Ela
Escrito por Ray Alves | Editado por Luba
Capítulo único
“, não precisa chorar, você não vai chorar.
Amanhã isso tudo vai mudar, você sabe disto. Só dorme.”
Eu repetia isso para mim mesma desde o momento que entrei em casa e encontrei meu pai, quase caindo de bêbado, mas mesmo assim gritando descontroladamente com minha mãe. Sempre temi que essa agressão verbal chegasse as vias de fato, mas parece que mesmo bêbado, meu pai ainda se lembrava da minha ameaça de que se isso acontecesse, eu o denunciaria.
Porém, mesmo sem agressão física, aquilo não era menos pior. Ele ofendia, dava ordem aos berros para minha mãe, quebrava coisas e no fim, praticamente adormecia em cima do próprio vômito. Não era um lar perfeito para uma criança e não se tornou perfeito mesmo eu estando hoje com vinte anos. Na verdade, acho que só ficava pior. Mas amanhã tudo começaria a mudar, era meu primeiro dia de trabalho e o salário – melhor do que eu poderia imaginar – já tinha destino certo, uma conta bancária que serviria para completar o dinheiro do meu intercâmbio – já tinha uma boa quantia que minha madrinha tinha deixado antes de morrer. ‒ E também ajudaria minha mãe a comprar a passagem para casa da minha tia, quando eu me mudasse.
Olhei-me no espelho e dei de ombros. O jeans rasgado, a blusa estilo ciganinha e meu allstar não estavam nada mal, até porque da vez que fui até a empresa encontrei um monte de homem de bermuda jogando ping-pong como se aquilo nem fosse uma empresa de verdade, mas sim, uma colônia de férias. “Foi por isso que fiz publicidade e propaganda” um deles disse, brincando comigo.
Explicaram-me que nem todas as empresas do ramo funcionavam desta maneira, mas o filho do dono, do qual eu seria secretária, tinha resolvido mudar o ambiente de trabalho alegando que a criatividade aumentaria. Eles me disseram que funcionou, e não sei bem o quanto aquilo era mesmo verdade, e o quanto era papo furado para sustentar as regalias.
Passei na cozinha, peguei uma torrada e voei para sala pra dar um beijo na minha mãe.
‒ Bye, coroa. Vou trabalhar, me deseja sorte.
‒ Você não precisa de sorte, minha princesa. É maravilhosa e consegue fazer tudo. – ela disse, acariciando de maneira doce meu rosto.
Eu tinha a melhor mãe do mundo!
‒ Um dia ainda vou te deixar criar um fã clube para mim. – brinquei, beijando sua testa e pegando minha bolsa no sofá. – Te amo. E se ele ficar pior, vai pra casa da Madalena.
‒ Estou terminando as coisas aqui para ir, ficarei lá até passar a dor de cabeça de ressaca dele.
Quase comecei mais um dos meus discursos sobre ela não ser obrigada a aguentar aquilo, mas me detive quando vi que se ficasse ali mais um pouco, perderia o ônibus e chegaria atrasada.
‒ Te amo.
‒ Também te amo, filha.
‒ Bom dia. – saudei uma senhora assim que cheguei ao prédio. – Me falaram que tinha que passar aqui antes de ir ao andar da presidência.
‒ Bom dia, jovem. Você é quem?
‒ Eu sou a , sou a nova secretária do senhor , o meio que presidente daqui.
A senhora me olhou de cima a baixo e deu um sorriso que não consegui identificar o que significava.
‒ Ér... – comecei, um pouco sem jeito. – O que faço? Você vai ligar para lá ou…
‒ Ah, sim. – ela quicou um pouco na cadeira. – Só me mostra seu RG pra eu conferir e te entregar seu cartão de acesso.
‒ Claro.
Depois dela conferir tudo e me olhar novamente com um sorriso estranho nos lábios, me entregou o tal cartão e eu segui para o penúltimo andar.
Estava no primeiro andar quando elevador parou para outra pessoa subir. Era um homem que aparentava ter uns vinte e cinco anos e que era muito, muito bonito. Automaticamente cuidei de congelar no lugar em que estava, eu sempre costumava fazer besteira quando estava no meio de muita gente ou perto de alguém muito bonito. Não queria fazer nada de embaraçoso no meu ambiente de trabalho, não que isso fosse ser fácil, quando vim aqui a primeira vez só encontrei gente bonita, mas eu tentaria me controlar.
O homem me olhou desde o meu allstar até meu ultimo fio de cabelo. Acho que medir as pessoas deve ser costume desse lugar, pensei. Depois ele deu um sorriso, limpou a garganta e falou:
‒ Modelo?
‒ Hã?
‒ Você é modelo?
‒ Ah, nã... – tentei explicar minha função, mas ele me cortou.
‒ Deve ser da nova campanha das havaianas, né? Me disseram que teria muita mulher bonita por aqui hoje, mas juro que não sabia que seria tão bonita assim. – ele disse, com um sorriso sedutor nos lábios.
Ele estava me cantando?
‒ Não, eu não sou modelo da Havanaias, não. – comecei, tentando concertar o mal entendido, mas mais uma vez ele não de me deixou terminar.
‒ Então é de qual? Só lembro desta e da campanha pra uma marca de motos.
Já estava pronta para mais uma vez tentar explicar quando do nada o homem caiu na gargalhada e falou:
‒ Os meninos me falaram que iriam ousar, mas eu não sabia que eles fariam tanto. Preciso falar pra eles que já tem algo parecido nas paredes de algumas oficinas.
Demorei meio segundo para entender como ele imaginava que seriam as fotos e mais meio segundo para praticamente gritar:
‒ Como é que é?! Você tá achando que vou posar nua em cima de uma moto? – eu estava quase pulando no pescoço daquele cara.
‒ Nua? Não. – ele cuidou de deixar claro, mas seu sorriso ainda mostrava que ele pensava algo como aquilo.
‒ E você imaginou o que? – indaguei, cerrando os punhos.
‒ Só achei que seriam fotos sensuais entre vocês e alguns caras. – respondeu, casualmente.
Ele achava que isso era melhor?
‒ E essa empresa faz publicidades tão baixas assim?
‒ Não, quer dizer, vai do cliente. – pela primeira vez vi seu jeito macho cair um pouco.
‒ A PalyBoy vende motos, então? – indaguei. Cada vez que ele falava, mais eu me irritava.
‒ Hã? Olha, você disse que não era modelo pras Havaianas, eu só lembrei da campanha das motos, e o que há demais em fotos sensuais? Você como modelo deveria saber que faz parte do seu trabalho e bom, você tem um físico legal para isso. – e novamente me olhou de cima a baixo.
Todo aquele plano de não fazer besteiras foi por água a baixo e quando percebi, tinha enfiado a mão na cara do rapaz.
‒ O que você tá fazendo? – ele indagou, com seu rosto assumindo um tom bastante vermelho.
‒ Eu que te pergunto! Quem você pensa que é pra vir cheio de liberdade pra cima de mim? Ninguém nunca te ensinou a respeitar uma garota? – eu me controlava para não partir pra cima dele.
Se tem uma coisa que a vida me ensinou, foi a não marcar bobeira com caras enxeridos.
‒ E eu fiz o que?
‒ Me mediu, tirou conclusões precipitadas, me imaginou nua, me mediu novamente e quase lambeu os lábios enquanto fazia isso.
‒ E você, super superior, resolveu que deveria me bater? E eu não lambi nada, sei respeitar as pessoas. – ele estava muito irritado, mas não mais do que eu.
‒ Bateria em qualquer um que quisesse crescer pra cima de mim desse jeito. O dono disso aqui precisa saber quais funcionários ele anda contratando.
‒ Que dono? Você quer dizer meu pai que mal pisa aqui, ou eu mesmo, que sou o presidente?
Ai, meu Deus! O que eu fiz? Ai, meu Deus! Eu bati no meu chefe!
Me encolhi inteira diante de sua frase e do tom sarcástico que ela foi proferida. Olhei para o elevador, pronta para sair no próximo andar e fingir que nunca tinha conseguido uma vaga ali, mas vi que o próximo andar era justamente o meu, que no caso, também era o dele.
‒ Perdeu a língua? – ele quis saber, ainda irritado.
‒ Seu pai deveria saber, então. – respondi, em um tom bem mais baixo do que antes.
O rapaz bufou e depois disso vimos a porta abrir.
Eu não sabia se saía do elevador, ou ficava ali, fingindo que me enganei quando apertei o botão do quarto andar. Optei por ficar no elevador, mas com a sorte que eu tinha, nada saiu como planejado.
O meu chefe, ou ex, naquele exato momento eu não sabia direito, colocou a mão entre as porta para que o elevador não fechasse, e perguntou:
‒ Se você não é modelo de nenhuma das duas marcas, você é modelo de qual?
‒ Eu não sou modelo. – respondi, me encolhendo.
Ele me examinou e depois olhou para os botões do elevador.
‒ O que você estava vindo fazer no meu andar?
‒ Ér, acho que apertei errado. – tentei. – Vou pra o quinto.
‒ Se você não é modelo, não tem porque ir pra o quinto. – falou, mostrando-se desconfiado.
Bufei e praguejei baixinho. Depois coloquei meu melhor sorriso, levantei a cabeça e falei:
‒ Olá, senhor . Tudo bem? Eu sou sua nova secretária. – e estendi a mão para ele.
‒ O que?! – foi tudo que ele conseguiu dizer, e também fazer, visto que não apertou minha mão.
‒ Eu sou sua nova secretária. – repeti e olhei-o, na dúvida se deveria, ou não, sair do elevador.
Ele me deu passagem e concluí que deveria sair.
‒ Por que está vestida assim?
Foi a minha vez de me olhar de cima a baixo, meio incerta fiz isso com ele também. Meu chefe usava uma bermuda xadrez e uma camisa de gola pólo vermelha. Não vi muita diferença entre nós dois, digamos que eu ainda estava mais vestida.
‒ Acho que não entendi sua pergunta. – acabei confessando.
‒ Cadê seu blazer, a saia social... – ele iniciou, me deixando ainda mais confusa.
‒ Fui informada que aqui todos trabalhavam com roupas informais.
‒ Não as minhas secretárias. – respondeu, como se eu fosse uma anta.
Como é que era? Ele podia, mas eu não?
‒ Por que não? Se o dono, que até onde sei serve como exemplo, usa, todos podem usar, não? Os meninos me falaram que TODOS aqui se vestem assim, ninguém me avisou que tinha exceções.
‒ A senhora que te entregou isto, ‒ começou, apontando para o cartão em minha mão – estava vestida informalmente?
Sei que ele pretendia me fazer calar diante da resposta óbvia, mas eu tinha uma pergunta.
‒ Por que você pode e ela não?
Ele ficou calado por um tempo e eu, sem saber a hora certa de ficar calada, falei:
‒ Não acho que em uma empresa deste porte deveria existir segregação de pessoas.
‒ Meu pai usa paletó, ela segue ele. É assim que as coisas funcionam por aqui.
‒ Seu pai mal vem aqui. – antes que ele me perguntasse como eu sabia, emendei – Você me falou isso minutos atrás.
Ele estava pronto para me responder quando o elevador novamente se abriu.
Um cara que reconheci, mas não lembrei seu nome, saiu de lá e também – não que eu tenha novamente me surpreendido, já que aparentemente todos ali faziam isso – me mediu com os olhos e falou:
‒ E aí, ? Lembra de mim? – ele não esperou minha resposta, contudo. – Até que em fim você liberou roupas comuns para suas secretárias também! A Thaís vai gostar de saber disso, ela dizia que você a encarava sempre que lhe pedia algo. Falava que talvez você não gostasse de vê-la despojada, já que quem trabalha diretamente contigo não se veste como ela.
Olhei de soslaio para com um sorriso nos lábios e depois virei-me para o “meio conhecido” e perguntei:
‒ Ela é sua secretária?
‒ Sim.
‒ Então só as dele não usam roupas do dia-a-dia?
‒ Na verdade, só a minha usa roupas como a sua. Os outros temem deixar de imitar o manda chuva aqui – e apontou para um carrancudo. – Mas, já que tá tudo liberado…
‒ Existe secretário aqui? – perguntei, querendo saber se a tal regra tinha a ver com gênero.
‒ Poucos. – o rapaz, que eu ainda não lembrava o nome, respondeu.
‒ Eles se vestem como?
‒ Todos formais, querida . – respondeu fingindo um sorriso.
‒ Hum. – foi minha resposta brilhante.
Olhei para os dois rapazes a minha frente e logo lembrei que talvez fosse a hora de ir embora.
‒ Bom, ‒ comecei, me dirigindo ao sem nome e esperando que ele sacasse que era a hora de se apresentar novamente.
‒ Paulo. – ele falou, rindo.
‒ Bom, Paulo, foi um prazer te rever. Acho que vocês têm coisas para conversar. Vou indo. – e apertei o botão para chamar o elevador.
‒ Para onde? – Paulo indagou confuso. – Mal começou e já ganhou o dia de folga.
‒ Ér... Acho que não trabalho mais aqui. – falei, evitando olhar para os dois.
‒ Por que não?
‒ Ela me bateu. – acusou.
‒ Ele me assediou. – acusei de volta.
‒ O que? – os dois perguntaram juntos.
‒ Quer dizer, não sei se isso conta mesmo como assédio. Mas ele ficou falando sobre eu posar nua, ou com pouquíssimas roupas, e por algum motivo, isso pareceu muito bom e engraçado para ele.
parecia prestes a entrar em combustão. Não sabia se de raiva, ou de vergonha.
‒ Você imaginou a garota…
‒ Imagina só, dizer isso a uma funcionária. – falei, novamente não contendo minha língua.
‒ Não foi nada disto! Foi tudo um grande mal entendido.
‒ Um mal entendido bastante desrespeitoso. – acrescentei.
Paulo encarou , sem acreditar que o chefe, e aparentemente também amigo, tinha feito uma coisa daquelas.
‒ Eu achei que ela fosse uma das modelos, ‒ começou, defendendo-se – ela disse que não era das Havaianas, logo associei a campanha das motos. Vocês falaram que iriam ousar…
‒ Descendo ao nível das oficinas antigas? – Paulo parecia indignado.
baixou o olhar.
‒ Me diz que você não disse isso…
‒ Eu já disse que foi tudo um mal entendido, eu não queria ofender ninguém.
‒ Bom, o elevador chegou, até mais, Paulo. – falei.
Antes que eu entrasse, Paulo puxou delicadamente meu braço e falou:
‒ Sei que pode parecer pedir demais, mas eu queria que você não processasse o .
‒ Processar? – e eu perguntamos juntos.
‒ É. Processar, dar queixa, sei lá. O não teve a intenção de faltar com respeito contigo, mesmo que talvez tenha parecido…
‒ Mas eu... – ele tentou se defender, mas o amigo que impediu.
‒ Ele está arrependido, não está, ?
Eu não achava que o lance, que tinha mesmo um pouco de mal entendido, fosse pra tanto, mas mesmo assim me diverti encarando e esperando minhas desculpas.
‒ ? – Paulo tentou novamente e vi o homem se contorcer enquanto encarava meu sorriso vitorioso.
‒ Sim, estou arrependido. Desculpa.
‒ Ele também quer te dizer que você não está demitida.
‒ Quero? – indagou enquanto arqueava uma sobrancelha.
‒ Sim, você quer. – o amigo respondendo, dando um sorriso falso.
‒ Você quer? – perguntei, com um sorriso ainda maior no rosto.
‒ Sim. – foi tudo que ele conseguiu responder, mortificado.
‒ Tenho uma condição. – falei.
‒ Você é sempre tão irritante assim? – ele quis saber.
‒ Na verdade, sim. – dei de ombros. – Quero poder usar roupas casuais também. Não só eu, mas geral.
‒ Mas você já está de roupa normal. – Paulo disse.
‒ Ele sabe do que estou falando. – respondi e encarei meu, ‒ novamente, graças a Deus, porque eu precisava daquele dinheiro, ‒ chefe.
‒ Tudo bem. – bufou.
‒ Já que está tudo bem, vou indo. Depois passo aqui, acho que você não está muito no clima de resolver problemas agora, .
‒ Não mesmo.
Paulo entrou no elevador deixando apenas e eu. Duas pessoas que não sabiam como se comportar.
‒ Bom, ‒ iniciei, alguém tinha que dar o primeiro passo – onde fica minha mesa?
‒ Para minha infelicidade, bem em frente a minha sala. Ali.
E apontou para uma mesa grande, que tinha um computador e alguns papéis em cima.
‒ Olha, eu preciso dessa grana, está bem? Não me amola e eu também não vou te amolar.
‒ Por que acho que acabei de entrar na maior furada da minha vida? – ele falou baixinho, para si mesmo, depois de ter me ignorado e seguido para sua sala.
O clima tava tão pesado em casa que resolvi sair sem comer, não queria passar mais um minuto no mesmo teto que meu pai e seu cheiro de bebida. Segui para o trabalho almejando que me mandasse fazer alguma coisa na rua e eu tivesse tempo de comprar alguma coisa digna para comer, e por coisa digna eu falava até mesmo de um bolinho da padaria que ficava dois quarteirões da empresa.
Cheguei em frente a LS Publicidade e Propaganda e olhei pra o céu torcendo que Deus me escutasse e deixasse o menos mal humorado ao menos hoje, porque eu juro, com o péssimo início de dia que tive, eu seria capaz de arrancar as orelhas dele e grampear no pescoço se ele fizesse qualquer uma de suas provocações.
‒ Ajuda aí, Deus. Acalma a fera, só hoje. – falei, mas logo resolvi me corrigi. – Mas se quiser acalmar pra sempre, tudo bem, tá bom? Eu não me oponho.
Dei bom dia a mulher do térreo, ‒ que insistiu em continuar toda na beca, mesmo depois do ter liberado geral ‒ e segui para o trabalho mais legal e ao mesmo tempo mais chato do mundo.
Cheguei ao quarto andar e dei de cara com um bastante sorridente.
Valew mesmo, Deus.
‒ Bom dia, .
‒ Bom dia, .
Ele já ia entrando na sala quando voltou e falou:
‒ Se qualquer pessoa, que não seja o pessoal que vem aqui sempre, chegar a minha procura, diga que estou em reunião.
‒ Você sabe que elas – esse elas não era mero acaso, eram elas mesmo, várias modelos que insistiam em cair na conversa do meu chefe – podem te ver daqui de fora, não sabe? Sua sala é de vidro.
‒ Diga que é por skype. – finalizou, retomando o caminho da sua sala.
‒ Não seria mais prático pedir que elas não venham até aqui?
Ele sorriu. Sim, deu aquele sorriso raro que fazia até mesmo eu, sentir as pernas falharem.
‒ Você deve saber que elas não resistiriam e acabariam descumprindo a regra. – ele disse, todo metido.
‒ Só não entendo por que. – falei baixinho, mas pela revirada de olhos que ele deu, fui ouvida.
Meu pedido de fato tinha sido ouvido, menos o desejo de ser mandada para fazer algo na rua e, assim, ter tempo para comer. Estava trabalhando mais que nunca e isso me impediu de colocar até mesmo uma bolacha de água e sal na boca. Sentia-me um pouco fraca e o estômago já começava a doer, mas tentei convencê-lo de que logo, logo ele receberia comida. Mas ele não me escutou direito…
Quando estava saindo para acompanhar uma sessão de fotos, eu fui me levantar para lhe dar um aviso e nessa hora tudo rodou, depois começou a escurecer e antes de apagar de vez pude escutar a voz de alguém dizer:
‒ !
Quando acordei estava em cima de uma maca e encarava um teto branco. Assim que me mexi alguém pulou com tudo para cima de mim, quase conseguindo me fazer desmaiar novamente, mas dessa vez de susto.
‒ Você acordou! – exclamou, parecendo aliviado. – Você não pode ao menos uma vez na sua vida deixar eu seguir o curso normal das coisas que programo? Quando eu agradeço por você estar mais agradável, você resolve desmaiar. Não consegue ser menos mala, garota?
Eu sei que essas palavras deveriam significar maldade, mas pelo tom de sua voz e pelo sorriso estampado em seu rosto – era aquele sorriso – percebi que ele estava muito feliz.
‒ Você não merece uma boa secretária. – tentei brincar também.
‒ Vou chamar a Ana.
‒ Quanto tempo apaguei? – perguntei, antes que ele saísse.
‒ Tempo o suficiente pra me deixar em pânico e achar que você pudesse ter morrido. – respondeu e depois continuou. – Uns dez minutos.
Quando retornou junto a Ana, ele parecia mais ele, e menos aquele cara sorridente de antes. Tudo bem, ele era bem sorridente, mas não quando estávamos sozinhos ou na mesma conversa.
‒ O que aconteceu? – perguntei a enfermeira.
‒ Sua pressão baixou. Você se alimentou hoje cedo?
‒ Na verdade, não. – confessei.
‒ Suspeitei.
‒ Você estava sem comer até essa hora? O que te deu? – meu chefe me perguntou, olhando-me como se eu fosse uma anta.
‒ Me atrasei e tive que sair correndo de casa. – não tinha como, nem porque, lhe contar a verdade.
‒ Por Deus! Poderia ter dito, eu teria te deixado descer e comprar algo, fora que tem bolacha na copa.
‒ Foi mal. – foi tudo que consegui dizer, meio encabulada com aquela preocupação toda.
Quando voltamos à LS uma galera me espera junto à minha mesa. Eu era bem querida ali, todos eram uns amores, ou, como insistia em dizer quando alguém me achava legal, eles eram todos loucos e os garotos doidos para ficarem comigo – esse último argumento era um pouco verdade.
‒ Você tá bem? – Carmem, uma mulher com pouco mais de trinta anos e minha defensora durante minhas quase demissões, quis saber.
‒ Tô sim, obrigada por se preocupar.
‒ Todo mundo ficou preocupado. – Paulo disse. – Nunca vi o tão assustado. – e acabou rindo da preocupação do amigo.
‒ Testa ver uma garota cair dura na sua frente, aposto que também ficaria doido.
‒ Não fala como se eu tivesse, sei lá, morrido. Foi só um desmaio. – rolei os olhos.
O pessoal conversou mais algumas coisas e depois todos voltaram aos seus respectivos andares.
‒ Deixa eu organizar essas coisas aqui, esse desmaio me atrasou toda. – comentei, mais pra mim que para que começou a me olhar, incrédulo. – Que foi?
‒ O que você tá fazendo? – perguntou ainda com incredulidade.
‒ Trabalhando?
‒ Você passou mal, não vou te deixar trabalhando. Você está liberada.
Voltar pra casa mais cedo? Logo no péssimo clima que estava lá? Sem chance!
‒ Eu estou bem. Até já comi, não lembra?
‒ Mesmo assim.
‒ Juro que se eu não estivesse bem, te pediria pra ir embora, mas eu estou bem, sério.
‒ Geral inventa mentiras pra sair mais cedo e você tá negando essa oportunidade?
Bufei. Realmente não fazia muito sentido.
‒ Eu gosto de ficar aqui.
‒ Você quase se demitiu antes de ontem. – ele acusou, rolando os olhos.
‒ Mas claro, você e aquela garota me tiraram do sério! Primeiro que você me encarregou de tomar conta dos seus problemas pessoais, e segundo que a menina achou que eu tava ficando com você e você ainda achou ruim eu ter a deixado entrar depois disso. Quem aguenta? Mas você está até legal, então, não me demitirei hoje. – e dei um sorriso.
‒ Mas hoje você está doente. Vai pra casa. Fim de papo.
‒ Não vou. – falei, batendo o pé no chão. Como minha mãe falava que eu fazia desde criança.
‒ Sou seu chefe e estou dizendo que você está de folga. – ele rebateu, também batendo o pé no chão.
‒ Pouco importa. Nunca sigo suas ordens direito mesmo.
Meu chefe pegou minha bolsa da mesa e segurou meu cotovelo para me guiar ao elevador.
‒ Sempre me pergunto por que ainda não te demiti. – resmungou. – E você pode até não levar minhas ordens a sério, mas essa você vai.
Ele chamou o elevador sem sair do meu lado. Quando a porta se abriu, falei:
‒ , se você quer mesmo me fazer bem, não me faz ir pra casa.
Ele me encarou e perguntou:
‒ O que tanto tem na sua casa que você não quer ir de jeito nenhum embora?
Eu poderia ter inventado algo, sempre conseguia dobrar o , mas dessa vez não fiz nada disso. Ele tava sendo bom comigo pela primeira vez e me parecia injusto não ser com ele.
‒ Só não tá muito legal por lá. – respondi.
Ele me estudou mais um pouco.
‒ Foi por isso que você veio sem comer hoje cedo? – perguntou, preocupado.
‒ Aham.
Ele engoliu em seco e me guiou de volta pra minha mesa, mas em vez de me deixar sentar, foi ele quem se apossou na cadeira, parecendo chocado e muito mal.
‒ Desculpa a pergunta, não quero que se ofenda. Mas é que eu... Eu não sabia que vocês passavam necessidade.
Hã? Ele entendeu tudo errado e agora me olhava como se eu fosse a pessoa mais esquelética do mundo.
‒ Eu não passo fome, . – afirmei. – Você entendeu errado. O clima lá é que não é dos melhores, problemas íntimos que é melhor deixar pra lá, mas relaxa que você não paga tão mal assim.
Ele suspirou de alivio, mas logo voltou a ficar preocupado.
‒ Posso ajudar de alguma forma?
Quem era aquele e o que tinham feito com o meu chefe?
‒ Você não me dispensar já está de bom tamanho. Todo mundo que conheço também está trabalhando e não curto ficar zanzando pela cidade sozinha.
Ele refletiu por um momento e depois sorriu.
‒ Pronta para melhor tarde da sua vida?
‒ O que?
Mas sem me responder, ele correu para sua sala, pegou algumas coisas, trancou a porta, me entregou minha bolsa e me arrastou com ele.
‒ Vamos relaxar um pouco.
‒ Aonde vamos? – perguntei assim que entrei no carro, depois de ter esperado fazer umas ligações.
‒ Já assistiu a um jogo de beisebol?
‒ Esse esporte não é muito popular no Brasil. – respondi, já me defendendo.
apenas soltou o que pareceu uma risada pelo nariz e depois de alguns segundos em silêncio, falou:
‒ Bom, assistirá ao seu primeiro hoje.
Aquilo não me parecia a coisa mais animada para se fazer, e minha falta de resposta deixou claro que eu pensava isso, mas quando cheguei lá, percebi que estava enganada.
‒ Pra qual time você torce? – perguntei, empolgada.
‒ Pra o Medicina USP.
Olhei para o campo – campo deve ser campo em todos os esportes, né? – e vi que esse time não jogava.
‒ Eles não estão jogando.
‒ Aham.
‒ Então pra qual time você vai torcer?
Ele me olhou de forma engraçada.
‒ Na verdade, só vim porque gosto de ver e pra você relaxar.
‒ Escolhe um.
‒ Tudo bem, pra o Shida. Eles estão na lanterna.
‒ Vou torcer por eles também.
De começo e não entendi muita coisa, nem no fim, devo confessar. Mas respondia todas as perguntas que eu fazia de maneira tão paciente que suspeitei que ele não fosse ele.
‒ Não é tão difícil assim, .
‒ Sabe, eu mal dou conta de entender futebol, que passa quase todos os dias na tevê. Imagina isso. Embora esse esporte me pareça mais legal.
Ele riu e voltou a olhar o jogo.
No fim o time que a gente estava torcendo não ganhou o jogo, mas saímos felizes do mesmo jeito.
‒ Porque beisebol? – perguntei quando já estávamos nos portões de saída.
‒ Quando mais novo eu passei um tempo nos Estados Unidos, era um aluno um pouco indisciplinado e as escolas daqui não iam muito com a minha cara. – confessou, se divertindo com as lembranças que falar aquilo lhe trouxe ‒ Acabei conhecendo o esporte e gostando.
‒ E porque Medicina USP?
‒ Fiz faculdade lá e foi bom poder ver jogos novamente.
Seguimos pra o carro em silêncio e para mim, que falo pelos cotovelos, aquilo já estava se tornando incômodo.
‒ Que tal comermos algo? – ele sugeriu e eu agradeci por não continuarmos calados.
‒ Pode ser.
‒ Algum restaurante da sua preferência?
Eu ri daquela pergunta. Se soubesse o quanto tava sendo difícil economizar grana, saberia que eu jamais teria algum restaurante pra sugerir.
‒ Qual a graça?
‒ Os restaurantes que vou, definitivamente não são pra você. Que tal McDolnad’s? Até porque, combina mais com o programa.
‒ Tudo bem então.
Resolvemos pedir no drive e levar para comer no trabalho. Quando chegamos lá os funcionários já tinham ido embora, com exceção de uns dois ou três que tinham que terminar seus trabalhos ainda aquele dia.
Subimos para o andar da presidência comentando sobre umas bobagens que vimos na rua. Aposto que se Carmem ou Paulo nos vissem naquele momento, iriam levantar as mãos aos céus agradecendo pelo milagre. Acabei rindo ao pensar nisto.
‒ Que foi? – ele quis saber, enquanto a gente entrava em sua sala e colocava a comida na mesa.
‒ Só estava pensando que não nos matamos. Carmem e Paulo iriam ficar boquiabertos com isso.
‒ Paulo diria que finalmente você caiu na minha conversa.
Ele riu, mas eu fechei a cara na mesma hora. Eu não tinha caído e nem iria cair em conversa alguma daquele mala.
‒ E ele estaria bem errado. – falei, meio zangada.
‒ Ei – chamou e jogou uma batata-frita no meu rosto. – Relaxa que não é minha intenção te fazer cair em conversa alguma. Acredite em mim, se eu quisesse você já teria caído.
Como é que era?
‒ Igual caí no meu primeiro dia aqui? Verdade, quase te beijei enquanto dava uma tapa na sua cara. – respondi, mordendo meu hambúrguer com força pra não bater nele novamente.
bufou.
‒ Você não tem senso de humor, não? Você é muito chata.
‒ Só não quero que você ache que serei uma delas.
‒ Acredite se quiser, mas você iria adorar ser uma delas.
Olhei para ele incrédula demais até para responder. De onde vinha aquela confiança toda?
‒ Agora come logo, vou te deixar em casa. – ele falou, depois da minha falta de respostas.
‒ Ah, não vai, não! – avisei.
Ele me ignorou e continuou comendo, e embora minha vontade fosse de discutir, não dava pra fazer isso com alguém que se fingia de mudo.
Tínhamos saído da LS quando ele destravou o carro e falou:
‒ Vamos?
‒ Não sei pra onde você me chamou, mas eu vou pra casa.
‒ É pra lá mesmo.
‒ Olha, obrigada pelo dia, você foi gente boa na maior parte do tempo. Mas eu sei o caminho de casa, tá bem?
‒ Tá tarde.
‒ Relaxa. Eu sei me virar muito bem durante a noite.
‒ Mas…
‒ Já te disse: eu sei onde moro e sei me virar.
Segui meu caminho sem olhar para trás. Não importava o quanto tinha sido legal aquele dia, ele ainda era meu chefe chato e mulherengo e eu não deveria baixar a guarda.
Após aquele dia em que saímos juntos, é preciso dizer que as coisas melhoraram, mesmo que minimamente. Agora a gente já sorria ao desejar bom dia, e eu já não recebia tantas ameaças de demissão – um alívio para Carmem, como ela mesma acrescentou. – Mas as brigas continuavam lá, afinal, o que seria dos meus dias de trabalho sem encher o saco do meu chefe?
‒ , você já enviou aquele documento para o meu pai?
Documento? Pai dele? Hã? Droga!
‒ Aham. – menti.
Ele sorriu. Aquele sorriso.
‒ Sério? – quis confirmar.
‒ Aham.
Eu bem que poderia mentir melhor, mas sempre que mentia, virava monossilábica.
‒ Pois acabei de ligar para ele pedindo pra ele abrir o tal documento e ele disse não ter recebido.
‒ Sério? – me fingi de desentendida.
Ele novamente sorriu e se aproximou da minha mesa, inclinando-se sobre a mesma para falar bem próximo de mim:
‒ Sabe, , você é muita coisa, mas existe uma que você jamais conseguirá ser.
Que droga de proximidade era aquela? Eu conseguia até sentir o hálito dele.
Fiquei confusa automaticamente.
‒ O que? – consegui forçar minha boca a dizer.
‒ Mentirosa. Você não sabe mentir. – respondeu, voltando para o lugar que estava antes.
Ainda confusa com a aproximação, não respondi nada, fiquei apenas encarando-o com cara de idiota.
‒ Você não vai discutir, dizer que estou errado? – ele quis saber.
‒ Hoje eu não tô pras suas provocações, sabe? Vou te ignorar. Acho até que você gosta disto, de ser ignorado por mim. – falei, tentando voltar a sentir a irritação de sempre por ele. Ela era algo bem melhor que aquela sensação desconhecida.
‒ Você tá toda irritadinha e acha que é capaz de me ignorar? , meu amor, isso é impossível para você.
Não sei o que aquela aproximação fez comigo, mas gostei de escutar ele falando meu nome e colocando meu amor junto.
‒ , você tá bem? – ele quis saber, parecendo mesmo preocupado.
Eu ainda não tinha me acostumado com essas mudanças repentinas do .
‒ Hã? Tô sim. Por quê?
‒ Você disse que hoje não tava a fim de brigar comigo, o que já é bem estranho. E agora você tá com mais cara de demente do que de costume. Tá acontecendo algo em sua casa novamente?
Ele conseguia ser babaca e fofo ao mesmo tempo.
‒ Tá tudo em paz, , relaxa. E eu não estou te olhando com cara nenhuma. E você que é demente, e…
Fomos interrompidos por Paulo.
‒ E aí? Atrapalho?
‒ Não, só estava me enchendo o saco, pra variar. – ele disse, antes de fazer um comprimento típico de homem com o amigo.
‒ Vai te catar. – rebati um pouco irritada. sabia como me tirar do sério.
‒ Vocês são maravilhosos, sabiam? – Paulo perguntou e vi olhar feio pra ele. ‒ Tudo bem. – o amigo levantou os braços, se rendendo. ‒ Brincadeira errada. Vamos lá dentro, quero te mostrar uma coisa, babaca.
‒ É por isso que a não me respeita, vocês são todos farinha do mesmo saco.
Ignorei seu comentário e fui enviar o tal email enquanto os dois seguiam para a sala dele.
Alguns bons minutos depois, Paulo saiu de lá junto com meu chefe e parou na minha mesa.
‒ Vai rolar um encontrinho em um pub hoje a noite depois do trabalho, que tal você ir, ?
‒ Hã, não sei. Fica muito longe?
‒ Relaxa, a gente te leva pra casa. Vamos, a galera toda vai. Até o vai!
‒ Isso não é surpresa, onde tem mulheres, tem meu chefe. – falei, tentando controlar o riso.
‒ Vai se danar, . – ele falou entre dente e eu ri.
‒ E aí? Vai ou não?
‒ Tudo bem, a gente se encontra na saída, precisarei de carona.
‒ Eu a levo. – respondeu.
‒ Mas... – eu tentei protestar.
‒ Para de ser pé no saco, eles vão sair mais cedo que a gente.
Paulo deu uma risadinha da nossa briga e falou:
‒ Ah, cara, eu tento.
Não entendi muito o significado da frase, mas pareceu ter entendido, visto que rolou os olhos e foi embora para sala dele com a cara emburrada.
‒ O que foi que deu nele? – quis saber.
‒ Você é uma princesinha, . Com modos peculiares, claro, mas é uma princesinha.
Ele beijou minha testa e saiu, deixado-me sem entender nada.
‒ Vamos logo, . Tá amarrado nessa sala? – gritei.
‒ Eu deveria ter deixado outra pessoa te levar. – ele comentou, mais pra ele que pra mim.
‒ Você sabe que não teria graça. – brinquei.
Surpreendentemente ele riu em vez de rebater meu comentário.
andava bem estranho.
Entramos no carro e seguimos para o pub. Para evitar o silêncio, achei que seria uma boa ligar o som do carro.
‒ Posso ligar? – perguntei.
‒ Vou conectar com meu celular, tá bem?
Ele me olhou com aquele sorriso.
‒ Claro. Estou curioso para saber o que a senhorita esquentadinha escuta.
Rolei os olhos e conectei o celular.
Coloquei Tiago Iorc pra tocar e isso fez rir novamente.
‒ Tiago Iorc?
‒ Que é que tem?
‒ Nada, só não sei se era isso que eu esperava.
‒ E você esperava... – incentivei.
‒ Não sei, na verdade. O que mais tem aí?
‒ Clarice Falcão, Anavitoria, Capital Inicial, NXZero, Projota. Sou bem eclética.
‒ Percebi.
Não me envergonhei em cantar durante o caminho, algumas vezes percebi que meu “amigo” cantarolava baixinho, mas nada que eu pudesse escutar de verdade.
‒ Para sorte dos meus ouvidos, chegamos. – ele falou quando chegamos em frente ao Blue’s Pub. – Já veio aqui?
‒ Definitivamente não. Tô bem vestida?‒ perguntei, realmente um pouco preocupada.
me olhou de cima a baixo, mas sem aquela malícia. Apenas me olhava para responder sinceramente a minha pergunta.
‒ Você está linda. – respondeu, com um sorriso de lábios fechados.
Eu não esperava aquela resposta, na verdade, não achei que ele fosse levar a pergunta a sério. Fiquei um pouco vermelha e meio encabulada, mas resolvi deixar pra lá.
Quando chegamos todos que viriam já estavam lá, e Carmem abriu um sorriso satisfeito ao nos ver chegando.
‒ Vocês demoraram! – ela disse quando nos aproximamos.
‒ Culpe seu chefe, ele ficou trancado por um tempo naquela sala.
‒ Nada de briguinha hoje, senhorita. – ela advertiu. – Quero só sorrisos.
Como todos já estavam acomodados, acabei ficando ao lado de e desde aquela aproximação mais cedo, isso me deixava ainda mais incomodada que antes.
‒ Vou pedir uma bebida, quer? – ele perguntou.
‒ Tudo bem. Mas vou querer água com gás.
A bebida chegou e embora todos estivessem bem animados, eu ainda me mantinha calada. Respondendo apenas perguntas quando questionada.
Uma coisa sobre mim: converso com todos, mas não gosto de reuniões sociais. Nunca me saio bem.
‒ O que você tem? – ele quis saber.
‒ Nada.
‒ Tá calada.
‒ Não mando bem em reuniões sociais, sabe? – confessei.
‒ Mas você fala pelos cotovelos. – ele constatou, demonstrando surpresa pela minha confissão.
‒ Não nesses momentos.
Por algum motivo achou aquilo engraçado.
‒ Que foi?
‒ Nada. – e sorriu novamente – É só que hoje descobri mais de você do que nesses últimos cinco meses.
‒ Talvez por que você esteja sendo mais legal. – sugeri, tentando provocá-lo como sempre.
‒ É, talvez. De todo modo, conte-me mais dessa . – ele disse, colocando o cotovelo na mesa e apoiando a cabeça na mão.
Fiquei nervosa. O que eu poderia contar de interessante?
‒ Você quer saber o que? Não tem nada super legal.
‒ Maiores encrencas…
‒ Sempre fui de boa. – interrompi.
Ele me olhou descrente então tentei lembrar-se de algo.
‒ Ah! Uma vez fugi de casa pra ir a um show. Que eu lembro, só isso.
‒ Nenhuma fuga por motivo pior? Briga, porre, nada?
‒ Como deve ter percebido pelo meu pedido, não bebo – antes dele perguntar o que eu já faria ideia de que ele perguntaria, respondi – nada, nadica de nada. E briga, umas duas no meu tempo de escola, mas sempre fui medrosa pra essas coisas. Acho que você foi a primeira pessoa que bati depois de tanto tempo. – falei rindo. ‒ Os outros casos, eu dava conta no grito.
‒ Devo ter cara de molenga então. – ele concluiu. – Mas diz mais alguma coisa. Gostos, animal de estimação, sonhos.
Algo naquela conversa me deixava insegura. Talvez fosse o conjunto de tudo.
Estávamos no meio de muitas pessoas, mas conversando a parte. parecia realmente interessado nas minhas palavras e a gente não tava brigando. Além disto, tinha aquela estranha sensação de hoje cedo quando ele se aproximou, seu elogio quando chegamos, ele me encarando. Algo tinha mudado na relação e e nem mesmo eu, metade dela, sabia o quê.
‒ Gostos musicais você já sabe um pouco – comecei, meio incerta. – Sou mãe de um cachorro, e quero fazer intercâmbio.
‒ Pra qual lugar? – quando essas perguntas vão parar?
‒ Quero ir pra São Francisco.
‒ Quantos namorados? – ele perguntou, mudando subitamente o rumo das perguntas e dando aquele sorriso.
‒ Está na hora de saber de você. – desconversei. – Quais suas maiores encrencas, paixões, sonhos…
Ele percebeu minha mudança de assunto, mas deixou passar e começou a me responder.
‒ Fui um aluno rebelde na minha infância e adolescência, queria chamar atenção dos meus pais. Pai empresário sempre ocupado, mãe psicóloga que jura que entende seu filho, sabe como é, além de que, a perdemos quando eu tinha dezesseis anos – deu de ombros. – Então, qualquer encrenca escolar conhecida, provavelmente é nada perto do que aprontei. Sou apaixonado por beisebol e, embora goste, entendo pouco de futebol, por alguma razão desconhecida, nunca mandei bem nele. – rimos juntos dessa confissão. – Sempre sonhei em ter algum animal de estimação, mas meus pais não deixavam, então, desencanei. Meu sonho atual é rodar o mundo com uma mochila nas costas e só.
Encarei-o enquanto pensava no quanto ele naquele momento tinha tão pouco do meu chefe debochado e tanto de um cara normal qualquer, que eu poderia me interessar.
Não brinca com uma coisa dessas, Albuquerque, me repreendi mentalmente.
‒ Achei que fosse dizer que sua maior encrenca são as mulheres. – brinquei.
‒ Bem lembrado. – respondeu, entrando na brincadeira.
‒ Juro que não entendo como elas podem acreditar que vai ter algo sério com você, todas as amigas já tentaram e não conseguiram. O que vai mudar em três horas? O que tanto você inventa?
‒ Nada. Muito pelo contrário, não escondo meu estilo de vida. Acho que rola um interesse, mesmo que mínimo. Fora que algumas gostam da ideia de tentar domar o cara badboy.
‒ Maldito seja Belo Desastre. – brinquei, mas ele não entendeu a referência. – Deixa pra lá. – comentei, rindo.
‒ Mas acho que o grande motivo ainda é o fato de que sou realmente maravilhoso.
Acabei gargalhando.
‒ Esse seu amor próprio é surpreendente.
Enquanto limpava as lágrimas que caíram graças a risada, me vi curiosa para saber quantas tinham conseguido tornar-se sua namorada.
‒ Mas diz aí. Quantas já conseguiram o almejado relacionamento sério? – perguntei, não conseguindo conter minha curiosidade.
‒ Pergunta errada, senhorita . Achei que esse tema não fosse um bom tema pra ser respondido. – e me olhou de forma acusadora.
Se saber de sua vida amorosa significava contar a minha, era melhor esquecer mesmo aquele tema.
‒ Muito justo. – respondi, para frustração de , que parecia ansioso para falarmos desse assunto.
Depois de conversar mais um pouco, uma dos meninos apareceu tentando convencer a paquerar uma menina apenas para facilitar sua chegada na amiga, mas se negou alegando que não tava no clima aquela noite. Depois foi a vez de Carmem aparecer e dizer que a gente precisava socializar mais. Mesmo não gostando muito da ideia, me puxou pela mão e me levou para o um ambiente onde o pessoal tinha se reunido pra fazer brincadeiras vergonhosas uns com os outros. Acabei rindo da bobagem deles e sempre que achava que iam querer me incluir na conversa, me escondia disfarçadamente atrás de .
Já era quase dez horas quando avisei que estava indo pra casa.
‒ Você vai ter que fazer um caminho bem inverso, deixa que eu te levo.
Antes que eu protestasse, falou:
‒ Vamos terminar essa noite sem briguinhas, please.
‒ Okay, but i know the road of my house. – respondi, continuando a onda do seu inglês.
me encarou por um tempo e depois bufou, parecendo frustrado consigo mesmo.
‒ Que foi?
‒ Nada. Para o bem de todos, nada.
Dei de ombros e comecei a segui-lo para fora do pub.
No caminho pra casa sugeriu que eu novamente colocasse minhas músicas para tocar. Eu não sabia o que tinha acontecido, mas ele já não era mais o que estava conversando comigo no pub.
Mesmo percebendo sua inquietação e vendo que ele me olhava sempre que dava pra tirar o olho do trânsito, eu comecei a cantar as músicas como se estivesse sozinha. Se ele iria voltar a ser o pé no saco, que ao menos eu passasse por isso cantando.
‒ Entra nessa rua. – pedi.
‒ Claro. – foi tudo que ele disse.
‒ Aqui. – falei quando chegamos em frente a minha casa.
Tirei o sinto percebendo que cada movimento meu era observado por e aquilo me impediu de sair do carro como se a vinda até ali tivesse sido normal.
‒ Fiz algo? – perguntei, virando-me para ele.
‒ Como? – indagou, confuso com minha frase.
‒ Você tava uma pessoa no pub e agora tá outra. Eu fiz algo?
sorriu pelo nariz.
‒ Não, . Você foi ótima.
‒ Mas…
tocou em meu queixo, levantando meu rosto até ficar olhos nos olhos com ele.
‒ Eu sei que tem grandes chances de você me matar, mas eu preciso fazer isso.
Assim que percebi o que ele pretendia, eu pensei em me afastar e fugir daquele carro, mas algo me grudou feito cola naquele banco. Nenhuma parte do meu corpo obedecia ao meu cérebro, na verdade nem ele estava muito normal, visto que só conseguia pensar em o quanto ele poderia beijar bem.
Despertei dos meus pensamentos quando senti seus lábios encostando nos meus, o que me jogou em um outro abismo, mas dessa vez bem diferente daquele em que eu estava quando pensava que deveria ir embora. Senti sua mão tocar minha nuca e puxar levemente os meus cabelos, aquilo mexeu comigo de tal forma que em um impulso tirei minhas mãos que jazia ao lado do meu corpo e puxei-o para perto de mim. me beijava de forma ansiosa, como se tivesse que aproveitar cada segundo para o caso de eu surtar e nunca mais acontecer. Algo entre seu beijo cheio de desejo, mas seu medo de que eu me afastasse, me fez sentir-se linda. Linda como nunca tinha me sentido antes.
Agarrei-o com mais força, na intenção de calar meus pensamento e também os dele. Naquele momento eu não queria pensar em como seria depois, só sabia que precisava beijá-lo. Quando a falta de ar chegou, precisamos nos afastar e vi me encarar um pouco assustado, esperando no mínimo uma tapa.
‒ Não vou te bater, . – falei, tentando controlar um possível sorriso bobo que teimava em querer aparecer.
‒ Isso já é bastante coisa. – e cedeu um pouco os ombros parecendo aliviado.
Antes que pudéssemos falar mais alguma coisa, escutei um barulho de algo quebrando dentro de casa e virei rápido para abrir a porta do carro.
‒ Isso foi na sua casa? – ele segurou em meu cotovelo, antes que eu saísse.
‒ Sim.
‒ Quer que eu entre com você, que chame ajuda? O que será que tá acontecendo?
Eu bem sabia o que era. Mais um porre de meu pai.
‒ Não precisa, . Obrigada. – falei, saindo do carro.
Porém, antes que eu chegasse à porta, saiu rápido do carro e me acompanhou.
‒ Você não escutou aquele barulho? Quem está aí dentro? Você vai entrar? Não é seguro!
‒ , tá tudo sobe controle. ‒ falei, tentando não perder a paciência por ele estar me atrasando.
‒ Eu vou entrar com você, pode ser perigoso. – mas não vai mesmo.
‒ Olha, a gente deu um beijo, mas foi só isso. Não precisa bancar o protetor. Será que você pode ir agora? Eu realmente quero entrar na minha casa sem você tentando me impedir. Porque isso é um saco.
Ele olhou atônito, parecia não entender nada. Aproveitei seu estado de choque e entrei em casa, trancando a porta de chave assim que entrei.
No dia seguinte estava inquieta. Na noite passada, depois de todo trabalho que deu acalmar meu pai, acabei ainda perdendo o sono por causa daquele beijo de , eu simplesmente não conseguia entender porque tinha deixado, e pior, correspondido. Ainda tinha o fato de que eu temia o clima que estaria quando o visse. Sabia que tinha sido grossa demais pra quem acabou de beijar o outro e ao mesmo tempo agradecia por isso.
Agradeci por ser sempre adiantado, ele provavelmente já estava na sala dele e como hoje era dia de reunião, só teria que lidar com o problema, na pior das hipóteses, na hora do almoço. Mas eu não poderia estar mais errada.
Assim que cheguei ao quarto andar vi me esperando ao lado da minha mesa. Gelei.
‒ Bom dia. – ele disse, meio incerto.
‒ Bom dia, .
colocou as mãos dentro dos bolsos da bermuda e deu dois passos, parecendo escolher as palavras.
‒ Está tudo bem lá em casa. – falei antes mesmo dele fazer a pergunta.
‒ Que ótimo então. – respondeu, parecendo aliviado por eu ter entendido sua dúvida. Mas ao mesmo tempo um pouco decepcionado. ‒ Ér, manda um email lembrando ao pessoal da reunião. – ele finalizou, já me dando as costas pra ir pra sala dele.
‒ Desculpa qualquer coisa e obrigada, .
Ele virou para mim e deu um maneio de cabeça enquanto sorria de lábios fechados, depois voltou para sua sala.
Fiquei ali sozinha decidindo se ficava feliz por ele não ter tocado no assunto, ou magoada. Eu nunca tinha desejado ser a garota da vida de ‒ embora ele fosse aquele homem lindo que faz o tipo de todas – e achava que ainda não desejava, mas ao mesmo tempo não parava de pensar em como seria beijá-lo novamente.
Por Deus. Eu já estou querendo ser a do lance sério? Esse homem tem algum tipo de feitiço.
Graças a tal reunião, durante toda a manhã meu andar ficou tumultuado. Perto da hora do almoço Carmem saiu da sala de e disse que iria me esperar para almoçarmos juntas. Já estava quase terminando tudo quando saiu de sua sala com a cara mais fechada que nunca.
‒ , adie qualquer coisa que eu tenha para hoje a tarde. – ele falou.
‒ Vai sair?
me olhou com desdenhou. O que aconteceu? Eu quis saber.
‒ Faça o que mandei. – respondeu, entrando novamente em sua sala.
Será que todo aquele mal humor era ele tentando deixar claro que a gente não iria ter nada? E quem disse a ele que eu queria?
‒ O que deu nele? – Carmem perguntou, ainda debruçada na cadeira das visitas.
‒ Eu realmente não estou interessada em saber. – respondi, já com mau humor também.
Carmem não deu importância para minha resposta e apenas me esperou terminar para seguirmos rumo ao refeitório.
Achar que estava tentando me “dispensar” na base da falta de educação tinha me deixado bem mal humorada, por isso, a cada coisa que Carmem falava eu respondia apenas com um maneio de cabeça.
‒ Você sempre deixa o mau humor do seu chefe passar para você desse jeito? – ele indagou, parecendo brava comigo.
‒ Desculpe, Carmem. É só que... Como você aguenta ele? – perguntei, sentindo raiva.
Carmem riu um pouco.
‒ é um ótimo cara, . Ao menos, sempre que quer. E achei que vocês estivessem se dando melhor.
‒ Aí é que mora o problema. – acabei dizendo sem pensar.
‒ Como assim? – minha amiga indagou, se debruçando na mesa para chegar mais perto de mim.
Eu queria falar daquilo com alguém, e graças ao trabalho via minhas amigas cada vez menos, então, Carmem era a pessoa mais próxima de mim. E eu sabia que mesmo sendo chefe dela, ela jamais iria misturar as coisas. Diferente dele.
‒ A gente se beijou ontem. – confidenciei.
‒ Vocês o que? – ela pediu que eu repetisse enquanto soltava uma risada gostosa.
‒ Você escutou. – falei, rolando os olhos. Carmem às vezes se comportava como alguém ainda mais nova que eu.
‒ Tá achando que o mau humor dele tem a ver com isso? Isso não faz sentido.
‒ Eu não estou achando nada. Não quero achar nada. – respondi, carrancuda.
‒ Ah, meu amor. – ela puxou minha mão e seguro-a – Não seja boba, ele jamais ficaria mal humorado por isso. Ficar com você deve ser motivo de festa. Tira essa cara de bunda que é só estresse pós-reunião mesmo. Vai saber o que se passa naquela cabeça perturbada. – deu um risinho. – Mas definitivamente, não tem a ver com você. Asseguro-lhe.
‒ Você não pode ter certeza. – desdenhei. – Até porque eu acabei mandando ele ir embora de uma maneira bem rude.
‒ Como assim?
‒ Tava rolando umas coisas lá em casa, nada que você deva se preocupar. – lhe assegurei, assim que vi preocupação em seus olhos. – Ele queria entrar de qualquer maneira comigo, mas eu disse que não precisava. Ele insistiu e eu acabei tendo que ser grossa pra que ele se mandasse.
Carmem refletiu um pouco sobre a situação e depois falou:
‒ Mas eu ainda acho que não tem nada contigo. Você já fez coisas bem piores que ser rude com ele. – ele finalizou aos risos e eu tive que concordar.
Voltei para minha mesa e vi que meu chefe ainda estava em sua sala. Esperei que ele fosse sair em algum momento, mas ele passou a tarde inteira grudado em seu computador. Quando chegou perto da hora de ir embora liguei para o seu ramal na intenção de saber se iríamos ficar até tarde, mas ele tinha tirado o telefone do gancho. Lutando contra todos os meus instintos, fui até a sua sala quando terminei tudo.
‒ Já terminei tudo aqui e daqui a cinco minutos dá a hora de ir embora. Vai precisar que eu fique até mais tarde? – perguntei, apenas com a cabeça dentro da sala.
Ele olhou para mim e depois deu um sorriso sarcástico.
‒ Desde quando você só coloca a cabeça para dentro? Tá com medo ou querendo agradar?
Minha paciência para a “boa abordagem” foi por água a baixo e entrei em sua sala já falando.
‒ Nem um, nem outro. Você só está estressado e eu não queria incomodar. E pra começo de conversa eu nem preciso vir aqui saber de nada, terminado meu expediente posso ir embora se você não me avisar nada. Me lembrarei de não tentar fazer mais do que sou paga. – falei, já dando meio volta.
‒ Preciso que você revise dois emails antes de eu enviar para o meu pai. – ele falou, dessa vez sem sarcasmo.
‒ Da próxima vez coloque o telefone no gancho, assim não terei que vir até aqui. – falei, saindo da sala.
Obviamente o idiota não me obedeceu, de modo que tive que voltar a sua sala.
‒ Terminei, precisa de mais alguma coisa? – perguntei, ainda irritada.
‒ Uma passagem para Dubai, talvez? – ele perguntou, já rindo.
Eu realmente nunca entenderia as mudanças de humor dele.
‒ Posso fazer isso, compro no nome da empresa? – perguntei, fingindo não ter entendido a brincadeira.
‒ E eu te faria pagar cada centavo. – riu novamente.
Eu bufei. Hoje não estava para brincadeiras.
‒ Se isso é tudo, eu…
‒ Para de ser chata. – pediu, rolando os olhos.
‒ Eu sou chata? Você…
‒ Você se incomodaria de buscar algo pra eu comer lá embaixo? Pode pedir pra você também. Tô varado de fome.
‒ Claro.
‒ Toma. – e me deu cem reais.
Desci pensando no quanto eu queria arrancar o pescoço dele, e se eu seria presa caso envenenasse sua comida.
Comprei a comida e também comprei um cachorro-quente para mim, com meu dinheiro. Depois subi, torcendo para que essa fosse minha última tarefa.
‒ Tá aqui.
‒ Comprou algo para você? – ele quis saber.
‒ Sim, mas usei meu dinheiro.
‒ Mas eu disse que você podia comprar com o meu.
‒ Eu sei. – respondi e comecei a ir rumo à porta.
‒ Por que você tá brava comigo? – ele quis saber.
Às vezes era inacreditável.
‒ Eu? Não estou.
‒ Claro que está. – ele afirmou.
‒ Não tô não. – tentei, mesmo sabendo que estava falando igual uma criança birrenta.
‒ Come comigo? Nunca fui bom em comer sozinho, perco o apetite. – ele falou, todo manso.
Eu sabia que podia negar e que ele não tinha o direito de achar isso ruim, mas algo em mim não quis dizer não àquele convite e quando dei por mim, já estava me sentando em sua mesa.
esperou eu dar uma mordida no cachorro-quente para falar:
‒ Agora me diz por que você está brava comigo.
‒ Eu já falei que não estou.
‒ E eu já te disse que você não sabe mentir, não disse? Teu corpo inteiro te denuncia quando você tá mentindo. É sempre assim. Seu corpo fala.
Me arrepiei levemente com suas palavras. Foi um pouco impossível não pensar em nossos corpos juntos, e também temer que o meu estivesse denunciando meu pensamento.
Olhei para e ele sorria.
Droga de corpo falante!
‒ Ér... – ele pigarreou – vai me dizer?
‒ Acho que você não percebe o que faz, né? Foi maior babaca comigo, só estava facilitando para nós dois, me mantendo em uma distância segura.
Meu chefe passou a mão pelos cabelos parecendo estar em um dilema interno, depois disso suspirou e deu aquele sorriso.
‒ Desculpe, não recebi boas notícias sobre algumas coisas e acabei perdendo a compostura.
‒ Tá bem. – murmurei, enquanto mordia um pedaço da comida.
‒ E, . – chamou-me, me obrigando a olhá-lo mesmo sabendo que estava com ketchupe no rosto. – Eu não quero que você fique longe.
Arregalei os olhos e a boca também, o que ele estava querendo dizer?
Percebendo meu estado de choque, tentou reformular sua frase.
‒ Quer dizer... – começou, claramente embaraçado – Você é minha secretária e tals, não dá pra ficar me evitando. – ele se mexia sem parar na cadeira, como se a mesma tivesse espinhos. – É isso, quero dizer que não precisa temer nem ficar longe, vou tentar ser mais legal.
Fazer uma piada sobre ele ser legal foi tudo que me restou, já que eu também estava sem graça e sem palavras sobre aquele assunto.
‒ Você sendo legal? Essa eu quero ver.
Ele me olhou com uma cara engraçada e disse:
‒ Seu rosto tá sujo.
‒ Onde?
Mas antes que sua mão – que já estava vindo em direção a mim – alcançasse meu rosto, eu passei o guardanapo por todo ele.
‒ Tá tudo bem. – falei. – Limpou?
‒ Sim. – respondeu, frustrado com minha reação.
Ficamos em silêncio por uns segundos, até que ele falou:
‒ Não precisa ter medo de mim, . Sei que ontem passei dos limites, mas, bom... Eu esperei que você me parasse ou algo assim, juro que teria obedecido. Mas daí você retribuiu, me puxou para mais perto e…
‒ Eu tenho as mesmas lembranças que você, . – interrompi, envergonhada. – Não precisa citar cada uma delas. – e mordi os lábios, formando uma linha fina.
‒ É. – ele concordou, girando em sua cadeira, já tendo retomado a compostura. – De resumo, eu posso dizer que realizei seu sonho e nós já entendemos tudo. – e novamente deu aquele sorriso.
Eu odeio esse sorriso! Ahhhh, esse sorriso… Fiquei pensando.
‒ Nem nos seus melhores sonhos eu iria te enxergar desta forma. – falei, assim que consegui parar de babar pelo seu sorriso.
Graças aos céus ele pareceu acreditar em mim, por isso, terminamos nossa comida sem maiores constrangimentos.
Nos dias seguintes comer com começou a virar rotina. Ele estava atolado de tarefas e isso fazia com que nós dois saíssemos mais tarde, então, sempre acabávamos comendo algo antes de ir embora.
Isso era bom, claro. A gente tinha nossas brigas, mas o clima estava tão bom que por vezes me pegava querendo congelar o tempo, principalmente quando ele sorria. Mantínhamos sempre um papo leve que me fazia não se preocupar com as horas, acho que ele sentia o mesmo, visto que muitas vezes percebi que o mesmo me segurava no trabalho apenas para que a gente tivesse aquele momento. E essa parte era o problema.
Tudo estava ficando diferente, e isso ia muito além da impressão que tinha dele. A gente agora desejava estar com o outro, sentíamos falta quando isso não acontecia e eu várias vezes fui dormir pesando no que estava acontecendo entre nós.
Era dia de festa na empresa, o motivo: bom, eu não sei direito. Tinha algo a ver com data de criação, investidores, saída, não sei bem. O que importava é que todo quinto andar fora desocupado e lá aconteceria uma festa que estava deixando todos funcionários ansiosos, inclusive a mim, mesmo não gostando muito desse tipo de reunião social.
Eu me olhava no espelho pela décima quarta vez, talvez, mas sentia que ainda faltava algo. Percebendo que já tinha colocado minha melhor roupa e bijuteria, meu melhor sapato e tinha feito minha melhor maquiagem, me conformei que melhor que aquilo, não poderia ficar. Fui até a sala esperar que chegasse – ele se ofereceu pra ir me buscar e achei que isso era bem melhor que gastar mó grana com taxi, e claro, bem melhor que ir de ônibus enquanto usava um salto quase que do meu tamanho.
Minha mãe me olhou de cima a baixo, avaliando cada parte do meu vestido vermelho que era colado até a cintura, e se soltava depois da mesma, sem esquecer, claro, das minhas costas que ficavam totalmente a mostra.
‒ Você está maravilhosa, minha jujuba. – e veio até mim beijar meu rosto.
‒ Obrigada, mãe. – agradeci, dando-lhe um abraço.
‒ Pra onde você vai, ? – meu pai quis saber e admirei seu interesse.
Parece que alguém estava cem por cento sem álcool aquele dia.
‒ Uma festa na empresa, pai.
‒ Tá muito bonita. – ele disse, tentando uma intimidade comigo.
A verdade é que meu pai sem álcool não era alguém de todo mal, tinha um estresse nato dele, mas não era alguém ruim. Tenho lembranças da gente na sala, rindo de alguma piada. Mas depois o álcool roubou tudo de bom que ele tinha, inclusive a nossa intimidade.
‒ Valeu.
‒ Você vai de ônibus, filha?
‒ Nem se eu estivesse louca – respondi a minha mãe, rindo. – Um colega de trabalho vem me buscar.
Omiti a parte de que ele era o meu chefe, talvez os dois acabassem colocando minhocas na cabeça. Minha mãe, por exemplo, já estava colocando.
‒ Huuum. – começou com um sorrisinho que foi repetido pelo meu pai. – Colega de trabalho?
Fiquei nervosa com aquela brincadeira, algo se remexia dentro de mim com a possibilidade deles estarem certo.
‒ Sem chances nenhuma, mãe. – falei, mais até pra mim, que pra ela. – Podem ir tirando o sorrisinho.
‒ Mas…
Antes que minha mãe me contestasse, chegou uma mensagem de avisando que já estava em frente de casa.
‒ Ele chegou, tenho que ir. Xau pra vocês.
Quando sai, minha mãe saiu junto, e eu sabia muito bem que ela queria conhecer o tal colega.
Para minha vergonha desceu o vidro e assobiou ao me ver.
‒ Nada mal heim, ? – ele disse, rindo de maneira provocadora.
‒ E eu sou muito grata por você ter feito isso na frente da minha mãe. – resmunguei enquanto me dirigia a porta do carro.
‒ Tudo bom? – perguntou para minha mãe, um pouco incerto.
‒ Sim, filho. – e riu, um sorriso bem parecido com os que ela me dava, me deixando um pouco enciumada.
‒ Xau, mãe. – gritei, já dentro do carro.
‒ Xau, mãe da .
‒ Xau.
A festa estava MARAVILHOSA. Ah, chegando lá descobri que era comemoração da criação da empresa, até o pai de estava lá, assim como alguns investidores. Por ser comandada por um jovem, a festa não era chata como sempre falavam que as de festas de empresas costumavam ser, mas tinha um requinte que eu sabia ter sido exigido por o real dono de tudo.
‒ Tá gostando? – me perguntou.
‒ Tá brincando? Isso tá maravilhoso!
‒ Vai rolar uma apresentação chata feita por mim e meu pai, daí depois os coroas ficam por mais ou menos uma hora, logo após, a festa é nossa. – ele disse, rindo.
‒ Que lindo sua vontade de estar perto do pai. – provoquei.
‒ É só que quando ele sai, fica mais divertido.
‒ Posso imaginar o seu tipo de diversão.
‒ Vem, meu pai quer te conhecer.
Não tive tempo de perguntar por que raios o dono da empresa queria conhecer uma mera secretária. Quando dei por mim, já estava sendo apresentada.
‒ Essa é a , pai.
‒ Ah, sim. Tudo bom, ?
‒ Tudo bem sim. – respondi meio nervosa. – E com o senhor?
‒ Não me envelheça tanto, garotinha. Por que vocês jovens tem essa mania? – ele perguntou, sorrindo. E eu longo entendi de onde vinha o sorriso maravilhoso que tinha.
‒ Desculpe. – murmurei.
Ele não deu importância ao meu pedido de desculpas, apenas continuou a conversa de maneira casual.
‒ Fico feliz que esteja conseguindo se manter como secretária do meu filho. Você merece um prêmio.
Olhei para sorrindo e vi que ele também sorria.
‒ Com toda certeza! Seu filho me dá muito trabalho.
‒ Não mais do que ela me dá, pai.
‒ Sei bem, filho. – ele respondeu, deixando-me confusa. – Assim como também sei, . – mesmo ainda confusa, sorri – Agora, se não for pedir demais, vou pegar meu filho um pouquinho, ele tem um discurso para fazer, já te devolvo.
Hã? Por que ele estava falando daquela maneia?
Mesmo cheia de perguntas, respondi:
‒ Claro.
solto-se do pai e veio até mim.
‒ Sei que você não curte esse tipo de festa, mas preciso mesmo ir.
‒ Tudo bem. – um sentimento estranho cresceu dentro de mim depois da conversa com o pai de e agora com a frase dele.
Ele por acaso já tinha falado de mim para o seu pai? Se sim, o que? E porque toda aquela preocupação comigo?
‒ – chamei-o antes dele ir embora, mas logo me toquei que não era um bom momento para perguntar nada daquilo.
‒ Oi.
‒ Nada não. Arrebenta lá. – ele deu aquele sorriso e eu involuntariamente sorri de volta.
O tal discurso tinha sido maravilhoso. e Sebastião, seu pai, tinha uma intimidade que transpassava para nós e nos deixava seguros de ter duas pessoas como aquelas comandando a empresa. Fiquei muito orgulhosa do meu chefe quando ele assumiu sozinho o microfone e falou igual aqueles caras maravilhosos de filmes, tive vontade de abraçá-lo assim que ele saiu do mini palco.
Ele foi parado por várias pessoas durante seu trajeto, e percebi que vez ou outra ele me olhava de longe, resolvi me enturmar para não lhe atrapalhar.
‒ Eles são ótimos, não é? – Carmem me perguntou, quando me viu olhando para e seu pai.
‒ Sim, e parecem se dar muito bem.
‒ Desde que perdeu a mãe que seu pai é tudo pra ele e ele tudo pra o seu pai. Talvez tenha faltado umas palmadas na bunda do quando o assunto é mulheres, mas seu Sebastião fez um ótimo trabalho.
Eu ri, metade pela piada dele com mulheres, e metade de orgulho.
‒ , você está linda. – Paulo falou assim que me viu.
‒ Obrigada, Paulo.
Paulo tinha se tornado um bom amigo, assim como Carmem. Ele era um dos pouco que não tinha tentado algo comigo durante todo aquele tempo e isso me fazia gostar ainda mais dele.
‒ Deixa eu te apresentar minha noiva. Essa é a Jéssica.
Faz todo sentido ele não ter dado em cima de mim. Pensei, assim que conheci sua noiva.
Primeiro porque Paulo sempre me pareceu aqueles caras fiéis, e segundo porque ela era uma das mulheres mais lindas que eu já tinha visto na vida.
‒ Oi, tudo bom? – Jéssica falou.
‒ Sim. Parabéns pelo namorado, ele é um ótimo cara. E Paulo, sua noiva é linda.
Os dois riram e se olharam de maneira cúmplice.
Ainda conversávamos quando chegou por trás de mim e tocou levemente minha cintura. O que me causou um estranho arrepio e bagunça no estômago.
‒ Oi, Jéssica. – saudou. – Quanto tempo!
Aparentemente todos sabiam que Paulo era noivo, mesmo eu.
‒ Ah, é! Você fez belos estragos da última vez.
Ambos riram da lembrança desse algo e depois deram um abraço.
‒ Mas parece que resolveu se render a vida a dois, não é mesmo?
Demorei um pouco para entender do que ela estava falando. Mas quando vi seu sorriso lindo direcionado a mim e e vi que Paulo e Carmem riam um pouco enquanto corava, logo entendi tudo e corei também.
‒ Amor, eles não namoram. – Paulo informou.
‒ Oh, meu Deus. Me desculpe! – ela disse, tocando minha mão. – Paulo, mas você di…
‒ Acho que você esqueceu da outra parte. – ele disse, rindo um pouco enquanto ela parecia prestes a entrar em combustão de tão vermelha que estava.
Eu não estava em uma situação muito melhor, sentia que todo meu sangue havia sido levado para meu rosto e nem acreditava que ainda me matinha de pé, mesmo sem sangue no resto do corpo.
‒ Tudo bem, acontece. – falou, tentando melhorar o clima.
Vi que ele depois lançou um olhar atravessado para o amigo, que só fez rir e dar de ombro em resposta.
‒ Essa festa vai ser ótima. – Carmem falou, batendo palminhas.
Forcei-me a rir em resposta, mas ainda me sentia bastante envergonhada e também curiosa pra entender o que estava acontecendo com e seus conhecidos.
Como jurei para que jamais entraria em seu carro se ele estivesse bêbado, ele se limitou a tomar álcool apenas no brinde da empresa. – Eu fingi que bebi e depois joguei toda taça de champangue fora. ‒ Depois desse brinde os mais velhos e importantes se despediram e automaticamente o DJ mudou seu estilo musical tocando músicas bem mais atuais.
A galera cantava uma música dessa nova geração sertaneja e cheia de dor de cotovelo quando foi até o DJ e pediu pra colocar uma música que ele tinha no pendrive. Gritaram em reprovação durante os segundos de silêncio entre uma música e outra, mas logo começou a tocar a música que ele pediu. Era: Ela só quer paz do Projota.
Foi a minha vez de gritar – mesmo que internamente e de felicidade. ‒ Eu amava essa música. Fechei os olhos e deixei a música me levar, balançando-me lentamente no ritmo. Ainda de olhos fechados senti alguém tocar meu braço e me virar, abri os olhos e lá estava , me encarando de maneira profunda e causando uma sensação estranha dentro da minha barriga.
‒ Vem comigo. – ele pediu, com a voz carregada de emoção.
Dei-lhe a mão e saímos para um canto afastado do salão, onde ficava uma sacada.
‒ Essa música me lembra você. – a voz dele saiu mais rouca que de costume e eu me arrepiei ao ouvi-la. Era nítida sua ânsia em me dizer algo.
‒ É? – consegui me forçar a dizer.
‒ Sim.
Ainda sem soltar minha mão e se aproximando ainda mais, olhou em meus olhos, como se visse minha alma, e perguntou:
‒ Você me bateria ou surtaria se eu te beijasse novamente?
Não respondi com palavras, até porque temi que se falasse, meu coração que batia a mil por hora, sairia pela boca. Apenas balancei a cabeça em um não e segurei o ar enquanto ouvia ele dizer em resposta:
‒ Ah, !
Depois disso me envolveu em seus braços e me beijou de forma feroz, demonstrando todo desejo que sentíamos. Ele soltou nossas mãos pra poder envolver minha cintura com seus dois braços e eu corri os dedos pelos seus cabelos, puxando-os de leve.
Senti como se estivesse me tornando vários fogos de artifícios em explosão quando ele levou as mãos aos meus cabelos e puxo-os. Como ele sabia que eu gostava tanto daquilo? Depois essas mesmas mãos seguraram meu rosto, me mostrando o quanto ele não queria minha boca longe da sua. Me agarrei ao seu pescoço e intensifiquei ainda mais o beijo, tentando lhe mostrar que eu também não queria me afastar dele. Infelizmente a falta de ar nos dominou e precisamos parar para respirar.
soltou minha boca, mas ainda tinha meu rosto entre suas mãos e eu também ainda segurava seu pescoço. Quando abri os olhos o encontrei ainda com os seus fechados, que lentamente se abriram e me encaram de forma intensa e feliz. Não consegui – na verdade, nem tentei – resistir aqueles olhos e voltei a beijá-lo novamente.
Já tínhamos parado e retomado os beijos umas quatro vezes, e nessa nova pausa ocupava sua boca com meu pescoço e orelha, o que me causava arrepios longos.
‒ Queria poder fazer isso mais vezes. – ele sussurrou em meu ouvido enquanto eu apenas suspirei em resposta. – Não me preocupar com quando vou poder fazer novamente.
Finalmente entendi suas palavras e puxei seu rosto para que ouvisse, mas também me visse dizer:
‒ Quando você quiser, .
‒ Se eu quiser amanhã? – ele perguntou, surpreso.
‒ Direi sim.
‒ E depois da manhã? – dessa vez ele já tinha uma expressão feliz no rosto.
‒ Também direi sim. – respondi, sorrindo da bobagem dele.
‒ E próxima semana? – seu sorriso lhe deixava igual uma criança, acabei sorrindo boba em resposta.
‒ Sempre. Quando você quiser.
Fui pega para um beijo arrebatador que só me confirmou que eu não estava errada em minhas palavras. Eu corresponderia aqueles beijos sempre que ele me fossem dados. Nada me parecia tão certo como estar em seus braços beijando sua boca e atrelada ao seu corpo. Diferente do que imaginava antigamente, não me senti mais uma, me tocava como se eu fosse uma deusa aqui na terra e aquilo fazia com que eu me sentisse a mais linda das mulheres. E também diferente do que eu imaginava até hoje antes daquele beijo, o clima entre nós e a sensação que ele me causava não se tratava de amizade, nem mesmo apenas desejo, eu gostava dele. Eu ficaria com meu chefe sem problemas.
‒ Você está em meus braços. – ele falou com a testa colocada na minha.
‒ Eu estou ficando com o meu chefe. – respondi e nós dois gargalhamos.
‒ Você tá maravilhosa. – elogiou-me baixinho.
‒ Você já disse isso.
‒ Não dessa maneira. – corrigiu e me encarou profundamente. – Você está a mulher mais linda deste lugar e eu nunca tinha ficado tão nervoso em estar ao lado de alguém como fiquei ao te ver entrar desta maneira em meu carro.
Nos beijamos novamente e novamente, só nos separando para informar que ele iria me deixar em casa, e voltando a nos beijar assim que entramos no carro e antes de eu sair dele também.
Eu estava apaixonada por . Isso já era um fato desde que lhe beijei na festa – ou até antes ‒, mas só agora, duas semanas depois, eu admitia para mim mesma. Tínhamos apenas o pós trabalho para ficarmos juntos, mas foi tempo suficiente para me confirmar que eu estava apaixonada.
Ele agora me levava em casa e vez ou outra parávamos para comer alguma coisa, nos dando mais tempo juntos. Os finais de semana ainda não eram nossos, e essa escolha foi minha, que não queria deixar minha mãe sozinha nos piores dias do meu pai.
Como deixá-la sozinha por um lance que nem estava claro sobre o que realmente era para a outra pessoa?
Essa dúvida era a única coisa que perfurava minha bolha de paixão e felicidade. Cada dia me via mais envolvida, e mesmo sem receber mais as “visitas” de modelos, eu ainda não sabia se sentia o mesmo, ou algo parecido com meu sentimento. Temia estar entrando nessa sozinha e no fim ter meu coração partido, mas também não queria forçar nada, ainda era cedo. Mesmo que não tenha sido para mim, que sentia que deveria ter estado em seus braços desde sempre.
‒ Vou ter que ficar até mais tarde hoje. – ele me contou – Você vai me esperar?
Eu sabia que ele estava torcendo por um sim, por isso, quando confirmei, vi ele sorrir todo feliz.
‒ Posso pedir algo legal pra comer dessa vez, que tal?
‒ Qualquer coisa. – desde que estejamos só nós dois, quis completar.
‒ Tá bom, então. – e antes de me deixar voltar para minha mesa, me deu um selinho rápido.
Todo pessoal já tinha ido embora e resolvi adiantar umas coisas enquanto não parava para jantar. Mas logo senti-me entediada e fui para a sua sala, admirá-lo um pouco.
É bobo, eu sei, mas ele ficava lindo todo concentrado.
‒ Está com fome?
‒ Não, só vim ficar aqui mesmo.
Ele deu aquele sorriso e falou:
‒ Prometo que já vou parar.
Cerca de dois minutos depois deu um tapa na mesa e esbravejou:
‒ Droga!
Dei um pulinho na cadeira, um pouco assustada e sem entender nada.
‒ Que foi?
‒ A internet caiu bem na hora de enviar um documento, e meu pai está esperando esse email. Desculpa ter te assustado.
‒Puutz.
‒ Vou à sala do TI ver se não foi algum problema técnico. – informou.
‒ E você sabe arrumar?
‒ Já arrumei uma vez – deu de ombros.
‒ Vou com você. – lhe disse, já levantando.
Quando chegamos à sala, ligou o computador pra procurar o tal problema, sentei-me na mesa, ao lado do computador, enquanto esperava.
‒ Aqui! – exclamou e começou a digitar algumas coisas depois suspirou aliviado.
‒ Conseguiu? – perguntei,
inclinou o pescoço para cima, para poder me olhar, mas quando abriu a boca, não saiu som algum.
Aquele sorriso percorreu seus lábios, enquanto um brilho diferente passava por seus olhos. Ele escorregou a cadeira até ficar de frente para mim e afastou sutilmente minhas pernas para poder ficar entre elas. Segurando minha cintura com força, se levantou e me puxou para a beira da mesa, encostando nossos corpos. Eu via e sentia seus toques com o coração acelerado e quase sem respirar, ele tinha um domínio sobre aquilo que deixaria qualquer garota encantada. Depois ele levou uma das mãos ao meu rosto e acariciou, enquanto me encarava cheio de desejos. Puxando-me com a outra mão para ainda mais perto, me arrematou com um beijo que preencheu cada parte minha e me levou aos céus.
Ele já havia me beijado de várias maneiras, mas em nenhuma tinha tanta demonstração de me querer para si, como aquela. Era uma forma feroz e ao mesmo tempo meticulosa que fazia meu corpo inteiro reagir ao seu toque. Rapidamente ele já estava tirando minha blusa e depois a dele, tudo isso mal tirando os lábios do meu. Quando tocou o cós da minha calça, algo em meu corpo deve ter se retraído – mesmo que eu não tenha sentido – porque ele logo tirou suas mãos de lá e me encarou.
‒ O que foi?
‒ Hã? – indaguei, meio sem fôlego. – Não é nada.
Eu puxei-o para um beijo novamente, mas nervosa como estava depois de sua pergunta, ele novamente me afastou gentilmente.
‒ Você não quer?
Não tinha acusação ou mágoa em seu tom, apenas uma pergunta que demonstrava querer fazer quando os dois quisessem.
Suspirei.
‒ Eu sou virgem. – contei-lhe.
pulou para alguns centímetros longe de mim e me encarou um pouco confuso.
‒ Você... – mas não terminou.
‒ Sim. – respondi.
‒ Eu não achava, desculpa.
‒ Tudo bem. – respondi com um sorriso e lhe puxei para mais perto. – Eu quero isto.
Pretendia lhe beijar novamente, mas ele tirou delicadamente minhas mãos de seu rosto e se abaixou para pegar nossas blusas no chão.
‒ Acho melhor não.
Surpresa, encarei-o e encontrei um bem diferente do de minutos atrás. O desejo sumiu de suas feições e seus olhos estavam vazios. Na verdade, seu olhar já não se dirigia a mim, mas sim a um ponto qualquer da sala.
Sentindo-me envergonhada demais, coloquei a blusa e saí de cima da mesa, agora também evitando encará-lo.
‒ Vamos. – ele chamou, já com a porta aberta.
Sem dizer nenhuma palavra, voltamos ao nosso andar bem na hora que a comida também havia chegado.
‒ Acho melhor comermos. – ele falou, ainda sem me olhar diretamente.
Eu queria gritar com ele, perguntar qual era o grande problema em ser virgem, dizer que ele não tinha o direito de me beijar e mudar daquele jeito depois de eu ter sido sincera, mas eu sabia que se fizesse qualquer uma dessas coisas, cairia no choro e não desejava ser consolada por ele. Se é que ele faria isso.
‒ Você não vai precisar de mim, né? – perguntei, ignorando sua frase anterior que eu nem lembrava qual tinha sido.
‒ Por quê? – ele indagou, finalmente me olhando.
‒ Acho que vou pra casa. – respondi, tentando não chorar.
‒ Mas... – ele me encarou, ainda com os olhos vazios, e depois suspirou. – Eu te levo em casa, vou só enviar o documento para o meu pai.
‒ Não precisa. – murmurei, eu não queria que ele fizesse nada para mim, ainda mais por obrigação.
‒ Eu insisto. – respondeu, novamente evitando meu olhar.
O caminho para casa foi embalado apenas pelo som das minhas músicas, que ele pediu que eu colocasse. Não nos falamos um segundo sequer, e nenhum dos dois parecia estar mesmo dando ouvidos a música que tocava.
Enquanto tentava entender o que tinha acontecido naquela sala e também aceitar que fora rejeitada de maneira tão estúpida, olhava vez ou outra para o meu chefe e via ele tentando parecer bem mais interessado no trânsito congestionado do que realmente estava. Seu olhar, embora direcionado para os carros, estava vago e ele parecia também um pouco irritado, visto a força que segurava o volante mesmo com o carro parado.
‒ Chegamos. – ele disse, quando paramos em frente de casa.
‒ Obrigada. – murmurei, louca pra sair de dentro daquele carro e poder chorar em meu quarto.
segurou meu braço antes que eu saísse e virei para ele sem entender.
‒ Sobre hoje, ‒ iniciou – fizemos a melhor escolha. Sei que esse momento é importante para vocês, mulheres, e você tem que ter certeza para não se arrepender depois.
Como ele estava sendo babaca. Agora o motivo era que eu tinha que ter certeza? Ele não me ouviu dizer que queria? Nós dois sabíamos que não se tratava de mim.
‒ E eu tinha. – respondi.
‒ Mas…
Bufei. Eu não queria ter que discutir aquilo com ele. Não mesmo.
‒ Eu não quero mais falar disto, okay? Já me expus o suficiente para você hoje.
Ele concordou com um maneio de cabeça e me olhou parecendo destroçado. Vi que ele iria falar mais alguma coisa e por isso adiantei-me.
‒ Xau, .
Abri a porta do carro esperando que ele ao menos tentasse me segurar novamente e me pedisse desculpas, mas ele não fez nada disso. Esperou eu descer do carro e deu partida logo depois disto, sem nem baixar o vidro para dar xau, como sempre fazia.
As respostas para as perguntas que rodeavam minha mente desde que começamos a nos envolver, estavam respondidas agora. Por mais que eu tenha me apaixonado, não estava sendo correspondida, e se essa era a realidade, toda aquela paixão acabaria ali. Assim como meu envolvimento com .
Entrei em casa tendo a intenção de ir direto para o meu quarto chorar, mas encontrei minha mãe com o olhar distante, parecendo prestes a surtar.
‒ O que houve? – perguntei, preocupada.
‒ Lembra daquele dia que seu pai estava bem? – ela perguntou e algo alarmou em meu peito.
Quando minha mãe começava a contar uma história daquela maneira, sempre tentando começar beeem do começo, algo muito ruim viria no final. Por isso, sentei no sofá em sua frente sentindo um aperto no meu peito maior do que já sentia com relação a .
‒ Sim. – respondi, lembrando que foi há quase três semanas atrás, no dia da festa da empresa.
‒ Ele me prometeu tentar parar, e achei que dessa vez fosse dar certo, já fazia mais de vinte quatro horas que ele estava dentro de casa sem beber. – balancei a cabeça para que ele continuasse. – Então, eu estava muito ocupada, não teria tempo de ir até à casa de dona Marta levar o dinheiro do aluguel.
‒ Ah, não. – disse, me encolhendo no sofá.
‒ Ele se ofereceu para ir, e eu achei que podia confiar. Como nesse dia dormi na casa da Madalena por causa de sua crise de enxaqueca, não suspeitei que ele não tivesse pagado. Ele gastou cada centavo, . Gastou seiscentos reais em bebida.
‒ Como você soube?
‒ Fui à casa dela conversar para atrasar uns dias o que vai se vencer, pedir que não tivesse juros por esse atraso. Mas ela disse que não poderia fazer isso quando eu já estava devendo um mês, e ainda me lembrou que com dois meses de atraso, podemos ser despejados.
‒ Você contou o que aconteceu? – perguntei, levantando-me desesperada – Ela não entendeu que não foi sua culpa? Não posso acreditar que ela teria coragem de nos despejar por algo que não temos culpa.
‒ Calma, ela pediu que pagássemos o mês atrasado com os devidos juros e que diminuiria o juros na metade para o segundo. Mas ainda assim, não sei se é muito viável para nós. Não temos como pagar tudo.
Respirei fundo, pensando nas minhas opções. Eu tinha como dar o mês atrasado, mesmo que isso significasse tirar cerca de mil reais que estavam guardados para o meu sonho. Mas era o correto a se fazer.
‒ Eu pago esse atrasado. – falei.
Minha mãe sabia que mesmo querendo, não podia negar.
‒ Sinto muito, filha. – murmurou.
‒ Eu também, mãe. – respondi, triste por saber que meus planos de deixar de trabalhar para depois daquela vergonha de hoje, teriam que ser adiados.
No dia seguinte entrei no quarto andar sabendo que estava sendo observada pelo homem que eu era apaixonada. Tentei ao máximo controlar meu impulso de olhá-lo e quando falhei, encontrei-o tentando fingir que mexia no computador para disfarçar. Repeti para mim mesma que não deveria me comover com seus olhares, ele ainda tinha mudado comigo sem nenhuma explicação que não fosse o fato de que eu era virgem. E aquilo era mais babaca do que tudo que eu já tinha visto dele.
Perto da hora do almoço não me chamou para almoçar com ele, – coisa que ele sempre fazia, mesmo que eu negasse, alegando que todos iriam achar estranho – nem mesmo quando seu almoço chegou e eu tive que ir até a sua sala levar, ele falou algo.
‒ Seu almoço. – informei, deixando na mesa.
‒ Obrigada. – respondeu, sem nem levantar a cabeça.
Ele podia não querer nada comigo, tudo bem, eu até já entendia isso, mas me ignorar daquela forma era inadmissível. Joguei a comida com força na mesa e ele levantou a cabeça assustado.
Quando ele abriu a boca para perguntar o que tinha sido aquilo, eu comecei a falar antes dele:
‒ Olha, vamos parar com isso, que tal? Nós nunca tivemos algo concreto e agora não temos mais nada, isso já é do nosso conhecimento. Não precisa agir comigo igual você age com aquelas garotas que vem aqui chorando atrás de você, já namorei uma vez e ela foi suficiente pra que eu não tivesse muitas expectativas sobre nós dois, ainda mais você sendo você – eu esperava muito que ele acreditasse que eu estava realmente bem. – Então, vamos facilitar nossa convivência, em vez de voltar dez casas. Eu não vou chorar por um beijo seu, fica tranquilo. E muito menos achar que você e eu teremos algo depois disso, porque eu não acho e nem quero. Então, pode me olhar nos olhos quando falar comigo, eu não vou te agarrar ou cair no choro quando você fizer isso.
Algo em minhas palavras fizera com que ficasse com um semblante de dor, mas ele não contestou nada do que eu disse.
‒ Você me odeia? – ele quis saber e eu quis socá-lo por me perguntar isso.
Como eu queria te odiar, idiota!
‒ Não carrego esse tipo de sentimento dentro de mim, . Nem mesmo por você.
Lancei-lhe meu melhor olhar de desprezo e torci para que tudo pudesse ficar como antes dessa coisa de beijo. Mesmo sabendo que dentro de mim, jamais seria como antigamente.
Os dias seguintes não tinham saído tão bem quanto imaginei, – ainda tinha aquela tensão no ambiente e evitava horas extras comigo, mais do que o diabo foge da cruz – mas ao menos ele dirigia a palavra a mim sem olhar para o chão enquanto falava, e isso já era um avanço e tanto.
Eu estava grampeando alguns papéis, quando o elevador se abriu e de lá saiu uma morena de cabelos cacheados e olhos verdes, parecendo pronta para uma guerra.
‒ Olá. – saudei, enquanto via aquela morena ficar vermelha e quase soltar fogo pelo nariz.
‒ Fica na sua que não é nada contigo. – ela me disse, sem nem dirigir o olhar a mim. – Eu só vou entrar na sala do seu chefe e dar algumas bofetadas em sua cara. – finalizou, com a voz tremendo enquanto encarava meu chefe através dos vidros da sala.
Ele merecia umas tapas? Sim. Mas eu não deixaria que ela fizesse isso dentro de um ambiente de trabalho.
‒ Uou, fica paradinha aí. – falei, me colocando em sua frente. – Será que você não pode esperar até ele largar? Não posso deixar que você bata no meu chefe dentro dessa empresa.
Ela me olhou como se eu fosse um rato e tentou passar por mim fingindo que eu era invisível.
‒ Você não vai passar, moça. – falei, já perdendo a paciência.
viu a nossa movimentação, e quando dei por mim, ele estava ao nosso lado.
‒ Bianca. – ele falou, com um tom de voz impaciente.
‒ Que bom que você foi homem para vir até aqui. Já que não foi homem para mais nada a não ser me levar para cama. Você acabou com a minha vida!
Retirei-me do meio deles e fiquei ao lado, assistindo tudo.
‒ Eu não fiz nada. – ele respondeu, tentando parecer calmo, mas eu o conhecia o suficiente para saber que não estava.
‒ O Pietro não quer mais me ver! Ele acabou comigo e você não me respondeu nenhuma das minhas mensagens. Eu tô na merda.
‒ Mas eu não fiz nada.
‒ Você ficou comigo e não me deu nenhuma atenção mesmo tendo perdido tudo com o Pietro.
‒ Eu nem sabia que vocês tinham um relacionamento sério, Bianca! – ele exclamou. – Você me disse que era só um caso. E você sabia que era só uma vez.
Eu assistia a tudo enjoada com aquela cena. Fazia uma semana desde que paramos de ficar, eu realmente não significava nada para ele.
‒ Eu vou deixar vocês dois a sós. – falei, sentindo que se ficasse ali mais alguns segundos, iria chorar na sua frente.
‒ ! – ele chamou, mas graças aos céus, as portas do elevador já estavam se fechando e eu pude chorar em paz.
A única coisa que me fez voltar para aquela empresa no dia seguinte foi aquela retirada que tive que fazer na minha poupança para pagar o aluguel de casa. Quando cheguei ao quarto andar estava falando de algo provavelmente importante para ele com Paulo, já que passava as mãos constantemente nos cabelos em sinal de desespero.
Como aquilo não era da minha conta, comecei a fazer meu trabalho e tentei não pensar no que tinha acontecido ali no dia anterior.
Depois de alguns minutos Paulo saiu de lá e parou em minha mesa.
‒ Tenta manter a paciência com ele. – ele me disse e olhei-o confusa.
‒ O que? – indaguei.
‒ Se eu te disser que vocês valem a pena, vai parecer estranho? – ele indagou, sorrindo.
‒ Só vai parecer que você sabe o que eu não queria que soubesse. – respondi, um pouco envergonhada. – Ele te contou?
‒ Vocês não são bons em manter segredo. Visto que eu os vi na festa, e também se beijando uma vez naquela sala.
‒ O que? – perguntei, ainda mais envergonhada.
‒ Uma festa cheia de gente e uma sala de vidro não são os melhores esconderijos do mundo. – deu de ombros.
Abri e fechei a boca algumas vezes, mas não formulei nenhuma frase.
‒ Tenha paciência com ele, ele só está…
‒ Não termine. – pedi de maneira autoritária demais para mim. – Eu não quero saber de nada sobre o , Paulo. Ele, graças aos céus, não é problema meu. Não quero nada com ele.
‒ O é louco por você. – ele disse.
‒ Você nunca esteve tão enganado.
Eu estava perdendo mais umas horas de sono pensando em , quando vi meu celular ascender com sua foto. Antes que o toque começasse, atendi. Preocupada com o motivo que tinha o levado a me ligar uma hora daquelas.
‒ ?
‒ O que você quer uma hora dessas? ‒ perguntei sem paciência.
‒ Que você venha até a porta?
‒ Hã? ‒ tudo bem que a voz dele entregava que estava bêbado, mas aquela frase não fazia sentido algum.
‒ A porta da sua casa.
Como é que era?
‒ Eu estou aqui.
Pulei da cama assim que entendi.
Ele tinha ficado maluco? O que raios ele estava fazendo na porta da minha casa?
Sem acreditar direito, segui pra porta e quando abri, lá estava ele. Lindo. Ele estava lindo usando paletó ‒ coisa bastante rara ‒ todo amassado. Ele ficava lindo de paletó. Um lindo que me causava repulsa por seu cheiro de bebida.
‒ O que você tá fazendo aqui? ‒ perguntei, sem entender.
‒ Eu vim te ver.
Balancei a cabeça me negando a acreditar na idiotice daquela cena.
‒ Vai pra casa, . ‒ pedi.
‒ É isso que você não entende.
Não perguntei nada, apenas o encarei mostrando que não queria dialogo com ele.
‒ Você É a minha casa. ‒ ele disse, parecendo sentir dor ao confessar aquilo.
‒ Você tá bêbado, fedendo e, pra piorar, veio pra cá dirigindo.
‒ Vai ignorar o que acabei de dizer?
‒ Nada do que você me disser vai importar.
‒ Você é a minha casa, . ‒ ele se aproximou de mim e me puxou para perto dele. Eu tinha a intenção de me disvenchilar, mas não sei se fiz isso. ‒ Eu sei disso desde o momento em que entrei naquele elevador, desde…
‒ Só cala a boca.
‒ Mas você... ‒ ele ia continuar na frase, mas de tão bêbado que estava acabou tropeçando nas próprias pernas e só não caiu porque eu o segurei.
‒ Mas você ‒ iniciei, usando sua frase ‒ está caindo de bêbado pra falar qualquer coisa.
Na verdade ele estava bêbado pra fazer tudo. E mesmo sabendo que ele não merecia minha preocupação, sabia que não deveria deixar ele dirigir daquele jeito.
‒ Vem, não vou te deixar dirigir assim.
‒ Hã?
Puxei pra dentro de casa e acabou sorrindo um pouco.
‒ Eu sabia que…
‒ Você não sabe de nada, . ‒ lhe cortei, irritada. ‒ Tá bêbado demais e não vou te deixar dirigir agora. É só isso.
‒ Eu não quero sua pena. ‒ ele falou enojado.
‒ Tivesse pensado isso antes de aparecer caindo de bêbado na porta da minha casa. ‒ respondi. ‒ Senta logo que vou fazer um café forte pra você.
Empurrei-o no sofá e não lhe restou alternativa que não fosse cair com tudo no mesmo.
‒ Ah! ‒ voltei-me para ele. ‒ Existe um motivo para eu nunca beber. – ele me olhou interessado. ‒ Tenho pavor de gente bêbada. ‒ e continuei meu caminho para cozinha.
Quando voltei com o café, no entanto, ele já estava dormindo. Então, coloquei suas pernas para cima do sofá e peguei um travesseiro no meu quarto para apoiar sua cabeça.
Fui pra cama tentar dormir, mas não consegui fazer isso de verdade. Apenas cochilava levemente, mas a presença de na minha sala me deixava inquieta demais. É, com certeza a paixão por ele não tinha sumido.
Acordei mais cedo no outro dia pra me arrumar e sair de lá antes que meus pais se acordassem, mas parece que todos, menos , resolveram fazer o mesmo.
Quando saí do banho escutei um tumulto no quarto de meus pais e não consegui chegar lá antes deles chegarem até a sala.
‒ Eu mal te vi esses dias, não vou deixar minha mulher sair enquanto estou em casa.
‒ Mal me viu porque passou todos esses dias bebendo! São apenas seis e meia e você já está completamente bêbado.
Corri pra sala bem a tempo de ver acordando um pouco atordoado e colocando as mãos na cabeça, provavelmente com ressaca. Apenas por esse motivo, gostei da gritaria em casa. merecia que milhares de pessoas gritassem em seus ouvidos.
‒ Quem é esse? – meu pai perguntou, confuso.
o olhou surpreso e até um pouco assustado, procurando por um rosto conhecido.
‒ Ele é um amigo, pai. Precisou dormir aqui por causa de uns problemas pessoais.
‒ A minha casa agora é a casa da mãe Joana? – ele perguntou, embolando as palavras.
Ignorei seu novo excesso e fui até puxando-o pela mão para fora de casa.
‒ Toma isso. – entreguei-lhe um comprimido quando já estávamos do lado de fora de casa. – Vai passar sua ressaca. Consegue dirigir?
‒ Sim. – respondeu, já desligando o alarme do carro.
Quando entramos no carro, ficou inquieto, querendo perguntar algo. Depois de uns dois minutos naquela visível agonia, falou:
‒ Seu pai estava bêbado, não estava?
‒ Sim.
‒ Foi isso que aconteceu aquele dia? – ele perguntou, virando-se para mim.
‒ Sim. E não precisa me olhar com essa cara de pena. – falei, um pouco irritada e envergonhada. – Não precisamos disto. Na verdade, esse foi um dos motivos que não quis que você entrasse aquele dia.
‒ Eu não estou com pena de você.
Mas eu sabia que mesmo no fundo e até mesmo não querendo, ele estava mesmo com pena.
‒ Vou pedir pra o Faustino levar uma roupa para mim, estou fedendo.
‒ Muito, ainda mais de álcool. – comentei.
O caminho até a empresa foi de reflexão para mim. Pensei no quanto não termos mais nada era ainda mais correto agora. Eu tinha pavor de bebida, não conseguia me sentir segura perto de alguém bêbada, e foi assim que apareceu em minha casa ontem. Entre um porre e outro mora o alcoolismo, eu sabia disso melhor que muita gente, não arriscaria.
Subirmos para o andar da presidência sem falar nada, eu estava ainda mais decepcionada com e ele, de alguma forma, sacou isso.
Concentrei-me no trabalho para esquecer os problemas e foi tomar seu necessário banho. Quando voltou estava com as feições um pouco melhores, mas também, um pouco inseguro. Ele veio até minha mesa e colocou um pacote em cima dela.
‒ Trouxe café da manhã.
‒ Estou ocupada.
‒ Você não comeu em casa, eu vi. E nós dois sabemos no que já resultou isso. Por favor – murmurou as duas últimas palavras.
Peguei o saco e aproximei de mim, sem querer olhá-lo.
‒ Obrigada.
Ele ficou ali parado mais um pouco, mas continuei o ignorando e ele entendeu que era hora de ir para sua sala.
Faltando dez minutos para hora do almoço ele veio novamente até a minha mesa e falou:
‒ A gente precisa conversar.
‒ Eu não tenho nada para conversar com você, . – falei, sem tirar os olhos a tela do computador.
‒ Tem sim. – ele respondeu, como uma criança birrenta.
‒ Eu não vou conversar.
‒ Se não quer falar do pessoal, falará do profissional. Tenho uma viagem para o exterior e você vai como minha secretária.
Levantei irritada ao escutar aquilo.
‒ Qual é a sua, ? Tá querendo me comprar, é isso?
Ele ficou confuso com minha reação, por isso me olhou incrédulo.
‒ O que? Claro que não. Acha mesmo que penso que uma viagem vai comprar uma garota que deu uma tapa na cara do chefe? E quem você acha que eu sou pra fazer isso?
‒ Um mulherengo com caráter muito duvidoso com relações a mulheres.
‒ Eu nunca fiz nada do tipo com nenhuma delas. E outra, você nunca foi como elas para mim.
O plano de não conversar sobre nossa vida amorosa estava acabado.
‒ Não fui? É, talvez eu tenha sido seu caso mais duradouro.
‒ Eu nunca fui até a casa de um casinho meu pedir desculpas.
‒ Você estava completamente bêbado. – rebati, enojada com a lembrança. – O que só me faz ter ainda mais nojo de você. – conclui.
‒ Eu não sou ele. – ele falou entre dentes, como se tivesse lido meus pensamentos.
‒ Não? Foi com porres assim que ele entrou na merda que está hoje.
‒ Eu errei, eu sei! Mas eu estava tão desesperado que nem sei como te dizer. E tudo que eu te disse ali, era verdade.
‒ Você estava tão bêbado que não deve lembrar nem como chegou lá.
Ele suspirou, tentando manter o controle.
‒ Eu lembro de tudo, . E eu só quero uma chance de poder terminar o que eu fui lá para te dizer. – sua voz saiu rouca mais que o normal, parecendo estar carregada de dor.
Respirei fundo, sentindo que não conseguiria dizer não aquele pedido.
‒ Você tem dois minutos. – falei, autoritária.
Ele sorriu nervoso e começou.
‒ Uma vez você me perguntou se eu já tinha tido namoradas, sim, tive duas, mas foram na minha adolescência e isso me deixa bem inexperiente no assunto. Eu fiz tudo errado, . – ele murmurou. – Você sempre me assustou, eu sabia que tava entrando na maior fria desde que te olhei a primeira vez.
passou as mãos nos cabelos parecendo desesperado.
‒ Desde que pus os olhos em você que meu coração não é mais meu. Nossas brigas sempre me provavam isso, porque eu sempre terminava querendo te beijar. Eu sou seu desde sempre, só me negava a enxergar isso.
Fiquei sem palavras depois de ouvir tudo aquilo, até mesmo meu raciocínio para lembrar-se da nossa última vez juntos e da morena de dias atrás, demorou a vir a minha mente.
‒ Você percebeu isso quando te contei que era virgem ou quando ficou com aquela mulher? – perguntei, não escondendo meu ressentimento.
‒ Quando você me mostrou estar pronta para dar aquele passo comigo, eu percebi ali o quanto você gostava de mim e eu tive muito medo de fazer algo errado, de algum dia partir seu coração. Eu sabia o quanto aquilo significaria e eu não consegui não temer te magoar depois daquilo. Porque eu sempre faço tudo errado, . Principalmente com mulher. E eu tinha medo de que tudo fosse uma atração.
‒ E não era? – indaguei com um fiapo de voz.
‒ Não. E meu dei conta disso assim que tentei dormir e não consegui porque você não saía da minha cabeça. Mas no outro dia eu não sabia como me desculpar, e eu sabia que tinha magoado muito você. Então você veio até minha sala e falou tudo aquilo, disse que não tínhamos mais nada e que você nem queria mais isso, não achei que tinha o direito de te confundir mais uma vez.
‒ Como você pode me dizer que sente tudo isso, mesmo nós dois sabendo sobre a garota?
‒ Eu fiquei com ela antes da gente. – ele respondeu.
‒ Não vem, . – falei, duvidando.
‒ Posso te provar, se quiser. Mas você não me deixou explicar na hora e eu novamente fiz tudo errado e não te disse depois. Quando cheguei em casa percebi que tinha te perdido de vez naquela hora que você saiu e me deixou com a Bianca, me desesperei e você acabou vendo o resultado.
Fiquei calada, tentando absorver aquele monte de informações. Aparentemente meus sentimentos eram correspondidos e não tinha feito nada de errado, mas ainda estava insegura.
‒ Eu sei que fiz tudo errado, principalmente depois do que eu vi hoje. Mas eu amo você, .
Tudo que ele falou ficou no mudo depois destas palavras.
Ele me ama?
‒ O que você disse? – perguntei.
‒ Eu disse tanta coisa, . – ele sorriu nervoso.
‒ Sobre seus sentimentos. – ajudei.
‒ Que eu te amo? – ele indagou, dando aquele sorriso. – Eu te amo desde sempre, . E todos sabem disto. O Paulo sabe, a Carmem, meu pai, a Jéssica, suspeito que até o carinha da limpeza já sabe disto. Me perdoa por todas as mancadas, eu te amo.
Pulei em seus braços e o abracei com força.
Ele ria, todo feliz enquanto retribuía o abraço.
‒ Promete nunca mais beber, . – pedi.
Ele me afastou um pouco para me olhar os olhos e disse:
‒ Achei que fosse pedir algo mais difícil. Eu abandonaria muito mais coisas para estar com você.
Beijei-o, sentindo saudade de estar em seus braços.
Era tão bom estar ali, tão correto.
‒ Eu não posso dizer que nunca mais vou errar com você, afinal, estou vivendo algo totalmente novo. Mas eu prometo lutar para fazer certo sempre que puder, e te amar como você nunca foi amada.
- Eu te amo tanto, .