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#008 Temporada

Migraine
twenty one pilots



Dor de Cabeça

Escrita por Scarllet Dias | Editada por Natashia Kitamura

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  Os créditos do filme estavam subindo quando Rafael olhou para mim cheio de expectativa.
  — Gostou?
  Quero dizer que não, que se ele gostaria de ganhar dinheiro com seu trabalho deveria fazer filmes comerciais, não indies. Queria dizer que achava câmera tremida algo de péssimo mau gosto e que, se eu fosse ele, já teria desistido daquele curso e tinha ido fazer algo produtivo, algo que fosse útil à sociedade.
  — Gostei sim. Tem futuro, hein? — eu digo, pois, apesar de qualquer coisa, ele não é responsável pelas merdas que passam pela minha cabeça.
  Saio da casa do meu amigo quase correndo, tentando esquecer a cena de grotesca de uma mulher sangrando pelo nariz e falando sobre como a vida era uma merda. Foi o curta-metragem mais longo e sem sentido que eu havia visto, com mensagens superficiais, repletos de clichês existencialista e problemas que todo mundo estava cansado de saber que existem.
  Pego um ônibus lotado para voltar para casa e agradeço a seja lá qual divindade que exista por ser sexta-feira, que é um dia que dá esperança de bons dias de folgas, apesar de sentirmos vontade de nos matar no domingo de tanto tédio. Ainda é três horas da tarde, mas encontrei diversos tipos de pessoas em estado eufórico e feliz demais para alguém que passou a semana estudando ou trabalhando. Ou, talvez, os dois. De qualquer maneira, essa euforia me atinge com a sensação de que apenas eu passo por guerras ininterruptas na minha cabeça. É um pensamento um tanto egocêntrico, mas impossível de evitar.
  Com o tempo em que passo no ônibus lembro da dor de cabeça que me assola desde o começo da semana. Começa a chover e fecho a janela ao mando de uma moça que aparentemente não tinha força naqueles braços raquíticos.
  Chego em casa molhado de cima a baixo e com a enxaqueca em seu ponto alto. Ignoro o meu irmão menor ainda com a farda da escola e jogando playstation. Apesar de saber que minha mãe odiaria me ver deitado na cama naquela situação, deito enquanto massageava minha testa, tentando em vão aplacar a dor.
  Mesmo com as luzes desligadas e um silêncio estranho de um final da tarde, meu cérebro parece capaz de explodir a qualquer momento. Sinto a cabeça pesar conforme penso na prova de Cálculo II que irei fazer na próxima segunda e sei que não irei dormir nesse final de semana, a não ser que roube mais uma vez as pílulas para dormir da minha mãe.
  A faculdade estava me sufocando, no entanto, ela não era única na minha vida a fazer isso. Eu sabia que em menos de uma hora minha mãe apareceria perguntando-me porque não consertei o seu notebook, embora eu tenha explicado diversas vezes que eu não fazia ideia como resolver aquilo. Meu pai, então, começará a falar quão preguiçoso eu era e que minha mãe iria morrer algum dia, então eu tinha que acatar todas as suas ordens, apesar de achar que a melhor maneira de resolver a situação era jogando toda a carcaça do notebook na lixeira.
  Tiro as roupas molhadas e tento dormir para adiar tal cena desconfortável, mas que se repete constantemente em minha rotina. Ainda assim, não consigo descansar. Aparentemente só irei o fazer quando estiver morto.
  Juan, meu irmão, aparece em algum momento ligando as luzes e fazendo um barulho irritante.
  — Você viu meu tênis azul, Felipe?
  — Como eu vou saber, porra? — respondo mal humorado — Se você não colocasse suas coisas em qualquer lugar saberia onde tá essa merda.
  — Nossa, precisa me engolir? Você não era assim...
  Dou um suspiro sabendo que descontar em meu irmão mais novo é covardia. Ele não tem culpa dos desgraçamentos da minha cabeça.
  Penso um pouco antes de responder:
  — Tá no jardim. Deve tá parecendo um aquário a essa altura.
  Juan sai sem pensar duas vezes e eu jogo o travesseiro na porta para fechá-la, já que ao que parecia meu irmão era aleijado das mãos e não podia fechar o caralho de uma porta.
  Eu confesso que estava mais agressivo nos últimos dias, mas a verdade é que a estupidez humana havia passado dos limites de que eu poderia ignorar.
  A verdade é que eu precisava de uma pausa ou meu cérebro iria me matar a qualquer instante. Levanto para tomar um banho, mas os meus pensamentos deprimentes não me deixam em paz. Escuto minha mãe chamar-me, no entanto, a ignoro deliberadamente.
  Minha cabeça ainda lateja quando, quinze minutos depois, finalmente apareci na cozinha.
  Estranhamente, toda a família estava lá, encarando-me. Meu pai também havia chegado e era o que parecia estar mais desconfortável com a situação.
  Engulo o seco sentindo que irei surtar a qualquer momento. O silêncio era violento e torturava cada pedaço da minha consciência.
  Então, minha mãe abriu os braços.
  Então, eu a abracei.
  Então, chorei.
  Então, pela primeira vez em muito tempo, sinto o alento de minha família ao abraçar-me em conjunto e dizer que tudo ficaria bem. Infelizmente, para isso, uma tragédia teve que acontecer.
  Fazia apenas quatro meses que Alice, minha noiva, havia morrido. Assaltada, humilhada, estuprada, assassinada. Seu corpo era quase irreconhecível quando a acharam em algum terreno baldio em Jaboatão dos Guararapes. Com ela, havia morrido toda a minha esperança de um mundo melhor.
  E não melhoraria. Eu sei que não.

FIM

  Nota: Essa foi a história mais difícil que escrevi. Migraine do Twenty One Pilots é uma música ótima, no entanto, o pessimismo e tristeza retratado na letra me deu muita dificuldade para criar algo plausível. Está aqui o resultado e espero que tenham gostado.

  O que você achou? Ah, e obrigada por ler!