Empathy

Escrito por Danielle | Revisado por Beezus

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“Ser um herói não quer dizer que você é invencível. Apenas quer dizer que você é corajoso o suficiente para se levantar e fazer o que é necessário.” – Os Heróis do Olimpo: A Marca de Atena.

Prólogo

  Quando entrei nessa situação, eu sabia onde estava me metendo. Certo, talvez isso não seja cem por cento verdade. Você nunca imagina que irá se envolver com a história das pessoas quando se disfarça para descobrir o que realmente acontece por detrás da vida delas. E eu sabia que a culpa de estar mergulhada nisso era totalmente minha – eu havia comprado às consequências quando comprei a briga. De qualquer modo, eu sabia também que não faria nada de diferente, se tivesse a chance de voltar no passado e mudar os fatos. Mas eu não podia mentir para mim mesma: eu estava com medo agora.
  Pela milésima vez nos últimos cinco minutos, um arrepio percorreu a minha espinha. Eu não tinha muita gente para deixar para trás se abandonasse esse mundo, e viver sabendo que estava sob a mira de alguém nunca foi algo que me deixasse em pânico exatamente. No entanto, imaginar que um dos piores sociopatas da Terra – eu já havia ajudado a prender centenas deles, e, acredite, sei do que estou falando – estava à procura de mim, dedicando cada segundo do seu dia a me encontrar, mudava as coisas. Fazia com que aquele filme da vida passasse diante dos meus olhos. Fazia com que eu me arrependesse por não ter confiado mais nas pessoas, por ter gastado a maior parte do meu tempo trabalhando, por ter uma relação tão ruim com a minha mãe – e boa parte da culpa ser minha mesmo -, por não ter sido mais relapsa, menos responsável.
  O mínimo som de uma sirene, provavelmente vindo de muitos metros de distância em uma das ruas próximas ao prédio onde meu apartamento ficava, fez com que eu direcione a mira do revólver para a janela. Cada músculo do meu corpo estava contraído então, e meus olhos percorreram toda a sala em volta à procura da presença de alguém que pretendesse ameaçar a minha segurança. Segundos depois, quando consegui convencer a mim mesma de que eu continuava sozinha ali, deixei que meu corpo relaxasse sobre a cadeira encostada na parede onde eu me encontrava. Abaixei meus braços sobre o espaço entre minhas coxas, à frente, mas mantive o dedo no gatilho, minhas mãos ainda firmes, fechadas em torno da pistola.
  E assim elas permaneceram mesmo quando, no segundo seguinte, pedaços da porta do meu apartamento voaram por todos os lados e o barulho do dispositivo que a explodiu quase me deixou surda. Caí no chão ainda com a mão na arma, virando meu tronco para me proteger dos estilhaços de madeira. A próxima coisa de que me lembro é de alguém embolando a mão nos meus cabelos e me lançando contra a parede com tanta força que desmaiei instantaneamente.

1. Passado

  Algumas horas antes

  - Na noite passada, os corpos do casal e dos dois filhos de uma família de classe média, que vivia no subúrbio de Los Angeles, na Califórnia, foram encontrados. As crianças, uma menina de oito anos e um garoto de cinco, estavam enterradas nos arredores do rio onde os corpos dos pais foram desovados. – dizia enquanto passava as fotos na tela diante de nós dentro da sala de reuniões que sempre ocupávamos a cada vez que um caso era assumido. O mundo estava cheio de monstros, afinal. Eu poderia viver mil anos que ainda não conseguiria prender todos eles. – Esse já é o terceiro caso na cidade e o sexto no estado. – ela disse e contou uma história parecida que retratava o destino das demais vítimas que nos levariam a crer que o suspeito que executou o último crime era o mesmo que executou estes primeiros. Padrão: nós precisávamos de um para sermos chamados para ajudar a polícia de algum lugar a colocar um serial killer atrás das grades.
  Recebemos mais algumas informações sobre o caso – por exemplo, que a família fora encontrada a menos de 24 horas, que havia marcas no pescoço do pai e da mãe que indicavam enforcamento, mas que as crianças foram mortas por perfuração no crânio por projétil de arma de fogo... Cada detalhe indicava um aspecto que já estava se encaixando na minha mente e na dos meus colegas de trabalho, mas nós só verbalizaríamos isso no avião, a caminho de Los Angeles.
  Revirei os papeis dentro da pasta em minhas mãos que traziam tudo o que dizia com alguns detalhes a mais esperando que fôssemos dispensados para nos prepararmos para a viagem até a Califórnia.
  - A mídia já noticiou o caso? – Aaron Hotchner, o responsável por nossa equipe, perguntou.
  - Sim, e ligaram esse caso aos outros que aconteceram em menos de um ano e ainda não foram resolvidos pela polícia. – respondeu.
  - Vocês têm duas horas para se aprontarem, pessoal. Precisamos desembarcar em Los Angeles hoje ainda.

  Era um dia normal. Na Unidade de Análise Comportamental do FBI esse tipo de caso era típico. Não menos triste, não menos doloroso, não menos atordoante, mas comum. Existem muitos mais sociopatas e psicopatas por aí do que gostaríamos de admitir. É verdade que eu ficava mais chocada no início, que antes eu pensava mais sobre todas as vidas que acabavam de uma hora para a outra simplesmente porque um louco se excitava ao fazer isso e esta parecia ser razão suficiente para que ele fizesse. Mas a natureza humana é assim: nós só não perdemos totalmente a sensibilidade pelas coisas porque nós não nos permitimos fazer isso. Eu vivia quase tanto tempo na cabeça dos assassinos insanos quanto na minha própria – a única forma de colocá-los atrás das grades era por tentar pensar como eles, tentar prever seus próximos passos. Mas o tempo todo que eu estava pensando como mim mesma, como , eu repetia em minha mente que era completamente desnatural e absurdo morrer tão dolorosamente, que nenhum ser humano tem o direito de tirar a vida do outro por qualquer que seja a razão.
  Passei no meu apartamento que ficava mais tempo vazio do que habitado para fazer minha pequena mala. Só voltaríamos para Quântico, na Virgínia, onde a sede da nossa Unidade era instalada, quando conseguíssemos colocar o bandido atrás das grades, provavelmente com sentença de morte assinada para dali algum tempo.
  Meu celular tocou no instante que terminei de fechar o zíper da mala. O número era desconhecido, mas eu havia prometido ajuda para tanta gente que sempre atendia a essas ligações da mesma forma que qualquer outra.
  - . – disse segurando a mala com uma mão já pronta para abandonar meu lar, doce lar de novo.
  - Graças a Deus. – uma mulher suspirou aliviada do outro lado da linha. – Agente , aqui é Mellory Greene, e eu preciso da sua ajuda.

xx

  Cada poro do meu corpo se arrepiou quando escutei aquele nome.
  Mellory Greene era o novo nome que consegui providenciar para Zoe , a ex-mulher do pior sociopata com que me deparei na vida. Talvez eu o considere o pior porque ele foi à razão para que eu deixasse a Unidade de Infiltração* do FBI e começasse a estudar análise comportamental. De qualquer modo, receber uma ligação de Mellory sete anos depois de eu ter conseguido livrá-la das mãos dele não era uma boa coisa.
  Conheci Zoe quando recebi a missão de me infiltrar em sua casa para descobrir se seu marido estava contribuindo para alguma sociedade terrorista. Essa foi à missão mais significativa que consegui na minha carreira antes de mudar de departamento - ser filha de uma das embaixadoras dos Estados Unidos faz com que algumas portas se fechem quando isso significa arriscar demais a sua vida. Só me designaram para o caso porque uma das especificações para ser contratada pelo suspeito era ser fluente em dari e pashto – a família viajava com frequência para o Afeganistão e a babá dos filhos do casal precisava estar presente nessas ocasiões. Assim, quando eu assumi a missão, pensei que estaria lidando com um traidor em potencial, um americano infeliz com a própria pátria e que havia se envolvido em uma sociedade terrorista por dinheiro ou por vingança. O que eu não sabia era que, além disso, eu estava lidando também com um psicopata que só não havia matado a mulher e os filhos ainda porque ele tinha uma data específica para fazer isso, e o tempo era um fator em seu M.O (modus operanti) que estava colaborando comigo.
  Zoe era tão maltratada e espancada por ele quanto possível. Eu precisei me conter muitas vezes para não enfiar um tiro na testa daquele monstro para protegê-la. É claro que, no final, me arrependi muito por ter preferido continuar com a investigação a executá-lo de uma vez por todas. No final das contas, ficou protegido no Afeganistão e não foi deportado, e o máximo que consegui foi mudar o nome de Zoe para Mellory e dos seus filhos – Kyle agora respondia por Ryan e Hannah por Sarah – e colocá-los em Montclair, uma cidadezinha a onze quilômetros de Quântico, onde eu poderia ficar de olho na situação até que partisse dessa para melhor.
  Por muito tempo eu não consegui pregar os olhos à noite imaginando o dia em que o monstro apareceria para se vingar pelo que fiz – eu lhe tirei a oportunidade de fazer a vítima que ele havia escolhido e provavelmente frustrei alguns de seus planos terroristas em território americano. Mas já fazia bastante tempo que eu havia conseguido convencer a mim mesma de que tudo estava bem, de que ele não voltaria para os Estados Unidos nunca mais e tanto Zoe e as crianças quanto eu estávamos seguras, livres de sua ameaça.
  Pelo visto, eu havia me enganado.
  Eu ainda tinha uma hora para voltar para a UAC (Unidade de Análise Comportamental), então enfiei a mala dentro do carro e dirigi no limite de velocidade até o pequeno shopping em Montclair onde Mellory (a antiga Zoe) me esperava com seus filhos. Ela observava Ryan e Sarah jogando algum videogame dentro de uma loja de jogos quando lhe cumprimentei.
  - Graças a Deus você está aqui. – ela me abraçou assim que me viu.
  - O que houve, Mellory?
  - Ele está aqui, . – respondeu com o pânico estampado nos olhos.
  - Como você sabe? Isso é... é impossível. Ele vai preso se tentar cruzar a fronteira do país. Não só pelos assassinatos que já cometeu e por ser uma ameaça à vida de vocês, mas também porque ele é uma ameaça ao país. Se a Al Qaeda não o tivesse mantido no Afeganistão, nós o teríamos deportado na época e essa situação já estaria resolvida. – falei tudo tão rápido que parecia uma só frase.
  - Ele não está com o mesmo rosto. Nem se apresentou com o mesmo nome. Mas eu reconheci pelos olhos que era ele.
  - Como foi que isso aconteceu?
  - Eu fui buscar as crianças na escola e ele estava falando com o Ryan. Eu me aproximei depressa porque fiquei desconfiada, mas quando vi o rosto da pessoa, não imaginei que fosse ele. Então ele se apresentou como James Hastings, e eu até pensei que poderia estar paranoica demais. Mas então ele usou uma expressão que sempre usava com as crianças quando o Ryan puxou o cabelo da Sarah e saiu correndo. Ele falou exatamente da mesma forma: “cuidado, vocês não vão querer se machucar, crianças”. E aquele olhar... Eu sei que era ele, . Você precisa acreditar em mim. – Mellory disse desesperada.
  - Tente se acalmar, ok? Vou levar vocês para Quântico junto comigo.

  Faltavam vinte minutos para que o jato da UAC decolasse com quase toda nossa equipe a bordo quando cheguei ao departamento com Mellory Greene e seus filhos em meu encalço.
  - Você pode fazer companhia pra eles por um instante, por favor? – pedi a antes que ela me perguntasse o que estava acontecendo, embora a pergunta já estivesse estampada em sua face.
  - Claro. – ela respondeu e cumprimentou Mellory da forma gentil que sempre fazia com as vítimas.
  Corri até o escritório de Hotchner e ele abriu a porta no instante que me preparei para bater.
  - Algum problema, agente ?
  - Eu preciso falar com você, senhor. É urgente. – pedi antes que o filme sobre a missão em que conheci Mellory se repetisse de novo na minha mente.

2. Despedidas

  - , infelizmente nós não podemos tomar medidas com base no que ela pensa que viu...
  - Hotchner, eu não posso deixá-la desprotegida. tem todas as características do pior tipo de sociopata que estudamos. E eu estou na mira dele agora também. Você não precisa direcionar uma equipe pra casa dela, nem mesmo pra mim. Mas eu não posso ir para Los Angeles trabalhar num caso novo e fingir que nada está acontecendo aqui.
  Nos minutos que gastei para dirigir até ali, eu já havia traçado mentalmente todos os tipos de destinos para nós – Mellory, seus filhos e eu. Em nenhum deles, aquela história terminava bem.
  - O que você acredita que o suspeito possa ter feito? – Hotchner perguntou, provavelmente na tentativa de reunir mais informações que possibilitassem que ele conseguisse um melhor apoio para mim.
  - Faz sete anos desde que ele foi dado como uma ameaça para os Estados Unidos e passou a ser impedido de entrar no país. Nesse tempo ele pode ter mudado de aparência através de cirurgias plásticas e conseguido uma nova identidade. Eu não me surpreenderia se ele tiver sido dado como desaparecido ou morto no Afeganistão. Ele é inteligente e tem recursos o bastante para conseguir fazer isso.
  - Certo. – Hotchner assentiu e pegou o telefone sobre a sua mesa. – Vou solicitar alguns agentes para acompanhar você. Precisamos de um retrato falado da nova aparência dele e vamos pedir à Garcia que investigue o que for possível com relação à nova identidade desse homem... Embarcação de James Hastings nos últimos dias em algum voo, qualquer coisa que possa ter ficado no sistema.
  - Sim. Obrigada, senhor. – sorri para Hotchner que manteve a mesma expressão que carregava no rosto sempre (sério e impassível) e pedi licença para me retirar.

  Mellory foi colocada em um pequeno apartamento e Hotchner conseguiu dois agentes para acompanhá-la. Nossa equipe foi enviada para L.A para cuidar do caso que havíamos recebido no início do dia, e eu fui mandada para a minha própria casa. Assim que conseguissem capturar , eu voltaria às minhas atividades normais.
  Joguei minha mala sobre o sofá e me permiti relaxar por um instante. Duas batidas na porta fizeram com que eu levasse minha mão à arma presa na minha cintura.
  - , é o . – ele se identificou do outro lado da porta e voltou a bater.
  - Pensei que você estaria na Califórnia há essa hora. – eu disse assim que abri a porta para ele. Então, meu coração disparou de novo, mas desta vez não foi de susto, medo, nem nada assim.
  Eu podia negar o quanto quisesse para mim mesma, mas mexia comigo. Nós éramos colegas de trabalho desde que eu havia começado a trabalhar na Unidade de Análise Comportamental do FBI, e até nos estranhamos um pouco no início. Outra coisa que ser filha de uma embaixadora faz é transformar qualquer conquista sua em uma simples “mexida de pausinhos” da mamãe. e eu nos tornamos grandes amigos quando consegui convencê-lo de que eu estava ali porque merecia, não porque tinha uma árvore genealógica que me privilegiava.
  - Vamos sair daqui a pouco. Como é que você está? – ele perguntou preocupado.
  - Tensa. Mas vamos conseguir colocar as mãos nesse monstro e, com sorte, daqui pouco tempo ele estará preso a uma cadeira de choque dando adeus ao mundo. – respondi adentrando o apartamento e esperando que ele me seguisse.
  - Eu sugeriria uma tequila para relaxar se você não precisasse ficar atenta. – riu. Eu respondi com outra risada. – Falando sério, fique com a sua arma grudada a você. Você é boa de briga, então sei que vai conseguir se defender, se for preciso. – ele disse afagando meu ombro.
  - Sim, senhor. Vou tomar cuidado, não se preocupe. Se concentre em pegar o serial killer de L.A por mim, ok? – dei-lhe um soquinho no braço e sorri.
  - Está certo. Então tá. Até logo. – andou até a porta e eu o segui para trancá-la assim que ele saísse. Antes de ir, no entanto, ele me abraçou forte e murmurou de novo “se cuida”.

  Comi uma lasanha como jantar, acompanhada de uma latinha de Coca-Cola. Minha arma me fez companhia ficando a centímetros de distância da minha mão direita sobre a mesa. Tomei um café logo depois de engolir o último pedaço de comida – dormir estava fora de cogitação por enquanto, e eu não sabia por quanto tempo seria necessário ficar acordada ainda, então esperava que a cafeína ajudasse de alguma forma.
  Meu celular vibrou no bolso por volta das dez horas da noite. Pelo visto, alguém havia avisado à minha mãe que eu estava com algum problema.
  - Oi, mãe. – atendi embora soubesse que provavelmente discutiríamos.
  - Você está bem? – ela perguntou com um fiapo de preocupação na voz, o máximo que conseguia esboçar. Minha mãe era uma embaixadora perfeita, com a voz e a expressão sempre tão neutras quanto possível.
  - Estou sim. E você?
  - Eu soube que Mellory Greene ou Zoe , não sei como devo me referir, te procurou hoje. – falou ignorando minha pergunta sobre seu bem estar e indo direto ao assunto.
  - É verdade. – concordei rolando os olhos sem me dar o trabalho de perguntar como ela soube. A embaixadora Louise provavelmente tinha informantes nos quatro cantos da Terra. – Mas está tudo sob controle, não se preocupe.
  - Eu te alertei tanto sobre aquela missão, . Falei tanto sobre como era perigoso para você se envolver nisso...
  - Mãe, o que está feito, está feito. Suas lamentações sobre isso não vão mudar esse fato. – eu disse tentando colocar um ponto final na briga antes que ela começasse.
  - Você está certa. – ela suspirou do outro lado da linha. – Se cuide. – completou.
  - Eu vou. – respondi e desliguei o telefone.

3. Acerto de contas

  Eu sabia que a culpa de estar mergulhada nisso era totalmente minha – eu havia comprado às consequências quando comprei a briga. De qualquer modo, eu sabia também que não faria nada de diferente, se tivesse a chance de voltar no passado e mudar os fatos. Mas eu não podia mentir para mim mesma: eu estava com medo agora.
  O mínimo som de uma sirene, provavelmente vindo de muitos metros de distância em uma das ruas próximas ao prédio onde meu apartamento ficava, fez com que eu direcione a mira do revólver para a janela. Cada músculo do meu corpo estava contraído então, e meus olhos percorreram toda a sala em volta à procura da presença de alguém que pretendesse ameaçar a minha segurança. Segundos depois, quando consegui convencer a mim mesma de que eu continuava sozinha ali, deixei que meu corpo relaxasse sobre a cadeira encostada na parede onde eu me encontrava. Abaixei meus braços sobre o espaço entre minhas coxas, à frente, mas mantive o dedo no gatilho, minhas mãos ainda firmes, fechadas em torno da pistola.
  E assim elas permaneceram mesmo quando, no segundo seguinte, pedaços da porta do meu apartamento voaram por todos os lados e o barulho do dispositivo que a explodiu quase me deixou surda. Caí no chão ainda com a mão na arma, virando meu tronco para me proteger dos estilhaços de madeira. A próxima coisa de que me lembro é de alguém embolando a mão nos meus cabelos e me lançando contra a parede com tanta força que desmaiei instantaneamente.

  Quando acordei, tentei levar minhas mãos à cabeça, onde eu sentia o sangue pulsando sob o machucado, mas não consegui. Meus punhos estavam presos – eu estava algemada.
  - Lucy Ahmadi. Ou eu deveria te chamar pelo seu nome verdadeiro, ? – a voz de não era exatamente a mesma, mas talvez o tempo e a pancada na cabeça estivessem atrapalhando a minha memória. Ele me pegou pelos cabelos novamente e ergueu meu corpo de modo a me colocar sentada em uma cadeira. Quase urrei de dor quando todo o meu peso ficou suspenso pelos meus fios de cabelos, o machucado pulsando com ainda mais violência. Minhas vistas conseguiram focalizar então, e percebi que eu não estava mais no meu apartamento.
  - Onde eu estou?
  - Isso não importa realmente, querida. Você não vai viver muito tempo para ver outro lugar. – ele respondeu encarando os meus olhos. Seu rosto realmente estava muito diferente, praticamente irreconhecível. Ele parecia mais alto e mais forte também.
   amolava uma faca e eu já podia imaginar o quanto me torturaria até que eu não suportasse mais e morresse, de uma vez por todas. Converse, . Você precisa ganhar tempo. Eu disse para mim mesma enquanto contorcia minhas mãos dentro das algemas. Se ele as havia conseguido no meu apartamento, eu conseguiria me livrar delas. Eu só carregava algemas das quais conseguia escapar.
  - Eu me lembro que você era muito orgulhoso da sua aparência. Deve ter sido difícil para você mudar de rosto. – comentei tentando ignorar a dor na minha cabeça e enquanto mexia minhas mãos presas às costas.
  - Você me forçou a fazer alguns sacrifícios, . – ele sorriu ironicamente para mim.
  - Você sabe que jamais vai colocar as mãos nela, não sabe? – falei já com uma de minhas mãos fora das algemas. me olhou com o ódio fervendo dentro dos olhos. – Você pode até conseguir me matar, mas vão colocar as mãos em você antes que você chegue perto da Zoe e das crianças. E por mais que você diga pra si mesmo que conseguiu se vingar de mim, pelo menos aí, dentro da sua cabeça doentia e asquerosa, você vai se lembrar enquanto viver de que você falhou com relação à Zoe. – continuou me encarando, os nós nos dedos saltando sob suas mãos conforme ele tentava dissipar parte da raiva apertando a faca e o amolador. – Seu M.O é tão fraco e previsível. Toda a sua personalidade é clichê. Você é o típico criminoso sexual que se excita por matar mulheres e crianças porque são criaturas indefesas. Mas você nem é habilidoso o bastante para conseguir a confiança de pessoas desconhecidas. Você contrata prostitutas, as obriga sob ameaças a se casarem com você e reproduz as crianças que irá matar depois. Você é uma decepção em todos os sentidos, . – foi neste instante que consegui desestruturar seus planos e ele partiu para cima de mim com vontade.
  Rolei para o lado, de modo que ele batesse o rosto no encosto da cadeira, e a primeira coisa que encontrei – um abajur – apliquei com toda a força que tinha sobre a cabeça dele. E então comecei a correr. É claro que eu estava sem a minha arma e em um lugar desconhecido, mas eu tinha mais chances de vencer uma corrida do que uma luta corpo a corpo com um homem bem maior do que eu, com provavelmente o dobro da força que eu tinha.
  Ele foi confiante o bastante para acreditar que eu não conseguiria escapar das algemas, e deixou a chave na porta. Quando saí para o corredor, percebi que eu ainda estava no meu prédio. O número na parede indicava que eu estava no quarto andar – dois andares de distância do meu apartamento, onde eu tinha uma arma escondida no guarda-roupa. Subi as escadas de dois em dois degraus, e eu já podia ouvir os passos do monstro atrás de mim enquanto corria o mais rápido que podia.
  A sala ainda estava invadida pela fumaça da explosão que havia causado para destruir a minha porta, mas aquele era meu apartamento há quase sete anos, e eu o conhecia melhor do que ninguém. No entanto, ele me alcançou assim que abri a porta do closet. Fui apanhada pela blusa e jogada para o canto como uma verdadeira boneca de trapos. Eu sabia que ele tinha muito mais chances de vencer aquela briga, mas eu não cairia sem lutar, então segui as regras básicas de defesa pessoal: soco no olho e chute na virilha. Ele conseguiu segurar a minha mão, mas meu pé acertou em cheio onde eu queria. Corri novamente para o closet, mandando a porta para detrás de mim e acertando o monstro de alguma forma. Antes que ele me catasse pelos cabelos de novo e abrisse uma nova cratera na minha cabeça, eu me virei com a arma nas duas mãos, a ponta do cano encostando-se à testa dele.
   congelou onde estava por um segundo, suas mãos não tão firmes mais em volta da faca. Eu tinha tudo para ficar livre agora. Eu podia decidir se continuaria com a sombra da existência dele pairando sobre minha mente, ainda que ele estivesse trancado em uma prisão federal com sentença de morte assinada. Mas eu sabia também que puxar o gatilho agora me transformaria exatamente no que ele era. Eu podia entender a mente de um sociopata e ter alívio em tirar a vida de alguém era até compreensível naquele caso.
  - Vá em frente, . Se livre de mim. – ele me incentivou com um sorriso no rosto.
  Em uma fração de segundo, direcionei a arma para o braço em que ele carregava a faca e atirei. Ele caiu no chão urrando de dor logo em seguida.
  - Eu não sou como você.

Epílogo

  Depois que foi retirado do meu apartamento por agentes federais e a equipe médica me examinou, tudo o que eu queria era desparecer daquele lugar. Ali agora era tudo, menos o lugar mais seguro do mundo para mim.
  Eu já havia escapado da morte por um tris várias vezes, mas a sensação nunca era igual. Houve ocasiões em que tudo que quis foi ouvir a voz desprovida de emoção da minha mãe dizendo que eu não precisava viver daquele jeito, mas que eu sempre tinha que escolher a forma mais difícil. Houve ocasiões em que eu só queria ficar sozinha comigo mesma e colocar os pensamentos em ordem, imaginar se eu poderia fazer alguma diferente na minha vida agora para aproveitá-la melhor. Desta vez, tudo o que eu gostaria era de abraçar e meus outros amigos e companheiros de trabalho porque eles eram a verdadeira família que eu tinha, as pessoas que entendiam de verdade pelo que eu passava todos os dias. Mas eles estavam em Los Angeles resolvendo um caso, livrando as ruas de mais um assassino perigoso.
  Portanto, fui até meu parque preferido na cidade e assisti o sol nascendo. Cada dia da minha vida valia a pena porque eu me arriscava para salvar a vida das pessoas, para evitar que mais gente inocente fosse sacrificada para o prazer de algum maluco. E mesmo que eu soubesse que talvez fizesse aquilo até meu último suspiro, talvez não, por enquanto era a única forma de existir que eu conhecia.
  Viver dentro da cabeça do assassino faz com que nós acreditemos que entendemos o que eles sentem, o que pensam e por que são do jeito que são. Eu pensava que havia conseguido me colocar de verdade no lugar da vítima quando conheci Zoe e me envolvi daquela forma com seu caso – eu sofria quase tanto quanto ela ao vê-la apanhando. Mas eu jamais teria previsto que me sentiria uma vítima como me sentia agora...
  Meu celular tocando fez com que eu despertasse daqueles pensamentos.
  - Oi, . – falei sorrindo debilmente para o nada.
  - Estou a caminho de Quântico. Como você está?
  - Viva. – eu ri. – Já encerraram o caso? Esse foi rápido.
  - Não, o restante do pessoal vai ficar aqui. Vou conferir como você está. – a voz dele continuava carregada de preocupação. – Nós nunca deveríamos ter te deixado sozinha...
  - Não vou deixar você se culpar por isso. Não começa...
  Aquela conversa durou mais alguns minutos e, estranhamente, fez com que eu me sentisse muito mais viva do que a sensação de experiência de quase morte.

“O que fazemos para nós, morre conosco. O que fazemos pelos outros e pelo mundo, continua e é imortal.” - Albert Pine.

FIM!



Comentários da autora


Não sei se existe mesmo uma unidade do FBI com esse nome (Unidade de Infiltração). Ela foi criada para compor o enredo desta fanfic, de modo que qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência.