Esta história pertence ao Projeto Songfics
Redes Sociais

--

73 leituras

Seja um
Autor VIP
www.espacocriativo.net/VIP

#019 Temporada

Two Birds
Regina Spektor



Dois Pássaros

Escrita por Khloe Petit | Revisada por Songfics

« Anterior


  Alan olhou para a neta sentada afastada durante o almoço em família. Todo mês, a enorme família Dias se encontrava no sítio em que ele cuidava todos os dias para o evento. Havia piscina, um grande campo verde para os mais jovens correrem, lago seguro o suficiente para as pessoas se jogarem dentro sem preocupação, e uma enorme área coberta para churrascos ou outras refeições para se fazer em um grupo grande como aquela família.
  Vez ou outra, como naquele momento, ele gostava de se afastar e observar todos os enteados. Filhos, netos e até dois bisnetos. Gostaria de poder mostrar à sua querida Martha como estava feliz. Como a família que eles construíram era feliz. Apesar de haver sempre uma desavença ou outra como em qualquer família, não era o suficiente para causar um mau estar entre o grupo. Família era família, afinal.
  Ao se afastar, enxergava aqueles que estavam com mais problemas. Tentava, então, se aproximar e ouvir o que eles tinham para dizer. Alan acreditava firmemente que sempre havia uma solução para todos os problemas. Se não havia, bem, então eles não haviam pensado direito.
  Naquele dia o bichinho da tristeza estava em sua neta, Olívia. A menina de 14 anos estava sentada em uma mesa afastada, observando os primos brincarem aos gritos no campo. Alan sabia que ela estava entrando em uma fase perigosa para os adultos, em que não ouvia o que eles tinham a dizer e achava que o mundo girava em torno de si. Mesmo assim, se aproximou calmamente, pegando dois copos de suco e seguindo até a garota.
  – Tem alguém aqui, minha filha? - perguntou.
  Recebeu um olhar preguiçoso da neta, que negou com a cabeça e o ajudou, arrastando uma cadeira ao seu lado.
  – O dia está muito calor para brincar como seus primos?
  – Eu não sou mais criança, vovô.
  Alan abriu um pequeno sorriso. Quis soltar uma risadinha, mas se conteve. O que Olívia viria a saber anos mais tarde, é que, para aquele avô, todos os netos e bisnetos sempre seriam crianças.
  – O que te aflige, querida?
  Ela ergueu os ombros em resposta. Não queria conversar. Estava chateada demais com o acontecimento da última semana.
  – O que jovens da sua idade fazem hoje em dia para se divertir? - Alan voltou a falar. – Na minha época, quando tínhamos uma folga do trabalho, jogávamos futebol descalços.
  – Eu queria poder trabalhar. Ter meu próprio dinheiro. - ela disse, emburrada.
  – Ora, mas o dinheiro não era para mim? Seus bisavós tiveram 8 filhos e éramos pobres, então era normal que os mais velhos começassem a trabalhar cedo com um bico aqui ou ali, para ajudar a colocar comida na mesa.
  Olívia olhou para o avô sem graça. Nenhum neto nunca gostava de saber sobre o lado ruim do passado dos avós, porque sempre achavam que estavam ouvindo alguma lição de moral. Talvez estivessem, mas essa não era a intenção daquele velho.
  – Outros tempos, minha filha, outros tempos… - ele acariciou a cabeça dela. – Você agora pode se divertir o quanto quiser nessa idade. Pode pensar em trabalhar lá na frente. Posso te contar um segredo?
  Olívia o olhou, mais por respeito do que curiosidade, porque não achava que um segredo do avô mudaria a sua vida como quando era criança. Mesmo assim, riu quando ele disse:
  – Depois que começar a trabalhar, não poderá parar nunca mais. Virará escrava do dinheiro. Aproveite enquanto seus pais fazem isso por você. Deixe para eles o trabalho sujo.
  Então, enviou-lhe uma piscadela, brindando com ela e seus sucos. Passaram a olhar os primos surgindo com caixas de papelão desmontadas e subirem o morro que havia ao fundo, perfeito para deslizarem em alta velocidade.
  – Entrou uma menina nova na escola e todo mundo gosta dela. - Olívia de repente disse. – Eu tentei brincar e me divertir com todos, mas ninguém liga para mim. Querem só saber dela.
  “Ah, a juventude…” ele pensou com um sorriso.
  – E a menina nova não lhe deu atenção?
  – Deu, sim. Mas não quero ser amiga dela. Quero as minhas amigas.
  – Entendo. - o avô disse, pensativo. – Você já ouviu falar da história dos dois pássaros?
  Olívia, mais uma vez, ergueu os ombros. Alan pode ouvir a resposta em voz alta “não me importo”. No entanto, sabia que a neta era esperta. Sabia das qualidades e defeitos de cada uma das pessoas daquela família. Aquela menina, se incentivada da maneira correta, poderia ser uma grande médica, advogada ou cientista. Tinha curiosidade e matutava cada nova informação que lhe era passada. Além disso, guardava tudo em sua memória. Por isso, Alan sabia que ela compreenderia a história que contaria a seguir:
  – Havia dois pássaros em um fio. Eles haviam passado boa parte de suas vidas juntos.
  “Um dia, um dos pássaros, cansado da mesmice, tenta voar para longe. O outro manteve-se parado, apenas observando as tentativas do companheiro. Vê-lo tentar dá uma vontade de tentar também, mas ele não consegue. É um mentiroso.”
  – Mentiroso? – Olívia o olha, confusa. – O que isso tem a ver?
  – Acontece que aqueles que mentem, vivem em uma zona de conforto. Faça um círculo ao seu redor com tudo o que está acostumada. Dificilmente irá querer sair de lá.
  “E então o pássaro que tenta sair olha para o companheiro e diz: “Vamos! Tente também!”. Aquele, mesmo com a vontade dentro de si, finge não se importar e diz: “Estou cansado. Além do mais, o tempo está nublado e parece que vai chover.” O primeiro pássaro, então, continua a atentar, enquanto o outro somente pensa “que diferença faz tentar? Um a mais no céu ou um a menos, não faz diferença”.”
  – Este é um pássaro pessimista. – Olívia disse, a cadeira agora virada na direção do avô.
  – É mesmo. Ou talvez ele só esteja com medo de tentar algo novo, porque, como o vovô disse, ele está na zona de conforto.
  “Os dois pássaros são muito próximos. Cresceram juntos. Por causa dessa ligação, dizem que nunca irão se separar. Ficarão juntos para sempre, fazendo companhia um para o outro. Acontece que o pássaro acomodado jamais sairá daquele fio, enquanto o outro quer conhecer o mundo, sair em uma grande aventura. E enquanto ele diz para o outro saírem juntos nessa aventura, o mentiroso apenas diz que quer ir, quando, na verdade, não tem intenção de sair dali.”
  – E o que acontece com os pássaros?
  – Bem, um deles aprendeu a voar e saiu para conhecer novos lugares e novos pássaros. Já o outro, o que você acha?
  – Morreu? Sozinho e infeliz?
  – Por que acha isso?
  Olívia mostrou-se pensativa.
  – Ele poderia ter conhecido o mundo, mas escolheu ficar sozinho. E se chegou o homem e derrubou aquele fio? E se caiu um raio ali?
  – São possibilidades. - Alan disse, pensativo. – O que teria sido ideal?
  – Ideal? - ela olhou para cima, pensativa. – Se ele tivesse sido mais corajoso e ido com o amigo? E se esse amigo achasse outra coisa, pelo menos ele estaria vivendo uma aventura.
  – Exatamente. Agora, qual dos pássaros é você, Olívia?
  A neta ficou encarando o avô boquiaberta. Então, fechou a boca e olhou para as crianças brincando no campo. Passaram os dois, por um curto tempo, mudos, olhando a gritaria que rolava no campo.
  De repente, Olívia pôs-se em pé em um pulo.
  – Acho que estou com vontade de escorregar no papelão.
  – É uma ótima ideia - Alan disse, com um sorriso.
  – É… - ela disse, sorridente. – Vou lá, então. O senhor vai?
  – Esse velho já escorregou muito de papelão. Ficarei aqui, comendo.
  – Bem, então tá bom! - ela disse e, no meio do caminho, gritou para o avô. – Não vá ser o pássaro preguiçoso!
  – Você acabou de inventar isso, Olívia!
  A menina gargalhou, mais um sinal da esperteza que o avô sabia que ela tinha.
  Alan observou a menina se juntar aos demais primos e começar a se divertir como deveria.
  Talvez ela volte a amizade com a amiguinha que a deixou. Talvez ela comece novas amizades. Para Alan, o que importava era que sua neta fosse sempre feliz.
  E que sempre estivesse disposta a viver uma grande aventura.

FIM