que você é, . – disse. – E eu sei que você não sobrevive à balas de prata.
  - ...? – perguntou – Do que ele está falando?
  - Eu estive atrás de você por tanto tempo...
  - Eu não sei do que você está falando. – Eu ergui as mãos, me rendendo – Mas, por favor, abaixe essa arma.
  - Não se faça de idiota, . Eu já tinha raiva de você antes, mas ela aumentou ainda mais quando você deixou .
  - Eu nem te conheço, cara!
  - Ah, não conhece? E sobre a família ... Aquela que você e seus amiguinhos assassinaram a sangue frio só para saciar sua sede?
  Família ... Pai, mãe, filha e irmão mais novo que infelizmente se meteu no meu caminho no meu pior dia. Eu me descontrolei. O garotinho foi o único a sobreviver. Era novo demais e eu fiquei com tanta dó e...
  - Não. Não pode ser.
  Depois daquele dia, eu passei a me alimentar de animais e sangue guardado em hospitais para transfusão.
  - Pode ser, , e é. – Ele deu alguns passos em minha direção. Eu recuei. – Você matou minha família e roubou de mim a garota que eu mais amo na vida!
  - , abaixe essa arma e vamos conversar melhor.
  - Conversar melhor? Eu quero você morto.
  Eu tentei pensar em algo para dizer para dissuadi-lo a largar a arma e desistir da ideia de me matar, mas eu não consegui pensar em nada.
   avançou mais alguns passos. Eu recuei igualmente.
  - Eu quero você ardendo no inferno. – Ele disse antes de puxar o gatilho.
  O barulho do tiro ecoou. A bala passou bem perto de minha orelha e, querendo evitar possíveis maiores danos no futuro, fingi ter me ferido e me joguei no penhasco.
  A queda não era nada comparada ao dano da bala de prata.
  Eu ouvi gritando.
  - Eu quero escrever seu nome no céu. – Eu sussurrei para mim mesmo.
  Em queda livre, eu estava prestes a nascer de novo. Livre, em queda livre, eu teria que aprender a construir uma vida nova. Uma vida sem .



Comentários da autora